Análise e discussão do texto "Ciudades Cortadas" de Manuel de Solà-Morales

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UNIVERSIDADE FERNANDO PESSOA

PROJETO DE INTERVENÇÃO URBANÍSTICA

Análise e discussão do texto “Ciudades Cortadas”

de Manuel de Solà-Morales

Mafalda Almeida Macedo | 22140 23 Dezembro 2011


Análise e discussão do texto "Ciudades cortadas” de Manuel de Solà-Morales (1994) Projecto de Intervenção Urbanística 23 Dezembro 2011

Índice 1. Introdução ........................................................................... 2

2. Biografia de Manuel de Solà-Morales ............................................. 2 3. Resumo do texto .................................................................... 4 4. Análise crítica ....................................................................... 9 5. Reflexão e relação com o trabalho em curso ................................. 13

Mafalda Almeida Macedo | 22140


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1. Introdução O presente trabalho surge da análise de um texto de Manuel Solà-Morales publicado no livro “In de cosas urbanas”, e consiste no resumo e análise crítica do mesmo, bem como uma relação com o trabalho que temos vindo a desenvolver ao longo do semestre. Para tal será feita uma nota biográfica do Autor, seguida do resumo do texto fornecido e a respectiva análise critica. Para finalizar será feita uma pequena reflexão onde procurarei mencionar alguns dos aspectos comuns ao trabalho que está a ser desenvolvido durante o semestre e uma conclusão onde procurarei sintetizar os aspectos que julgo serem os mais interessantes captados neste trabalho.

2. Biografia de Manuel de Solà-Morales Manuel de Solà-Morales Rubio nasceu em

1967 no seio de uma família de arquitectos

que tem estado presente em Barcelona no último século: o seu avô materno foi um dos

arquitectos do Modernismo Catalão, o seu pai foi

Reitor

de

uma

Universidade

de

Arquitectura e trabalhou com arquitectos Imagem 1 - Manuel de Solà-Morales

como Alvar Aalto, e o seu irmão reconstruiu o Teatro do Liceu que havia ardido.

Solà-Morales é um importante arquitecto e teórico no âmbito da

transformação e crescimento urbanos, considerado por muitos arquitectos como um dos melhores urbanistas espanhóis dos últimos 40 anos.

Dentro do seu vasto currículo, para além da sua passagem pela Escola de

Arquitectura de Barcelona da Universidade Politécnica da Catalunha, onde se formou e doutorou, tem também licenciatura em Ciências Económicas, master

em City Planning, entre outras. Dá aulas de Urbanismo em Barcelona e em Workshops de Desenho Urbano nas mais prestigiadas universidades europeias e Mafalda Almeida Macedo | 22140


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americanas. É e foi fundador e director do Laboratório de Urbanismo de

Barcelona e autor de numerosos estudos, livros e artigos, editados em publicações da especialidade, tendo ganho vários prémios como: March a la

Investigación, Nacional de Urbanismo, Ciutat de Barcelona, Grand Prix d'Urbanisme, etc.

Solà-Morales iniciou a sua actividade profissional como discípulo de

Ludovico Quaroni, em Roma, e de Josep Lluis Sert, em Harvard, estabelecendo-se posteriormente em Barcelona.

Devido ao seu interesse pelo projecto à escala urbana, tornou-se num

fundamental contributo através seus projectos de transformação urbana

efectuados em Barcelona nas décadas de 80 e 90, relacionados com os Jogos

Olímpicos de 1992. Manuel de Solà-Morales considera essencial e biunívoca a relação entre projecto de arquitectura, planeamento e gestão urbanas numa espécie de processo de indução recíproco.

É sensível às zonas mais frágeis da cidade, actuando nelas de modo

cirúrgico e profundo uma vez que, encontradas as questões críticas e fulcrais, o projecto urbano, que lida com o quilómetro como unidade de medida

planimétrica, é decidido em centímetros, na secção e no corte, pois é aí que se determinam as relações entre os diferentes estratos horizontais.

Nos seus projectos, reside quase sempre o motivo para um elemento

arquitectónico insólito e emblemático, e a sua forma advém quase sempre dos conceitos essenciais em causa, como a noção de deslocação, de movimento; espaços de deslocação, arquitectura do movimento.

De entre as suas obras e projectos, destacam-se alguns: a intervenção na

frente marítima de Barcelona, Moll de La Fusta (1984); o espaço público Winschoterkade, em Groningen; o bairro residencial La Sang, Alcoy, Alicante -

Prémio FAD de Arquitectura 1999; a intervenção em Génova, em que o

problema consiste no divórcio entre a cota alta da cidade e toda a faixa

portuária à cota baixa; e a obra da frente marítima do parque da cidade, Mafalda Almeida Macedo | 22140


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Porto, no âmbito do Programa Polis. Este projecto consiste na reposição dos terrenos (retirando o aterro efectuado) e consequentemente da relação

original com o mar; o edifício-solário apoia quer o parque quer a actividade balnear, constituindo ao mesmo tempo um marco, um elemento apreendido em movimento e por isso em si mesmo mutável, tal como a cidade.

3. Resumo do texto  O corte na cidade Segundo Solà Morales, quando Ildefonso Cerdà traça uma diagonal de 30º

sobre uma malha de mais de 900 quarteirões, para além de introduzir uma relação entre os dois extremos da malha, está a definir o elemento

sintetizador que permite a compreensão das direcções de uma malha e

organiza os espaços de forma a tornar mais clara e distinta a imagem dos edifícios, das luzes e das sombras, vistas nas ruas comuns.

A presença da diagonal mostra a estrutura e forma do tecido urbano, enriquecendo-o e tornando a compreensão deste mais explícita, como que se

de um corte se tratasse, e a sua posição e relação distinguem-se quando relacionadas com o tecido no geral. Esta propriedade da diagonal, Christopher Wren e Pierre L'Énfant, já conheciam e usufruíam.

Como cidadãos, usufruímos da cidade cortando-a e diagonalizando-a, de forma física ou mentalmente, através de percursos marcados pelos nossos

interesses, memórias e referências, da e pela cidade. Daí a importância de ruas largas que cruzam a cidade e a rematam criando relações de continuidade entre partes.

 Experiência do plano da cidade Pertencer à cidade é percorre-la, movendo-se e caminhando, sem nunca sair dela. A cidade que conhecemos é um mundo móvel sem limites nem caracter Mafalda Almeida Macedo | 22140


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definidos, cuja identidade surge a partir da experiência dos seus cidadãos. Assim, através do uso e apropriação que fazemos destes aglomerados urbanos, tornamos estes fragmentos em peças que, encadeadas, tornam a vivência na cidade muito mais rica.

Há várias formas de configurar a cidade por parte de quem a utiliza, uma vez que cada indivíduo faz a sua selecção de percursos, destinos, meios, usos, etc.

Deste modo, a sensação, mesmo que inconsciente, surge como elemento que

permite identificar e sentir a identidade sociológica das cidades, e a incompreensão da sua coerência metropolitana dá-lhe identidade espacial.

Nouveau Roman fortalece esta relação entre a sensação e identidade das

cidades e da importância de criar pequenos mapas mentais através da nossa vivência nas mesmas no seu livro “Empleo del Tiempo”. Neste relata a história

de um indivíduo que vive uma cidade estranha durante meses e que a regista, desde a sua estadia, aos episódios citadinos, memórias e sensações,

sobrepondo-os num mapa mental que vai criando. Esta sobreposição de episódios e itinerários assemelha-se aos cortes que nós, como urbanistas,

traçamos nas cidades, que comprometem a sua imagem global mas não a limitam.

 Projecto como texto Torna-se claro que um Projecto na cidade é um texto ao qual se adicionam vários relatos. E este procura ser a “totalidade de uma obra” e também a “solução de um problema”, ligando de forma dinâmica os seus eixos, e

mostrando ao arquitecto que um bom projecto assenta “no acrescentar e muito pouco resolver”.

Se a cidade for vista como texto e não apenas como contexto, podemos

representa-la de uma forma mais livre e experimental, deambulando através de mudanças de direcção e enquadramento, sem nunca perder o carácter Mafalda Almeida Macedo | 22140


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linear das narrativas, porque este é o aspecto mais importante do género narrativo. A linearidade confere desenvolvimento temporal e este, quando entendido no projecto, acarreta vários tempos, desde o pessoal em que é

concebido, ao material que vai ser construído, ao histórico que é entendido e

estudado sempre com relação a tempos anteriores, etc. e adquirir estes tempos é ler uma cidade de uma forma mental através de processos lineares.

As formas de tempo não lineares podem alterar a nossa compreensão das cidades e consequentemente a nossa intervenção porque o facto de não haver

esse desenvolvimento temporal faz com que a nossa percepção seja mera combinação de tempos segundo vontades individuais, sem qualquer relação com a identidade da própria cidade (que se perde ou é inexistente).

Com isto, Solà Morales não quer dizer que a narrativa de um projecto exija

selecção de aspectos importantes e os relacione segundo critérios préestabelecidos (como uma receita), mas exige sim cortes e fragmentos da narrativa urbana como forma de lhe conferir mais caracter e expressividade.  O corte e fragmento Fragmento e Corte são conceitos diferentes, no entanto relacionados. O fragmento representa uma peça, parte de algo, já o corte corresponde a uma

ideia de sequência de fragmentos e experiência da cidade como colagem dos mesmos.

Assim, a experiência destas cidades resume-se a percursos que variam de

carácter, desde o mais citadino, ao turístico, ou ao imobiliário e muitos outros, que a cortam e descrevem, desde o seu interior até à linha do horizonte.

Esta “cidade colagem”, entendida como conjunto de peças distintas, pode

levar a uma percepção mecanizada e para isso basta uma má opção de colagem, de remate de fragmentos ou até a falta de criação de mecanismos que a contrariem.

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 Secção urbana A secção no projecto urbano consiste em pensar, ver a planta e o alçado na

topografia e no seu uso. Há duas formas de pensar e ver uma cidade. Os geógrafos pensavam a cidade de dentro para fora, criando subúrbios e arrabaldes sem controlo nem forma aparentes. Walther Ruffmann, com o seu

filme “A Sinfonia de uma Cidade”, mostra uma visão oposta, apresentandonos a Cidade de Berlim do exterior para o seu interior.

As auto-estradas entram nas cidades e cortam-nas de fora para dentro e fazem-nos imaginar como se podem encadear as partes distintas que criam. É

essa representação da relação entre partes distintas que identifica e

caracteriza a cidade, bem como a comparação das duas diferenças pois tanto

os monumentos como os traços ordenadas de uma cidade, se vistos sozinhos não lhe conferem identidade, não fazem cidade.

Um simples corte da construção não é uma secção urbana e representar

cérceas e vistas não é suficiente para representar esta complexidade urbana. Já um corte longitudinal mostra o encadeamento dos fragmentos, a sua relação entre eles e o território. Deste modo, a secção urbana ganha

importância quando relaciona o existente com o projectado e quando relaciona as diferenças do plano com o perfil ou alçado.  Cidades celulares A redução sequencial, adquirida através do corte, é um meio de descrição e estratégia de projecto que se contrapõe aos paradigmas clássicos da cidade contínua e da cidade celular. Os

primeiros

modernistas

pensavam

a

metrópole

como

um

futuro

agrupamento de bairros; Otto Wagner propunha uma metrópole de distritos

sobrepostos; Patrick Geddes e Patrick Abercrombie vêm-na como um conjunto de bairros bem marcados, separados entre si; e Eero Saarinen procurava uma descentralidade urbana.

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Embora hoje seja considerado um pensamento ingénuo, o que nós apreciamos na cidade é a sua variação gradual entre zonas distintas, ou seja a racionalização da metrópole em termos de identidade de bairros. Esta divisão

do território é feita através de um desenho em mosaico mais ou menos regular e pretende controlar o território através de modelos celulares, tornando mais evidentes as relações entre comunidades e a dialéctica entre conjunto e indivíduo.

 A cidade contínua. O enquadramento Sempre houve um pensamento contínuo da metrópole, onde as diferenças não

se relacionam com as identidades nem há nenhuma solução de continuidade no território.

O planeamento de uma cidade não pode deixar espaços em branco e a sua

representação numa folha de papel trata-se de um retracto aleatório que indica a continuidade do que não conseguimos ver, cortando a cidade e

criando artérias importantes nela. Trata-se de um recorte temático que é tão expressivo e importante como um recorte territorial.

E projectar a cidade é isso, é cortar a sua continuidade com uma definição de trabalho, escolhendo hipóteses de trabalho, e a eleição do campo de trabalho é o acto mais importante de todo o processo de projectar uma cidade.  Identidade ou diferença? A gravata! No

vestuário

masculino, a gravata é sinonimo

de elegância e de

personalidade. Enquanto o blazer e a camisa são elementos com conotação fundamentalmente formal, a gravata permite alguma informalidade. Tal como numa esquina ou corte da cidade, a gravata procura diferenciar-se e tende a

ser interpretada e reinterpretada, dependendo da ocasião e de quem a analisa, adquirindo assim um caracter pessoal. No entanto, e através da

quantidade, vulgaridade e inutilidade das gravatas que vemos hoje em dia, é notório o quão são desperdiçadas as qualidades comunicativas deste pequeno

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elemento, que passa rapidamente de um elemento sublime a um adereço ridículo.

Quando utilizada pelo sexo feminino há uma quebra de semântica, e este

poder linguístico alia-se à imaginação, ganhando significados contraditórios, como a própria definição de inteligência.  Urbanismo e alfaiataria Relacionar a gravata a um corte da cidade é uma analogia, pois a gravata corresponde a um retalho da cidade. Colocar o plano urbano numa gravata é

fixar um momento no plano pelo todo, imobilizando-o. Recortar o plano

embeleza a gravata e leva-nos a retê-lo e a segui-lo. O recorte da gravata trata-se de uma nova forma de observação urbana, semelhante a uma lupa que aproxima a imagem do nosso olhar.

No entanto os cortes não são todos iguais e adicionar um corte à cidade é tão

rico de significado nas gravatas como nas ruas. Trata-se de uma apropriação

pessoal da cidade como forma de expressar curiosidade e de transformar o comum em algo diferente.

4. Análise crítica Como mencionado anteriormente, este trabalho consiste na análise de uma selecção de textos presentes no livro “In de cosas urbanas” do arquitecto Manuel de Solà-Morales. Para Solà-Morales, a cidade é feita de coisas urbanas e o urbanismo está indissociavelmente relacionado com o existente. Neste livro, através de uma selecção de textos do próprio e de alguns projectos realizados nas duas últimas décadas, procura dar especial atenção à riqueza dos lugares, com interpretações no limite entre a arquitectura e o urbanismo, cujos efeitos transcendem o lado físico de cada intervenção. O capítulo fornecido está dividido em 9 textos e corresponde ao tema “Cidades Cortadas”, tendo como palavra-chave o “corte”. Corte este que nos Mafalda Almeida Macedo | 22140


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é apresentado sob várias formas, desde o corte físico, ao corte mental, o corte visual, o corte experimental e até o corte semântico e metafórico, entre outros. No primeiro texto “O corte da Cidade”, Solà-Morales apresenta-nos dois tipos de corte na cidade, um feito na própria malha urbana e um outro provocado pelos utentes da mesma, e procura mostrar a importância e efeito que estes têm sobre a própria malha, sobre quem a experiencia e vivencia, sobre quem a projecta e estuda e como estes se podem relacionar e complementar. Para o primeiro usa o exemplo da ampliação de Barcelona realizado por Ildefonso Cerdà em 1859. Um projecto assente numa quadrícula regular que se estende até aos núcleos urbanos vizinhos e envolve a cidade medieval (em expansão). As diagonais surgem como remates e conexões com a préexistência, assim como correspondem a elementos que transformam os cruzamentos de ruas em lugares com algum interesse, trazendo maior interesse aos edifícios de esquina e ao desenvolvimento de toda a estrutura urbana. Para além desta capacidade de relação entre malhas, as diagonais fazem parte dos eixos estruturantes do plano urbanístico de Cerdà, cortando e conferindo escala e identidade à própria cidade, uma vez que sem estes seria impossível perceber o desenvolvimento da cidade e, consequentemente, interpreta-la, quer como urbanista, quer como cidadão. Com este exemplo, Manuel de Solà-Morales apresenta-nos o corte como uma alteração de direcção com a propriedade de nos revelar a estrutura e forma do tecido urbano, a sua escala, evolução e relação com o todo. Assim como nos apresenta, o mesmo corte, como um importante elemento de localização espacial para nós, indivíduos que habitamos e usufruímos dela. O segundo tipo de corte que Solà-Morales nos apresenta relaciona-se com as vivências da própria cidade, uma vez que nós, com todo o nosso conjunto de interesses, memórias, referências, meios, etc., de forma inconsciente, cortamos e alteramos a imagem da cidade constantemente. É precisamente esta interpretação e apropriação que fazemos da cidade que o segundo texto “A experiência do Plano da Cidade” procura expor, uma vez que “pertencer à cidade é percorre-la, movendo-se e caminhando, sem nunca sair dela”. Como visto anteriormente, nós (cidadãos) temos um papel importante na cidade uma vez que cada um adapta a cidade às suas necessidades, fazendo com que esta se transforme num “sem número de cidades” sem deixar de ser uma só. Isto só é possível uma vez que cada indivíduo, individual e Mafalda Almeida Macedo | 22140


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inconscientemente, faz a sua selecção de percursos, destinos e usos, e a junção destes torna a cidade e a vivência da mesma mais rica, sem que para isso esta se altere fisicamente, ou perca a sua essência. Esta nossa apropriação e interpretação pessoal da cidade é muito semelhante à apropriação que nós, como urbanistas, procuramos fazer quando traçamos cortes na cidade. Isso está presente no livro “Empleo del Tiempo”, onde é relatada a história da experiência de um individuo numa cidade desconhecida através dos mapas urbanos mentais que este cria, onde sobrepõe as sensações que tem desta, os episódios citadinos, os percursos mais importantes, etc. São precisamente estes mapas mentais que nós urbanistas procuramos sugerir quando tomamos a decisão de efectuar um corte na estrutura urbana, sem ferir nem adulterar a imagem desta. Ao falar de mapas urbanos mentais que surgem da interpretação ou vivência de uma cidade, estamos a falar de uma história de cidade contada por quem a utilizou e, neste sentido, estaremos a dar à cidade, e consequentemente ao urbanista, um caracter narrativo e linear, tal como o autor deste texto procura expressar quando afirma que “ (…) O projecto na cidade é um texto ao qual se adicionam vários relatos. Este procura ser a totalidade de uma obra e também a solução de um problema, ligando de forma dinâmica os seus eixos, e mostrando ao arquitecto que um bom projecto assenta no acrescentar e muito pouco resolver (…) ”. Esquecendo o seu contexto e encarando a cidade apenas como texto é possível desenha-la de forma livre e experimental, jogar com as suas direcções, criar novos enquadramentos e acontecimentos, sem perder a linearidade característica das narrativas. Linearidade esta que está associada ao tempo, precisamente o tempo que nós, urbanistas e cidadãos, temos o poder e prazer de sentir, manipular, ver e usufruir nas cidades, desde o tempo pessoal, ao tempo material, histórico, etc., tal como num livro. A ausência de linearidade acarreta falta de relação temporal, o que compromete a evolução e entendimento do texto e consequentemente da cidade, uma vez que o facto de não projectar como uma narrativa faz com que o nosso entendimento da cidade seja fruto da combinação de fragmentos temporais segundo os nossos próprios critérios, sem qualquer preocupação com a existência (ou não) de uma identidade da cidade. O facto de um projecto urbano poder ser relacionado a uma narrativa e esta poder ser linear ou não, não implica que se elejam elementos importantes e se criem relações entre eles: “ (…) Não é que a construção narrativa de um projecto urbano permita evasões auto complacentes de independência, mas Mafalda Almeida Macedo | 22140


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exige selecção dos possíveis aspectos, desde a forma urbana reduzida aos mais importantes. Um passo racional, mas sem método nem receita. Um exercício de juízo em que muitas coisas de podem expressar com grande capacidade descritiva nos cortes anatómicos do espaço urbano (…) ”. Um aspecto interessante neste excerto do livro “In de cosas urbanas” é a forma como Solà-Morales, dentro do tema “corte”, distingue, caracteriza e relaciona Fragmento, Corte e Secção. Fragmento e corte são opostos, sendo fragmento o nome dado para as partes da cidade, momentos, vivências e corte nome atribuído à colagem desses fragmentos, na busca de uma identidade urbana como consequência das experiencias da cidade. Embora relacionados, o corte, precisamente por colar e encadear fragmentos, tira importância aos mesmos. O termo secção surge da junção destes dois elementos (corte e fragmento), relacionando o projectado com o existente, ou seja relacionando-os com o restante projecto, a topografia, etc. Esta permite-nos ter uma visão mais alargada sobre a cidade, podendo vê-la de dentro para fora ou de fora para dentro, ou seja perceber como ela surge e se expande e como se relaciona ou distancia da periferia, etc. “ (…) A leitura de um certo encadeamento das suas partes, que é dada pela comparação das suas diferenças, é necessária porque os monumentos sozinhos não fazem a cidade, muito menos os traçados ordenados. (…) ” Como se pode ver no excerto acima, a secção urbana é talvez um dos elementos mais importantes do planeamento urbanístico uma vez que é destas relações que surge a identidade, o carácter e a intenção de cada intervenção urbanística, e é delas também que podemos perceber e fazer com que partes distintas de uma cidade se encadeiem segundo uma lógica apropriada. Num dos últimos textos deste excerto, Manuel de Solà-Morales fala de “Cidade Contínua” e de “Enquadramento” e destaca a importância da não existência de espaços em branco num plano urbanístico uma vez que este é a representação gráfica de toda uma continuidade urbana que muitas vezes, corta com o existente. E é essa quebra que, segundo Morales, faz parte do momento mais importante do acto de projectar. Para finalizar, Sola Morales compara a cidade a uma gravata e a um alfaiate, Uma comparação deveras estranha, mas que faz todo o sentido a partir do momento que, se mesmo inconscientemente, analisamos uma pessoa pela sua indumentária e postura perante um grupo de pessoas, automaticamente Mafalda Almeida Macedo | 22140


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analisamos uma cidade como conjunto de elementos, como se enquadram, se combinam, etc. E nesta perspectiva o corte da cidade representa uma das peças de vestuário mais importantes na indumentária da cidade pois esta, se bem colocada, dará mais beleza e interesse à malha, podendo até tornar-se o elemento identitário da mesma. Já quando mal utilizado ou desenhado, este corte (ou gravata) pode tornar-se fatal, denegrindo a imagem que procuramos dar à cidade. Já na comparação com alfaiataria penso que a ideia da importância da gravata será a mesma pois o autor reforça que “O recorte da gravata trata-se de uma nova forma de observação urbana, semelhante a uma lupa que aproxima a imagem do nosso olhar.” No entanto adverte que, tal como as gravatas, os cortes não são todos iguais e

adicionar um corte à cidade é tão rico de significado e tão pessoal nas gravatas como nas ruas.

É uma forma de apropriação pessoal da cidade que tem o dom de criar curiosidade e de transformar o comum em algo diferente.

5. Reflexão e relação com o trabalho em curso Um dos objectivos do resumo e análise destes textos era concilia-lo ou relaciona-lo com o projecto que temos vindo a desenvolver.

Assim sendo, apenas me referirei aos aspectos analisados que julgo serem os mais proveitosos para o posterior desenvolvimento do trabalho, bem como as questões que este levanta e resolve.

Começando pela ideia inicial do corte como elemento sintetizador que permite a compreensão das direcções de uma malha e organiza os espaços de forma a tornar mais clara e distinta a imagem da cidade.

Ao olhar para o meu projecto encaro este corte, não como uma diagonal numa malha ortogonal, mas como uma via que funciona como eixo estruturante de

toda uma malha, de onde partem vários momentos com caracter paisagístico, Mafalda Almeida Macedo | 22140


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urbano, ou ainda retentor e proclamador de novos momentos e estruturas urbanas.

Isto porque se “pertencer à cidade é percorre-la, movendo-se e caminhando,

sem nunca sair dela” é necessário que haja cortes que nos permitam mover na cidade entendendo-a e fazendo parte integrante dela.

Cortes esses que serão os elementos mais importantes do projecto pois será a partir destes que surgirá a identidade, o carácter e a intenção de cada via, e se fará com que partes distintas e distantes da malha se relacionem e encadeiem segundo uma lógica apropriada e vivenciavel.

Um aspecto que achei curioso no texto de Sola Morales e que gostaria que se

reflectisse na minha proposta foi o caracter deambulatório e narrativo com que o autor caracterizou um projecto urbanístico.

Fascinou-me o ponto de vista do peão como leitor de uma narrativa escrita

pelo urbanista e ao mesmo tempo como escritor de uma narrativa onde a folha é o nosso projecto urbano, uma vez que, já antes da leitura deste texto, possuía a ideia de criar uma nova linguagem de quarteirão onde o espaço

verde tivesse predomínio sobre o edificado e que o conjunto de espaços criados (ou trabalhados) se relacionasse por meio de percursos que variavam de importância, desde os mais privados, aos assumidamente públicos, até

aqueles que deixariam o peão em dúvida (e onde talvez só os mais curiosos ousassem utilizar).

Um outro aspecto neste conjunto de textos me despertou a atenção, nomeadamente por fazer alusão a uma auto-estrada (que por coincidência,

também é um elemento que podemos encontrar no trabalho que estamos a desenvolver).

“As auto-estradas entram nas cidades e cortam-nas de fora para dentro e fazem-nos imaginar como se podem encadear as partes distintas que criam. É

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essa representação da relação entre partes distintas que identifica e caracteriza a cidade”

A partir desta afirmação, e partindo do pressuposto que a auto-estrada, que

encontramos no território em estudo, se encontra a uma cota inferior do tecido urbano construído, e que não corresponde a uma linha de crescimento de Guifões mas sim uma linha de crescimento de outra cidade e que atravessa

o nosso terreno, surge a ideia de procurar criar mais relações entre as margens, talvez por meio de novas pontes sobre a auto-estrada, e tentar que as duas margens criem um quarteirão, através da uniformização ou relação de linguagem entre as partes.

Uma proposta que não sei se será viável pois, embora numa das margens haja

bastante área expectante, na margem sul já há uma maior consolidação. No

entanto, pelo menos por meio de percursos e tratamento de espaços, procurarei que essa criação de quarteirões que se sobrepõe à auto-estrada se crie.

Como falei anteriormente, tenho o intuito de criar uma linguagem diferente na cidade onde o verde predomine.

Relembrando o texto onde Sola Morales compara os cortes urbanos a uma gravata, mostrando que estes são o elemento que diferencia as estruturas e

que permite interpretações e reinterpretações por parte de quem as vê ou analisa, adquirindo assim um caracter pessoal, penso não estar a fugir ao

cerne do texto quando afirmo que a gravata do meu projecto está precisamente nessa nova linguagem, pois será o ponto ou o elemento que

diferenciará a minha proposta de toda a malha já existente e que, se bem conseguido, marcará uma apropriação da cidade com capacidade de a transformar de uma cidade de passagem a uma cidade diferente e retentora.

Nem só de aspectos positivos se revelou interessante este texto. Também

houve alguns momentos em que me trouxe algumas dúvidas e alertou para possíveis incompatibilidades, principalmente na relação entre a passagem da Mafalda Almeida Macedo | 22140


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estratégia para a minha proposta e as pré-existências pois, da mesma forma que uma gravata pode ir do sublime ao ridículo em apenas um segundo, toda a proposta e intenções de intervenção que demonstro, precisamente pelo seu

caracter inovador e, de certa forma, ambicioso, podem resultar numa proposta

que,

ao

invés

de

potenciar

e

melhorar

a

freguesia

e,

consequentemente o concelho, a façam perder identidade ou lhe reforcem o caracter de “cidade de passagem” que já possui.

Mafalda Almeida Macedo | 22140


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