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O preço da morte

Preocupação com o custeio de um sepultamento digno faz com que o momento da perda de um familiar se torne ainda mais doloroso

Bruna Ribeiro Otávio Santos

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Ao escrever “vaquinha para funeral”, na barra de pesquisa do seu navegador, imediatamente você irá se deparar com diversas histórias de pessoas que, devido ao elevado custo do sepultamento no Brasil, estão à procura de ajuda para poder proporcionar um enterro digno ao seu ente querido.

Segundo dados de 2021 do site da Prabem, organização especializada em assistência funeral, o preço de um caixão simples com translado até o cemitério gira em torno de R$ 900, isso sem contar gastos com preparo e liberação do corpo (que variam de R$ 800,00 a R$ 1.500,00), sepultamento (pelo menos R$ 400,00) e decoração (uma coroa de flores sai por pelo menos R$ 150,00).

No ano passado, o rendimento médio mensal domiciliar por pessoa caiu 6,9%, passando de R$ 1.454 em 2020 para R$ 1.353. Foi o menor valor registrado pela série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), desde 2012. Nesse cenário, para muitas famílias o enterro do ente querido fica ainda mais complicado de ser custeado.

A psicóloga Maria Helena Pereira, coordenadora do Laboratório de Luto (Lelu) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em entrevista ao canal Universa, do portal jornalístico UOL (publicada em 2 de dezembro de 2018), destaca que é essencial viver o luto: “o luto é uma experiência dolorosa, mas que possibilita uma construção de identidade e de significados importantes”.

A questão é que essa vivência acaba sendo deixada em segundo plano no momento em que os gastos com a partida do falecido se tornam a principal preocupação. “É muito difícil ter que deixar as emoções de lado para lidar com a forma de pagamento do velório”, relata a empreendedora Carla Vasconcellos, que arcou com os custos do funeral do marido de sua irmã.

Carla perdeu o cunhado em circunstâncias bastante traumáticas. Ele se suicidou. Ela queria ter oferecido maior apoio emocional à sua irmã e ter vivido melhor o luto do familiar, mas não foi possível. “Eu queria sentir a perda dele e, naquele momento, quase não consegui parar para abraçar minha família, por conta da preocupação com o lado financeiro.”

De acordo com a Lei 11.083, de 6 de setembro de 1991, a prefeitura é obrigada a conceder gratuidade do sepultamento e dos meios e procedimentos a ele necessários aos munícipes que não possuem condições de arcar com as despesas de funeral. Segundo o Serviço Funerário do Município de São Paulo (SFMSP), a gratuidade é válida para os inscritos em programas sociais do governo pelo Cadúnico (Cadastro Único que visa identificar famílias que estão em um estado de vulnerabilidade social). Dentre esses programas está o Sisrua (Sistema de Atendimento do Cidadão em Situação de Rua). Nesse caso o sepultamento ocorre em dois cemitérios públicos da cidade: o da Vila Formosa, situado na zona leste e que é o maior da América Latina, e o Dom Bosco, conhecido como “Cemitério de Perus”, localizado na zona norte.

No entanto, algumas pessoas que tiveram acesso ao benefício reclamam da baixa qualidade do caixão, da falta de decoração e da parca identificação do túmulo no cemitério público. Em uma página nas redes sociais uma mulher reclama que assim que os coveiros jogaram algumas pás de terra sobre o túmulo de seu amigo o caixão, por ser muito fraco, partiu-se. Ela diz que nunca se esquecerá desse triste acontecimento.

Por isso, muitos acabam buscando ajuda extra para enterrar o familiar de forma digna e ficam ainda mais angustiados, em um momento marcado pela extrema dor.

Aos que não estão cadastrados nos programas sociais do governo, ou seja, aqueles que não têm direito à gratuidade do funeral, o Serviço Funerário do Município de São Paulo informa que o valor mínimo para sepultamento é R$ 800,00. Se a pessoa quiser um pacote funerário com melhor caixão e decoração esse valor aumenta. O SFMP facilita as condições de pagamento em até três vezes no boleto bancário. O SFMSP administra 22 cemitérios municipais e a disponibilidade dos terrenos varia de acordo com a região da contratação dos serviços. Além dos sepultamos feitos em quadra geral, é possível fazer o enterro em áreas de concessão já adquiridas pelos familiares.

Mais de 70% dos brasileiros dependem do SUS ou de programas sociais para lidar com a saúde mental

Giovana Santoro Luca Ferrari

Para 53% dos brasileiros a saúde mental piorou na pandemia, de acordo com pesquisa do Instituto Ipsos, encomendada pelo Fórum Econômico Mundial e divulgada em abril de 2021.

Além daqueles que tiveram o psicológico afetado pelo contexto pandêmico, há muitos brasileiros que sofrem com doenças mentais importantes. A depressão é tida como o grande mal do século XXI. É considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a doença mais incapacitante do mundo. De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, divulgada em abril de 2022, 11,3% dos brasileiros relatam ter recebido um diagnóstico médico da doença. A frequência é maior entre as mulheres (14,7%) em comparação com os homens (7,3%). Os transtornos de ansiedade também têm atingido muitas pessoas na contemporaneidade e o Brasil possui o maior número de pessoas com ansiedade no mundo, segundo a OMS.

A psicoterapia é de extrema importância em todos esses casos, pois é um trabalho de autoconhecimento, em que a pessoa toma ciência das próprias emoções e aprende a lidar com elas. O indivíduo consegue enfrentar melhor os problemas da vida e balancear seus desejos, ambições, ideias e sentimentos. No entanto, devido aos graves problemas socioeconômicos do país, os brasileiros sofrem com o difícil acesso à terapia. O cuidado com a saúde mental acaba ficando em segundo plano, diante de necessidades mais urgentes, como alimentar a família. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), inquérito de base domiciliar realizado em 2020 pelo Ministério da Saúde em parceria com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), menos de 30% da população possui planos de saúde e mais de 70% depende do SUS (Sistema Único de Saúde) ou de programas sociais para lidar com a saúde mental.

Priscila Marcondes, 30, recepcionista da academia Velocity, relata sua insatisfação em não conseguir continuar o seu tratamento psicoterápico. “Eu acho péssimo, porque me faz muito bem, é uma coisa muito importante e eu não posso parar.” Ela explica que o tratamento psiquiátrico a que foi submetida incluí medicação acompanhada de psicoterapia. “Então eu preciso fazer os dois juntos, faz parte do tratamento. Se eu não faço, meu tratamento fica incompleto.”

Programas sociais, psicólogos voluntários e clínicas que oferecem atendimento gratuito ou com redução de custo, além do próprio SUS, são possíveis soluções para pessoas de baixa renda.

A psicóloga Diana Zanatta, de Maringá (PR), participou como parceira de um desses programas, promovido por uma igreja. Os fiéis que necessitavam de auxílio psicoterápico davam os nomes na secretaria da instituição e uma lista de espera era organizada. Os pacientes eram atendidos por Diana, conforme a disponibilidade da psicóloga.

A terapeuta também realiza consultas em um valor social de R$ 60,00, além de atender por convênio na plataforma digital Telavita. Diana nota grande contraste entre as realidades de pacientes socialmente vulneráveis e os atendidos por plano de saúde. “Enquanto na plataforma Telavita você encontra pessoas que fizeram uma cirurgia bariátrica e querem fazer terapia por conta da questão da autoestima ou que receberam uma promoção pra trabalhar fora do país e isso acabou afetando sua ansiedade, no grupo dos que não possuem plano [de saúde] você vai ver que a necessidade por terapia ocorre pela falta de emprego, pela dificuldade de fazer uma compra no mercado, por problemas com bebida, envolvendo alguém da família. São situações muito diferentes.”

Viviane Pessoa, psicóloga de Feira de Santana (BA), trabalhou no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Lá, viu uma alta demanda por atendimentos psicológicos de baixo custo. Ela explica que o papel da psicóloga do CRAS, quando chega uma pessoa que está com depressão ou crise de ansiedade, por exemplo, é encaminhar esse paciente para o Centro de Atenção Psicossocial [CAPS], já que o CRAS não oferece atendimento psicológico. “Porém, no CAPS a demanda é muito alta. Então muitas vezes eu fazia o atendimento não somente pelo CRAS, mas de forma voluntária.”

O tratamento para transtornos mentais deveria ser prioridade na vida de todas as pessoas. Estima-se que apenas 10% dos que possuem depressão procuram ajuda, segundo a OMS, e também que o risco de desenvolver depressão é maior em situações de pobreza.

De acordo com a OMS, o Brasil possui o maior número de pessoas com ansiedade no mundo.

Aumento da miséria e do número de pessoas em situação de rua são acompanhados de atitudes preconceituosas e construções hostis

Ana Luiza Martins Fernanda Falcon

No grego, á-poros significa “pobres” e “fobos” quer dizer “fobia”, “medo”. Nos anos 90, Adela Cortina, professora de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência, na Espanha, usou o termo “aporofobia” para se referir ao medo e/ou rejeição aos pobres, fenômeno que vinha sendo observado com o aumento da miséria. Em função do agravamento da pobreza em nosso país nos últimos anos (segundo o Censo da População em Situação de Rua, divulgado em 2021, desde 2019 o número de pessoas nessas condições em São Paulo teve um aumento de 31%), o termo voltou ao debate nacional. Especialmente após denúncias feitas pelo padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo. Em fevereiro de 2021, o padre quebrou a marretadas blocos de paralelepípedos que foram instalados pela gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) na parte inferior de viadutos na zona leste da capital paulista para impedir a presença de pessoas em situação de rua no local.

Além do pároco, ativistas de direitos humanos de diferentes organizações têm denunciado a aporofobia. “É puro preconceito com o pessoal das ruas”, afirma Valéria Jurado, que trabalha diretamente com a população em situação de rua e tem a luta contra a aporofobia como um de seus nortes. “A gente precisa olhar mais em nossa volta. É necessário resgatar a humanidade de todos nós”, argumenta Valéria.

Ela destaca que não só os cidadãos podem ter atitudes de aporofobia. A arquitetura da cidade, dependendo de como for projetada pelo poder público, pode consolidar a aporofobia. Alguns monumentos e estruturas são construídos de forma a impedir o convívio das pessoas em situação de rua. “Trata-se de uma arquitetura hostil. Podemos citar grades com lanças e pedras pontudas como exemplos. Os próprios bancos das praças têm umas divisões nas ripas, que impedem que as pessoas durmam neles.”

Tarcísio Gontijo Cunha, doutorando em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do artigo “O espaço urbano, da aporofobia às fissuras”, ressalta que é preciso cuidado com a expressão “arquitetura hostil”. “O correto é designarmos essas construções como “intervenções hostis”, uma vez que, nas palavras de Nádia Somekh [presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo], a essência da arquitetura é o acolhimento, e não essa desurbanidade.”

Para ele, o Estado deixa de exercer seu papel em favor de todos os cidadãos, ao permitir instalações como estas.

Giovana de Souza Nascimento, da ONG Servidores do Bem, lamenta o fato de a sociedade não desenvolver a empatia e o altruísmo para com os mais vulneráveis. “Precisamos quebrar a visão estereotipada e desenvolver um olhar social como participação cidadã”, defende.

Valéria Jurado cita um caso que a marcou bastante e que reflete o preconceito que as pessoas em situação de rua vivenciam no dia a dia. “Uma vez eu levei dois amigos da rua num shopping ali no centro [Shopping Light] para tomar café comigo. Eles não estavam maltrapilhos, mas acho que os seguranças desses lugares têm um olhar diferente para essas pessoas, parece que eles sabem, fazem muita distinção. Quando entramos, o segurança já veio pra cima, como quem diz: ‘pera aí! Vocês não’.”

Valéria comenta esse tipo de atitude com indignação: “Vivemos em um país livre, a gente anda aonde quer, a gente vive numa democracia. As pessoas têm que parar com isso”.

Pessoas em situação de rua na av. Atlântica com a João de Barros, em Socorro, zona sul.

Acessibilidade nos transportes públicos

PcDs relatam cotidiano marcado por diversos desafios; somente 11,7% dos municípios brasileiros com serviços de ônibus intramunicipal possuem frotas completamente adaptadas

João Pedro Sampaio A. Mascari Bonilha

Magda Paiva, deficiente visual, caiu nos trilhos da estação Trianon-Masp do Metrô, na Linha Verde, no dia 1º de setembro deste ano. O caso foi amplamente noticiado na grande imprensa. Segundo testemunhas que estavam no local, a queda de Magda aconteceu quando ela tentava desembarcar do trem, sem ajuda. O Sindicato dos Metroviários apontou que a falta de funcionários no Metrô para assistir pessoas com deficiência e com problemas de mobilidade exige uma solução rápida do governo estadual. Magna teve que ser internada no Hospital das Clínicas, pois ficou com dores decorrentes da queda. Ela sobreviveu graças às pessoas que ali estavam e gritaram para que abaixasse no vão dos trilhos do trem, pois uma locomotiva estava vindo e chegou a passar acima dela.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) afirmou em 2017 que dos 1679 municípios que têm transporte coletivo por ônibus intramunicipal, apenas 11,7%, ou seja, 197 tinham acessibilidade completa da frota. O número de parcialmente adaptados era de 820 (48,8%) e o número de não adaptados era de 662 (39,4%).

Diogo Costa é estudante de jornalismo e deficiente visual. Ele vem de São Caetano do Sul (município da região do Grande ABC paulista) a São Paulo, para assistir às aulas da faculdade, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Higienópolis. Diogo utiliza trem, metrô e ônibus. Os funcionários o ajudam a embarcar e desembarcar do trem e do metrô. Ele aponta que as estações menores não contam com muitos funcionários e nas maiores eles estão muitas vezes ocupados. “Algumas estações são completamente inacessíveis, como a de São Caetano que não tem piso tátil, escadas rolantes nem elevadores”, completa Diogo.

Daniela Aparecida é economista e deficiente visual. Ela conta que, em vez de procurar a ajuda de funcionários no Metrô ou no ônibus, prefere caminhar sozinha com seu cão-guia, porque tem mais autonomia. “No entanto, existe um desrespeito por parte dos condutores e/ou cidadãos que recusam ou dificultam a entrada do meu cachorro no transporte”, lamenta. Mesmo existindo uma legislação que regulariza essa entrada (Lei 11.126, de 27 de junho de 2005), ainda há condutores que atrapalham esse processo e criam conflitos.

Daniela também aponta como desafios em seu cotidiano nos transportes da cidade de São Paulo a falta de alinhamento entre a calçada e o ônibus, a plataforma elevatória que muitas vezes se encontra quebrada e pessoas que não são prioritárias e se sentam nos bancos preferenciais. “É preciso melhorar nos transportes públicos a infraestrutura e o design, para atender a pessoa com deficiência. Também é necessário um melhor treinamento dos funcionários, a fiscalização mais efetiva dos motoristas e uma maior empatia das pessoas.”

Para a especialista em acessibilidade e mobilidade, Sandra Ramalhoso, a situação melhorou muito em relação ao passado. “Hoje é bem mais fácil para um deficiente entrar num ônibus.”

Mesmo assim ela ressalta que há diversos pontos a serem aperfeiçoados. “Precisamos que os veículos sejam totalmente acessíveis, garantindo autonomia das pessoas, para que elas dependam o mínimo possível da ação do condutor e do cobrador”, explica.

A especialista ainda aponta outras necessidades. “Para quem tem deficiência visual, por exemplo, tem que ter aplicativos em braile; para quem tem nanismo é preciso oferecer assentos adaptados e plataforma elevatória; para os que têm deficiência auditiva, seria importante os cobradores e condutores aprenderem Libras”, conclui.

O deficiente visual Diogo Costa, na Linha Amarela do Metrô de São Paulo. “Algumas estações são completamente inacessíveis”, destaca.

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