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2.3. A Autorrepresentação: por que utilizar o autorretrato?
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63 produto que questiona o visível do que um objeto que o dá.” (SOULAGES, 2010: 105). Segundo este mesmo autor, uma das funções da fotografia seria tornar visível aquilo que ainda não foi visto e não tornar visíveis os fenômenos já visíveis; através da fotografia o artista faria um recorte sobre as inúmeras possibilidades de fenômenos no mundo e a partir deles criaria o seu próprio mundo (SOULAGES, 2010: 104).
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A máquina fotográfica não é um olho, e menos ainda um par de olhos. Ela não sofre as transformações ópticas, químicas e nervosas que atingem o olho e fazem com que sua visão esteja incessantemente em movimento e em mutação. Ela não é atingida da mesma maneira pela luz, pelos contrastes e pelos fatores temporais da percepção. Não é habitada permanentemente pela atenção e pela busca visual. Em resumo, uma foto nunca é um olhar que teria sido congelado. Além disso, o espectador não olha a foto como olha o mundo. Aliás, é o que constitui o interesse de uma foto (...). Diante de uma foto, o espectador obedece a uma outra estrutura de expectativa quanto à representação, ao reconhecimento, à rememoração, à emoção, ao imaginário, ao desejo, à morte, etc. (...) O cheiro, o som, o gosto e a tatilidade de uma foto não são os fenômenos. Vê-se então de outro modo a mesma coisa” (SOULAGES, 2010: 87-88).
2.3. A Autorrepresentação: por que utilizar o autorretrato?
O que é um rosto? O rosto, enquanto único, físico, maleável e público, é o primeiro símbolo do Eu. É único, porque não há dois rostos iguais, e é no rosto que nós reconhecemos o outro, e nos identificamos a nós próprios. (ANTHONY SYNNOTT apud MEDEIROS, 2000: 73).
De onde vem esta vontade do indivíduo de autorrepresentar-se em um objeto artístico? Pareyson diz: “toda operação humana contém a espiritualidade e personalidade de quem toma a iniciativa de fazê-la e a ela se dedica com empenho; por isso toda obra humana é como um
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64 retrato da pessoa que a realizou” (PAREYSON, 1997 : 22). Se toda fotografia é um autorretrato de quem a produziu, o que é reforçado por Phillipe Dubois em sua obra O Ato Fotográfico - a fotografia seria sempre “imagem do que ela toma, daquele que toma, num mesmo e só lapso de espaço e de tempo, numa espécie de convulsão da representação, e por ela” (DUBOIS, 1993: 343) -, ou seja, se de qualquer forma, a fotografia representa quem a produziu, que vontade é essa do indivíduo de dilatar essa representação e mostrar-se ‘em corpo presente’ em suas fotografias?
FIGURA 8. Autorretratos sobre o colapso. Autoria própria, 2013.
Talvez porque mostrar-se em uma fotografia pode tornar aquele objeto mais original que qualquer outro, já que nele há vestígios de alguém que não pode se repetir em outro. Por outro lado, acredita Soulages, todo retrato passa da representação do individual ao universal (possivelmente já aí, o sujeito tornando-se objeto): “o retrato de uma mulher desconhecida com um turbante nos designa não mais uma determinada mulher, mas um tipo de mulher representado; passamos do individual ao típico e ao universal” (SOULAGES, 2010: 72). Podemos acrescentar a isso a reprodutibilidade da fotografia e, então, o sujeito vai passando de único a objeto universal e passível de cópia? E além disso, que universal é este? Ainda que represente mais do que um único indivíduo, é uma “universalidade
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65 local”, já que depende do entendimento de uma cultura, sendo universal apenas a existência de múltiplas possibilidades e da diversidade. Claro, sobre cada uma destas pequenas possíveis características poderíamos desenvolver uma ampla discussão. De qualquer forma, se a fotografia carrega o ‘enigma da vida’, o autorretrato pode ser ainda mais misterioso.
Pode-se fotografar o eu de uma pessoa? Para tal, seria preciso que o eu existisse de maneira permanente e idêntica. (...) Não será ele sempre mutante e diferente? (SOULAGES, 2010: 74).
Pode ser que, ao produzir um autorretrato, o indivíduo queira, mesmo que sem plena consciência disso, produzir um duplo para estender sua existência. Medeiros (2000) afirma que “o duplo está originariamente ligado à ideia de alma, enquanto esta é vista como essência descarnada, imaterial, que assegura a continuidade do Eu para além do corpo” (p. 102). A autora, a este respeito, faz também uma referência à psuché de Homero:
(...) espécie de alma-sombra, habitava o indivíduo durante a vida, mas só começava a sua verdadeira existência depois da morte: duplo virtual, ela assegurava o pleno prosseguimento da essência do indivíduo, e por conseguinte, a sua eternidade ainda mais plena, uma vez que a psuché só atingiria a sua inteira revelação após a morte do sujeito que ela habitava (MEDEIROS, 2000: 102).
Aqui, então, está presente novamente a questão da permanência que já foi citada anteriormente. Para Fontcuberta, fotografamos para tentar adiar a nossa morte, para afirmar o que nos agrada e tentar preencher as ausências. “Fotografamos para preservar a estrutura de nossa mitologia pessoal” (FONTCUBERTA, 2010: 40).
A fotografia é, pois, a articulação entre o que se perde e o que permanece. Perda das circunstâncias únicas que são causa do ato fotográfico e da
obtenção generalizada do irreversível do negativo, em suma, do tempo e do ser passados. Permanência constituída por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo. A perda é irremediável: a fotografia nos grita, nos mostra, nos faz imaginar isso; se a perda é absoluta e violenta, não é porque o tempo, o objeto ou o ser perdidos eram anteriormente de um grande valor para nós ou em si, mas porque esse tempo, esse objeto e esse ser estão agora perdidos para sempre: é porque eles estão perdidos que, de repente, seu valor se torna absoluto e que, logo depois, esse absoluto atinge e contamina a perda, nossa perda. O que permanece não pode ser um remédio milagroso, a não ser para aqueles que precisam crer nos milagres; efetivamente, será que isso nos consola da perda, nos permite suportar seu luto? Algumas vezes, talvez; em todo caso, é a única coisa que nos resta, aquilo com que se deverá lutar, o que se deve debater, combater, graças a que o artista poderá realizar a obra: a fotografia ou a arte de dispor aquilo que permanece... Perdas infinitas, permanências infinitas… (SOULAGES, 2010: 132).
Mas se considerarmos que a fotografia realmente nos coisifica, se tentarmos fazer com que, através dela, estendamos nossa existência no mundo, mas se ela não reproduz nossa personalidade, parece que estenderíamos nossa permanência como objetos inanimados, não como sujeitos. Será que o mais importante não seria então a simbologia - com sua possibilidade de comunicação intersubjetiva - que traz consigo esse objeto e a sua possibilidade de significação e ressignificação? Além disso, não podemos deixar de lembrar que, mesmo que o objeto fotográfico traga um caráter de coisa, sendo o retrato o registro de algum fragmento de um indivíduo que esteve presente frente à câmera no momento do clique, ali há algum de humanidade, vestígios de que uma vida existiu.
O reconhecimento do outro e dos limites entre o eu e o outro - embora estes talvez nunca possam ser completamente compreendidos dada a complexidade dos processos de relação humana - é importante no processo de individuação. Mas esses limites, certamente, são muito
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67 imprecisos. No livro Um, Nenhum, Cem Mil, de Luigi Pirandello (2003), o personagem Vitangelo Moscarda se depara com um interessante conflito: durante toda sua vida, acreditou ter alguma certeza sobre quem era ou, ao menos, não se preocupou com esse assunto. Em um dado momento, ele é retirado de sua ‘zona de conforto’ por sua esposa, que lhe indica pequenos defeitos no rosto e no corpo, defeitos estes que ele nunca percebeu que existiam. A partir daí, começa uma enorme crise neste personagem sobre talvez nunca ter-se visto como os outros o vêem.
A ideia de que os outros viam em mim alguém que não era tal qual eu me conhecia, alguém que eles só podiam conhecer olhando-me de fora, com os olhos que não eram os meus e me davam um aspecto fadado a ser sempre estranho a mim, mesmo estando em mim, mesmo sendo o meu para eles (um “meu”, portanto, não era para mim!), uma vida na qual mesmo sendo a minha para eles, eu não podia penetrar, essa ideia não me deu mais descanso.
Como suportar em mim este estranho? Este estranho que eu mesmo era para mim? Como não o ver? Como ficar para sempre condenado a levá-lo comigo, em mim, à vista dos outros e no entanto invisível para mim? (PIRANDELLO, 2003: 36).
Neste livro, um instrumento muito utilizado pelo personagem é o espelho: ele se olha no espelho e não sabe exatamente quem vê; gostaria de pegar-se desprevenido, de repente, vendo a própria imagem para ver se encontra alguém mais espontâneo, sem pose, e talvez mais próximo daquilo que os outros vêem. E o tema do espelho é muito presente quando se fala em construção de identidade, em reconhecimento de si, dentro de abordagens diversas (na mitologia, na psicologia, na filosofia, na fotografia, etc). Quando se pensa em autorretrato, essa também é uma questão importante e, em minha própria obra, tanto em tanto quanto em imagem, o espelho já foi bastante utilizado como elemento de construção.
FIGURA 9. Labirinto. Autoria própria, 2013.
Quando vejo esse espelho sem brilho, não sei se me vejo. Parece que busco outra pessoa. Ao olhar para o espelho do outro, encontro mais identificação que em mim mesmo. Talvez porque, quando olho para esse espelho sem brilho do outro, enxergo que ele mesmo também não se encontra. E o compreendo. Quando o compreendo, dele me aproximo. Quando me aproximo, ali me vejo. (Autoria própria, 2013)
FIGURA 10. Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.
Outro ponto importante que podemos levantar é que, através do autorretrato, o indivíduo pode observar-se, tentar conhecer-se melhor a partir de sua imagem congelada. Ali, percebe diversos elementos que não conhecia, ou que aparecem de forma diferente da que acreditava ser. Diferentemente do espelho, no qual o indivíduo só se depara com o seu presente, na fotografia ele pode retornar várias vezes àquele outro momento passado, no momento em que se autorretratou e que pode ser visitado e revisitado infinitas vezes. E a cada vez que se revisita, o indivíduo pode perceber-se sempre de outra forma. Indivíduo congelado, porém mutante, metamorfoseado pelo próprio olhar.
E quando expomos um autorretrato, o que o Outro passa a conhecer de nós? Passa ele a conhecer em nós algo que nós mesmos não conhecemos? Nós mesmos nos conhecemos ou apenas conhecemos a ideia que criamos de nós? Pode ser que, ao expormos um autorretrato, passemos a ser acompanhados pelos estranhos de Pirandello.
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70 Narciso encarna o ser apaixonado pela própria imagem, sujeitado obsessivamente ao seu reflexo. O vampiro (...) carece de reflexo, ou seja, os espelhos não refletem sua imagem. (...) Por extensão, ‘narcisistas’ e ‘vampiros’ designariam também categorias contrapostas no mundo da representação. Em uns, prevalece a sedução do real; em outros, a frustração do desejo, a presença escondida, o desaparecimento. (...) De alguma forma, um diagnóstico possível sobre a fotografia contemporânea poderia ser o anúncio da abrupta irrupção dos vampiros, sua proliferação, sua coexistência com os narcisistas e, frequentemente, a progressiva metamorfose de uns em outros (Fontcuberta, 2010: 27).
Parte da preocupação frente à afirmação da identidade relaciona-se à memória. Perder a memória é como perder partes de si, imaginar-se com buracos que não podem mais ser preenchidos, exceto com novas informações: aquelas que se perdem, não podem ser recuperadas. Esta questão, em particular, é bastante presente no meu processo criativo enquanto temática, em imagens e textos.
FIGURA 11. Registro de anotação pessoal. Autoria própria, 2013.
A mulher sem memória.
A mulher sem memória não tem casa. Constrói sua estrutura com tijolos tão frágeis que, todos os dias quando acorda, olha a parede que tentou erguer e só encontra buracos. Não há como repor os tijolos que se foram porque cada novo buraco é tão particular que nenhum novo bloco se encaixa.
A mulher sem memória, todos os dias quando acorda, se lembra da fragilidade de sua casa. Essa mulher, todos os dias, depois que acorda, é questionada sobre a fragilidade de sua casa. Por que não se esforça para preencher os buracos?
A mulher sem memória todos os dias se esforça, mesmo quando não há mais força, mesmo quando não se lembra do que é ter força. Mas todo novo material que experimenta para preencher as lacunas é feito de areia e a areia lhe escorre. A mulher chora e as lágrimas que também escorrem levam os poucos grãos que ainda restavam da areia que não conseguiu segurar. A mulher ainda chora.
A mulher sem memória um dia acorda, olha para todos os buracos de sua parede e percebe que são fontes de luz. O desenho que cada feixe de luz que passa por cada fresta de sua parede frágil desenha sobre essa mulher é único e diferente a cada dia que ela acorda. A mulher se ilumina.
A mulher sem memória um dia acorda, olha para os buracos em sua parede e percebe que são molduras. O mundo parece mais bonito quando observado através dos buracos, o mundo emoldurado nas paredes de sua casa. A mulher se enquadra.
Um dia a mulher acorda e se dá conta da magia da fragilidade de sua casa. Ela acorda e esquece os buracos de sua parede. A mulher não chora mais. (Autoria própria, 2013)
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72 Para Figueiredo (2007), perder a memória “equivale à perda do rosto, da consciência do corpo e do eu, o que leva a um apagamento de todo o processo de individuação” (FIGUEIREDO, 2007: 128). Para ela, estamos numa “sociedade da amnésia”, na qual o indivíduo parece ser apenas a “sombra de uma personagem” (talvez o maior exemplo disso seja o personagem que disseminamos em nossos perfis nas redes sociais da internet); utilizam-se então as fotografias como uma espécie de prótese através da qual o indivíduo tenta afirmar sua existência (p. 128).
O eu contemporâneo é uma construção imaginária. Não existe uma identidade inerente, original, que possa restabelecida. Ela é desde logo construída como imagem. Ele está sempre refazendo esta construção, substituindo-a por outra imagem para deparar com a alienação fundamental que o fez construí-la como uma outra coisa. Ao se descobrir o indivíduo se descobre como um outro. A experiência vicária8 é fundadora da subjetividade atual: só se vive como um outro.” (NELSON BRISSAC apud FIGUEIREDO, 2007: 119).
O indivíduo contemporâneo, consciente de estar numa sociedade onde prevalece uma cultura de massa, tende a querer se diferenciar dos demais para afirmar sua identidade, e a fotografia vai ter importante papel nessa tentativa de afirmação (MEDEIROS, 2000: 77). Figueiredo (2007) vai levantar outro aspecto importante da sociedade moderna, o acúmulo, o que podemos pensar aqui como: acúmulo populacional e perda da identidade individual; acúmulo de informações com o rápido avanço do conhecimento e da tecnologia; e o acúmulo de imagens.
Medeiros (2000) nos lembra que, na arte contemporânea, é frequente a autorrepresentação como um indivíduo desconfigurado e distorcido, como um momento de questionamento e crítica do ‘quem sou eu?’. Ela dá como exemplo a obra de Francis Bacon:
8 Referente à substituição.
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73 (...) A auto-representação de Bacon é des-figurante, obsessiva, trepidante; está implícita uma interrogação sobre o ser, sobre o sentido da configuração das formas construindo movimentos de sucessão aparentemente acidental. Bacon anuncia a ameaça de morte do Eu (que é um equivalente simbólico da desconfiguração), através da insistência na apresentação de si deformada. Anuncia-o porque essa representação é dramática ou mesmo trágica: deixa entrever a solidão humana, a percepção de si como non-sense, como em permanente descontinuidade com o mundo (MEDEIROS, 2000: 104).
FIGURA 12. Three Studies for self-portrait. Francis Bacon, 1990.
FIGURA 13. Polaroid self-portrait. Francis Bacon, 1970.
FIGURA 14. O estúdio de Francis Bacon.
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75 Medeiros também faz uma interessante análise sobre os autorretratos de Cindy Sherman, Jo Spence e Nan Goldin. Ela aponta que, através da fotografia, as artistas parecem buscar a reparação do self, o que vai de acordo com a teoria de Klein e o impulso criativo: “a ideia de vitimização que nelas surge [nas imagens dessas fotógrafas] funciona como forma de desidealização do relacionamento com o mundo, assumindo o sujeito, perante este, uma atitude anti-mitificadora” (MEDEIROS, 2000: 133). Apresentar-se em sofrimento, com marcas no corpo, sinais de velhice etc, também seria uma “estratégia de negação do cânone da beleza” (p.134). E completa:
Que a auto-representação feminina assuma um contorno mais agonístico e centrado no corpo - sobretudo na sua destruição -, isso se deve pois a dois aspectos: por um lado, a especificidade da sexualidade feminina e de sua ontogênese; por outro lado o facto de, numa cultura do indivíduo, a emergência de um discurso feminino tornar manifesta a ambivalência e a complexidade dessa identidade feminina (MEDEIROS, 2000: 135136).
FIGURA 15. Untitled #95. Cindy Sherman, 1981.
FIGURA 16. Jo Spence and Dr Tim Sheard, Narratives of Dis-ease (Included). Jo Spence, 1990.
FIGURA 17. Nan One Month After Being Battered. Nan Goldin, 1984.
FIGURA 18. Da série Ensaios sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.
FIGURAS 19 a 23. Registros de anotações pessoais. Autoria própria, 2013.
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78 Embora tenhamos citado, em sua maioria, artistas mulheres que tendam a esse tipo de representação, poque nos parece que essas características que abordamos anteriormente sejam mais frequentes nos autorretratos femininos, vale a pena aqui citar o trabalho do fotógrafo John Coplans, que também realizou diversos autorretratos nos quais destaca uma série de ‘imperfeições’.
FIGURA 24. Self-portrait (torso, front). John Coplans, 1984.
FIGURA 25. Self-Portrait (Back with Arms Above). John Coplan, 1984.
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79 Em seus autorretratos, a cabeça não está presente, o que Annateresa Fabris (2004) denomina “o autorretrato acéfalo”. O artista se despersonifica, havendo, ao que parece, uma tentativa de colocar-se como ser universal. Em sua análise sobre a obra de Coplans, Fabris (2004) aponta:
(...) Coplans privilegia a nudez primordial, em busca de uma “figura arcaica”, que fosse ele e não fosse ele ao mesmo tempo. À identidade pessoal, tão perseguida pela cultura ocidental desde o Iluminismo, contrapõe a existência de um corpo destituído de toda especificidade temporal, livre de transitar pela esfera da cultura sem qualquer entrave (FABRIS, 2004: 158).
Outra análise interessante do trabalho de Coplans é feita por Ronaldo Entler no texto Todo corpo merece uma imagem, publicado recentemente no blog Icônica. Este autor também acredita que, de certa forma Coplans tenta recusar os padrões de beleza impostos, mas lhe parece que há em seus autorretratos uma preocupação maior com a exploração do desenho, volume e texturas de seu corpo do que com “qualquer finalidade terapêutica ou pedagógica”9 .
Nota-se, por fim, que existe uma forte tendência à desconstrução da própria aparência nos autorretratos contemporâneos, desconstrução esta que está muitas vezes, embora possa parecer o contrário, relacionada à afirmação da identidade, trazendo diversos questionamentos quanto à percepção de si e quanto ao papel do sujeito frente às ‘regras’ impostas socialmente.
Sou fotografado, logo existo. A fotografia é, então, verdadeiramente performativa: faz-me ser no presente (...). Melhor que um espelho em que a imagem se modifica sem parar, me envia ad vitam aeternam uma imagem fixa de um eu obrigatoriamente triunfante (em relação ao
9 <Em: http://iconica.com.br/blog/?p=6340>. Visualizado em 19 de outubro de 2013).