Universidade Federal de Goiás – UFG Edward Madureira Brasil Reitor
Eriberto Francisco Bevilaqua Marin Vice-Reitor
Sandramara Matias Chaves Pró-Reitora de Graduação
Divina das Dores de Paula Cardoso Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Anselmo Pessoa Neto
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Orlando Afonso Valle do Amaral
Pré-Reitor de Administração e Finanças
Jeblin Antônio Abraão
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos Humanos
Ernando Melo Fillizola
Pró-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária
Faculdade de Informação e Comunicação – FIC Magno Luiz Medeiros Diretor
Edson Spenthof
Coordenador do Curso de Jornalismo
Lutiana Casaroli
Coordenador do Curso de Relações Públicas
Janaína Ferreira Fialho
Coordenador do Curso de Biblioteconomia
Marina Roriz Lousa da Cunha
Coordenadora do Curso de Publicidade e Propaganda
Eliany Alvarenga Araújo
Cordenadora do Curso de Gestão da Informação
Conselho Editorial – FIC
Ana Carolina Rocha Pessoa Temer (UFG), Claudomilson Fernandes Braga (UFG), Daniel Christino UFG), Goiamérico Felício Carneiro dos Santos UFG), João de Melo Maricato (UFG), Lisandro Nogueira (UFG), Luiz Signates (UFG), Magno Luiz Medeiros (UFG), Maria Francisca Nogueira (UFG), Maria Luisa Mendonça, (UFG), Simone Antoniaci Tuzzo (UFG), Suely Henrique de Aquino Gomes (UFG), Tiago Manieri de Oliveira (UFG).
berra lobo palavras andantes Angelita Pereira de Lima Jéssica Adriani Rodrigues Vieira Luciene de Oliveira Dias Nilton José dos Reis Rocha (Organizadores)
Goiânia, 2013
Coordenação Editorial Angelita Pereira Lima Luciene de Oliveira Dias Nilton José dos Reis Rocha Jéssica Adriani Jéssica Chiarelli Vinicius de Morais Pontes
© Projeto Berra Lobo (Proext 2013 / Proec-UFG) Faculdade de Informação e Comunicação Universidade Federal de Goiás
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) B533 Berra Lobo: palavras andantes /Angelita Pereira de Lima, Jéssica Adriani Rodrigues Vieira, Luciene de Oliveira Dias, Nilton José dos Reis Rocha (organizadores). Goiânia: FIC/FUNAPE, 2013 312 p.: il.; 20x20cm
ISBN 978-85-8083-123-8
1. Educomunicação, 2. Comunicação compartilhada, 3. Jornalismo, 4. Inclusão Digital, 5. Juventude Agrária. I. Lima, Angelita Pereira de. II. Adriani, Jéssica. III. Dias, Luciene de Oliveira. IV. Rocha, Nilton José dos Reis. CDU: 070:37 Catalogação na Fonte: Luciana Cândida da Silva CRB-1/1831
berra lobo palavras andantes
Ciscos penso todos dos dias em minha vida assim como o lobo guará pensa a sua trilha se é verdade que os canídeos ligam o seu rastro à matilha eu desarmo as armadilhas que são colocadas todos os dias no meu caminho Luiz Araújo
Poeta, Escritor e Professor aposentado da UFG
PREFÁCIO
Sobre encontrar, contar e viver “Tu encontrarás sempre no teu caminho Alguém para a lição de que precisas. Aprende, mesmo que não queiras. A boa lição... Alguém sempre a precisar”. (Aprender...Cora Coralina)
Em todos os caminhos, de ida e de volta, aprendemos e ensinamos, já disse em outra obra a Cora Coralina. O que precisamos é saber recolher no caminho ensinamentos e energias que possam nos conduzir a novos rumos carregados de histórias que nos apontem para o futuro. Quando o meu caminho foi interceptado com uma ordem/convite para prefaciar os
relatos do Berra Lobo confesso que fiquei dividida entre a vaidade e a humildade. Vaidade porque é honra para poucos apreciar tão profundos relatos antes mesmo de que eles se tornem públicos; humildade porque preciso ter compreensão para com minhas limitações pessoais e intelectuais para tratar de temas complexos, ricos relatos de vida. Contar uma história, falar dos dias e noites vividos e sonhados é sempre uma tarefa complexa, mas de muito prazer. Oscar Jara (2012:38) ensina que sistematizar é “refletir sobre as experiências, uma missão que recupera e reflete sobre as experiências como fonte de conhecimento do meio social para a transformação da realidade”. Contar experiências, sistematizar, permite superar a separação entre prática e teoria. Permite colocar no papel cor e sabor, para muito além de um texto. Um sentimento que ficará escrito no tempo para que gerações futuras de estudantes
possam vivenciar o presente que será passado e futuro. Uma história que será contada e recontada por aqueles que hoje são seus atores principais - as crianças - e que serão lideranças comprometidas, capacitadas e conscientes de sua tarefa coletiva. O outro caminho que se entrelaça, que ensina e aprende ou que aprende e ensina deve ser colocado na conta da universidade, seus professores e estudantes. É preciso coragem e desprendimento. É importante sair da zona de conforto para experienciar novas realidades que incluem linguagens, processos e condições de vida diferentes. É preciso conhecer técnicas e passos, já conhecidos, e que são acrescidos de novas tecnologias, sem perder a perspectiva da vida que se vive, para compreender o verdadeiro sentido da comunicação coletiva. Ouso dizer que a extensão universitária é transformadora quando articula o “fazer” da sala de aula, leia-se, ensino com a pesquisa e
leva este acumulo para sociedade onde recolhe contribuições, mudanças, novos olhares e até mesmo críticas trazendo este novo aprendizado para o interior da universidade. Não há lado forte nessa relação, todos transformam-se mutuamente no processo: cidadãos, sociedade, alunos, instituição, e até mesmo o próprio processo. Não poderia ser diferente. Em relações vivas e orgânicas, como as estabelecidas através da extensão universitária, a transformação é inerente à própria existência e a parceria entre a universidade e o movimento social é fonte de criação e recriação. O encontro e, por vezes, o desencontro destes caminhos, a tentativa de separação entre campo-cidade estão relatados nas páginas que se seguem onde no dizer de Angelita Lima “a troca de saberes e de experiências é a energia que movimenta a roda da extensão e que transmuta todo o seu sentido para o da comunicação”.
Onde coragem, boa vontade e amorosidade são capazes de transformar a adversidade em comunhão, causando um impacto social que, para além de suas dimensões, deve ser vivido e compartilhado para que outros, em outros lugares e tempos, tenham a mesma coragem, boa vontade e amorosidade. É o uivo coletivo para se fazer ouvir em todos os caminhos do campo, da cidade e muito particularmente da universidade brasileira, que deve recolher em cada caminho lições para renovar seus compromissos, aprendizados e ensinamentos. A leitura a seguir, construída coletivamente, é imperdível, cheia de vida e desafios. É sim um grito de alerta.
Sandra de Deus Jornalista, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, presidente do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas Brasileiras (FORPROEX)
APRESENTAÇÃO
Para viver e transformar a comunicação Um dos grandes desafios da comunicação em épocas consensualmente chamadas globalizadas é fazer-se a partir do local sem ignorar o saber fazer. É romper as barreiras do totalizante, do universal, do fenomenal e deixar-se cair no específico, no local, no vivido. Para esta ruptura é preciso ter força e muita sensibilidade, é preciso buscar saber quais são as demandas antes de estabelecer qualquer ação comunicativa, é preciso reorientar os sentidos da relação eu-outro para além dos caminhos lineares percorridos até agora. Nesta relação não podemos saber os limites do eu e do outro e muito menos quando somos eu e quando somos outro.
O empenho nesta caminhada nova e encantadora é que conduziu ao compartilhamento de oficinas, fazeres e saberes. A presente publicação mostra um pouco das ideias que permearam estes vividos e ainda projeta-se para uma comunicação que não busca modelos e não se pauta por conceitos alijados pelo pensamento ocidental, mas entrega-se à perspectiva da dialogicidade freireana e trabalha-se, por seus corpos múltiplos e diferentes, para conquistar a troca pelo vivido. Se assim é a busca, assim se faz este novo caminho. As fontes que amparam esta construção pensam os processos comunicacionais sustentadas pelo amor. A exemplo de bell hooks, para quem “nossa recuperação está no ato e na arte de amar”. Falando especificamente da mulher negra, ela é categórica ao afirmar que quando experimentamos esta força transformadora, “assumimos atitudes capazes de alterar completamente as estruturas sociais existentes”.
São estas atitudes que desafiam as estruturas impostas e demandas que não nasceram espontaneamente do vivido e sinalizam que novas formas de fazer são possíveis. Para ousar a busca por demandas em ambientes totalmente diversos do que foi estabelecido pelo modelo comunicacional corrente é necessário acreditar. Como promover a chamada inclusão digital e tecnológica em assentamentos de reforma agrária sem subestimar e, mais ainda, provocando um revés no saber fazer? Como reorientar o olhar para admitir que sim, estas pessoas querem e têm direito ao ensino superior, gratuito e de qualidade? A construção compartilhada de uma rádio comunitária, no sentido stricto da ferramenta e que por isso mesmo deixa de ser uma simples ferramenta, de fato traz benefícios para a comunidade. Mas é essencial admitir que essa construção também ensina estudantes de comunicação a repensar a própria comunicação.
Aprendemos, assim, a pronunciar o mundo. E para pronunciar o mundo em que vivemos, é fundamental a compreensão de que não existe palavra que não seja práxis. Pela palavra unimos as dimensões tão buscadas da ação-reflexão sendo, portanto, necessário que entendamos nossos anseios para, a partir daí, caminharmos no processo de transformação do mundo. Ao ousarmos nos conhecer, conhecemos também os nossos outros. Ao nos pronunciarmos, o fazemos em convergência com nossos outros pronunciantes. Neste caminho para a transformação do mundo, não é possível limitar-nos à relação eutu. Tal relação é complexificada fazendo com que o “dizer a palavra” se transforme em direito, a ser ansiado cotidianamente. Um exercício de vida em que o diálogo assume a condição de exigência para a própria existência humana. Não é exagero repetir que o diálogo somente é possível a partir do “encontro”, do “ato de
criação”, não deve nunca ser compreendido como “doação do pronunciar de uns a outros”. Esta é a perspectiva apontada pela dialogicidade freireana e é a partir dela que propomos ação-reflexão acerca do pensar-fazer comunicacional em espacialidades de aprendizagem, expresso aqui pela tomada da palavra. Fica assim o convite à leitura do presente livro. Envolver-se nesta tomada da palavra, onde ressoam vozes de lá e de cá, pode sinalizar possibilidades para uma comunicação libertadora e viva. A transformação concretizada também nesta produção é a expressão do conhecimento do amor, que possibilita, de acordo com bell hooks, enxergar o passado com outros olhos, transformar o presente e sonhar o futuro. Luciene Dias
Doutora em Antropologia, Mestre em Ciências do Ambiente, Especialista em Estudos Culturais, Graduada em Jornalismo. Professora Adjunta da Universidade Federal de Goiás, Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Jornalismo e Diferença, Coordenadora de Extensão da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG.
Conteúdo 25 Berra Lobo, um projeto e os sonhos Erlan Faria, Jéssica Chiareli, Marlon do Carmo, Neide Ferreira e Nilton Rocha
37 O jeito de contar nossas histórias faz a diferença Angelita Pereira de Lima
Baliza e Oziel 57 A vida criativa e o atraso do latifúndio - Waney Vasconcelos (MST)
Texto Criativo 73 Tudo por um fio - Jéssica Chiareli 83 Narradores da terra - Jéssica Adriani
Rádio 97 Levar a bagunça para o rádio - Paloma Biasi 113 Poesia e simplicidade no ar - Heitor Aquino
WebTV 123 TV Castelinho, sem cercas ou fronteiras - Jéssica Adriani 131 Um, dois, três. Gravando! - Vinicius de Morais Pontes 139 Brincando com a comunicação - Janaína Vidal
145 Galeria
Fotografia 173 Olhares Vivos, mãos atentas - Larissa Batista
Capoeira 181 Na ginga, uma experiência animadora - Marlon Robson
Teatro 191 Entre curupiras e lobos e muitas serpentes - Paula Briguiza 197 Madeira! - Lara Moura 205 Por que não voltar? - Lorena Biasi
Educação Física
217 Corpo que brinca é corpo que comunica - Josy Cristina
Vivências 225 Vozinho, um fruto do tempo - Elisama Ximenes e Adriana Rodrigues 237 Vou-me embora para o Oziel - Jéssica Chiareli 247 Aprendizagens, abraços e pães de queijo - Jéssica Adriani 255 A mão que cuida e o cerrado que produz - Elisama Ximenes
259 O milagre da terra - Lohane Arnos 263 Apenas cinco dias - Alex Maia 265 E os conceitos mudam - Willian Rommel
Corumbá - Hugo Chávez 271 A lona dos sonhos - Heitor Vilela 279 Cine Sereno e um olhar apressado sobre as crianças no campo Maira Iaê
Entrevista 291 Andarilhos no campo - Paloma Biasi
309 Referências
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Berra Lobo, um projeto e os sonhos
Erlan Faria • Jéssica Chiareli • Marlon do Carmo • Neide Ferreira • Nilton Rocha •
• Camponês, lanterneiro e membro da Direção Estadual do MST-GO. • Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG. • Camponês, pedreiro-eletricista, capoeirista e coordenador de Comunicação e Direitos Humanos do MST-GO. • Camponesa, costureira e membro da Direção Estadual do MST-GO. • Jornalista, professor da UFG e membro da Red Unial-Universo Audiovisual Del Niño Latinoamericano e Cátedra Iberoamericano de Estudios sobre La Niñez y su Universo Audiovisual.
Lobos não costumam berrar, dizem por aí. É certo que, vez ou outra, uivam com o nariz para o alto, para que o som chegue mais longe. Forma eficiente de se comunicar à distância. O uivo recupera a presença dos companheiros/ companheiras de matilha. Ou, simples, para espantar o tédio ou o cansaço em momentos de certa solidão nas caminhadas, intermináveis. Afinal, caminhante, não existe caminho, o caminho se faz ao andar (MACHADO, 1986). Aqui, assim como em casos da cultura popular, eles caminham. E berram.
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Por isso, com o projeto Comunicação e Conhecimento Compartilhados, que resultou neste livro, optou-se – para não dizer que foi preciso, com todas as forças – que um lobo passasse a berrar ao invés de uivar, como manda a tradição popular. Uma coisa é a semântica (e sua gramática apropriadora); outra, a vida e suas gramáticas apropriadas. Ou seja, em outras palavras, a vida tem necessidades que vão além das normas. A língua que se ensina – e se aprende – nem sempre é a que se fala. Já que, junto aos movimentos sociais populares, se descobre, cedo, que para formar uma rede compartilhada é preciso não baixar o nariz, não se perder da matilha e não dar chance à solidão, a qualquer isolamento. O berro aqui, ainda que próximo ao sentido do uivo, não ocorre como gesto individual de isolamento, mas busca-se o agregar, o aconchego. E mais: só ocorre em noites de lua cheia. É um som progressivo, constante, produzido em coletividade.
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Mesmo que alguns lobos berrem baixo e outros em tom mais elevado, juntos se fazem ouvir mais longe e com mais força. E é dessa perspectiva que a comunicação se converte em gesto do coletivo (QUÉAU,2004), para que seja possível participar dela. No objetivo de fincar o pé na terra, – ou “solidamente ancorados” no chão (MENDES, 2002) – que é de todos e, assim, compreender mais profundamente os cerrados e suas gentes, procurou-se um nome que estivesse neles. Mas, de algum modo, que não fosse repetitivo, banal. Mais que isto. O que se pretende é compreender para, daí, explicar melhor ainda (Bourdieu,:Rognon,1991) as gentes e coisas desse bioma, um dos mais ricos do mundo, os cerrados. Ou seja, falar quem vive neles e deles. Tomar, também, a palavra. Terra e palavra no cotidiano de uma gente simples, mas encantada (LEITE et al, 2013). Afinal, fazer a vida possível, para quase 600 famílias, onde mandava apenas uma família, os alemães, é preciso coragem, valentia. Uma vida dura, foi, pelos que se sabe.
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Ao esbarrar, como quem campeia, nos versos de um ex-professor de Letras (p. 5), Luiz Araújo, veio o grande mote: o lobo guará. Assim, nasceu, de pronto, o Berra Lobo que, aqui, apresenta seus primeiros passos. Uma parceria do movimento social popular, no caso o MST e o Laboratório e Coletivo Magnífica Mundi, ligados ao Núcleo de Jornalismo e Diferença, do Curso de Jornalismo, UFG. Retoma-se algo iniciado ainda nos anos 80, do século passado. As sementes intuitivas desse projeto estão no convite de Vladia Correchel, da agronomia que, ao coordenar um projeto contra erosão, percebeu que o assentamento, pela dimensão, necessitaria de uma plataforma de comunicação, popular e interna. Financiado pelo Ministério da Educação, por meio de edital PROEXT, o Berra Lobo tenta aprofundar uma construção de saberes entre universidade e movimento social popular, desta vez com o braço camponês, que retorna ao campo.
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Nas chamadas oficinas, que focam a apropriação e uso de novas tecnologias para comunicação, como artes e esportes, se busca ampliar as possibilidades de os envolvidos, crianças, jovens e adultos, se legitimarem como produtores de sentido. Produtores/distribuidores de conteúdo conscientes (PERUZZO, 2004) desses fazeres, nas diversas escalas municipal, − base da cidadania popular, o lugar onde se vive − nacional e agora, planetária, da informação, dos bens culturais e do conhecimento. Proceder que não nega todas as possibilidades da globalização, mas as coloca, de certa maneira, no devido lugar: ao assumir o nosso lugar e toda recusa a tudo que nos nega como cidadãos do mundo, como parte importante da humanidade. Boaventura fala da globalização insurgente. Talvez seja isto: “o local aspira antes a inventar um outro lugar [...] se não mesmo uma utopia [...] O conforto que o local oferece não é o conforto do repouso, mas um sentido de direção” (SANTOS, 2006: p. 206).
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Trabalho e muita luta. E rumo. Nossa América, ou nossa pátria, é o chão que se trabalha, produz, reproduz e vive em plenitude. Em resumo, a América trabalhadora (MARTÍ apud SANTOS,op.cit:214). Não a do agronegócio predador, dos agrotóxicos. Terra e território, como lugar de homens e mulheres simples (MARTINS,2000) espalhados pelos Brasis e Goyazes a fora. Herdeiros de povos livres, os cerradeiros (MENDONÇA,2004); ou homo cerratensis (ser do cerrado) (PÁDUA,2006:3), para esnobar no latim. Gente simples, mas livre. Dona, feito lobos, de seu nariz e da terra que − retirada dos avós ou antepassados mais longínquos − retorna agora, via reforma agrária, a seus verdadeiros e históricos donos: gente que trabalha, vive e sonha. Ou seja, nós mesmos. A distância, as surpresas no universo social de entrada, o assentamento Oziel, mudam, um pouco, o curso da proposta no primeiro ano. Ou seja, a prioridade ficou com crianças e jovens (ou próximos) da reforma agrária, no município de Baliza.
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De inicio, a coordenação do assentamento, nas suas áreas internas, apresentou três demandas claras: 1. inclusão digital e tecnológica de jovens/crianças; 2. escola de terceiro ciclo, curso superior; 3. construção e conquista de uma rádio comunitária. Com duas escolas, municipal e estadual, Oziel reivindica cursos superiores, para os jovens que, todo ano, terminam o 2º grau. E assim, evitar o retorno dos pais à cidade para que filhas e filhos menores, sobretudo, possam continuar sua formação. São 3 mil alqueires goianos (cerca de 16 mil hectares), 70 quilômetros de extensão. Uma rádio comunitária, mesmo em ondas, se converteria aí num simples circuito de comunicação interna entre os assentados, embora ferramenta para se articular e distribuir sua cultura. Assim, costura-se, entre estes sujeitos sociais para, num esforço coletivo e compartilhado, contribuir para se consolidar uma outra apropriação e outro uso das tec-
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nologias de comunicação, na escola pública e nos movimentos sociais populares. Ou seja, que jovens/crianças contribuam na derrubada de outras cercas, muitas delas invisíveis: as que escondem os meios de comunicação (um imenso latifúndio), a concentração das riquezas, o descaso, permanente, com agricultura familiar. A tentativa de separação brutal do campo-cidade, bloqueados enquanto espaços de todos humanos. Apesar da segunda depender do primeiro para sua sobrevivência, a exploração e confisco (chamadas mais valia), de seu trabalho e riqueza, continuam refinados. O assentamento, ocupando terras que margeiam o rio Araguaia, próximo à sua cabeceira, entre dificuldades, contradições e sonhos, topou os desafios em tornar a vida possível, tranqüila, solidária e com farturas. Pequenas humanidades plenas, aqui nos cerrados centrais do país. Um dia.
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O jeito de contar nossas histórias faz toda a diferença
Angelita Pereira de Lima •
À noitinha, quando o grupo de estudantes
e professores chegou, a janta estava pronta há muito tempo, mas ainda quentinha por causa do fogo brando no fogão à lenha. Naquele final de outubro, o atraso da temporada das chuvas deixava o calor mais ardido e a viagem mais cansativa, principalmente para quem atravessou os quase 500 km que separam Goiânia de Baliza na kombi da UFG.
A chegada na pensão, em frente à pra-
ça da prefeitura, foi comemorada com alívio • Professora de Jornalismo da UFG e coordenadora do Projeto Berra Lobo.
e alegria, revelando o jeito peculiar de cuidar do outro e próprio de uma cultura de povos
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hospitaleiros, como são os viventes do vale do rio Araguaia. Havia muita expectativa com a etapa de oficinas e troca de experiências que seria realizada naquela semana.
Quando se desenvolve um projeto em
torno de comunidades organizadas há sempre a expectativa com a aceitação, com o risco do encontro com o outro e com as demandas de continuidade. A viagem foi organizada para promover esse e outros encontros, pois o tema que une o Projeto Berra Lobo aos assentados do Assentamento Oziel e às comunidades das Escolas Municipais Maria Conceição e Bandeirante é a comunicação.
Comunicação tanto no sentido prático do
uso das tecnologias da produção e difusão de informações e bens culturais, quanto no sentido pedagógico da comunicação como diálogo e voltada para uma transformação das relações e da própria educação. Por isso, o foco do
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projeto são as crianças do assentamento e as/ os professoras/es das escolas que atendem às famílias de trabalhadores rurais.
Desenvolver a crítica, o primeiro apren-
dizado. A Universidade não é desejada e esperada apenas pelo conhecimento que sua marca carrega, mas também, pelas relações de solidariedade e esperança que estabelece com as comunidades além de seus muros. É um tipo de esperança crítica, como aponta Paulo Freire (1985), intrinsecamente ligada aos processos de produção da existência e da crítica social. E sua esperança crítica repousa numa crença também crítica: a crença em que os homens podem fazer e refazer as coisas; podem transformar o mundo. Crença em que, fazendo e refazendo as coisas e transformando o mundo, os homens podem superar a situação em que estão sendo um quase não ser e passar a ser um estar sendo em busca do ser mais. (FREIRE, 1985, p. 74)
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Essa crítica cria, necessariamente, o com-
prometimento mútuo, um olhar diferenciado para o cuidado com o outro. Por um lado, há um querer pelo reconhecimento da luta, das estratégias e das culturas vividas fora do âmbito acadêmico ou do campo de interesse da ciência. Por outro, a relação da universidade com os movimentos e as organizações sociais deixa marcas profundas e no modo de realizar a ação extensionista, que no dizer de Freire
(1985)
deve
ser eminentemente a comunicação.
Isto se torna paradoxal, pois na medida
em que se estabelece uma relação comunicativa, a ação perde seu caráter de extensão que é baseado na educação bancária e torna-se dialógica na “relação pensamento-linguagem-contexto ou realidade”
(FREIRE, 1985, p. 70).
(...) a comunicação verdadeira não nos parece estar na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento de um sujeito a outro, mas em sua co-participação
berra lobo palavras andantes 42 no ato de compreender a significação do significado. Esta é uma comunicação que se faz criticamente. (FREIRE, 1985, p. 70)
De alguma forma, isso também impacta e
pode modificar a própria universidade no modo de produzir o conhecimento e nos seus conteúdos. A troca de saberes e de experiências é a energia que movimenta a roda da extensão e que transmuta todo o seu sentido para o da comunicação. É dessa forma que ela deixa de ser uma extensão universitária e passa a ser comunicação, conforme constatou Paulo Freire (1985).
Passa a ser ação.
É a comunicação, no seu sentido denso
de troca, diálogo e de implicações que sustenta o trabalho desenvolvido pelo Projeto Berra Lobo que iniciou suas atividades em 2013 em diferentes áreas de assentamento e acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de Goiás.
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Conviver com temporalidades diferen-
tes, o segundo aprendizado. Nos processos educativos, de troca de saberes e da apropriação da técnica e da tecnologia, é preciso considerar e respeitar os tempos de cada pessoa, de cada grupo. Não há tempos absolutos, assinalou Milton Santos
(2008),
mas temporalidades
conviventes. O moderno e o tradicional, o novo e o antigo não se excluem e, ao contrário, indicam que no mesmo lugar pode haver a ocorrência de tempos com intensidades distintas: De um lado, o que nós chamamos tempo lento somente o é em relação ao tempo rápido; e vice-versa, tais denominações não sendo absolutas. Essa contabilidade do tempo vivido pelos homens, empresas e instituições será diferente de lugar para lugar. (SANTOS, 2008, p. 267)
O tempo da universidade é diferen-
te do tempo da escola pública que é diferente do tempo vivido no assentamento que, por sua vez, é diferente do tempo singular de cada
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trabalhador e cada trabalhadora. No encontro com as professoras/es da escola Maria Conceição para discutir e preparar as oficinas de comunicação, esses diferentes tempos emergiram não sem causar conflitos e até constrangimentos.
Há professoras/es “antenadas/os” que
usam as ferramentas tecnológicas de comunicação, mais especificamente a internet, para planejar aulas, pesquisar e se “relacionar” com
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os/as estudantes. Mas, há também aquelas/ es que não se ambientaram ao uso das novas tecnologias e se sentem desvalorizadas/os ou talvez, até cobradas/os por não acompanharem os novos tempos.
A realidade, na perspectiva freireana
da experiência, impõe limites, pede olhares atentos e sensíveis para que as metas do projeto não atropelem as pessoas e os tempos dos lugares.
Se a meta é desenvolver um processo de
educomunicação, uma educação para as mídias que envolva os trabalhadores e os filhos dos trabalhadores, da cidade e do campo, de modo a construir e co-gerir outras formas de comunicação que vão além dos modelos preconizados pelos discursos hegemônicos das TVs comerciais, há que se considerar o imperativo da realidade e da necessidade de trocas.
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O modo como se conta faz a diferença,
o terceiro aprendizado. Teoricamente, o que norteia essa prática é a noção de que o vivido só se torna experiência e constitui memória quando é narrado. E a apropriação das técnicas e das tecnologias − a partir da desmistificação de seus modos de funcionamento −, é condição fundamental para romper com os monopólios da fala e das produções de sentido.
Seis séculos após a invenção da imprensa
por Gutemberg, − fato que permitiu a universalização da escrita e da leitura −, a tecnologia devolve à humanidade a possibilidade de falar e escrever e registrar imagens em uma única plataforma, ou seja, resgata e repõe a força da oralidade e da imaginação nos processos comunicativos. Mais do que isso, a produção dessas narrativas constituem e consolidam a experiência e a memória de um tempo e de um espaço vividos:
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Experiências são as histórias que as pessoas vivem. As pessoas vivem histórias e, no contar dessas histórias, se reafirmam. Modificam-se e criam novas histórias. As histórias vividas e contadas educam a nós mesmos e aos outros, incluindo os jovens e os recém pesquisadores em suas comunidades. (CLANDINI e CONNELY, 1994, p. 27)
Aqui, o que conta é modo como essas his-
tórias são narradas. Apropriar-se da técnica, de certa maneira, potencializa a criatividade e a inventividade para essas narrativas, sobretudo a partir da experiência do movimento social. A diferença está fundada na voz narrativa, no sujeito que constroi e conta sua própria história e não delega a outrem a representação e a construção do sentido.
Se o potencial das narrativas foi multipli-
cado, ainda é realidade o controle dos meios de comunicação e do modo de produzir os discursos
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por um grupo social intencionalmente comprometido com as regras de mercado. Sob essa lógica, não é a vida em suas infinitas diferenças e pulsões que é narrada, mas um modo de se viver que é vendido. O projeto Berra Lobo se situa na oposição a essa lógica. Para nós, os modos de contar e de narrar a vida é que fazem a diferença. Por isso, a multiplicidade de vozes, a polissemia, constitui nossa meta primordial.
As oficinas realizadas por estudantes de
jornalismo, de artes visuais e de outros campos disciplinares revelam, primeiro, que a autonomia da narrativa não pode ser concedida por ninguém, ela é construída nos processos comunicativos e é transdisciplinar. A rádio que transmite o torneio de futebol no assentamento ou a oficina de fotografia que põe diferentes belezas na passarela da memória, passam a constituir essas existências e a vontade de narrá-las, de torná-las conteúdo discursivo.
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Construir novos discursos com ferramentas tecnológicas que servem para produzir e distribuir a informação é uma ação que entrelaça a educomunicação à formação de jornalistas, artistas, geógrafos, e tantos profissionais que estiverem abertos a essa experiência educativa. Dessa forma, nossos/as estudantes e educadores/as se experimentam na relação de aprendizagem e ensinagem: - Eu ensino você a fotografar e aprendo a ver com seus olhos. - Eu ensino ligar os botões, falar ao microfone e aprendo que a ternura e a traquinagem das crianças se modulam no mesmo tom. - Eu ensino outras linguagens e aprendo a confiar na generosidade e na força dos que sentam na cadeira ao lado. Ensinar e aprender tornam-se um só verbo. Mas isso se confirma como possibilidade se vivido em um processo comunicativo que brota
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do diálogo e da experiência entre mundos separados, não pelos 462 km de distância, mas simbolicamente por uma falsa hierarquia cultural. Enfim, a experiência se materializa quando uma juventude que viaja ao encontro de outros mundos, se deixa afetar por eles e muda suas linguagens. Na outra ponta da estrada estão os trabalhadores da terra e seus filhos, professores e lutadores, que já descobriram, por força da experiência de produzir as condições de sua própria vida, que os elos comunicantes precisam ser cotidianamente alimentados de esperança, ações libertárias e desejo de transformação. Assim, a comida quentinha no fogão à lenha, o pouso garantido nas parcelas dos assentados e a alegria do encontro também constituem narrativas da vida, outro modo de contar as histórias. E fazem toda a diferença.
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Baliza e Oziel
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A vida criativa e o atraso do latifúndio Waney Vasconcelos
• Artista, professor, camponês e militante do MST.
•
Sou assentado no P. A. (parcela agrícola) Oziel A. Pereira e nesse artigo falarei dos processos pelos quais a comunidade, que o compõe, passou no que diz respeito à preocupação com a Educação e com a Comunicação. Na sociedade em que vivemos, é, no mínimo, original o fato de, rompendo com os modelos milenares de formação de comunidades, que por sua vez deram origem a cidades, até mesmo nações, uma mínima parcela da população de diversas cidades de diferentes partes do estado se juntarem num território distante, semi isolado.
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Isto, numa época em que, para se conseguir sinal de celular, era preciso subir ao morro ou na árvore mais próximos. E,claro, se possível de se escalar. Em uma época também em que as políticas públicas do governo federal, voltadas para questões de Reforma Agrária, tinham de popular só o que o neoliberalismo da ocasião ditava. Acampamentos organizados pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) nas diversas localidades do Estado, como Jataí, Goiânia, Itumbiara, Doverlândia, Itaberaí, Catalão, etc, passarem por unificação na área externa do INCRA em Goiânia, ficando alí acampadas as quase 2 mil famílias até 2002, quando foi liberada a área da Fazenda Bandeirante, no município de Baliza, divisa com Mato Grosso. A área conta com mais de 40 mil hectares, envolvendo pastagens e reservas. A Fazenda Bandeirante era de propriedade de um conglomerado alemão que praticava
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criação extensiva de bovinos. A área foi desapropriada em 2001 para fins de Reforma Agrária em vista da empresa proprietária ter sido enquadrada em lavagem de dinheiro, e viria a ser o maior assentamento do estado de Goiás, com 553 famílias. A educação mobilizadora - pelo movimento exigido de um acampamento (a qualquer momento pode surgir área a ocupar ou atividade mobilizatória urgente), o Setor de Educação (uma vez que os acampamentos são organizados em Setores de atividades necessárias) encarrega-se de providenciar as articulações necessárias com a escola mais próxima para garantir que quem estiver matriculado e fazendo parte do acampamento, dê continuidade ao ano letivo. O que nem sempre foi simples de se fazer, tendo em vista que muitas autoridades de alguns municípios dificultavam (e dificultam) alguns aspectos da luta. Nem todo prefeito
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quer um acampamento de sem-terra em seu município! Ao passo que muitos(as) companheiros(as) de luta foram encontrados(as) por onde se passava. Mas pela necessidade e pela organização possibilitadas pela luta, em algumas partes organizaram-se salas de aula dentro do próprio acampamento, prefeituras e órgãos foram ocupados para garantir o direito à educação básica.
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Peças de teatro em locais públicos e entrevistas em rádios e jornais locais, com o fim de explicar os objetivos e necessidades do acampamento. Foram organizadas e realizadas, coletivamente, bem como doações de excedentes de cesta básica, entre várias ações pensadas de acordo com a realidade e necessidade imediatas, com o propósito de se comunicar com a população, estabelecendo, assim, a possibilidade de um diálogo. Acampamentos com nomes e origens políticas e culturais bem diversas. Nomes como: Raio de Sol, Che, Dandara, Antônio Conselheiro, Zumbi dos Palmares, o enorme Dom Hélder Câmara, que quase atingiu 2.000 famílias acampadas chegaram à área da Fazenda Bandeirante e se distribuíram em dois acampamentos: um às margens do Rio do Peixe, divisa com Doverlândia, e outro às margens do córrego Caracol. Por essa época havia a Escola Municipal Bandeirante funcionando a primeira fase do
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Ensino Fundamental, onde foram matriculadas as crianças estudantes. Em seguida, começou a funcionar também, numa dependência da sede do Rio do Peixe, uma extensão da Escola Dona Doquinha, de Baliza, com o curso de Ensino Médio. Tempos difíceis e criativos - A comunicação, ao mesmo tempo, se dava muito precariamente usando antenas de celular, na época raras e caras, e por meio de rádio à pilha, uma vez que a energia elétrica só seria instalada mais de seis anos após a chegada da maioria ao local. Em compensação, nesse período era intensificado o mecanismo das reuniões para que a comunicação e resolução de problemas fosse possibilitada. A comunicação se dava também, como desde o acampamento, através de encontros religiosos, missas e cultos, uma vez que a quase totalidade de acampados(as) professantes de religião, são católicas(os) ou evangélicas(os). Em 2006-2007, por meio de uma parceria MDA-INCRA-UFG-MST, sob a coordenação da
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professora Vládia Correchel, UFG, começaram a ser implantadas as ações do Projeto de ATER, “Educação Ambiental e Recuperação de Áreas Degradadas, P.A. Oziel A. Pereira”. Através do eixo central do projeto, que envolvia retardamento de ação erosiva e recuperação de áreas com voçorocas em níveis alarmantes, foram desenvolvidas diversas ações de capacitação e formação em temas pertinentes à comunidade. Desta maneira, foram organizados cursos e workshops de processamento do algodão, processamento de frutas, elaboração de mudas, identificação da flora local, etc, bem como assessoria junto ao INCRA no que diz respeito a suas atividades no assentamento. Era ainda uma época em que não havia energia elétrica no Oziel, e nem o telecentro instalado para possibilitar conexão com a internet. Nem mesmo podíamos sempre ter celulares disponíveis e com bateria carregada. Mas já tínhamos uma coordenação e uma juventude disposta que compuseram o
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Coletivo Regional de Cultura, em sintonia com os setores estadual e nacional, em que se faziam debates internos acerca da arte, ensaiavam-se e apresentavam-se músicas e peças de teatro nas ocasiões coletivas e mobilizações, projetavam-se filmes em telão, na sede, único local ainda com eletricidade, faziam-se oficinas de artesanato e pinturas de painéis nas áreas coletivas. Por terem vislumbrado e começado as conversas, desde a época de acampamento, sobre as necessidades de Educação e Comunicação da coletividade começaram seu andamento do satisfazer-se. Tendo a inclusão digital como preocupação, a Coordenação local providenciou oficinas e cursos com computadores doados por entidades e realizados com professores e técnicos voluntários(as) do próprio assentamento, o que resultou em grande número de jovens e adultos terem contato com a tecnologia básica computacional. O telecentro, parceria da Cooperativa local/MST/INCRA/Furnas C.E., 2008, época em
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que Furnas estava implantando a rede física de distribuição de energia elétrica para as parcelas do assentamento. A empresa doou computadores, mesas e cadeiras, e o Ministério das Comunicações (GESAC) forneceu a conexão banda larga via satélite. Desde os primeiros trabalhos, em 2005, o Telecentro Oziel tem sido local e recurso onde tem-se realizado vários cursos. Com o desenvolvimento das tecnologias móveis, as formas de se comunicar na localidade se tornaram muitas e cada vez mais pessoas estão utilizando a internet, via celular ou via modem 3g, que, mesmo com a distância da torre retransmissora e com a topologia acidentada local, possibilitam conexão com a rede mundial. As perspectivas de desenvolvimento das possibilidades de comunicação na região do Assentamento Oziel, a qual abrange também dois assentamentos menores e propriedades particulares (fazendas e sítios), numa população
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usuária de telefonia e internet 3g estimada em aproximadamente 3.000 pessoas, pelo raio geográfico abrangido e condições topológicas locais, a melhoria se dará quando se instalar alguma torre retransmissora de sinal celular na origem desse raio, de forma a fornecer sinal aos recônditos desse sertão. Juntamente com aprovação de leis que possibilitem um maior compromisso por parte das empresas de telecomunicações no sentido de fornecer o que é contratado.
Como dito, anteriormente, desde as épo-
cas em acampamentos, as famílias vinham debatendo que tipo de escola iriam querer nos assentamentos que estavam construindo. No Oziel, essas questões eram, a princípio, no sentido de melhorar a então existente Escola Municipal Bandeirante e construir prédio próprio com funcionamento reconhecido da escola de Ensino Médio, que veio concretizar-se, em 2011, com o Colégio Estadual Oziel Alves Pereira.
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Situado na sede da antiga fazenda e área social do assentamento, foi construído com tecnologia recente de arquitetura escolar pública, com dependências administrativas, 10 salas de aula, uma biblioteca e uma quadra de esportes, cuja cobertura faz parte das necessidades imediatas e da pauta da comunidade. Além dos cursos regulares de Ensino Fundamental II, e Ensino Médio, entidades têm feito parceria com o CEOAP para realização de cursos. Como foi o caso do curso técnico de Agropecuária do PRONATEC, em 2012.A comunidade organizada também faz uso da quadra de esportes da escola, através de representantes responsáveis em parceria com a gestão da instituição. A UFG (Universidade Federal de Goiás) tem tido grande participação no processo educacional: da turma de formandos do curso ‘Pedagogia da Terra, UFG’, quatro novos pedagogos que assumiram funções na inauguração do
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CEOAP, são do assentamento Oziel; o diálogo aberto com o projeto de ATER e a professora Vládia Correchel, produziu frutos também resultados em outras áreas. A exemplo, como se sabe, na Pedagogia e, agora, tem continuado com professores e estudantes de Jornalismo, Educação Fisica e Artes Cências que estão contribuindo na construção de um projeto de comunicação-e-educação, com oficinas e suas diversas ferramentas nas escolas, bem como tem, junto com a população local, discutido e buscado formas de facilitar o meio comunicativo nessa região, principalmente através do envolvimento da parcela jovem . Dos anseios da população do Oziel, refletidos em suas reflexões e pautas, as perspectivas no campo da Educação são na direção de ter servidoras e servidores das duas escolas concursadas(os) e com formação adequada; utilizar os contra-turnos para outros cursos; melhorar a qualidade do transporte escolar;
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funcionar uma extensão de curso superior dentro do assentamento: que se formem mais parcerias entre Universidades e Movimentos Sociais, como o MST, para disponibilizar mais cursos superiores que formem a juventude e população local para necessidades e realidade também locais. Igualmente um anseio, talvez de poucos, por ora, mas de responsabilidade da Educação, Comunicação e Cultura, é substituir aos poucos o nome “Bandeirante(Band)” do imaginário coletivo popular, bem como o nome da escola municipal, para Oziel Alves Pereira, o qual foi um lutador pela conquista da terra, ao passo que “Bandeirantes” foram justamente os que, no passado, ajudaram a construir o que pessoas como as do Oziel ajudam a desfazer hoje: o atraso do latifúndio.
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texto criativo
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Tudo por um fio Jéssica Chiareli •
• Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
“Foi você que escreveu isso?”. “Foi sim, o que você achou?”, respondi ao garoto que me olhava encabulado depois de eu ler meu texto. Ele, que resistiu durante boa parte da primeira etapa da oficina, olhou para a folha de papel que tinha em mãos e abriu um sorriso. A proposta era um exercício de escrita criativa em que se deve transcrever tudo o que vem à cabeça, sem pensar muito, simplesmente deixar as palavras fluírem. Aprendi a técnica com uma colega do Coletivo de Comunicação Magnífica Mundi e a uso nas oficinas de blog desde então. Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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Sentados em roda, círculo, formato de minhoca desdentada mordendo o rabo, de piolho-de-cobra depois de levar uma espetada ou como queira sua imaginação, pedia aos meus novos amigos que escrevessem livremente, e, depois, cada um leria o próprio texto. A leitura, assim como a identificação no papel escrito, já que no fim eles seriam entregues para mim, era sempre opcional. Dessa forma, as palavras se tornavam realmente livres, pois, à princípio (e realmente apenas no princípio), os mais tímidos poderiam optar por manter seus textos em segredo. As crianças e adolescentes que escolhiam a oficina de blog ficavam surpresas. Não entendiam muito bem a razão de usarmos folhas em branco e lápis e não computadores e internet, pelo menos não na primeira parte da oficina. Tratava logo de explicar: o blog é uma ferramenta que serve para dizer alguma coisa ao mundo, pois
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qualquer pessoa de qualquer país pode ler as palavras que publicamos. A internet é apenas mais uma forma de a gente poder narrar nossas histórias, ou qualquer outra história que, mesmo não sendo nossa, merece ser contada. Durante essa etapa da oficina explicava também que texto não é apenas a palavra escrita (FREIRE, 1981), que ele pode ser um desenho, fotografia, um sorriso do colega ou a expressão fechada que a mãe faz quando o filho apronta alguma arte, pois “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico e vivencial” (BAKHTIN, 1997).
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No início era mesmo de se estranhar, mas ao perceber que na escrita criativa não havia espaço para definições de certo e errado, feio e bonito, melhor ou pior, o processo de escrita se tornava leve e o simples fato de narrar os próprios pensamentos passava a ser algo divertido. Depois de descobrir que escrever não é tão chato quanto pode parecer, era iniciada a segunda etapa da oficina, a que deixava a todos mais animados: a criação do blog. As fases da feitura, desde a escolha do nome, aparência e conteúdo, eram realizadas pelas meninas e meninos, quase sem nenhuma interferência externa. Nesse segundo momento, voltávamos a explicar que o blog nada mais é que uma rede de narrativas virtuais, que pode ser lida, compartilhada ou comentada por qualquer pessoa. Procurávamos sempre um lugar confortável entre o blog como simples ferramenta
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de divulgação de conteúdo e como transformador de narrativas humanas, de forma que os novos blogueiros compreendessem que ao contar uma história tecemos um fiozinho que fica mais forte ao se encontrar com o outro fio, e que o blog permite que esses mesmos fios se entrelacem mais rapidamente. A partir daí, é possível criar uma teia tão forte que chega a ser capaz de suportar o peso de dez (e até mais) novilhas bem gordas. Mesmo os que tinham pouco ou nenhum contato com computadores aprendiam rapidamente como lidar com as funções básicas que o blog oferece. Não era incomum ouvir ao fim da oficina: “é só isso? pensei que fosse mais difícil”, por parte dos alunos. Cada um deles saia de frente da telinha do computador com inúmeras ideias para incrementar a página virtual, além de várias assuntos que deveriam ser abordados em novos textos.
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Ao fim de cada oficina se percebia com certa clareza... Blogs podem parecer ferramentas simples, e verdadeiramente o são, mas quando apresentados como uma alternativa, que permite dizer o que se quer dizer ou o que precisa ser dito, por meio de uma rede que une teias, há, de certa forma, uma libertação. Pois as leituras de mundo se legitimam na escrita da palavra, e quem escreve se torna senhor da sua história e de todas as histórias que virão a partir daí.
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Narradores da terra Jéssica Adriani •
• Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
Comunicar-se com o mundo em tempo real. Com a internet isso é possível. E como um novelo de lã que pode interligar diferentes pontos, a rede mundial permite a possibilidade de falar e ser ouvido de qualquer parte do planeta. Foi com essa ideia que as oficinas de webtv e blog foram propostas. Mostrar para as crianças das escolas como usar esses meios para conhecer a Terra e fazer com que conheçam a sua terra (GUTIERREZ, 1978). A animação era contagiante! Os gritos, corridas, disputas e brincadeiras podiam até nos deixar às vezes perdidos, já que a sala de Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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aula não é um ambiente que estamos acostumados a lidar, a menos que como estudantes. O trabalho com esses seres que vivem a melhor fase da vida não é tarefa simples, para nós, aprendizes de jornalismo. Deve-se buscar entender como encaram o mundo, pensam e constroem suas narrativas (GOTTLIEB, 1996). Atividades que seriam fáceis se fosse comum encarar a criança como um ser pensante e não uma caixa vazia. Mesmo tendo pouca experiência de vida, possui suas subjetividades e vontades. Na tentativa de mudar essa percepção, fomos de braços abertos ao desconhecido. A dinâmica seria desenvolvida com os professores e estudantes durante a própria oficina. O que, ao mesmo tempo, trouxe tranquilidade e ansiedade. Na conversa com os educandos, podíamos ver a vontade de construir um projeto que pudesse melhorar o trabalho deles, trouxesse
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benefícios para os estudantes e novas aprendizagens para nós. E no primeiro momento com os estudantes, já dava para perceber que nem todos gostavam de escrever, mas havia uma vantagem: a internet. Quando falávamos que era para criar um blog no computador, muitos já levantavam a mão e gritavam: Eu quero! Mas o objetivo não era unicamente a plataforma, mas tentar mostrar que a escrita é uma prática prazerosa (BARTHES, 2013), não uma tarefa obrigatória e sem graça a ser desenvolvida apenas na sala de aula. Este caminho não seria fácil. Se ao primeiro instante, pensávamos que poderíamos desenvolver uma dinâmica equivalente com todos, ao nos depararmos com a realidade, vimos que não. Cada um tem seu tempo e forma de se expressar.
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Oficina em Baliza Era a primeira vez que tínhamos contato com a Escola Municipal Maria Conceição. Com a ajuda dos professores, separamos mais ou menos por idade e por tipo de oficina. Os mais velhos poderiam escolher em quais participariam. Depois de divididos fomos para a sala realizar uma dinâmica de apresentação. No primeiro momento, a professora que acompanhou estava muito animada e ajudou manter a organização.
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No entanto, os outros professores que
vieram, na segunda oficina, foram realmente participantes. Ficaram em círculos com as crianças, construíram histórias em grupos e foram para os computadores criar o blog.
Durante o processo de formação das nar-
rativas, cada um escolheu uma imagem de livros que estavam dentro do círculo. Não podiam deixar que ninguém visse.
E a primeira tarefa era tentar descrever o
desenho para que os outros colegas pudessem adivinhar. Logo percebemos a capacidade criativa de todos. Alguns usaram a fala, enquanto outros optaram pelo uso do corpo, através da mímica.
Depois foram montado grupos de dois a
três alunos, para que juntassem as imagens usadas anteriormente e construíssem histórias. Tentamos ajudar para que todos participassem ativamente do momento.
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No entanto, alguns acabavam formando narrativas mais fáceis do que outros. Com isso, alguns que tinham maior dificuldade para se expor em grupo, optaram por escrever sozinhos. Um caso interessante, foi de um menino, que desde o começo estava inquieto, corria para todos os lados e não queria ficar dentro da sala. Então perguntou se podia escrever uma poesia. Foi para a mesa e depois de um tempo nos apresentou seu texto, em que descrevia o lugar onde morava.
Após essa etapa, fomos para o laborató-
rio. Os alunos da escola em Baliza já tinham aulas de informática, o que ajudou, pois eles possuíam o conhecimento básico. Mas a vontade por ter o contato com a internet não foi menor com isso.
Também pensamos juntos o nome do
blog que seria criado. Na tempestade de ideias que vieram, ficou, por voto, Travessia da Ponte. Nome que pode ser referência à ponte
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sobre o rio Araguaia que divide os dois estados − Goiás e Mato Grosso − e que fica na cidade. Como também pode ser a passagem da infância para a adolescência, as mudanças que ocorrem tanto no corpo quanto nos pensamentos. Ou ainda, a passagem dos textos do papel para o mundo digital. Uma infinidade de explicações que podem estar certas ou não. O nome simplesmente foi sugerido e todos gostaram. Depois de montada a plataforma, era a hora de digitar os textos. Mesmo com o interesse pelo uso da internet, alguns demonstraram certas dificuldades. E uma das principais foi no momento de tirar o texto do papel e colocar no computador. Muitos não queriam digitar suas histórias e não conseguiam se concentrar. Mas no geral, demonstraram que tinham gostado da experiência, e muitos já planejavam criar o próprio blog.
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Oficina na Escola Municipal Bandeirantes A escola do assentamento Oziel não era novidade. As crianças nos conheciam e com isso a recepção foi muito mais calorosa. Abraços, beijos e muita animação no momento em que chegamos. Em relação à oficina, houve a mudança de escola, de idade e de quantidade de participantes. Em Baliza, ficamos com os maiores, entre 9 e 10 anos. Já no assentamento, eles tinham 7 e 8 e era um grupo bem maior.
A primeira parte, que era cada um esco-
lher um desenho e descrevê-lo, foi uma etapa muito produtiva. As crianças gostaram e mais uma vez, foi notória a capacidade imaginativa de cada um.
Com muita dificuldade, já que todos que-
riam continuar brincando de adivinhação, fomos para a criação das narrativas em grupo.
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Assim como a primeira experiência na outra escola, alguns tiveram dificuldades para escrever com os colegas.
Mas teve uma dupla, em especial, que
chamou muito a atenção. Os dois estavam se divertindo tanto! Quando terminaram e nos mostraram a história, perguntaram se podiam escrever outra e animados voltaram a atenção para o papel.
Foi uma atividade relativamente rápida,
já que, naquele dia, a aula acabou mais cedo. Não foi possível acessar, com o grupo, o blog criado anteriormente. Pois, ainda existe a deficiência na escola na questão de um ambiente tecnológico acessível para os estudantes.
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rรกdio
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Levar a bagunça para o rádio Paloma Biasi •
“Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é dum carneiro. Desenha-me um carneiro.” (SAINT-EXUPÉRY, 1998, p. 4)
• Estudante de Jornalismo, 6º período, UFG.
As oficinas começaram de um jeito diferente. Carteiras foram arrastadas até as paredes para que as crianças nadassem no rio que brotava do chão e se espalhava pelo ar. Foi nesse espaço, sem as cadeiras enfileiradas, que, a imaginação confiscou as salas de aula. A criatividade entrou até nas unhas, transformadas em garras afiadas, dignas de enfrentar qualquer onça. Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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O poeta Manuel de Barros escreveu uma vez sobre uma cadeira que estava cansada de ser vista só como uma cadeira. As crianças têm muito a ensinar sobre as milhares de possibilidades que uma só coisa pode ser. Na escola Bandeirantes, tubos de silicone moveramse como espadas molengas e dançantes nas mãos de meninos e meninas. Dessas vivências, é possível pensar em um método que se abra para a imaginação, o encontro consigo mesmo e com o mundo. No livro Todos os contos – Verificação do imaginário infanto-juvenil, as autoras do artigo A construção do Real no Imaginário Infantil, Karla Teixeira Dias e Marjorie de Paula Ribeiro, trazem uma citação de Donald Woods Winnicott, que diz o seguinte: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu”.
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A criatividade e a imaginação estão ligadas, profundamente, à liberdade de se expressar, em um método no qual as crianças contam histórias que levam dentro de si. No Bandeirantes, elas narraram sobre barcos e amigos, que andavam, andavam e andavam pela floresta. Até chover. E, sobre uma casa feia, com um dono que não tinha do que se queixar porque o céu, esse sim, era bonito. O “brincar” que Winnicott fala pode ter o mesmo sentido que as “peraltagens” que Manuel de Barros descreve no poema O menino que carregava água na peneira; menino, que como todas as crianças é dado a peraltar e descobre a brincadeira com as palavras. Começa, então, a fazer pedra dar flor e botar chuva na tarde. Uma prática metodológica de compreender e dialogar com a criatividade das crianças gera trocas de saberes. Elas se descobrem como as maiores mestres em peraltagens da
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imaginação e nos ensinam a ver o mundo de outras formas que não estamos acostumados a perceber. Elas podem participar dessas relações de trocas e transformações porque têm seus saberes, antes mesmo de chegarem à escola. Como escreve Jacques Rancière em seu livro, O Mestre Ignorante (2004), as pessoas falam suas línguas maternas porque desde pequenas contém uma inteligência natural que as tornam capazes de aprender com as pessoas que estão próximas de si. Na oficina de rádio e educomunicação, as crianças contaram de suas vivências e as histórias que habitam seus imaginários. Essas experiências de vida são fonte de conhecimentos e formação da personalidade. Trabalhar com a criatividade e a imaginação é uma escolha pelo “eu”. Procurando, sempre, o caminho do ser que assume a trajetória de seu próprio processo de conhecer.
Em Pedagogia da Esperança, o educador Paulo Freire escreve que se não é possível defender uma prática educativa que se contente em girar em torno do “senso comum”, também não é possível aceitar a prática educativa que, zerando o “saber de experiência feito”, parta do conhecimento sistemático do(a) educador(a). (2003, p. 59)
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As crianças não chegam às escolas com “zero” de conhecimentos. Elas são como o pequeno príncipe do livro, que na história encontra um piloto de avião perdido no deserto, e lhe pede para desenhar um carneiro; o piloto faz, então, o único desenho que aprendeu na vida e se surpreende quando o principezinho enxerga seus traços de jibóia engolindo um elefante quando todos só viam um chapéu.
Uma vez um homem pobre tinha um barco e ele nunca ouviu a história dos setes mares, então ele falou: que tal eu tentar minha sorte e achar os sete mares? Então ele pegou seu barco e foi, da primeira vez ele tentou, mas não conseguiu, porque tinha que ter o barco da cor do portal pra levar... José Eduardo, 9 anos, 3° série, Mª Conceição
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Eu tava na moto com a minha tia e a minha vó, aí a gente caiu, passou um caminhão, minha vó tava com uma mala pesada, ela passou remédio em mim e eu chorando... Roberta, 8 anos, Bandeirantes
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Um pescador um dia tava numa correnteza, de repente ele avistou um tamanho de um peixe, foi pescar ele e levou para uma escola que ficava muito longe, daí saía barco e entrava barco, de repente, o barco dele ficou furado... Vinícios, 9 anos, 3° série, Mª Conceição
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Entra no ar a Rádio... Bagunça! Nome escolhido pelos estudantes da terceira e quarta séries da escola Maria Conceição, inspirado nos lápis de cor espalhados pela sala, sapatos revirados e carteiras fora de lugar. Ao fundo, o som do ensaio das vinhetas no violão. Uma rádio feita por bagunceiros. Por quem já encontrou uma onça e, ao invés de fugir, correu atrás dela. Uma rádio de quem tem medo de cobra, vaca, ou não tem medo nenhum. Dos que são tímidos ou não. Mas, todos baguncentos, criadores de histórias de casas mal-assombradas e fantasmas. Crianças que escapam do falar e responder apenas nas horas em que são convidadas. No rádio, elas contam de si e buscam pelos colegas. Produzir um programa é ajustá-lo em sintonia com a energia e imaginação que carregam aos montes.
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As histórias que elas desenham e contam no rádio estão no meio da bagunça; entre um giz de cera branco que incorpora Mani, a indiazinha que deu origem à lenda da mandioca, e, nas caixinhas de apontador: os sapatinhos vermelhos que uma moça pobre um dia calça e se vê condenada a sair pelo mundo dançando até as pernas não suportarem mais. Até o fim de sua vida. O educador Paulo Freire (2005) compreende que o processo da educação não é o mesmo que transferir conhecimentos, como se os educandos fossem jarras vazias, ou mesmo “alunos”, palavra que significa “sem luz”. As crianças são seres humanos que têm suas trajetórias de vida e vivências. Os métodos que dialogam com a Educação Popular partem dos saberes dos educandos para construção de conhecimentos.
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Quando a energia criadora e a inquietação das crianças encontram o rádio, elas vivenciam a identidade de bagunceiras. A educomunicação, como a Educação Popular, se aproxima de metodologias que pensam a liberdade de se ex-
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pressar como caminho para a autonomia do ser e do aprender. Longe do que Paulo Freire chama de “educação bancária”, porque a bagunça de transformar cadeiras em árvores não cabe num método de transferidores e receptores de informações.
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Poesia e simplicidade no ar Heitor Vilela •
• Estudante de Jornalismo, 6º período, UFG.
A magia da comunicação, a voz, a música e outros sons voando pelas frequências no ar. Como introduzir uma tecnologia nova, que algumas pessoas só têm o costume de ter contato como receptor? Esse é talvez um dos maiores desafios a se enfrentar quando o objetivo, a médio prazo, é construir, de maneira compartilhada, uma rádio comunitária. No assentamento Oziel, assim como em outros lugares, a rádio seria não só um entretenimento, mas uma ferramenta importante de comunicação e organização interna. Eu, como estudante de jornalismo, já tive contato e experiências com o mundo radiofônico. Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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Experiências de produção, locução e de técnica escrita, para se transmitir uma informação pelas ondas do rádio. Mas certamente não é suficiente para se fazer uma oficina de rádio. Ao chegar ao assentamento, na escola, nos vimos em meio de muitas crianças, jovens de todas as idades. Eles, que saem diariamente de toda parte do grande assentamento, pelas manhãs, e se concentram no colégio, são os verdadeiros portadores das noticias. Correspondentes populares de norte a sul da região. Quando choveu, se está vendendo algo, se pegou fogo ou não naquela parte, são esses jovens que levarão as informações mais recentes, no boca a boca até se espalhar. Com todas as dificuldades técnicas diretas que, para mim, eram uma barreira, montei uma mesa de som simples, cabos p2/p10, microfone, caixa de som e um computador. Seria uma experiência de rádio pátio, para os outros estudantes e professores escutarem. Cerca de quinze ou vinte crianças, de várias idades e tamanhos.
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Propus um esquema básico de texto de rádio, o qual havia aprendido nas aulas de rádiojornalismo. Caixa alta, “LOC” e BG. Não foi suficiente para fazer a oficina andar. Muitos tinham certa dificuldade em escrever, pela pouca idade. Percebi que a forma de se transmitir e trocar uma mensagem por aquelas crianças era muito mais poética e simplista que o enquadramento teórico que eu tentava implantar. Entre as noticias, um garoto de sete anos incompletos escreveu sobre o ninho de bem-te-vi que havia no telhado acima da janela do seu quarto. O que valia à pena para ele compartilhar com todos os colegas foi o fato de, ao chegar da escola na semana anterior, ter encontrado um ovo em cima de sua cama, que tinha caído pela janela. Ele pegou o delicado objeto vivo e o colocou com cuidado no ninho. No dia anterior ao da oficina de rádio, percebera que aquele passarinho havia nascido e que a mãe os alimentava com frequência, indo e voltando com insetos
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e minhocas no bico. A simplicidade encanta. E para ele foi o acontecimento de mais importância a ser retratado naquela rádio. Outras realidades começaram a ser expostas. O garoto de doze anos que contou sobre o dia em que levou um tombo na moto do pai. Todo dia entre as quatro e às seis da manhã, ajudava o pai com o carregamento de galões de leite. Naquele dia, infelizmente, por uma distração na direção da moto, que puxava uma carreta com dois tambores cheios de leite, passou por uma lombada na estrada de terra e caiu. Sua notícia terminava com um braço esfolado e “mas não adiantava chorar pelo leite derramado”. O contato com o campo e com a natureza como um todo era o que mais motivava aquelas crianças. A vivência diária com rios, sapos, gado, galinhas, carrapichos e carrapatos. A relação com a fé natural, a entrega a deus de uma forma não ligada a religião, apesar da maioria frequentar igrejas evangélicas. Tudo isso é inspiração, o dia a dia nos trabalhos manuais nas roças e em casa.
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As crianças no programa, inicialmente disputaram o controle do microfone, todos que- riam apresentar. Mas depois das primeiras tentativas já se destacaram os que tinham maior facilidade com a fala e com a timidez. O que melhor falava, em termos de dicção e desenvoltura, tinha certa dificuldade com as letras, em ler e escrever. O que inicialmente foi um entrave para a apresentação das notícias. Mas esse mesmo garoto encontrou seu momento quando a hora foi de entrevistas, trocava ideias espontaneamente, sem uso de um texto ou perguntas pré-definidas, falou com as professoras e outros coleguinhas. Na maior parte do tempo, o pessoal montou a programação, as mais recentes músicas do sertanejo universitário, funk e vez ou outra até o bom e velho sertanejo de raiz. Estava, assim, consolidada, em nível de desejo, uma prática de comunicação popular e democrática, via rádio. A serpente está na terra e o programa não sairá nunca mais do ar. “Boa tarde, está no ar a rádio Oziel, a reforma agrária está no ar!” (MACHADO et al, 1986).
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webtv
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TV Castelinho, sem cercas ou fronteiras
Jéssica Adriani •
• Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
Uma plataforma que possa transmitir todo o pensamento de um grupo ou de uma comunidade. Sem a interferência das ideologias dos que possuem os grandes meios de comunicação. Assim pode ser encarada a webtv. Na tentativa de criar um canal que tivesse conteúdo produzido pelos moradores do assentamento, principalmente as crianças, o grupo formado pensou em como poderia ser a programação dessa tv. A primeira tarefa era pensar no nome. E o escolhido, por votação, foi Tv Castelinho, já que o lado de fora da escola, feita de tijolinho à vista, lembra muito as torres de um castelo. Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
Logomarca criada pelos participantes da oficina. Cada um fez uma letra e ajudou no desenho e na pintura.
Após a escolha do nome, partiu-se para a construção da imagem. A logomarca foi criada em conjunto. Todos desenharam castelos e escolheram qual tinha ficado melhor. Depois outra criança fez o jardim e, uma terceira pintou o desenho. Além disso, cada uma fez uma letra do Tv Castelinho. Bem colorida e alegre, a logomarca ficou pronta para ser fotografada e passada para a página principal da plataforma.
Processo de criação Com a escolha do nome e da logomarca, a próxima etapa era pensar nos programas que seriam veiculados. Em grupos, com papel, lápis de cor e ideias na cabeça, partiu-se para a criação. E a imaginação aflorou. Vampiros que invadem o assentamento, a história da borboleta em desenho animado e até os considerados mais “pé no chão” como o programa que mostra o cotidiano da escola, tanto o lado bom, quanto as dificuldades.
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Tudo foi elaborado pelas crianças, quem entrevistariam, como iriam filmar ou quem iria fazer as ilustraçþes. Depois foi colocado no papel, em forma de desenhos e palavras.
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Assim foi finalizada a oficina. Cada um foi embora com a vontade de levar tudo o que tinham pensado para a prática. O que não foi possível na primeira experiência, já que o dia voou, como sempre acontece quando está se divertindo.
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Um, dois, três. Gravando! Vinicius de Morais Pontes •
• Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
Lá estava eu. Parado. Com as mãos suando, sem saber o que falar e me perguntando “o que é que eu tô fazendo aqui?”. Enquanto isso vários olhinhos me observavam, ansiosos e inquietos naquela pequena sala de aula. Com o pigarro da minha colega do lado, dou um tranco nas minhas engrenagens e falo tudo de uma só vez: - É... Bom dia! Nós somos alunos da Universidade Federal de Goiás e hoje vamos dar algumas oficinas pra vocês. A minha oficina é de webtv, nós vamos pensar algum programa que vocês queiram fazer, e depois gravar... Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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Aí então passo a batata quente para minha colega do lado (aquela do pigarro), e volto a respirar. Após fazer isso umas oito vezes, fico bem mais à vontade, afinal aquilo não era outro planeta. Confesso que ao entrar na faculdade de jornalismo não me imaginava dentro de uma sala de aula de uma escola pública, em um assentamento do MST. Mas eu estava bem familiarizado àquele ambiente, era um lugar com mochilas, giz e bebedouro coletivo, com diretora, professoras e merendeiras, assim como a escola que cresci e estudei a vida toda; assim como outras milhares no Brasil. Na sala de aula reservada para a oficina de webtv, espalho os equipamentos que tanto fascinam não só as crianças, mas também as professoras, o que não é de se estranhar. O rádio, o jornal, o filme e a televisão chegam para todos eles, mas o fazer disso tudo parece ser bem escondido, em um lugar muito, muito
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distante, e conseguir inverter os papéis é realmente animador. Apresentações feitas, pergunto qual programa de tv que eles querem fazer, o consenso é de um telejornal, “com apresentador e tudo”. Explico então que para se fazer um jornal é preciso que se trabalhe em grupo, sabendo da importância de cada um: o câmera, os âncoras, cenógrafo, assistente de filmagem, repórteres etc. Mostro algumas coisas nos equipamentos e eles logo começam a montar uma bancada com a mesa do professor, formular perguntas para entrevistas e procurar pautas. Vejo ali, na prática, o que Paulo Freire apontou na Pedagogia da Autonomia (1996), que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua construção”. Em poucos momentos de conversa e troca de ideias, diante as suas vontades e anseios, as crianças pensaram não apenas naquele jornal para a escola, mas já
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imaginaram projetos de outras edições, matérias especiais, notícias que todo mundo precisava saber e como fazê-las chegar longe. A folha com “SILÊNCIO!” é levantada, um vigia a porta, outras duas seguram um roteiro logo abaixo da câmera para que os âncoras não errem, a claquete-caderno bate, o botão da câmera é apertado. “Um, dois, três. Gravando!”
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Depois de uma entrevista com uma professora, surge uma pauta que chama a atenção: a do incêndio que está preocupando a todos, e que toma conta de boa parte do Oziel. Para chegar à escola algumas crianças viajam dezenas de quilômetros todos os dias, o que faz com que aquele lugar seja encontro de notícias do assentamento inteiro. Um dos adolescentes, inclusive, estava cansado porque passou o dia anterior apagando fogo, e chegou contando como foi. Isso reforça que “a criança e o adolescente
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são sujeitos sociais produtores de sentido, (...) eles são os primeiros leitores e os portadores de novidades no seio da família popular” (ROCHA, 2004). Mesmo as crianças aprendendo como transmitir, naquele dia o Jornal Escolar não foi ao ar por falta de conexão com a internet, mas o fato dele ser realizado e gravado, por si só, já disseminou informação produzida pelas crianças, por intermédio delas próprias, levando as novidades para casa. O tintilar do sino soa pelos corredores. Depois de vários tchaus e até breve, as crianças se vão e deixam a escola em um silêncio que não pertence àquele lugar. Enquanto desmonto os equipamentos, me lembro do começo da tarde, e embora eu ainda não saiba estritamente o que eu fui fazer ali, tenho a certeza de que esse é um caminho que vale à pena ser caminhado.
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Brincando com a comunicação Janaína Vidal
• Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
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A Escola Estadual Oziel Alves Pereira realizou, em junho, os Jogos de Outono, onde tive parte com os estudantes do ensino médio das oficinas de audiovisual, paralelamente as outras de blog e fotografia que ocorriam nas salas ao lado. O aprendizado foi proferido de maneira prática e horizontal, com o manuseio das câmeras e o compartilhamento de conhecimento. A participação espontânea e a liberdade de produção causaram estranhamento inicial aos estudantes, que estão um pouco acostumados a preencher seus dias com atividades Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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pré-determinadas pelo modelo de ensino. Porém, essa educação compartilhada fortalece o método e o aparente caos permite uma criação baseada na espontaneidade e no prazer. Na oficina de audiovisual, os estudantes se apropriaram das técnicas básicas de filmagem, como zoom e enquadramento dos melhores lances dos jogos, na quadra de esportes. Ao término de cada jogo, os times vencedores e perdedores se reuniam para fazer os balanços finais no programa de jornalismo esportivo Bola de Meia, produzido e apresentado por eles mesmos. Após as filmagens, eles se dispersaram entre os jogos e outras oficinas. Na edição, poucas pessoas, as mais interessadas, o que permitiu alcançar o objetivo da oficina: a formação de conteúdo para seus próprios produtos audiovisuais, que podem vir a realizar um dia. As limitações de acesso à internet não permiram que esses jogos fossem transmitidos via web, como era proposto.
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Diferenças pedagógicas entre o projeto e a escola fizeram com que houvesse uma pausa nas das oficinas, temporariamente. Escola Bandeirante Lá na Escola Municipal Bandeirante, em agosto, os estudantes eram mais novos e ficaram mais eufóricos diante das câmeras. Nesse sentido, não se trabalhou tanto conceito ou
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técnica e a oficina foi dividida em duas partes, nas quais os alunos produziram e apresentaram um pequeno telejornal sobre a escola. Logo, entrevistaram a diretora sobre os novos computadores, as cozinheiras da cantina sobre a merenda, e os moradores sobre as queimadas que, naquele período, consumiram a reserva ambiental do assentamento. A apresentação do telejornal fez com que as crianças construíssem seu modelo de comunicação, dizendo seus sonhos e opiniões. Ao final da oficina, com sorrisos nos agradeceram, e fizeram convite para voltarmos. Para Frei Betto, a porta da razão é o coração, nos envolvemos com as coisas pela paixão que possuímos. A comunicação compartilhada desenvolvida nas escolas do Oziel envolve crianças e oficineiros em um processo de aprendizado mútuo, libera a criatividade das crianças e permite sua liberdade de expressão, como lhe é garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
galeria
Militante que faz falta O assentamento Oziel perdeu uma combativa militante, em 2013, a companheira Vilma Tereza Borges de Avils queria um país sem miséria, fome e para todos. A exemplo de Rodrigo, ela também sempre esteve na linha de frente da luta contra a desigualdade social e a má distribuição de renda no país. Por essas razões, como diz a lembrancinha de seu falecimento, “Não chorem, pois ninguém morre quando permanece vivo no coração de alguém.”.
nossa história
prosas
feira
produção
olimpĂadas
Escola Estadual Oziel
O torneio de futebol, organizado pela Comissão de Comunicação, Cultura e Juventude do Oziel, foi uma homenagem póstuma ao assentado Rodrigo da Silva Lima. Vítima de um acidente no ano de 2013, ele era um jovem militante, da Água Branca, e membro ativo da Comissão. Rodrigo, como se sabe, contribuiu de forma marcante nas lutas pela reforma agrária e na defesa dos interesses coletivos do assentamento.
torneio de
futebol Rodrigo Lima
oficinas
rodas de viola
cotidiano
m達e terra
Corumbรก
Hugo Chรกvez
coletivo
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fotografia
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Olhares vivos, mãos atentas Larissa Batista •
13:00. O ônibus para na porta da escola.
A energia acumulada nos corpinhos começa a ser liberada já enquanto descem. Pernas ágeis e bocas que não param. O silêncio nos corredores é substituído pelas vozes e pelo barulho de rodas das mochilas que acompanham os passos rápidos das crianças. Podíamos sentir os olhos passeando por nós, curiosos e animados, fazendo crescer também nossa ansiedade, não mais de marinheiros de primeira viagem, mas, pelo menos para mim, era como se fôssemos. • Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
Blog, rádio, webTV, fotografia, tudo novo
e empolgante. A vontade de experimentar um Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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pouco de cada era colocada para fora em forma de gritos e mãos balançando no ar a cada palavra que soltávamos. Com um pouco de tempo conseguimos dividir os grupos de acordo com idade e área de maior interesse.
Fotografia é algo que costuma despertar
bastante interesse nos “pequenos” − que não gostam de ser chamados assim e que se mostram grandes de várias formas −. Já dentro da sala, o primeiro passo tomado é me apresentar. Em seguida, independente do número de alunos, pergunto para cada um o nome e o porquê de ter escolhido tal oficina. As respostas vão de “porque eu gosto”, passando por “porque é legal” − e, para ambas, faço uma nova: gosta de ser fotografado ou fotografar? −, chegando a “porque é importante”. E aí se encontra meu terceiro passo: perguntar a importância da fotografia. Poucos respondem, eu complemento.
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Passo de nú-
mero 4: falar um pouco sobre a história da fotografia. Talvez a parte mais difícil, já que a atenção deles é voltada para a parte prática. A vontade é exprimida de “n” formas.
5º passo: divido-os em grupos para ex-
plicar o funcionamento da câmera e pedir para que tirem uma foto de acordo com o que acabaram de ver. Neste momento as crianças já costumam segurar as câmeras dizendo “essa é minha, tia” (sic). Às vezes, ao ouvir que as câmeras terão de ser revezadas entre os colegas, a turma diminui. O desejo é de ter uma câmera por todo o período da oficina, uma câmera para chamar de sua.
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Enfim, a prática, para alívio dos ansiosos
alunos: peço que façam a cobertura fotográfica das demais oficinas que aconteciam pelo colégio... Com certo custo, devido à diferença de números (alunos x câmeras), alcançamos nossa meta, que era a de 5 fotos por aluno. No momento de passar a câmera para frente havia certa resistência... Há uma necessidade compreensível, por parte deles, de contato longo e urgente com aquilo que lhes é novo. Mas tivemos, infelizmente, que limitar.
A passos lentos e pacientes alcançamos
resultados positivos. Não só nas fotografias, mas nos olhares, nos abraços e na ansiedade por nossa próxima ida.
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capoeira
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Na ginga, uma experiência animadora
Marlon do Carmo •
• Camponês, pedreiro-eletricista, capoeirista e coordenador de Comunicação e Direitos Humanos do MST-Goiás.
A partir deste momento, quero compartilhar com vocês, companheiros e companheiras, uma experiência que tive nas atividades com estudantes e professores da UFG, aqui no assentamento. Aliás, esqueci de me apresentar. Me chamo Marlon (o Mamuty), faço parte do MST/ Goiás. Essa história começou quando passei, como tarefa do Coletivo Cultura, Comunicação e Juventude, a apoiar o projeto Berra Lobo. E como tivemos o privilégio de participar, em nome do movimento, desse projeto em parceria com a UFG, contemplando o nosso assenTexto com a contribuição de Angelita Lima.
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tamento que, como se sabe, faz parte da reforma agrária. Algo que o Governo tem no papel mas que, na prática, não funciona. Mas deixa prá lá, pois a questão aqui é outra. A experiência tem sido compensadora, apesar de muito intimidadora também. É um espaço que não havia ainda experimentado, apesar de conviver com a maioria dessas crianças ou jovens.
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Que, de fato, também não parecem tão crianças, pois quase tudo que se pergunta elas já sabem. E a oficina de capoeira sempre começa com todos sentados em uma roda. No chão, de inicio, explica-se, como surgiu a capoeira e o que vem a ser. Uma arte que é uma dança, e hoje, representa um aspecto muito importante da cultura popular brasileira.
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E, também, a única arte-marcial desenvolvida no Brasil, mesmo sendo uma luta de origem africana, dos negros, libertos ou escravos. História que mais fascina os participantes da oficina. Saber que esta arte foi criada por escravos, que enganavam os senhores de engenho. Disfarçando dançar nos dias permitidos. Imagino que isto acontecia quando as colheitas de café e/ou cana de açúcar, eram satisfatórias aos tais senhores. Depois desta apresentação, então, partese para a prática: primeiro, claro, exercícios de alongamento, aquecimento, etc. E daí em diante já se começa a gingar e a aprender alguns movimentos da arte. Cada aula é de uma hora e quarenta minutos. Três turmas seguidas. Algo muito desgastante, é claro. Mas, ao final, quando uma criança olhava e dizia que estava ansiosa para a próxima aula, tudo se tornava gratificante.
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A capoeira − como arte, cultura e luta − ajuda na disciplina da criança e do jovem. Daí, eu via em cada um deles um cidadão ou uma cidadã, que sabem respeitar ao próximo, aos antepassados. Que são livres. No MST, temos a visão que só chegaremos a um país melhor se começar a garantir uma formação, também escolar, aos nossos filhos desde já, para que possam respeitar e, também, a exigir ser respeitado. Assim, quando todas as crianças e jovens souberem o valor que tem o convívio na diferença, não importa quem, iremos, a passos largos, rumo à uma capoeira-sociedade livre, justa e igualitária. Viva a capoeira palmares! Viva Zumbí dos Mestres, Bimba e todos os que lutavam e lutam pela liberdade tão sonhada!
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teatro
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Entre Curupiras e lobos e muitas serpentes Paula Briguiza •
“Essa é a história da serpente que desceu o morro para procurar um pedaço do seu rabo... Ei, você aí! É um pedaço do meu rabão!”
• Estudante de Artes Cênicas, 6º período, UFG.
As crianças da Escola Municipal do assentamento Oziel, assim como todas as crianças, fazem teatro o tempo todo. Nas brincadeiras viram bichos, fazem do quintal uma floresta, expõem suas espontaneidades em rios de imaginação. Numa sala cheia de crianças de 5 à 7 anos, arrastamos as cadeiras para os cantos e em círculo nos acomodamos. Propondo Texto com a contribuição de Angelita Lima.
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caminhadas diversas precedidas do discurso de que “Teatro é imitação”, pularam feito sapos, andaram pra trás como o Curupira, protetor das matas, descobrindo e desbravando corpos que pensam com os joelhos e cambalhotando com os neurônios, comungando o momento efêmero e intenso do fingimento. Em seguida, ao contar Os carneirinhos e o lobo, propus que todos encenassem, imitassem, simultaneamente. Dividindo os personagens em grupos de alunos e limitando o cenário, como as casinhas dos carneiros, a ponte, o riacho, com giz marcado no chão, narrava os acontecimentos e já não via mais crianças se não animais de quatro patas uivando, berrando e a cantar: “Carneirinho carneirão, neirão, neirão, olha pro céu olha pro chão, pro chão pro chão”. O difícil foi convencê-los de que o que fizemos era teatro e já podíamos voltar a ser o que éramos. Querem brincar mais uma história? É
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importante destacar o quanto o aspecto lúdico dos jogos dramáticos é importante para o envolvimento da criança e consequentemente para seu desenvolvimento expressivo, comunicativo, interativo, percebendo que os processos de conhecimento também se dão através do tato, olfato, paladar, nas permissões à imaginação.
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A história da serpente tem marcado crianças e adultos por onde passa rastejando. Uma professora relatou impressionada que seus alunos, em outra ocasião rebrincando a história, apontaram pra ela e insistiram pra que passasse por debaixo de suas perninhas em fila pra completar o rabo da cobra. Naquele dia que interpretei rapidamente uma bruxa no primeiro contato com a turma para exemplificar o que é teatro, fazendo-os rir e gritar, e me despedi interpretando uma cobra, dessas que muitos disseram orgulhosos já terem visto pelos pastos, vaidosa e que perdera seu lindo rabo o reencontrando de pedaço em pedaço materializado em cada aluno que sucessivamente passava entre as pernas alinhadas em corpo de serpente, entendi o quanto a arte educação pode contribuir para os processos de desenvolvimento e que a didática do artista-educador se molda ao conhecer a personalidade e necessidade dos alunos. Estamos nos conhecendo!
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“Eu morava na areia, sereia, me mudei para o sertão, sereia, aprendi a namorar, sereia, com aperto de mão, ô sereia!”
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Madeira! Lara Moura •
• Estudante de Artes Cênicas, 2º período, UFG.
Aram sansam! é uma brincadeira muito doida com direito a gule-gule, e bater na perna do colega ao lado. O dia, 23 de outubro. Baliza, escola Municipal Maria Conceição. Crianças e jovens no pátio, para o trabalho coletivo. Começouse pela brincadeira de roda, com música. Todos animados e sorridentes. Em seguida, antes dos seus nomes, mesmo com uns intimidados, tiveram que falar cinco coisas que gostam (de dormir, de estudar, de sair com os amigos, de internet) e que não gostam (de estudar, de brigas, que chamem pelo apelido), houve uma participação de todos, tudo deu certo. Texto com a contribuição de Angelita Lima.
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Seguiu-se com um jogo, onde cada um se atiraria e ao mesmo tempo gritaria madeira!, e todos, em um só movimento, ajudariam para que ninguém caísse no chão. Uma prova de confiança absoluta e interação. O envolvimento foi total, inclusive dos professores envolvidos na oficina. Isso, parece, foi um bom sinal. Agora sim, vieram os nomes com um jogo de memória. Cada um diz como se chama e o próximo a tomar a palavra, além de seu nome, tem que mencionar os nomes do/dos anteriores. Exemplo: Lara/ Lara, Lorenna/ Lara, Lorenna, Vinicius... Um jogo de memória e concentração, e ninguém teve dificuldades. Na próxima brincadeira, percebe-se, inicialmente, um certo medo do toque. Trata-se de um jogo de muita confiança, parecido com o de madeira: em grupos de três, a pessoa do meio do pequeno circulo fecharia os olhos e se jogaria para frente ou para trás como se fossem para um precipício, e os dois colegas não poderiam deixá-la cair.
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Volta do intervalo, todos dispersos, mas animados para continuar. O que, sabe-se, motiva a quem está chegando ao grupo, como os estudantes da UFG. Então, sentados em um círculo, os participantes começam a conversar, a se abrir e se conhecer melhor, cada história, cada momento. De repente, as experiências de vida de cada um (momento em que se percebe que, às vezes, a vida é dura). Depois, com uma folha de papel no chão e lápis na mão, foram surgindo as criações, os desenhos que seguiam os sons de tantas bocas. Um momento criativo e de muita diversão. Foi possível cada um mostrar um pouco mais de si.
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O olhar entra como a última atividade da oficina. As histórias deveriam ser contadas através dele, caminhando pelo espaço e em busca de olhares. E, ao final, abraços e o carinho. E duas perguntas importantes, pelo menos para quem chegou e já está de saída: quando se poderia montar um peça e quando seria o nosso retorno? Depois da oficina, bem compartilhada de conhecimentos, experiências e vivências de cada um, a estrada para o novo destino: Assentamento Oziel. Na chegada, a criançada super animada e curiosa. Mais uma turminha grande para este tipo de atividade Arte e Educação, que seria realizada também na Escola Bandeirante. No aquecimento, o Aram sansam!, foi um divertimento, todos suados, e com as bochechas rosadas, tamanho era o esforço, no começo meio tímidos, mas depois se soltaram, até demais. O primeiro desafio a vencer: a turma
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era mais nova e bem maior, o que exigiria mais energia e um novo aprendizado. Depois do Aram sansam, no passo seguinte as cinco coisas que gosto (de estudar, de brincar, de comer e dormir, de sair) e não gosto ( de brigas, de mortes, que me batam, que me dêem apelidos, de violência). Pequenas mudanças que podem, de alguma maneira, sinalizar algumas diferenças. O certo é que ninguém gosta de brigas. Foi mais difícil, pelas razões citadas, e pelo prazo mais curto, de permanência na escola, às sextas. Mas nada impossível. O jogo de imitar, com regras claras e trabalho coletivo, decolou: “Vamos imitar, para o outro descobrir. Basta escolher sete filmes para o outro grupo tentar adivinhar. Quem fugir das regras, perde pontos”. Nestas oficinas, foram escolhidos jogos teatrais. O que se pretendia, com isto, era dialogar com o trabalho em grupo, a criação do
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coletivo, a confiança e concentração. No teatro, de modo especial, grande parte do que se faz depende muito do outro também. Então, a confiança no colega é essencial, embora, às vezes, difícil. Na Arte e Educação, vale tentar o trabalho em grupo, sempre. Ao mesmo tempo, todo esforço coletivo, em algum momento como no teatro, se necessita muito da concentração, para seguir o ritmo, o rumo e os passos do grupo. Na volta à Universidade, a sensação, gostosa, de que se aprendeu mais do que ensinou.
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Por que não voltar? Lorena Biasi •
“O que eu sou senão aquilo que eu quero ser” Fernanda Cunha
• Estudante de Artes Cênicas, 2º período, UFG.
Eu vou ensinar algo a alguém. Mas como? Não sei. Só sei que seria através da arte. Mas não precisa ser só arte. Pode a matemática através da arte; através do teatro, por exemplo. Mas como? Continuaria uma boa pergunta! Mas quem é mesmo que vai ensinar algo a alguém? Também outra boa pergunta. Isso que é, de maneira bem resumida, o que a Arte-educação se propõe. É uma das Texto com a contribuição de Angelita Lima.
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maneiras, bonitas e importantes, de se educar alguém ou, melhor, de nos educar. Pois a Arte, através do jeito de ser de cada um, tenta estimular a inteligência, o gosto individual e a formação de uma personalidade própria. Foi essa a maneira de trabalho. Em meio a uma timidez acompanhada por risos e mais risos, que crianças, jovens e mesmo adultos ficamos descontraídos. Muitos rostinhos felizes quando, em círculo, cantou-se uma música bastante engraçada e que quase ninguém conhecia. Bate na própria perna, bate na perna do colega ao lado na roda, faz “gule gule” (um movimento maluco), na própria cabeça e na cabeça do colega ao lado. Assim fomos no “Aram SamSam”. De tanto rir e ficar vermelhos com isso, a letra foi sendo esquecida e os movimentos também. Que grande bagunça, divertida. No ambiente, todos soltos, relaxados e sorridentes. Assim se pode continuar. Antes de se
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apresentar, dizer os nomes, disseram dez coisas, cinco que gostavam e cinco que não gostavam. Em um jogo de assistir e ser assistido/a, cada participante foi à frente sozinho e falou. Cada um a seu jeito, todos espontâneos. De certo modo, espetaculares. Surgiram coisas divertidas e tristes. Todas sérias e importantes, pois mostravam um pouco mais de cada um.
“Gosto de maçã” / “Gosto de Facebook.”/ “Gosto de abraços.” / “Não gosto que me batam.” / “Não gosto de violência.” / “Não gosto de gente falsa.” / “Gosto de dormir.” / “Gosto de estudar.” / “Não gosto de estudar.” / “Gosto de tomar banho.”.
Isso − e muito mais − foi dito. Com total liberdade para ultrapassar o número de coisas a serem sinalizadas. Muitos queriam falar mais, se sentiam confortáveis para isso e, assim, puderam e fizeram. Uma ligeira felicidade no ar, parecia. Foi interessante, talvez pedagógico, ver o quanto cada um se envolveu no processo.
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Antes de ainda dizer os nomes e quem éramos, todos se mostraram, fizeram exercícios de confiança, atenção, percepção, criatividade e cuidado. Colocamo-nos com mais verdade no mundo, no coletivo. Quase sem perceber. Assim, o espaço de trabalho foi diminuído com apenas três cadeiras, que faziam as margens do novo local. Pra lá e pra cá, num local bem menor. Um bolo de gente tendo que andar de frente, de lado e de ré, em círculo ou não, distribuídos pelo espaço, sem esbarrar em ninguém. Outra grande bagunça.
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Subimos de nível. Corpos abandonados durante a andança, gritando “MADEIRA!”. Imensa correria de todo mundo pra segurar os colegas, pra não deixar ninguém se machucar. Dentre muitos outros exercícios, que incluíam o “Vai-vém humano”; o tão esperado momento de se apresentar, feito de maneira engraçada. Desenhos feitos em meio a sons (qualquer um que viesse na cabeça); travessias de desertos e tempestades imaginários; andar no espaço com os olhos fixos nos olhos de outro alguém, sem poder espiar outro local e nem esbarrar em ninguém; mímicas; e por fim roda de conversa, onde se falou o que e quem quisesse. Assim, chegou-se ao fim. Horas e horas poderiam ser gastas pra poder falar dessa experiência, descrever coisinha por coisinha. Mas o que deve mesmo ser falado é da importância que tem esse primeiro contato. Essa primeira experiência de relação, com essa galera cheia de energia pra gastar,
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serviu para saber um pouco quais as necessidades de cada um (de nós), nesses grupos. De acordo com Fernanda Cunha, o Arte-educador deve se perguntar o que deve ser ensinado e trabalhado com cada um e como, a partir da identificação dessas necessidades. Ofereceu-se muita coisa: a cada um e de cada um, a mim, aos exercícios e aos colegas. Doou-se um pouquinho do que somos, sem exceção. Cada um, à sua forma, se expressou durante os exercícios. Percebeu-se um pouco do que, de novo, somos e o que podemos resignificar e desenvolver. Penso no estímulo à inteligência, capacidade crítica e criatividade como caminho principal do trabalho que quero construir com eles, pois acredito, assim como Fernanda Cunha, ser esse um jeito para que sejam donos de seus destinos e personalidades. Agora que o trabalho começa! Agora, a cada viagem, trabalharemos juntos para
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aprender a pensar sobre coisas que já pensamos e que nunca se imaginou que seriam pensadas. Agora, de maneira mais profunda e compartilhada, no coletivo. Juntos. O que vale para crianças, jovens e professores das escolas desta parceria, vale também para cada um que aceitou o desafio dessa caminhada, da arte educação na escola pública. Lá no interior ou, mais preciso, lá no centro do Brasil. Saímos marcados por esses encontros. Trata-se de uma troca, vou ensinando e aprendendo, e a prova dessa troca foram os abraços dados ao final. “Tia, quando é que vocês voltam?” foi a melhor parte, com certeza.
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educação física
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Corpo que brinca é corpo que comunica
• Estudante de Educação Física, 4º período, UFG.
Josy Cristina
•
Pensar a proposta do projeto Berra Lobo a partir das escolas e seus sujeitos nos parece essencial, pois consideramos esta como lugar de transmissão e socialização dos conhecimentos sistematizados ao longo da história e que a classe trabalhadora precisa apropriá-los de forma crítica (SAVIANI, 2000). Para a primeira oficina de Educação Física, escolheram-se jogos e brincadeiras populares para conhecer o que os alunos já trazem de experiências e a sua compreensão sobre o corpo, ao mesmo tempo em que buscamos no brincar uma forma de aproximação. Texto com a contribuição de Angelita Lima.
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Partindo de uma perspectiva crítica ou acadêmica, delineamos algumas metodologias para trabalhar com as crianças, como por exemplo: a problematização, o respeito à capacidade de compreensão e de expressão, o incentivo à criatividade e a apresentação de novidades nas formas de jogar. A partir do tema jogos e brincadeiras, optamos por trabalho com a cultura popular, especificamente com “queimada”, e no decorrer das oficinas as crianças propuseram novas brincadeiras com as quais costumam se divertir, um momento rico de troca de conhecimentos. Foram propostas diferentes formas de se jogar queimada, inclusive as que as professoras sabiam, priorizando um diálogo com os alunos acerca do processo histórico dos jogos populares, do acesso que já possuíram acerca deste bem cultural. Foi abordada também a relação entre gêneros, em que meninos e meninas devem
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socializar dos mesmos conteúdos propostos, e os times devem ser heterogêneos. A inclusão foi um fator preponderante na construção das oficinas, e neste contexto o aluno torna-se centralidade máxima no processo educativo. As formulações de situações-problema permitiram aos alunos criarem estratégias em grupo para solucionar as questões, trabalhando princípios como a criatividade, cooperação, trabalho coletivo, exigindo do grupo concentração no decorrer da atividade e ao mesmo tempo proporcionando-lhes experiências espontâneas e lúdicas. Como foram trabalhadas diferentes formas de jogar o mesmo jogo com cada grupo de alunos, a ideia é que após o nosso retorno fosse compartilhada entre eles essa diversidade e também criadas outras.
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VivĂŞncias
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Vozinho, um fruto do tempo Elisama Ximenes • Adriana Rodrigues •
• Estudante de Jornalismo, 2º período, UFG. • Estudante de Jornalismo, 2º período, UFG.
Dizem que Eva foi, na narrativa judaicocristã, a primeira filha de Deus. Mas, no Assentamento Oziel, a última. A que restou dos nove filhos de um homem muito bem dito. Seu nome, Benedito Marques Pereira, o Vozinho. Da janela, a nona filha espiava a van que chegava com gente de olhos curiosos. Abriu-se a porta do carro e, ao mesmo tempo, seu sorriso. Dentre os visitantes, um familiar, Seu Hélio, o vizinho e amigo de sempre. Os outros ela desconhecia, mas logo simpatizou quando percebeu a alegria que eles demonstraram ao avistarem Vozinho à frente da casa. Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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Ao lado dele estava o Adão da Eva, mas com o nome adaptado para Dorival nessa versão. Ambos simpáticos às visitas que chegaram já se apresentando, mas sem deixar muito claro a que vieram. Dona Neide, esposa de Seu Hélio, quem contou para os estudantes e ao professor sobre o Vozinho. Afinal, esse pessoal da universidade, curiosos sobre tudo no Assentamento, não podia deixar de conhecer o morador mais velho. Quando ela lhes disse que o tal habitante tinha 114 anos, logo eles trataram de recrutar Seu Hélio para guiá-los ao pedaço de terra pertencente à figura tão experiente. Eva, Dorival e Vozinho, depois de receber os abraços e apertos de mãos dos desconhecidos e do vizinho, fizeram todos sentar para que a prosa começasse. Com a voz baixa, as palavras emendadas e a língua quase que enrolando em si mesma, o protagonista da roda pergunta ao amigo “Quem deles é seu sogro?”.
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Como ninguém lhe tinha explicado que os estranhos eram os estudantes de jornalismo, o professor e o motorista da van, ele só podia imaginar que eram parentes de Seu Hélio. Explicou-se de quem se tratavam e que estavam ali para escutar as histórias do homem de 114 anos. Ele, em resposta, só balançou a cabeça. Os movimentos de Vozinho eram bem limitados, as costas encurvadas, como quem com o passar dos anos foi se dobrando lentamente. A cabeça sempre baixa e os olhos atentos, que vigiam ao redor. Boca enrugada pelo tempo, mãos e pés marcados pela labuta da vida.
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No cenário de cadeiras de macarrão, tamboretes, céu aberto, árvores e dois perus que correm pra se esconder, rompe-se o silêncio com a pergunta que todos queriam fazer: Qual o segredo pra viver tanto, Vozinho? Ele apenas sorri. Seu Hélio tenta ajudar, “o segredo é puxar muita enxada!”. Seu Benedito solta uma gargalhada que preenche todos os espaços vazios da cena. Mas, alguém com tanto tempo de vida, só pode sentir saudade. Do que, então? E, quando se esperava um discurso, a resposta foi simples e significativa “de pessoas”. Poderia ter dito da juventude, de muito caminhar. No entanto, preferiu falar do que mais significado dá à vida. Quanta gente não deve ter contracenado com Seu Benedito Marques. Talvez milhares. O silêncio paira no ambiente, outra vez. E diz muito. Na cabeça dos estudantes segue a dúvida de como fazer o Vozinho falar, de como
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impelir a contar o que viu, ouviu e sentiu na sua longa vida, a compartilhar as experiências, lutas, amores e aventuras, quem sabe. Os estudantes, astuciosos como serpentes, insistiam em descobrir os segredos que atravessavam a História desse mestre de pouca fala, porém de olhar ditoso. Não funcionou. Ele era sempre categórico “não senhor”, “sim senhora” a tudo que lhe perguntavam. Seja estudante, professor ou mesmo conhecido do Assentamento. No mais, Seu Benedito Marques balbuciava algumas poucas palavras. Não que a memória falhasse e depois de 114 anos não tivesse mais lucidez para responder. Ao contrário, tem plena consciência de tudo. Talvez, mais do que não falar de alguns aspectos de sua vida, aguçar a curiosidade, repetitiva, dos visitantes. Interessante era a gargalhada que acompanhava toda resposta. Um riso dúbio, cheio de significados, que deixava vir á tona um pedacinho de quem ele é. Homem simples,
lavrador de terras, que fez do trabalho mais do que um companheiro de todos os dias, um remédio contra os efeitos nocivos do tempo. No entanto, Eva faz questão de não deixar os curiosos saírem dali sem informação. Resolveu ela mesma contar o que Vozinho tanto já havia lhe revelado. Disse que ele conheceu uma escrava, experiência que pouca gente viva tenha tido. Era baiana, ele completou. Pela idade é de se imaginar que ele tenha conhecido mais gente que sofrera em tais tempos. Seus próprios pais, talvez. Porém, a memória o fez associar a escravidão à amiga baiana. A filha insistia em deixar espaços em branco na conversa para que Vozinho falasse mais, porém mais uma, duas palavras e pronto. Ela, então, dava rumo às histórias
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que conhecia. Contou de Dona Fia, a única mulher com quem Vozinho se casou, também a única mãe de seus nove filhos. Mulher valente, não aceitava ajuda de ninguém nos afazeres de casa. Porém se foi com apenas 50 anos, menos tempo do que o que Vozinho tem vivido sem ela. Nove também é o número que representa a quantidade de anos que vivem no Assentamento. Os ouvintes foram surpreendidos ao perceber que Eva era a militante sem terra. O pai a acompanhara.
Porém não pense
em Vozinho como um idoso que passa o dia sentado na cadeira de macarrão sendo cuidado pela filha. É teimoso, há pouco mais de dois anos, até ia à venda sozinho e puxava a fila indiana para ir à igreja.
Hoje o organismo
não deixa mais esse senhor nascido em Mossâmedes realizar tais peripécias. Mesmo assim, no dia desta conversa, pouco antes de chegarem os estranhos
agora
mais
chegados, estava ele capinando. Disseram que tentaram
lhe
impedir,
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porém é difícil parar um homem que todos os dias levanta às 5 horas da manhã.
A conversa continua e Eva não sabe mais
o que contar. Catarina e Petrúquio, dois porquinhos de estimação, aparecem para enriquecer a prosa. Perguntas embaraçosas vindas do amigo Hélio surgem “era namorador?” “não, senhor”, ele responde. Entre um silêncio e uma gargalhada de Vozinho, muitas histórias para imaginar.
Na despedida, o sorriso de quem pouco
falou demonstra que a prosa foi agradável. Seu Benedito neutralizou as expectativas de todos naquele fim de tarde, principalmente dos jovens estudantes, contudo mostrou que muito se diz quando nada se fala e que além de saber ouvir é preciso saber interpretar o que está a sua volta.
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Vou-me embora para o Oziel Jéssica Chiareli •
Com as duas mãos eu segurava uma mala
média, um tanto quanto pesada. No ombro direito levava uma bolsa pequena, com carteira, celular e as chaves de casa. Nas costas carregava uma barraca azul para quatro pessoas, além do colchão de ar e cobertor. Bagagem meio exagerada para quem iria passar apenas uns poucos dias fora, mas ali, naquelas bolsas, penduradas em algum membro do meu corpo miúdo, havia tudo o que julgava necessário para minha • Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
primeira viagem ao assentamento Oziel. Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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Para mim a jornada começava mais cedo, antes de
chegar ao ponto de partida dos demais, o campus II da UFG. Precisava percorrer os 45 km que ligam Inhumas a capital. No caminho de casa à rodoviária da cidade, da rodoviária ao terminal de ônibus de Goiânia, e do terminal ao Samambaia, encontrei alguns conhecidos. Ao me verem com toda aquela tralha, uma pergunta era inevitável: “onde que cê vai com essas coisas, menina?”.
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“Estou fugindo de Passárgada”, deveria ter dito. “Cansei de ter que ser amiga do imbecil que escolheram pra rei”, poderia ter completado. Mas ao invés disso informei sucintamente o endereço de chegada. O espanto na cara de todos eles era engraçado. Como assim eu iria para um assentamento do MST? O peso das minhas mochilas só não era maior do que a graça inicial que havia no folclore absurdo criado em torno do movimento de reforma agrária, e em que as pessoas que encontrei pelo caminho acreditavam. A ingenuidade daquele espanto, vindo de pessoas da periferia como eu, espremidos em um ônibus como eu, juntando moedas para conseguir comprar o bilhete de passagem como eu, e que, ainda como eu, teriam que trabalhar duro a vida toda para sobreviver – e enriquecer mais o patrão – me causou uma tristeza imensa, pois era simples reprodução da ideia que os ditos grandes fazedores de jornalismo impunham.
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Engraçado como, justamente a caminho do assentamento, pude entender um dos motivos que fazia essa ida tão importante para mim como estudante de Comunicação e como gente. Era a minha chance de conhecer de perto esse movimento social tão grande que é o MST, de quebrar com os estereótipos criados por quem deseja oprimir. Por um momento, a esperança de poder romper com a barreira invisível que segurava meus braços sem que eu percebesse, foi interrompida por um barulhinho seguido de uma luzinha laranjada, “parada solicitada”, hora de descer do ônibus. Caminhei até o estacionamento da faculdade e lá estava a van que nos levaria. Depois de longas e ansiosas horas na estrada, finalmente chegamos. E qualquer cansaço imediatamente virou poeira. A cada passo dado por entre os 38.721 hectares de terra do assentamento as histórias se repetiam. A mesma vontade de poder sobreviver do próprio suor, muitos calos nas mãos, e na
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alma, e um sorriso no rosto ao dizer “essa terrinha é minha”, é comum a todos das mais de 500 famílias beneficiadas com as parcelas. Era como eu imaginava, em um único fim de semana consegui, talvez, aprender muito mais do que em dois anos de escola. Não que eu esteja desmerecendo os bons professores que tive, ou o conteúdo ensinado por eles, a questão é que ali, ao invés de dezenas, eu pude ter centenas de mestres, doutores e PHDs, que passaram pela maior escola que já existiu: a lona. O campo é a melhor sala de aula, e o Oziel é o melhor lugar do mundo para aprender, inclusive a ser fraterno, e também jornalista (quem sabe um jornalista fraterno?). A proposta era que construíssimos oficinas para as crianças e adolescentes dos colégios rurais, mas antes de iniciar nossas visitas às escolas, fomos acolhidos nas casas das pessoas que moram na região. Quando chegamos na casa do Tinego e de Dona Margarida, perce-
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bi que minhas malas realmente eram exageradas. Minha barraca sequer saiu do saco e meu colchão continuou onde estava. O professor Niltinho, que nos acompanhava, bem como o motorista da universidade, já tinham camas feitas em um quarto exclusivo, nós estudantes fomos acolhidos em colchões ocupando o chão de outros cômodos. Nossos anfitriões fizeram questão de dar um jeitinho para que todos dormíssemos confortavelmente, mesmo atrapalhando completamente a rotina da casa. Tratados como netos ou, até mesmo, como filhos, comemos do melhor pão de queijo do mundo, e da melhor galinha caipira do universo. Parece clichê, mas quando a receita é à base de amor, o sabor é muito melhor. E esse sabor especial foi degustado várias vezes, em cada caminhar, em cada abraço e em todos os “olás” e “vai com Deus” que vieram depois da primeira viagem. Seja na casa da professora
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Ana Paula, da Dona Neide, do Carlos Magno e sua esposa Ana - sem esquecer do Dudu e Vinícius - , nas escolas ou rodas de viola.
Em todas as minhas voltas para casa, a
partir da minha primeira ida ao assentamento, fiz o caminho de retorno ao Campus da UFG - do campus a Inhumas, e depois da rodoviária de Inhumas até minha rua - com a vontade de entregar uma trouxinha do tempero Oziel (o mesmo que eu experimentei e fez um bem enorme aqui dentro) a cada um dos que encontrei pelo caminho na minha primeira ida. Cada um dos que se deixam levar pela imagem ruim que é feita dos movimentos sociais, cada um dos que pensam que pessoas que militam não são como todos - apenas com a diferença de terem os olhos abertos. Cada um e cada uma das pessoas que encontro nos ônibus da vida. Ah, se pelo menos Manuel Bandeira aprendesse a apiar.
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Aprendizagens, abraços e pães de queijo
Jéssica Adriani •
Depois da aula, entrar em uma komb e
partir. Mais de cinco horas de estrada, com muita piada sem graça e cheiro de gasolina. Pelo menos a companhia era agradável, companheiros que encontram nesses trabalhos ânimo para continuar no curso.
Uma viagem diferente das outras. Primei-
ro porque o destino inicial era a cidade. Dormir em pousada não é o costume dos integrantes do coletivo. E não foi ruim, apenas diferente. • Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
A segunda mudança foi na oficina. Acos-
tumada à ter dores de cabeça pensando em como organizar a webtv, ela se propôs a deixar Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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de sofrer e se deliciar com a experiência que toda viagem proporciona. E deu muito certo.
Despertar o gosto pela escrita e, com o
blog, dar a possibilidade de que os estudantes exponham seus pensamentos, fez com que a satisfação fosse real. Viu a alegria de duas crianças que após terminarem uma história, queriam já partir para outra.
Olhando para todos aqueles textos, lem-
brou-se de como se tornar adulto pode limitar a imaginação. Mesmo tendo algumas dificuldades, as crianças criam narrações tão fáceis quanto brincam. Na verdade, para elas isso é uma brincadeira.
Ali os estudantes a fizeram voltar a sua in-
fância. Como gostava de escrever e criar histórias em que voava pelo espaço ou em que era uma grande apresentadora de televisão! Sorriu e viu que as coisas mudaram muito de lá para cá.
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A água! Essa parte não se pode esquecer. Depois do dia na escola é de lei passar pelo riacho, sentir a natureza se comunicando com o corpo. A correnteza leva todo o estresse e o cansaço, fica apenas a moleza. O pensamento viaja em coisas boas, nas reflexões sobre a vida e além dela. Os momentos no riacho aumentaram o convívio entre os integrantes do coletivo. Além dos diálogos e brincadeiras, ela também percebeu o cuidado que um tem com o outro. Aqueles que não sabiam nadar, pelo menos conseguiram aprender um pouco. E os que eram, assim como ela, meio desastrados, sempre encontravam uma mão amiga para receber ajuda. Depois, partir. Foi para a casa de uma família que ainda não conhecia. De pouca conversa, os dois a receberam carinhosamente. Dona Rosa e Seu Marcelo são moradores antigos, já vivem ali há mais de dez anos. Portanto, estão desde o começo da luta para a conquista das terras.
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Enquanto estava assistindo televisão junto com os seus acolhedores, ela se deu conta que aquela experiência de dividir o grupo em várias casas pelo assentamento, estreitava os laços entre as famílias e os estudantes que sempre iam para lá e mudavam a rotina dos moradores. A atenção dada, como sempre estavam de braços abertos para receber e dar carinho, atenção e aprendizagens, a forma como os
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receberam, fazia com que pensasse que nada do que fizessem lá pagaria por tudo o que eles a proporcionavam. Ao voltar para casa, ficou lembrando da senhora que assim que o grupo chegou na sua casa, já foi cobrando a demora por irem visitá -la. Deveriam dormir e ficar para comer as coisas boas que ela estava cozinhando. A alegria com que preparou café e pães de queijo continuaram na cabeça mesmo depois da partida. E quando foi deitar em sua cama, cansada pela viagem, recordou-se de todos os abraços e sorrisos que tinha recebido, tanto das crianças quanto dos moradores daquele lugar. Dormiu com a certeza de que tudo valia a pena.
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A mão que cuida e o cerrado que produz
• Estudante de Jornalismo, 2º período, UFG.
Elisama Ximenes •
Nas terras de Seu Anacleto, quem primeiro recebe as visitas é a variedade de plantações que faz a entrada da casa. Logo mais atrás, Dona Nair que, juntamente com o marido, é responsável por cultivar tamanha beleza. Um casal simpático. Ambos com sessenta anos e mal dá pra acreditar que cada viga da casa os dois, apenas, construíram. A casa, parte ainda retalhada por lonas, mas com madeiras firmes que sustentam um teto em construção.”Tudo, eu e a mulher” , faz questão de lembrar. Um casal, desamparado pelo INCRA e ignorado pela Companhia Energética de Goiás, Celg, só podia contar com as Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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próprias forças para fazer desta terra, uma das mais produtivas do Assentamento. Quando dividiram o assentamento, aquela, onde moram, quase ficou como reserva, tida como improdutiva. Seu Anacleto, porém, preferiu acreditar na natureza. “Só se sabe se a terra é produtiva depois que se tenta produzir”-observa. Seguiu em ocupar o espaço com Dona Nair, seguros nesta única palavra, tentar. E foi com ela que cultivou o que muitas parcelas do Oziel ainda não conseguiram.
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Pé de uva, melancia, abóbora e abobrinha, cebolinha, alho, cheiro verde, pimenta, cana, feijão de corda, alface e couve são algumas das evidências de que sua intuição estava correta. Dentre produtos inusitados, a mandioca independente que se cultiva sozinha. Ou seja, a que brota da própria semente, que cai na terra, e não dá rama convencional.
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Que o cerrado é produtivo está comprovado. A burocracia, porém - que tenta bloquear os esforços de uma reforma agrária indispensável - faz com que o INCRA estacione na lerdeza da sua má vontade e resiste em homologar a parcela em nome do casal. Isso se agrava com outras dificuldades, a exemplo a ausência, inexplicável, da energia para todos. Por detrás dos óculos – de muitos graus - Dona Nair reclama que é difícil viver sem luz e eletricidade. A Celg não libera devido à não homologação da parcela onde moram. Parece que, para os órgãos responsáveis pela política no setor, o exemplo marcante e diferenciado da produção, agrícola e animal, desses camponeses não é suficiente para dizer que aquele pedaço, na Ponte de Pedra, é habitável. E cultivável.
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O milagre da terra Lohane Arnos
•
Mãos calejadas, unhas quebradas. Marcas de
quem trabalha com a terra e tira, desse proceder, o seu sustento. Dona Nadir e seu Anacleto, ambos 60 anos, transformam um canto do cerrado, com suspeita de não-produtivo, em um dos exemplos de produtividade no assentamento Oziel.
Pelo quintal, horta cercada, porcos e 200
aves, entre galinhas, frangos comuns e índio gigante, pintos e patos. Há orgulho, também nos olhos, ao falar da trajetória, do trabalho e, de modo especial, dos seus frutos: a diversidade e boa qualidade • Estudante de Jornalismo, 6º período, UFG.
dos produtos, como se sabe, surpreende aos compradores, no assentamento nas feiras livres. Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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Acima da casa, o curral. Parte dele na sombra. Mais longe: vacas . E mais longe ainda (quase dois quilômetros) a roda d´água, que abastece a parcela toda. Muito perto e fácil se comparado com o transporte, na garupa da bicicleta, com 20 litros a cada viagem, que o casal teve que fazer no inicio. Água difícil, por um bom tempo. Com tudo isto e a terra, a luz elétrica não chega. Algo tão básico no capitalismo do campo e tão distante, ainda, para muitos assentados. O poste está assim pertinho, na porta. Uns 60 metros. Mas gente da Celg, comenta-se à boca miúda por lá, teria pedido entre 2 a 10 mil por este trabalho. A velha caminhonete continua “pifada”, na casa da filha no Lageado. Tempo propício para, com as lidas diárias, concluir, sozinhos, uma casa de cinco cômodos “para receber familiares e amigos”. É bem fresquinha e com janelas charmosas. À saída, “é, voltem e fiquem uns dias aqui com a gente”. O convite veio, por sorte.
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Apenas cinco dias Alex Maia •
• Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
Cinco dias e uma vasta experiência de algo que jamais vou esquecer. Assim posso definir o que passei, em uma curta, mas proveitosa e rica passagem pelo assentamento do MST, Oziel. Conhecer a ideologia de um movimento, cultura e o modo de vida daquelas pessoas, foi enriquecedor do ponto de vista humano. Jamais imaginei que um assentamento era algo tão complexo e que, mesmo tendo 70 km de extensão, teria um modelo político tão eficiente. Dividido em áreas e com três coordenações internas, o assentamento se mantém uniTexto com a contribuição de Nilton Rocha.
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do, dentro das contradições e objetivos de cada uma delas. Foi mais ou menos assim que entendi o modo como se organizam. Hospedado na casa da acolhedora tia Cida, descobri como funciona a questão política do local e pude entender o movimento e seus próximos passos que estão diretamente ligados as próximas gerações de moradores do Oziel. A preocupação com as crianças do assentamento foi outra coisa que me chamou atenção. Apesar de algumas dificuldades de infraestrutura e das longas distâncias de um lugar ao outro, a escola municipal, em que foram realizadas as oficinas de comunicação, é mais do que eu esperava. Além da importância do envolvimento com os assentados, a viagem tem uma importância significativa para nós, futuros jornalistas. No sentido de contribuir na superação de preconceitos quanto ao Movimento Sem Terra.
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E os conceitos mudam Willian Rommel •
• Estudante de Jornalismo, 4º período, UFG.
A experiência adquirida na viagem ao assentamento de Oziel, realizada no mês de outubro de 2013, foi extremamente aproveitosa no sentido de termos conquistados novos conceitos sobre o movimento sem terra, juntamente com a quebra de alguns paradigmas que eram intitulados para nós pelos conceitos da maioria, e que percebemos que eram totalmente enganosos e de extrema manipulação. Com toda a certeza posso afirmar que o conceito que tinha sobre deste assunto, foi totalmente modificado após a visita de trabalho social ao determinado local. Possuía uma viTexto com a contribuição de Nilton Rocha.
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são de não organização dos voluntários e moradores para a questão de estruturação social e física, pensava que não tinham lideranças “políticas” e que não haviam delimitações organizacionais de suas moradias, porém tive uma surpresa positiva e eu estava errado. Os moradores do assentamento possuem uma bela estrutura física, de moradia e de conceitos ligados à política e respeito para com o próximo. O local, que é considerado um dos maiores assentamentos do Brasil, sem duvida alguma pode ser comparado a vários centros urbanos de diversas cidades do nosso país, sem questão alguma de exagero já que esbanjam de uma bela organização em vários quesitos como dito, em âmbito político, econômico e social. Também há uma preocupação com a educação dos menores, o assentamento possui uma escola de ensino fundamental e médio de ótima qualidade e oferece juntamente com o
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apoio de alguns voluntários, da região mesmo, um ótimo serviço para as crianças e adolescentes que procuram maiores sabedorias sobre o mundo, quesitos que somente um centro educacional pode oferecer. Nela ofereci juntamente com o meu colega de trabalho, Alex Maia, uma oficina de locução de rádio e podemos perceber que existem bons talentos dentro da escola e também do assentamento, fiquei bastante satisfeito com o resultado obtido já que demonstraram bastante interesse pela área. No geral fica aqui o meu agradecimento para com os cidadãos do assentamento Oziel, um povo bastante esforçado na questão de desenvolvimento e superação social, e que demonstram bastante educação e carinho para com as pessoas que lhes visitam.
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Hugo Chรกvez
Corumbรก
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A lona dos sonhos Heitor Vilela •
• Estudante de Jornalismo, 6º período, UFG.
Poucas horas de viagem, um caminho curto, saindo do plano da grande Goiânia e subindo a serra em direção as nuvens de Corumbá. Passei por montes e colinas, curvas e ladeiras, cidade pequena com o charme típico do interior de Goiás. Nem havia se passado duas horas inteiras que tinha saído da Babilônia, atravessei por uma estrada curta de terra que subia cruzando uma represa pelo lado esquerdo, rodeada pelo pasto verdadeiramente verde. No fim da ladeira, uma pequena vila de casas coloridas com arquitetura dos anos cinquenta. Uma igreja evangélica protestante que Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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geria um centro de recuperação. Atrás da casa de tratamento, uma casinha rosa que era do pastor, ao fundo já se começava a ver as lonas pretas armadas criativamente em estruturas de madeira. Em um bambu alto ao centro das barracas, flamulava a bandeira vermelha do MST. Aquele povo, ocupantes do acampamento Hugo Chaves, estavam nos esperando com a janta cozinhando no fogão a lenha, improvisado com tijolos. Um delicioso frango ao molho com pequi, legumes diversos e salada com muito tomate, foram servidos em fartura para dezenas de pessoas. Durante a ceia conversei com alguns moradores do lugar sob a luz do lampião a bateria. Famílias que alimentavam naquela ocupação o sonho que perdura por anos de luta e militância. Seguindo a vida sozinhos ou acompanhados de companheiros e filhos, estão as vezes já na terceira experiência de acampamento na espera de conseguir finalmente um dia serem assentados. Estão ali dessa
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vez disputando com o pastor da igreja acima, aquele mesmo terreno que fora destinado para a reforma agrária na região. As crianças eram o contraste no ambiente escuro, causado pelos tetos de lona preta e pela total ausência de energia elétrica. Iluminavam o lugar correndo e brincando juntas entre as barracas e usando do espírito criativo por natureza, para improvisar em um galho seco a mais divertida das gangorras. De várias idades e alturas, chegavam perto e com toda a curiosidade e ternura nos abraçavam, apertaram nossas mãos com firmeza e perguntaram sobre tudo que conseguiram questionar. O meio da noite vinha com o frio do topo do monte, de gelar os pulmões e arrepiar os braços. No horizonte as estrelas com o brilho vivo de um céu limpo, se misturam com o piscar literalmente vivido dos vagalumes da grama e do pasto. Eram tantos que encantariam os olhos de qualquer urbano desacostumado que passasse.
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Com um pequeno transformador de energia, que eles usavam para recarregar os celulares, resolvemos a questão da energia e a falta da mesma. Ligamos a caixa de som, o retroprojetor, além do computador tudo em uma só extensão, ligadas em uma “chupeta” na bateria do carro. - Chamem todos, avisem todo mundo que o cinema vai começar! Com tábuas e caixotes montamos a arquibancada, com uma lona amarela que cobria uma parte da sacada de uma das casinhas, fez-se o telão. Todas as crianças, dos pequenos aos já adolescentes sentaram nos banquinhos devidamente agasalhados. Por um breve momento em que se desligou todas as lanternas e lampiões, vimos surgir o verdadeiro chão de estrelas, formado por centenas de vagalumes brancos e azulados e cintilavam junto com outros tantos insetos da noite pelo gramado. Quando todos
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os olhos se fixaram ligados nos movimentos e sons mágicos do filme “Mulan”, o que tinha o dragãozinho divertido, que arrancava as mais puras risadas. As estrelas e as luzes da noite pareciam muito mais reais naquela animação digital. No sereno do inicio ao fim da sessão, que teve várias pausas por conta do equipamento improvisado na bateria do carro, todos ficaram atentos e gargalhavam ao ver toda história e cores que se passava no desenho.
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Naquele momento, no meio da labuta e esperanças do trabalho no campo, os sonhos carregados naqueles plásticos pretos foram tão intensos quanto os que eram projetados no telão. De fato era permitido viajar longe e voar alto, para o outro lado do mundo se fosse o desejo. Os sonhos reais ainda estavam presos naquela lona, mas a esperança bastante acordada.
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Cine Sereno e um olhar apressado sobre as crianças no campo Maíra Iaê •
• Estudante de Geografia, 6º período, UFG.
O primeiro contato com um acampamento de trabalhadores, que buscam a terra para viver, é impactante. Barracas tremem ao vento frio, que sopra sem parar. Está escuro, embora haja energia elétrica ao lado e uma quantidade impressionante de pirilampos. Ao preparar a gambiarra, utilizando a bateria do carro para se iniciar, de fato, a atividade, a calma reaparece nos rostos familiares que chegam devagar, no falar manso e no jeito acolhedor de uma gente simples. Crianças cruzam o curto espaço, sem parar. O lugar é apertado, mas crianças e seus Texto com a contribuição de Anelita Lima.
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adultos se ajeitam em cadeiras pouco firmes, em banco improvisado. Às vezes, no chão mesmo. O frio aperta. Cobertas o escoram. Com o flash da câmera fotográfica, vem a dimensão real desse momento. A fotografia, quem sabe, pode, melhor do que ninguém, traduzir as rudezas e as doçuras desse momento, crianças cuidam de crianças. Risos e mais risos cortam a escuridão, mapeiam os rostos encantados e , ao mesmo tempo, contraditória, é que começa a primeira sessão do Cine Sereno, dentro projeto Berra Lobo. Na primeira tentativa de um acampamento produtivo, Hugo Chavez, dentro de um assentamento, ainda que pequeno, o Dom José Gomes, só a fotografia seria capaz de revelar alguns de seus detalhes relevantes, que a gente não vê, facilmente?
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O país real Em um país em que o agronegócio ocupa mais de 300 milhões de hectares da terra, a reforma agrária é mais do que necessária e urgente. Mas uma reforma agrária eficiente. É claro que se trata ainda de um processo em desenvolvimento, o que não nos impede de identificar certas incoerências em algumas situações. E o que mais me preocupou, durante o contato com algumas famílias acampadas, foram as crianças. Antes de mais nada, importante repetir o que o próprio Incra, em sua definição de reforma agrária, tem a petulância de ressaltar, mas dificuldade ou má vontade em realizar, como política pública “O que se busca com a reforma agrária atualmente desenvolvida no País é a implantação de um novo modelo de assentamento... a promoção da igualdade de gênero na reforma agrária, além do direito à educação, à cultura e à seguridade social nas áreas reformadas.”
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Muitas crianças estão no Hugo Chávez. Um tipo de pressão política, mas, sobretudo, um inicio de uma caminhada e, também, um retrato das injustiças e do atraso do país em realizar, ao lado da reforma urbana, sua tardia reforma agrária. Embora uma ocupação sem grandes conflitos, uma antiga área federal. Elas seguem na escola e com transporte municipais, mas sofrem forte recusa social de parcela da população, acostumada a privilégios antigos. O fato é que,num país com tanta terra que não produz ou sem qualquer função social,
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na cidade e no campo, além da especulação, é doloroso ver crianças obrigadas a esta situação, de risco de todo modo. O cinema, a foto e o sonho No dia seguinte, já como sol posto, o acampamento Hugo Chávez surpreende ainda mais: a bela vista do horizonte longe e a cidade de Corumbá, moram juntos, com suas belezas e preconceitos coloniais, também injustas. Famílias comuns, de trabalhadores, debaixo de lonas pretas. Uma organização curiosa e meio desengonçada, do ponto de vista arquitetônico, mas eficiente do ponto vista humano. Um novo arranjo especial se dá, portanto. O cheiro do café, o andar lento e a gritaria das crianças dão sinais evidentes que o dia, um sábado, amanheceu alegre e inquieto. A oficina de rádio comunitária anima, ainda mais, a garotada.Um recita, outro manda beijo, uns improvisam.
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Mais tarde, uma roda de viola, divertida e diversa, além de talentos, mostra uma acampada que tem 80 músicas originais, de sua autoria. E, claro, uma voz afinada e uma irreverência incontida. Correrias, cantorias, batuques em latas ou tambores vazios, tentativas de tocar violão, triângulo ou flauta apontam que a busca pela reforma agrária passa, de fato, muito mais do que apenas ter acesso à terra. Afinal, o ser humano, como estas crianças e seus familiares, como sujeitos sociais, ajudam a criar e a reinventar o sonho mais profundo: o direito de ter o seu espaço, o seu lugar para ser criança em plenitude. No Hugo Chávez, sem qualquer trocadilho, o Brasil redescobre as suas contradições mais profundas. E a fotografia revelaria que seus futuros militantes, mais encantadores, parecem estar sendo forjados alí?
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Entrevista
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Andarilhos no campo Paloma Biasi •
Dicatê Sasiquiroguês?¹
Alonso Iancovith nasceu em 1972. Adotado por família cigana, vinda da ex-Iugoslávia, herdou também a paixão pelas andanças. Ao se casar com Simone Djorjivie, de origem Argentina, selou sua cidadania cigana plena, por opção e direito, o que para ele tem o tom de celebração. Determinado e falante, nesta conversa, Cigano conta parte de sua trajetória, seu engajamento nas lutas sociais - por justiça e terra. Nesta entrevista conta, também, sobre o paradoxo da sua vida: a decisão de deixar a estrada e se fixar, de vez, no chão em que vive. • Estudante de Jornalismo, 6º período, UFG.
¹Como está seu dia? Em uma das línguas ciganas faladas no mundo atualmente Texto com a contribuição de Nilton Rocha.
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Berra Lobo: Cigano, nos conte como o senhor entrou para o MST e a luta pela reforma agrária. Cigano: Eu entrei na luta pela terra em 2000, dia 25 de dezembro pra ser exato, e tô na luta até hoje. Eu viajei muito tempo na condição de cigano, nômade. Trabalhei com circo de variedades, cinema ambulante. Trabalhava passando filmes nacionais e como comerciante autônomo vendendo mercadoria: enxoval, tachos, artesanato. E aí nós vimos que a discriminação existia e era muita. A gente vivia um mês na cidade, dois noutra, uma semana noutro lugar. Tinha a perseguição, a discriminação. Os prefeitos geralmente tiravam o alvará de licença pra gente trabalhar na cidade por um período e, antes de vencer o período, a própria comunidade da cidade alegava: “óh, cigano rouba, cigano tem isso”; “cigano chegou, ladrão começou a roubar”.
E aí, nessa lógica, fomos caçando um jeito de estabilizar, ficar
mais quieto, criar raiz. A maior parte, hoje, da comunidade da qual eu fazia parte tá residindo em moradia. O costume não é morar em casa, é barraco, até porque facilita a locomoção de um espaço para outro, mas hoje estamos sendo obrigado a viver desse jeito. Nosso trabalho era vender, comprar, e aí tem que ficar mudando, o comércio muda e a gente mudava. Mas com essas perseguições...
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Até que nós vimos o programa de reforma agrária, que foi falado na época do FHC - o Terra pelo correio -, e aí a gente falou: vamos ver se a gente consegue um pedaço de terra. E aí nós entramos pra o acampamento. Antes de chegar no acampamento tinha o medo: óh, sem terra é isso, sem terra é aquilo. Mas no natal a gente foi visitar um irmão que estava acampado e acabamos gostando. Berra Lobo: Onde era esse acampamento? Cigano: Nós estávamos residindo em Aparecida de Goiânia. O bairro era uma espécie de invasão e nós acabamos por comprar o direito de um lote para morar lá. A família nossa morava no centro, no residencial Brasilcom, e foi pro acampamento no Município de Posselândia, Guapó, ali na beira do Rio das Posses. Nós fomos lá e gostamos, e ficamos acampado por 8 meses. Aí teve uma ocupação. A gente não sabia o que era isso e fomos assim mesmo, tinha que ir. Ficamos acampados na ocupação 14 dias, chegou a liminar de despejo e fomos despejados. Então retornamos pra o local de origem que era no acampamento e de lá decidimos ir pra porta do Incra. Nós residimos lá um ano e oito meses. Num acampamento que foi a junção de vários outros, juntos pra reivindicar uma área. Então o seguimento da luta é isso e daí nós fomos... Além de gostar da luta, de participar ali, de lutar pelo sonho, a
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gente achou companheiros, amigos, companheiros que acolheu, e acabamos não tendo condição de retornar pra forma de origem, porque as coisas foram acontecendo. Permanecemos, e tamos aí até hoje. Berra Lobo: E nesse momento, o senhor entra em contato conosco, com a universidade... Cigano: Nesse momento, na porta do Incra, a gente fez vários amigos, parceiros, da UFG, da Conab, da Emater, de uma série de propostas de ajuda. E alguns candidatos também de partidos políticos. Acabou que entrosamos. E aí chegou uma proposta pros acampados e assentados de fazer comunicação via rádio, que além da luta pela terra a gente ia fazer uma luta pelos meios de comunicação. Nós achamos interessante isso, até porque na época a gente tinha um trabalho cobrando dos donos dos meios de comunicação, esse pessoal da rede globo, mais direcionado ao Roberto Marinho, além do SBT, Silvio santos, e os outros meios de comunicação também. A rádio na capital do estado de Goiás era a 99,5 FM. Era mais direcionado pra um público pequeno, e a gente perguntava: por que não o público em geral não faz parte? Aí ofereceram a rádio e eu acabei participando de uns cursos. Um curso que foi promovido pela UFG. Nós chegamos a montar uma rádio na Praça Universitária por um período, ela funcionou até bem.
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A gente fez uma conversa também numa reunião lá na Abraço, em Goiânia, e nos prometeram uma ajuda na orientação de como funciona a coisa juridicamente. Mas essa promessa até hoje está só na fala, nunca nos chamaram, nunca. Chamaram pra a gente fazer uma palestra do que é o movimento MST do Estado, mas além disso, nada mais.
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Berra Lobo: O senhor vem do circo, passou pelo cinema e o rádio. Com essas vivências, se autodefiniria como um comunicador popular? Cigano: Não. Eu não me classifico como um radialista popular, porque eu não tenho a formação por causa da censura. Os meios têm algumas questões jurídicas implicadas. Eu já fui locutor de propaganda em carro volante, fiz isso há muito tempo, mas não profissionalmente, mais pela necessidade. Meu grau de escolaridade é o pré-escolar nem terminado completo. Em 80 até 82, eu estudei pela Escola Evangélica, mas o aprendizado mesmo da letra, da leitura, a gente aprende nas placas: para numa placa aí e vai tentando soletrar, o que a gente sabe é desse meio. Então eu não me identifico, mas tenho vontade, mas quando eu quero começar uma coisa eu quero começar ela bem, porque tudo que começa mal termina mal. Berra Lobo: Mas, aqui no assentamento Oziel a comunidade fala: “nosso radialista é o Alonso”. A comunidade reconhece o senhor como tal. Cigano: É porque, na época, como eu participei dos cursos lá, e era um curso de pouco tempo, que envolveu outros aprendizados, tipo: Expressão corporal, sexualidade e afetividade, eu me entranhei e acabou tomando os espaços. Aí eles entenderam que a gente é o comunicador
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do assentamento, a comunidade entende isso. Mas a gente, no alfabeto, foi até no “C”, mais ou menos, se tiver muito. Aí eles identificam. A gente tentou elaborar alguns projetos pedindo isso pro Senado, Câmara dos Deputados, pedindo espaço. Até mesmo na época da eleição do Lula nós fizemos uma reunião e falamos com ele, ainda tava no trabalho de campanha, da primeira campanha. Era ele e o Néias, eles dois prometeram que nós teríamos uma rádio no assentamento de qualidade, com acompanhamento técnico, mas até hoje também está no papel, ou na conversa. Berra Lobo: Mas como uma pessoa que não estudou é tão articulada? Quais foram, então, as suas escolas? Cigano: Olha, o início da história do meu aprendizado é a comunidade cigana. Hoje, a maior parte da comunidade cigana não tem estudo porque tá no conceito da vida cigana não estudar, até porque desloca de uma cidade pra outra frequentemente, e aí a sociedade em si acha que é porque o cigano proíbe. Não, não é. Mas, eles sabem muito com o mundo. Eles estudam Teologia, pessoalmente e entre si; Psicologia; Espiritismo; e são bem sábios. Mas, o reforço principal eu me aparei foi no movimento social. É um movimento não é uma organização, e tem
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muita gente entendida, muito amigo, muito companheiro, aí a gente acaba aprendendo com eles, entendeu? O MST do Estado ensina isso, ensina não, vai dando as palestras e a gente vai pegando aqui e ali, na própria conversa com o companheiro a gente vai aprendendo. Com as dificuldades também, com as facilidades, que tem de tudo na vida: - ali tá errado, ali tá certo, e vai tentando achar o meio. É isso.
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E como eu dizia, o cursozinho que eu peguei de rádio comunicação foi espaço de duas semanas, o básico: como instalar ali, como montar um programa de rádio. O microfone na locução eu já falo, porque eu falava no carro volante, eu fazia a propaganda do cinema, eu narrava o show do circo. É só você chegar lá, pegar o microfone e se vira, entendeu? Aí vai soltando o que tem no ar.
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A questão política, mais ideologia política, eu entendo que a na-
cionalidade em geral, toda ela, tem a política no consciente, só não desenvolve, entendeu? O caboclo sabe criticar, não sabe? Sabe reclamar da estrada, sabe reclamar da saúde, então ali ele tá fazendo política. Ele sabe votar, também ele tá fazendo o trabalho político dele, e sabe que o sistema tem as instâncias organizativas: o poder legislativo, executivo e judiciário. O movimento tem as instâncias também, que só mudam os nomes, mas acabam dando o mesmo sentido. Isso é uma forma de organizar a comunidade. Hoje eu vivo num assentamento de 552 parcelas, em torno de 552 famílias, em torno de duas mil pessoas, se esse povo não tá organizado, imagina esse povo lá em Goiânia dando trabalho pra a sociedade, desde o roubo acima talvez vai ter.
Eu hoje vejo que nem os dedos da mão da gente são iguais, então
aqui e ali vai ter um problema, então a gente acaba ajudando o sistema com esse feito, mesmo sem querer, mesmo não sendo diretamente, mas a gente tenta fazer pelo menos a parte da gente, então é isso, e o aprendizado mesmo, duas, três semanas assim, mais na prática lá, tentando aprender de rádio. Se você me der um microfone na mão pra narrar um programa ali escrito na letra eu vou ter dificuldade, mas se eu falar com você, discutir ele aqui, eu desenvolvo ele com facilidade, entende?
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Escrito é por causa da leitura, eu vou interpretar ali algumas letras e vai dar errado, mas diretamente eu chego lá. É pra fazer uma propaganda oh: “a UFG chegou aí, vai lançar o curso de comunicação, os companheiros aparecem lá, a partir das 9h, tem almoço e janta, mas café da manhã não vai ter não, gente”, dá pra falar, eu só preciso do slogan ali da fala e só, o resto eu me viro. Aí, no sistema lá, a rádio não é assim, ela é escrita, tem o esqueleto, tem que falar tudo dentro do script, tem a palavra que tem censura. Aí, quando fala a palavra que tem a censura, e eu vejo lá na constituição: “liberdade de expressão”, acaba que tem escrito que a gente tem liberdade de expressão, mas ela não existe, entendeu? Porque se eu falar alguma coisa errada eu vou ser penalizado. Berra Lobo: Retomando, o preconceito foi o principal motivo que levou o senhor e a sua família a entrar na luta pela reforma agrária? Cigano: Isso. Na época do Collor, é até engraçado, quando tava sofrendo o Impeachment, ele andando de jet ski na lagoa, fizeram uma propaganda: “hoje no programa do governo Collor de Melo até cigano é assentado”. Ele acolheu um bando de cigano e assentou, na época a gente ouvia isso e não tinha muito entendimento, mas criou a oportunidade com essa fala dele. Tava nos jornais, revistas. E aí, tem o porquê do nome cigano, não tem? Acho que a discriminação vem desde a época
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de Cristo, porque na época de Cristo cigano era mercador. Jesus construiu o tempo sagrado ali, aí os mercadores foram pra frente vender os trem, e viraram comércio ali na porta da igreja. E Jesus excomungou, bateu em alguns, quebrou algumas barracas. “Vacigas”, ele falou bem assim. “Vacigas”, não façais da casa do pai um ambiente de negócio. Aí ficou o nome. Mas, nós entendemos que somos seres humanos da mesma forma. Na época da segunda guerra mundial nosso povo foi sacrificado nos campos de exterminação milhares de ciganos, eu acho que nas escolas vocês estudam isso, e vão se deparar com alguma injustiça que aconteceu ali, simplesmente pelo dialeto. A gente tem um dialeto, é um dialeto porque ele não está em dicionário. A gente acabou desenvolvendo uma forma de sair do sistema que penalizava. Meu pai me ensina assim óh: “cê não mente não meu fí, mas também não precisa contar tudo”, entendeu? É o que o sistema faz, não conta tudo. Então, isso é normal. Um pouco é isso, a discriminação penalizou muito a gente, e nos obrigou a fixar, somos obrigados. Com essa obrigação alguns se identificaram com as parcelas, com a região, com os companheiros. No meu caso eu tô aqui, mas não é mais obrigado, não. Eu tô aqui porque eu gosto daqui, me sinto bem, eu gosto da tranqüilidade. A cidade é um amontoado de gente, eles chamam lá de favela e eu chamo de casa de abelha, porque a favela é mais ou menos por aí.
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Berra Lobo: Quanto tempo levou esse processo de deixar de se sentir obrigado a se fixar até gostar da terra? Cigano: Olha, o gostar... Eu aprendi a gostar assim... Eu, porque além de mim tem a família, e eu componho ela assim: eu, minha mulher e meus três filhos, um rapaz e duas moças, que hoje já estão casados. Eu gostei do primeiro dia que eu cheguei no acampamento, até porque era dia 25 de dezembro, era Natal, tinha uma comida ali mais melhorzinha, que nesse dia tem comida melhor. Aí nós começamos... A gente tinha no conceito de vida o vício, bebia uma cervejinha, uma cachaçinha e tinha isso bastante. A família falou: “óh, cê vai, mas vai sozim”, acabou que conversa vai e vem, acabou se acostumando. Pra eles, num sei se já gostam agora, eu gostei de primeiro e eles foram construindo isso, e hoje tem 14 anos que tão na luta. Berra Lobo: Além da sua esposa Simone, o que mais encantou e encanta ao senhor no universo cigano? Cigano: É uma coisa que encantaria qualquer cidadão brasileiro, ou que seja a nível internacional: o companheirismo, a amizade, a questão dos valores. O cigano tem muito isso. Por exemplo, se você chega num cigano, é uma coisa bem marcante, e cê tá quebrado, não tem nada, você pode chegar com a roupa do corpo, vão te acolher, e vão te dar
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o todo pro cê se igualar com os outros. Você não pode ficar desigual. Essa é a primeira, isso aí eu vi, é bonito e é bom. Depois se outro chegar você tem a tarefa de igualar o outro também pra ficar no mesmo patamar, e isso por três vezes, é lei, isso não é lei porque não tá num papel, mas para o cigano é. Três vezes eles vão te erguer, botar num nível social, financeiro, igual a todos. A outra questão é a forma de trabalhar, encanta muito, porque você trabalha um tempo numa cidade, cê tá trabalhando hoje com um cidadão aqui, além daquele trabalho que fez com ele, vendeu, negociou, e depois muda. Você tem outro público novo e vai continuar negociando do mesmo jeito. A forma de deslocar, também encantou. A outra é a questão mística, eu chamo isso de místico, eles têm no consciente não sei o quê, não tem como explicar, de prever as coisas, de entender ali, e que acontece realmente, mas vai de quem acredita. Eu me encantei até hoje, e não entendi se é real ou se não é, mas a maior parte do que eu vi acontece, eles têm a intuição ali de prever, é isso. E a outra principal é que a cigana era bonitinha, né? E eu sou meio saliente, desculpa aí.
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Editoração Eletrônica
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Revisão
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Fotos e Ilustrações
Oficinas pedagógicas em Comunicação com estudantes e docentes da Escola Municipal Bandeirante (Assentamento Oziel) e Escola Municipal Maria Conceição (Baliza-Goiás) e integrantes do Projeto Berra Lobo (Cursos de Jornalismo, Artes Cênicas, Geografia e Educação Física). Y8
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