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Vencer com o futebol?
À mercê do milagre das peneiras
Estudo de pesquisador da UFRJ mostra que a probabilidade de um jovem vir a se tornar um jogador profissional é de cerca de 1,5%.
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Enrico Fini Murilo Nuin
Osonho de se tornar um jogador de futebol bem-sucedido habita a mente de milhares de crianças e adolescentes brasileiros. Além disso, para muitas famílias que não possuem uma boa condição financeira, apostar no futuro do filho como jogador passa a ser a grande esperança para uma mudança de vida. Aline Barros, que trabalha como empregada doméstica em São Paulo, faz parte do grupo de pais que fazem de tudo para o filho se profissionalizar nos gramados. Mãe de Gabriel, jovem de 15 anos, ela acredita que o desejo do filho pode se tornar realidade. “Ele sempre disse que vai virar jogador. A gente torce e faz de tudo, porque é o sonho dele”, destaca.
Mas o caminho até a profissionalização é duro e muitas vezes desonesto ou desigual. Segundo dados do artigo “Jogadores de futebol no Brasil: mercado, formação de atletas e escola”, do pesquisador Antonio Jorge Gonçalves Soares, doutor em Educação Física pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a probabilidade de um jovem vir a se tornar um jogador profissional é de cerca de 1,5%, uma porcentagem extremamente baixa.
Uma das etapas mais importantes do processo de profissionalização é a “peneira”, seletiva na qual é feita a avaliação de jovens para terem a chance de entrar nos clubes. É um processo extremamente concorrido, como explica Vitor Alcantara Carnovalle, preparador físico de atletas amadores e ex-funcionário do Núcleo de Formação e Captação Meninos da Vila (do Santos Futebol Clube). “Para ser aprovado, o jovem precisa destoar dos demais, tanto de fora da base, quanto dos garotos que já estão na categoria do clube.”
A disputa para de se tornar jogador também escancara a
desigualdade social presente no país, como salienta Marcelo Cardoso, professor de Jornalismo Esportivo da Universidade Anhembi Morumbi e que pesquisa o esporte em suas múltiplas interfaces. “Quanto melhor o nível socioeconômico do jovem, maior a chance dele seguir na carreira. No futebol, os meninos que são matriculados em escolinhas que têm convênio com grades equipes possuem a chance de, pelo menos, serem observados nas peneiras que estes times realizam.”
O preparador físico Vitor Alcantara aponta outros elementos que influenciam no processo de escolha de um jovem para profissionalização no futebol: “os critérios de avaliação variam de clube para clube em suas categorias de base. O jogador tem de se apresentar de maneira completa nos fundamentos principais no futebol. A idade também pode ser um fator para aprovação e reprovação”.
No Brasil há um descompasso entre a realidade das condições da maioria dos jogadores de futebol e o imaginário popular, que costuma ver o futebol como um meio marcado apenas pelo luxo e a ostentação. Segundo a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), cerca de 88% dos jogadores de futebol no Brasil recebem menos de R$ 5 mil por mês, sendo que apenas 3% recebem quantias superiores a R$ 50 mil mensais. Dos 360.291 atletas registrados na CBF, 75% são considerados amadores e não contam com o esporte como sua principal fonte de renda.
Independentemente de todas as dificuldades, Aline continua apostando no futuro do filho em grandes estádios e competições. “Ele sempre diz que quer dar o melhor pra gente e acha que o futebol é o meio de fazer isso. Eu acredito nele. A gente vê na TV esses jogadores famosos, como o Neymar, o Gabriel Jesus. Eles estão ganhando um monte de dinheiro e realizando o sonho da família. Espero que tudo dê certo com o Biel [Gabriel].”
Sobre as “peneiras”, ela destaca que se coloca ao lado do filho em cada seletiva. “Sempre fui aos testes com Biel, acho importante esse apoio.” Aline reconhece que o processo é bastante competitivo e, por vezes, injusto. “São muitos meninos tentando com ele sempre. Sei que é muito difícil, nunca passam muitos e às vezes não passa nenhum. Acho que os times não pensam muito na gente, só pensam em quanto de dinheiro o menino vai poder dar a eles. O Gabriel já passou algumas fases, mas em alguns times já pediram até dinheiro para ele continuar jogando. Mas não tinha como. Não temos como pagar.”
Para a empregada doméstica, o mais importante é ver a alegria de Gabriel. “Se meu filho estiver feliz, eu também estou. Isso é o que interessa.”
