nov/2016
conversas
V
de
VIZINHANÇAS
isitei na semana passada uma vila de casas geminadas que morei há 17 anos atrás. Cheguei cedo, a manhã de sábado foi surgindo quietinha, os primeiros movimentos do condomínio aparecem ali no bloco D. Um cheirinho de café coado na hora, a música das 8h, o galo da vizinha cantando. “Mãe, já posso ir pro pátio brincar?” gritou uma menina, que me lembrou muito alguém, acho que eu mesma. A mãe logo sai e diz que ela pode ir, e começa a varrer a porta da casa. Logo aparece um outro morador, de bemuda e chinelo de dedo “Bom dia vizinha, tô indo ali comprar um pãozinho, tá precisando de alguma coisa?”. E ela responde: “Vê se tem uma melancia fresquinha lá na vendinha, vou abrir pras crianças comerem aqui daqui a pouco”. A manhã vai passando e chega um, chega outro, de repente vejo umas 7 crianças correndo a minha volta. Elas espalham tudo o que existe de brinquedo por ali, de repente inventam uma partida de queimada, roba-bandeira, fazem f ila no escorregador... e chamam todo mundo pra ver o teatrinho que iam apresentar. O pátio entre as casas parecia um lugar onde as coisas aconteciam, onde um via o outro, onde a passagem era também um motivo para saber se “está tudo bem”, um pretexto para ser gentil, para pedir ajuda ou jogar conversa fora, era o lugar de perder tempo.
Tempo, palavra que aparece tanto nas nossas conversas de hoje, que signif ica um estado de correria e ausência de (...) para ver o outro, papear, sentar com os f ilhos, descascar uma fruta enquanto as crianças brincam por aí. Aquele lugar entre as casas, hora e outra se expandia para a calçada (ou às vezes para a rua). Um dos meninos pegou a bicicleta e começøu a treinar ali mesmo na calçada, em frente a casa em que morava, ainda estava aprendendo. “Tô quase lá, daqui a pouco já vou poder andar pela rua, e aí vou pra escola com meus colegas de bicilcleta!”, ele contando enquanto arriscava alguns metros já sem as rodinhas. A mãe estava ali observando a coisa toda, f ingindo não ver quando ele quase caía e aplaudindo quando ele andava por mais de 5 metros. Enquanto isso conversava com a moça da casa ao lado, decidindo se ia rolar um tal churrasco. Decidiram então pegar um pouco do que cada um tinha em casa e começar por ali mesmo. Logo chegou um vizinho super animado, com a churrasqueira e a colocou ali na calçada, foi chamando o pessoal enquanto saía do bloco lá de dentro. Uns trouxeram mesa e cadeira, alguns banquinhos, umas cervejas geladas, uns petiscos. De repente vi ali a festa montada, sem nem um motivo a não ser estar ali comendo, conversando e conhecendo melhor os vizinhos. Acho que a comida tem esse poder transformador, o ato de fazer e comer juntos, é algo mágico. Logo eu quis tirar umas fotos, af inal, era algo legal de se recordar, eles não se importavam tanto de compartilhar aquele momento em redes sociais, porque a rede já estava ali, acontecendo sem fazer muito esforço. Um homem passa perto de mim e pergunta se ali vendiam cerveja, então eu ri e percebi que a casa parecia memo um barzinho, aberta para a rua, churrasqueira... O movimento f icou até entardecer, quando vi uma vizinha pegando a mangueira para molhar as plantas. “Quando dá 6h, eu sempre venho pra cá, dá pra ver a noite chegar, os passarinhos irem embora, é a hora de agradecer meu dia, molhar as plantas.. e aí vem esse cheiro de terra, traz uma paz, sabe? Gosto de ver as crianças correndo por ali também. E aí meu dia f ica completo. Vou ali fazer a janta, não quer entrar?”.
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