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2.5. A Construção de uma Linguagem Pessoal
menor, mas ainda muito presente) no caráter indicial da fotografia, que já mencionamos anteriormente: por mais que represente uma ficção, ainda existe uma enorme vontade de acreditar nela como verdade, cópia da realidade. A fotografia então, aproxima-se novamente do espetáculo. Nela, o retratado pode ser um ator e, através da pose, assumir um novo papel.
2.5. A Construção de uma Linguagem Pessoal
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Fotografar pode gerar vários tipos de comportamentos: ou ver com a discrição aparente do voyeur, ou mostrar-se com a exuberância do exibicionista. Em todos os casos, é sempre constituir um teatro do qual se é o diretor, do qual se é, por certo tempo, o Deus ordenador: dãose ordens, chama-se à ordem, introduz-se ordem no real que se quer fotografar (SOULAGES, 2010: 67).
Existe na fotografia uma necessidade de organização, dentro do quadro, de certos elementos que vão assim gerar interesse ao fotógrafo no momento do clique, e estimular o interesse do receptor. Muitas vezes essa organização não é feita de maneira totalmente consciente, e muitas vezes passam despercebidos no momento do clique alguns elementos que só serão descobertos depois da análise do negativo (ou arquivo digital, etc). A partir dessa organização dos elementos visuais é que se começará a transformação do assunto em forma.
Fotografar é, num mesmo instante, numa fração de segundos, reconhecer um fato e a organização rigorosa das formas percebidas visualmente que expressam e significam esse fato (CARTIER-BRESSON apud SOULAGES, 2010: 41).
Segundo Soulages (2010) o estilo, que podemos aqui entender como a linguagem pessoal, pode gerar perigos por estimular nos outros a cópia e em si mesmo o plágio, a repetição, e conclui: “Esse é o paradoxo do
Eu-Rascunho
87 estilo: quando existe, pode induzir a uma repetição e, quando não existe, a obra é imperfeita” (p. 222). E a respeito de o artista ser induzido à cópia de si mesmo, à repetição, Fontcuberta (2010) complementa:
Nós, os criadores, costumamos ser monotemáticos. Podemos disfarçar com envoltórios de distintas cores, mas no fundo não fazemos mais que voltar obsessivamente à mesma questão. (FONTCUBERTA, 2010: 9)
Salles trata das tendências do artista na criação de sua linguagem através do que chama de princípios direcionadores:
(...) de natureza ética e estética, presentes nas práticas criadoras, relacionados à produção de uma obra específica e que atam a obra daquele criador, como um todo. São princípios relativos à singularidade do artista. São planos de valores, formas de representar o mundo, gostos e crenças que regem o seu modo de ação: um projeto pessoal e singular. Esse projeto está inserido no espaço e tempo da criação que inevitavelmente afetam o artista. A busca, como processo contínuo, é sempre incompleta. O próprio projeto que direciona, de algum modo, a produção das obras pode mudar ao longo do tempo (SALLES, Cecília Almeida. Em: <http://www.redesdecriacao.org.br/?verbete=90>. Visualizado em: 09 outubro 2013).
Para Merleau-Ponty (2013), o estilo é a organização dos elementos do mundo, organização esta que permite uma “deformação coerente” dos dados do mundo, e assim a criação de significação. Neste trecho, ele trata da pintura, mas podemos aproximar sua análise à construção fotográfica:
Essa convergência de todos os vetores visíveis e morais do quadro para uma mesma significação x já está esboçada na percepção do pintor. Ela começa assim que ele percebe – isto é, assim que dispõe no inacessível pleno das coisas certas concavidades, certas fissuras, figuras e fundos, um alto e um baixo, uma norma e um desvio, assim que certos
elementos do mundo assumem um valor de dimensões às quais, daí em diante, reportamos todo o resto, na linguagem das quais o exprimimos (MERLEAU-PONTY, 2013: 81).
Por sua vez, tratando da literatura, mas em termos que também podemos claramente aproximar da fotografia, João Cabral de Melo Neto diz:
O autor de hoje trabalha à sua maneira, à maneira que ele considera mais conveniente à sua expressão pessoal.
Do mesmo modo que ele cria a sua mitologia e sua linguagem pessoal, ele cria as suas leis de composição. Do mesmo modo que ele cria seu tipo de poema, ele cria seu conceito de poema, e a partir daí, seu conceito de poesia, de literatura, de arte. Cada poeta tem sua poética. Ele não está obrigado a obedecer nenhuma regra, nem mesmo àquela em que determinado momento ele mesmo criou, nem a sintonizar seu poema a nenhuma sensibilidade diversa a sua. O que se espera dele, hoje, é que não se pareça a ninguém, que contribua com uma expressão original (MELO NETO, 1997: 53).
Fazendo uma breve análise da obra de Francesca Woodman, quanto à construção de sua linguagem e as repetições, podemos levantar alguns aspectos: A) É bastante frequente em suas imagens o uso dos cantos como recurso de profundidade, além da obliquidade das linhas que geram além de pontos de fuga, uma certa sensação de instabilidade na imagem. Havia uma clara preocupação com a geometrização das imagens.
FIGURA 37. Self-deceit # 3. Francesca Woodman, 1978.
FIGURA 38. Untitled. Francesca Woodman, 1975-1978.
FIGURA 39. Self-deceit # 1. Francesca Woodman, 1978.
FIGURA 40. Francesca Woodman´s Notebook. Francesca Woodman, data desconhecida.
Eu-Rascunho
93 B) Parece haver uma tentativa de misturar o corpo com a arquitetura (geralmente deteriorada), e talvez esconder-se nela.
FIGURA 41. Space2. Francesca Woodman, 1976.
FIGURA 42. Untitled. Francesca Woodman, 1975-1978.
FIGURA 43. Then at one point I did not need to translate the notes; they went directly to my hands. Francesca Woodman, 1976.
FIGURA 44. Space2. Francesca Woodman, 1976.
Eu-Rascunho
97 C) O uso do nu, que não traz sensualidade, mas um corpo feminino aparentemente frágil e desprotegido.
FIGURA 45. Untitled. Francesca Woodman, 1979-1980.
FIGURA 46. Untitled. Francesca Woodman, 1977-1978.
FIGURA 47. Untitled, da série Eal. Francesca Woodman, 1977-1978.
Em meu trabalho pessoal podemos pensar também em algumas repetições, algumas delas exemplificadas abaixo:
A) A pose de um corpo que parece não se sustentar, um corpo em queda, curvado.
FIGURA 48. Da série Não Siso, sobre a loucura. Autoria própria, 2011.
FIGURA 49. Eu-Rascunho. Autoria própria, 2013.
FIGURA 50. Da série Ensaio sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.
Eu-Rascunho
103 B) O uso do ambiente interno, doméstico, para construção dos cenários dos autorretratos.
FIGURA 51. Solidão a quatro. Autoria própria, 2013.
FIGURA 52. Da série Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.
C) A repetição nos temas, que fazem referência a conflitos psicológicos: medo, loucura, abandono, colapso.
FIGURA 53. Da série Não Siso, sobre a loucura. Autoria própria, 2011.
FIGURA 54. Da série Meus Demônios. Autoria própria, 2010.
D) Exploração de objetos como autorrepresentação:
FIGURA 55. Solidão em Rascunho. Autoria própria, 2013.
FIGURA 56. Da série Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.
FIGURA 57. Da série Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.
E) Em meus autorretratos também aparece o nu como forma de representar um corpo sem proteção, vulnerável.
FIGURA 58. Da série Ensaios sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.
Figura 59. Da série Ensaios sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.
Podemos notar que as repetições fazem parte da construção do conceito do artista em torno de sua obra; geram unicidade ao trabalho, não só em termos formais, mas também para permitir a comunicação de um significado, uma história, uma narrativa, um contexto e até uma atmosfera psicológica.