Ludwig

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SIDO OTTO KOPROWSKI

ACOMPANHANDO

LUDWIG Caminhos de um imigrante polonês em 1873


Copyright © 2014 Sido Otto Koprowski

Imagens e projeto gráfico © Márcio Koprowski


ACOMPANHANDO

LUDWIG Maio/2014


localização de Smarzewo durante o Império Alemão de 1871-1918 e o local ampliado abaixo


AC O M PA N H A N D O

LUDWIG Caminhos de um imigrante polonês em 1873

Apresentação Ludwig Koprowski se casa em Pieniazkowo Ludwig em ambiente conturbado A busca de caminhos Viagem no Ellwood Cooper Ludwig a caminho da roça Vivendo da terra e do trabalho Viver no Brasil Alexander Tarnowski Ludwig se despedindo

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ANEXO – História da Polônia Polônia feudal, de muito longe Cavaleiros Teutônicos e outros dominantes Poder e democracia da nobreza polaca No meio da expansão do capitalismo Guerras e devastações A Polônia de agora

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Fontes

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Localização e aproximação de Smarzewo em quatro momentos no mapa atual da Polônia.


Apresentação Escrevo uma história sobre a vinda do meu bisavô Ludwig Koprowski, que casou com Anna e vieram da Polônia para o Brasil em 1873. Deixo o escrito para quem quiser ler, como os descendentes de Ludwig e em especial meus netos Victor, Pedro, Luísa, Laura e Manuela, todos misturados com Koprowski. Busco responder indagações deixadas por minha irmã Anna Maria, que partiu em 2013 e aqui recordo. E lembro que a neta Manuela nasceu em 2013, 140 anos após Ludwig desembarcar no Brasil. Não enfatizo a genealogia, como tantos buscam, antes tento entender circunstâncias e ambientes históricos que fizeram Ludwig percorrer os seus caminhos. Não faço um estudo acadêmico, nem reescrevo a história, apenas procuro contar uma viagem feita há muitas décadas e o ambiente no qual ocorreu. Há insuficiência nas informações em livros, relatos e pesquisas, o que me fez recorrer às memórias da minha infância em Blumenau e a muitos artigos e links da internet. Na falta de respostas para perguntas que surgiam, fiz deduções para ter uma história plausível. Por exemplo, suponho que o soldado prussiano Tarnowski era irmão de Anna, que viajaram de trem para Hamburgo e que para chegar a Blumenau seguiram por terra, não pelo rio Itajaí. E imagino cotidianos a partir de outras realidades, lidas ou vividas, pois não tenho relatos do dia-a-dia da época. Conheço pouco a história polonesa e não vivi nessa sociedade, ignoro o idioma polonês, vi Indaial em uma visita quando criança e não sei onde fica a Sandweg. Então construo uma história imprecisa, mas apresento datas corretas e fatos que até corrigem textos que li. Fica uma quase história e convido quem quiser a contar outra. Para entender alguns contextos da vida de Ludwig e de sua turma, li um pouco sobre a complexa história da Polônia. Em anexo há um rápido apanhado do emaranhado de fatos 5


e datas, sujeitos a correções, outras interpretações e/ou complementações. Procurei entender o quanto da história pesou sobre a vida de pessoas isoladas em locais específicos, como Ludwig em Smarzewo, buscando sentir os milênios que ajudaram a construir uma encruzilhada de conflitos sem fim na Polônia. Mas rever ambientes não termina, mesmo sem entrar em teses sobre causas, estratégias e políticas dos poderosos. Aprendi muita coisa e, ainda com muitas perguntas a responder, dei um ponto final, porque tudo termina. Sobra a vontade de conhecer mais e de ver os locais onde os fatos ocorreram. Com certeza o território da Polônia, e toda a Europa, tornou-se um campo de lutas travadas por muitas forças agressivas, virando um ambiente difícil de suportar na segunda metade do século XIX. A população já sofria com as crises de transformação do velho sistema feudal em um modo capitalista de produzir, gerando convulsões, misérias e migração de milhões. Um olhar de hoje permite afirmar que Ludwig e Anna fizeram bem em sair da sua terra em 1873, porque as guerras devastaram os seus mundos e aniquilaram milhões de seres. Mas para eles, camponeses da escondida Smarzewo, que não podiam prever futuros, partir foi uma decisão dolorida, como sabe quem já precisou abandonar as suas raízes, ou como adivinha quem é sensível. Logo as atrocidades se definiram, resultando afinal em ensandecidas duas guerras mundiais. Se no Brasil sofreram as agruras normais da vida, tiveram as alegrias de viver juntos e de poder construir outras histórias, inclusive as nossas, até a minha e dos meus netos. Salve Ludwig!

Sido Koprowski 6


Ludwig Koprowski se casa em Pieniazkowo Foi no dia, 28 de abril de 1861 que o Padre Hyacinth Kropp abençoou o casal Ludwig Koprowski, que tinha 25 e meio anos, nascido em 01/11/1835, e Anna Tarnowska, com 20 anos e dois meses, nascida em 21/02/1838. O casamento foi na católica paróquia de São João Batista, vila de Pieniazkowo, às margens do Rio Vistula, na Polônia.

A Parafie Sw. Jana Chrzciciela - Pieniazkowie, como se vê na foto, é uma construção em estilo gótico de 1590, de tijolos aparentes e na beira da estrada, entre campos de plantio e algumas casas. A vila de Pieniazkowo – Pfenningorf para alemães, em 1868 tinha 160 moradores e em 2006 7


eram 351. Era na Prússia Oriental, do lado do rio Vístula onde fica a Pomerânia, oposto ao lado do rio onde fica Marienwerder, ou Kwidzyn. Tudo ficava perto de Gdansk (Dantzig), próximo ao Mar Báltico, região há muito dominada pelos alemães mas que hoje é território da Polônia. Ludwig e Anna moravam sete quilômetros adiante de Pieniazkowo, em outra vila, SMARZEWO, Schmarsow para alemães. A vila, com umas 20 casas e 80 habitantes em 2006, fica a dois quilômetros de Smetowo Graniczne (Schmentau), que tem 5.246 habitantes e onde há uma estação ferroviária. Por lá os trens circulam desde 1850 e simbolizavam o poder prussiano e depois o Império Alemão. No ano de 1873, vilas e cidades tinham dois nomes, um em polonês, outro em alemão, língua dos dominantes naquela época. Poloneses usam no final do sobrenome das famílias um SKI, que significa “filho de”, sendo masculino, ou SKA, quando feminino. Perto de Smarzewo há pequenas vilas como Czerwinsk, Luchovo, Kolona Ostrowicka, Polwes e outras, onde em terras planas os camponeses plantavam, colhiam e comercializavam seus produtos. A região ainda hoje é agrária, com vilas e cidades de pouca população, mas com modernas máquinas para plantio e colheita. Nos tempos do casamento havia na região cidades maiores, como Starogard Gdanski a 26 km de Smarzewo, e a 70 km ficava o porto de Gdansk (Dantzig), com 6022 habitantes em 1875 e hoje com 48 mil. Outra cidade bem maior da região é Bydgoszcz, a Bromberg dos alemães, que em 1889 já tinha 34.000 habitantes e em 2012 chegou a 362.000. Cruzando o rio Vístula está Kwidzyn, a Marienwerder fundada pelos Cavaleiros Teutônicos, que lá construíram o castelo e fortaleza de Ordenburg, em 1232. Kwidzyn tinha 8079 habitantes em 1885 e em 2006 uns 40 mil moradores. Para ir ao casamento, de Smarzewo até Pieniazkowo, todos usaram as charretes e as carroças com os enfeites ade8


quados para o evento, que reunia parentes e amigos de toda a vizinhança. A missa foi longa, mas adequada ao catolicismo dos poloneses e a festa foi simples, com bolos feitos em casa e na vizinhança, com uma sanfona para alegrar a dança dos mais jovens e também dos mais animados, ou dos que tinham tomado mais vodca que o normal. Não houve viagem de lua de mel, no dia seguinte era preciso cuidar dos animais e das plantas, mantendo a vida com o trabalho nas pequenas glebas de terra disponíveis, pelo uso das quais era preciso pagar rendas ao nobre proprietário. Após seis anos de casados, quando as mulheres mais velhas já cochichavam sobre famílias imensas e falta de filhos, nasceu Franz, no dia 14 de abril de 1867. Então todos atravessaram o Rio Vístula e foram à grande matriz de Marienwerder, hoje Kwidzyn, para batizar Franz. Logo vieram mais dois filhos, Joseph em 1868, Ludwig em 1871 e em 1873 uma nova Anna chegava.

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Ludwig em ambiente conturbado Viver sempre foi difícil, mas viver em Smarzewo e na Polônia, como em toda a Europa em 1873, estava ficando insuportável. E milhões migraram para outros lugares desde o início daquele século, em veleiros e depois em barcos a vapor. Assim, após estarem casados por doze anos, Ludwig e Anna, já com três filhos e a nova Anna nascendo, resolveram deixar sua terra, seu lugar. Apesar da angústia que aflige os humanos ao sair de seu canto na terra, de seu lugar de aconchego, a pressão era grande para sair do sufoco econômico e social. Não dava para aguentar e, na trilha de tantos outros, os Koprowski formaram um grupo de migrantes que saiu de uma história para ajudar a formar outras, como manda a vida. Os trens passavam por Gdansk, então a alemã Dantzig, e por toda a região ao longo desta margem do Rio Vistula desde 1857, pela ferrovia que liga a russa Kaliningrado (a Konigsberg, do filósofo Kant) até Berlim e desta para Hamburgo. A Preusiche Osbahn, a ferrovia do Império Alemão, serviu de transporte para a onda migratória do povo daquela região, inclusive Ludwig Koprowski e sua família. Toda a revolução industrial na Europa se sustentava na disseminação de ferrovias em milhares de quilômetros. Se, em 1827, na pomerana cidade de Czersk, perto da foz do Oder, havia diligências puxadas por cavalos que faziam o trajeto entre Berlim e Konigsberg, já em 1842 elas foram substituídas pela ferrovia. De Berlim, entre 1851 e 1856, ao longo de 740 km, os trens foram até Konigsberg, passando por Gdansk. E havia a ferrovia que ia a Berlim e vinha de Gdansk passando em Smetowo Graniczne, junto a Smarzewo onde moravam os Koprowski. De Berlim para Hamburgo já existia ferrovia desde 1846, com 286 km. E russos, já dominando parte da Polônia e querendo dominar mais, construíram em 1862 uma ferrovia de 1333 km entre Varsóvia e São Petersburgo. 10


Com seu estado extinto em 1795, os poloneses da elite nobre tornaram-se revolucionários radicais, sendo reforçados pelos donos de terras expropriadas. Milhares de poloneses saíram do país e foram combater na França, Itália, Portugal, Estados Unidos, Brasil. Dentro da Polônia a resistência aos ocupantes sofreu repressões e chacinas. Desde 1819 e com intensidade maior a partir de 1830, a Prússia aboliu a língua polonesa, dispensou seus professores e introduziu o alemão no ensino primário, proibindo funcionários poloneses na administração pública. Na cultura, a opressão dos três impérios resultou também em literatura, poesia e músicas – como Chopin - que reforçavam uma visão romântica da sua terra. E a Igreja Católica, conservadora e feudal, foi o esteio da nação polonesa contra o cristianismo ortodoxo russo e o protestantismo alemão. De 1850 em diante, como sempre ocorre com os impérios que buscam dominar, os poloneses eram vistos por alemães como uma nação de conteúdo cultural menor e perturbadores perigosos, com isso buscando apresentar os poloneses como cidadãos de segunda categoria ante os alemães, exigindo maior reforço na germanização. Com recursos financeiros do governo alemão, a aristocracia rural prussiana da Pomerânia - os Junkers - comprava por baixo preço terras polacas, desencadeando a vinda de mais alemães, em larga escala. Colocados como minoria étnica, os poloneses reagiam reforçando ainda mais seus vínculos com a Igreja Católica. Em 1873 os alemães proibiram os poloneses de construir casas em seus lotes e, sob comando de Bismark, o Império Alemão submeteu as escolas católicas à supervisão alemã, proibindo manuais em polaco e apenas a língua alemã valia na administração pública. A reação causou conflitos com camponeses que, até armados, passaram a lutar contra a prisão de padres que rezavam missas em polonês. Então a língua polonesa também virou santa, identificada com o nacionalismo polonês. 11


Na Prússia, um estado luterano e militarista, a revolução industrial ampliava mudanças na agricultura e recrutava operários para as fábricas. O mesmo fazia a Rússia no lado por ela ocupado. Isto atingia mais a nobreza szlachta, proprietária de terras, os intelectuais e as classes urbanas superiores, que tinham alguma consciência nacional. A maioria camponesa, com poucos estudos, só começou a internalizar os valores do nacionalismo após as revoltas de 1848 e 1866. Entre 1815 e 1870, a Revolução Industrial se expandiu na Europa, fundada mais em carvão e ferro, com mudanças que geraram miséria e grandes migrações. Entre 1870 a 1914 houve uma segunda fase da Revolução Industrial, mais baseada no aço e na eletricidade. Em 1895, na Alemanha urbana, industrial e capitalista, só 35,5% da população restava na agricultura. Após rebeliões, a Prússia tratou de unir a Polônia às suas forças militares contra seus adversários, como França e Império Russo. Poloneses buscavam trabalho nas minas de carvão da região alemã ou emigravam ao exterior. No final de 1840, a população da Prússia Oriental, onde fica a Pomerânia, tinha 60% de etnia polonesa, 34% alemães e 6% judeus. Calcula-se que, de 1829 a 1889, saíram da Alemanha 1,8 milhão de emigrantes, indo para os Estados Unidos 1,2 milhão e chegando ao Brasil 235 mil de língua alemã. Sair de lá foi bom, porque as guerras fizeram horrores em toda a Europa, com perseguições e mortandade entre a população civil em nível nunca visto antes.

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A busca de caminhos A grande emigração de poloneses a partir de 1870 era em parte liderada por padres católicos, que organizavam os migrantes para procurar por trabalho nos Estados Unidos em fábricas de Chicago ou minas em Michigan e Illinois. Ou apoiavam a ida para outros países, como Brasil e Argentina, que divulgavam as vantagens que ofereciam. Enquanto o irmão Joseph Koprowski e outros parentes optavam pelos Estados Unidos, outros se dispersavam pelo mundo, como mostram os registros de Hamburgo, por onde saíram 47 Koprowski naquele período. Muitos outros podem ter saído por outros portos ou mesmo países, mas muitos registros foram destruídos pelos bombardeios da II Guerra Mundial, como os de Bremen, porto de saída para muitos. É provável que a opção de Ludwig Koprowski pelo Brasil tenha sido influenciada por Alexandre Tarnowski, talvez um irmão de Anna Tarnowska, esposa de Ludwig. Alexandre tinha participado da guerra da Prússia contra a França em 1870 e 1871 e, após a batalha de Sedam, vencida pela Alemanha, foi desmobilizado. De volta a Smarzewo, tendo andado por tantos lugares com o exército, tinha informações sobre destinos possíveis para os emigrantes. Em conversas com companheiros de armas e talvez influenciado por folhetos e por um livro escrito pelo Dr. Blumenau sobre o sul do Brasil, reuniu-se com seus primos e irmãos Benedict, José, João e Julian. Outro parente, Jacob Tarnowski, talvez irmão de 31 anos, já pegara o navio Doctor Barth, com 129 passageiros e, em 07/06/1873, desembarcou em São Francisco do Sul. Como tantos outros, resolveram emigrar, escolhendo a já criada Blumenau, no Vale do Itajaí. Nesta escolha vital Anna pode ter argumentado com Ludwig para não acompanhar os Koprowski que iam para a América, melhor seria ir com os Tarnowski para o Brasil, o que foi decidido. Os migrantes de etnia polonesa eram alemães no papel, pois recebiam do estado alemão os documentos e passaportes 13


germânicos necessários para poder ir até Hamburgo e viajar. No Brasil, outros Koprowski apareceram, talvez parentes distantes, pois no dia 17/08/1895, em Alfredo Chaves, hoje Veranópolis, Rio Grande do Sul, um Michal Koprowski, 47 anos, casado, sapateiro, fez uma declaração sobre a veracidade do falecimento da esposa de um Jabukoski1. E no porto de Nova York2, surgiram muitos Koprowski, registrados como russos, alemães ou poloneses. Claro que, mesmo com a dispersão dos Koprowski pelo mundo, há os que permanecem na região de origem, como prova Car Piotr Koprowski, que em 2014 tem oficina mecânica em Starogard Gdanski. No mundo de 1873, em mutação, a onda de emigrantes era imensa, de milhões, acelerada por propagandas, algumas enganosas, de países oferecendo terras, um anseio geral dos trabalhadores de áreas dominadas por grandes propriedades. Em 1885, Kwidzyn tinha 8.079 habitantes, a maioria luteranos e integrados a ações de germanização promovida pelo Império Alemão, que tomava as terras dos poloneses. De 1795 até 1914, buscando dominar por meio de suas culturas, vieram 150 mil colonos alemães para as terras polonesas. A restauração do estado polonês só ocorreu após 125 anos, em 1920, finda a I Guerra Mundial, quando os alemães foram removidos e os seus espaços foram ocupados por poloneses que, por sua vez, foram novamente expulsos pelos alemães em 1939, no início da II Guerra Mundial, terminada em 1945, quando nova remoção dos alemães foi executada. Um horror sem fim. Em 1873 os Koprowski, junto com os Tarnowski e outros vizinhos, se prepararam para a viagem com cuidado. Deram prioridade para a venda de seus bens, possível por haver financiamentos alemães que pagavam um pouco para assentarem mais alemães na região. Importante era levar alguns objetos como ferramentas, em especial o bom arado 1. Antigalhas, Diego Pufal 2 www.ancestry.com.name 14


polonês, roupas, comida em conserva para a viagem, algum instrumento musical preferido. Talvez no início de setembro de 1873 os Koprowski pegaram baús e malas em Smarzewo e andaram uns dois quilômetros até a estação de trem de Smetowo Graniczen. Viajaram por cerca de 500 quilômetros, passaram por Bromberg e chegaram a Berlim, a capital do Império. Gente de um mundo simples, a maioria nunca tinha viajado, apreciaram as paisagens e o que dava para ver das cidades, em especial de Berlim, onde tiveram que fazer a baldeação para tomar outro trem até Hamburgo, lá chegando após quase 300 quilômetros. Ficaram alojados em albergues simples após a viagem cansativa nos vagões de 2ª classe, simples e duros, mas eles eram resistentes e em setembro a temperatura era amena. Havia pressa em embarcar para terras quentes, porque logo mais os ventos anunciariam o inverno congelante de Hamburgo. Mas houve demoras na obtenção das passagens e das autorizações de embarque, tempo que consumiu dinheiro do pouco que Ludwig levava, o que o fez conseguir um trabalho de cocheiro para um nobre alemão em Oldenburg, região próxima de Hamburgo. Cuidar de cavalos e carroças todo camponês de Smarzewo entendia muito. O pagamento era ínfimo porque, como sempre ocorre, a oferta de trabalho de migrantes reduz o valor do trabalho local, o que causa reações e preconceitos por parte dos que já ocupavam o espaço econômico. Mesmo com documentos alemães, identificados como Deutsch Polen, os poloneses faziam questão de manter suas identidades nacionais e religiosas, com a viagem em grupos reafirmando os laços de parentesco e identidades culturais. Alemães podiam ser racistas contra os migrantes, especialmente se eslavos e poloneses, que com salários baixos geravam uma concorrência salarial, fato registrado até por Max Weber. Mas o dia da partida chegou e mais estes aspectos negativos estavam por se encerrar. Adeus Alemanha.

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No porto de Hamburgo registraram que Ludwig Koprowski tinha 38 anos e sua mulher Anna Tarnowska 32, que ele era agricultor de Smarzevo, da região conhecida como Kociewie, Prussia Oriental. Os rigorosos escribas da burocracia de Hamburgo usavam tinta preta e canetas de penas de aço, tendo ao lado o necessário mata-borrão para enxugar excessos de tinta. A escrita era feita em letras precisas, treinadas nas aulas de caligrafia desde as primeiras aulas. E anotaram que o casal tinha como filhos Franz, com 6 anos, Joseph com 5 e Ludwig com 1¹/². Não há registros sobre a filha Anna, que pode ter embarcado no ventre da mãe Anna, grávida e com a filha nascendo na viagem. Era preciso coragem, mas em outubro era tempo de partir.

Lista de embarque no porto de Hamburgo 16


Viagem no Ellwood Cooper

O Ellwood Cooper, não tem registro de imagem, mas se assemelhava aos muitos veleiros com três mastros, produzidos para cruzarem os oceanos depois dos anos de 1850

No início de outubro, na doca 29 do cais de Hamburgo, todos embarcaram no Ellwood Cooper, da Louis Knorr & Cia, barco de bandeira americana sob comando de Luder Hopken. Tinha capacidade para 638 toneladas, registrado no porto como um segell shiff, um veleiro. No embarque havia uma ordem de entrada que registrou até o número 156 para os que se destinavam a Blumenau, de números 157 a 173 eram os 16 passageiros que iam para Brusque e dos números 174 até 305, ou 132 emigrantes, os que tinham como destino a colônia Dona Francisca, futura Joinville. Ludwig foi dos primeiros a serem registrados, recebeu o número 21, Anna o 22 e os números dos filhos iam até o número 25. Juntos, como se dando recíproco amparo, embarcou outra família de Smarzewo, os Soldowski – Andreas de 34 anos, Anna com 26 e Joham com 3 anos e outra Anna com 1 ano, registrados sob os números 29 a 32. E uma família dos 17


parentes Tarnowski, da vila próxima de Kolona Ostrowicka, embarcou e recebeu os números 33 a 38, sendo Franz Tarnowski, com 62 anos, Anna de 48 e quatro filhos de 4 a 24 anos. Como era prática nos superlotados veleiros, os homens e filhos homens ficaram em áreas separadas das mulheres e estas ficavam com as crianças pequenas. No embarque os emigrantes também foram registrados conforme idades, com mais de 10 anos, de 1 a 10 anos e com menos de 1 ano, totalizando respectivamente 184, 90 e 14. A soma destes subtotais, de 288 pessoas, representa menos 17 do que os 305 relacionados, mas não dá para duvidar do rigor do burocrata do porto. Pois podiam corresponder àqueles que não embarcaram, como os 12 que tiveram nomes listados mas não a respectiva idade - 6 para Dona Francisca, 3 para Blumenau e 3 para Brusque. Ou podiam ter sido descartados por exames de saúde exigidos. Mas podia haver os angustiados de embarcar naquela aventura, olhando aquele barco apinhado de gente de destino incerto, surgindo dúvidas e faltando ânimo, onde desistir era um caminho. Luder Hopken, o comandante do navio, tinha para contar uma história trágica que ficou registrada nos anais marítimos. Cerca de dois anos antes, em 8 de julho de 1871, ele comandava o brigue Shelehoff, um veleiro de carga com dois mastros, para 213 toneladas. Tinha saído de San Francisco transportando madeira e foi atingido por um furacão em pleno Oceano Pacífico. O barco ficou destroçado, sem condições de manejo e assim ficou vagando a deriva por infindáveis 105 dias e por cerca de 8.000 quilômetros. Somente em 10 de setembro foi encontrado por outro navio, mas todos os 11 tripulantes tinham morrido de fome e sede, salvando-se apenas Luder Hopken, que dos seus mais de 100 quilos estava reduzido a esqueléticos 50 quilos. Todos a bordo do Ellwood Cooper comentavam esta experiência terrível do comandante. Naqueles tempos os marinheiros sabiam que em 1828, 45 anos antes, o veleiro Charlotte Louise transportara os primei18


ros imigrantes para o Brasil, tendo levado 94 dias para chegar ao Rio de Janeiro. Esperava-se que o Ellwood Cooper, que tinha trazido algodão dos Estados Unidos e fora construído em 1865, tivesse maior velocidade que o veleiro Charlotte. Até porque isto ocorreu com o Electric, que em 1969 foi de Hamburgo a São Francisco do Sul em 51 dias, com 454 passageiros. Relatos atestam que estas viagens eram torturantes para camponeses e pessoas que nunca tinham viajado por mares nem convivido com muita gente em espaços e porões apertados e insalubres, alimentação e higiene difícil. Ellwood Cooper era o nome de um senador americano pela Califórnia, plantador de eucaliptos. O barco provavelmente trazia fardos de algodão para a Europa e no retorno levava emigrantes, ampliando rendimentos para competir com navios mais modernos. Os barcos a vapor eram maioria nos oceanos, uma tecnologia dominante nos mares e presente na maioria dos barcos que saíam de Hamburgo, porto do qual os últimos veleiros saíram em 1879. Os veleiros - sailing-ships - eram mais lentos do que os Steam-ships, barcos a vapor, que já eram maioria na travessia dos oceanos e que nesta época faziam o percurso de Hamburgo até Nova York, principal rota de emigrantes, em 12 a 14 dias, enquanto os veleiros levavam em média de 43 a 63 dias, dependendo dos ventos favoráveis. Nos veleiros, cada passageiro tinha calculado um ínfimo espaço, de 1,88 metros por 0,63, sem beliches e dormindo no chão, podendo subir ao convés só quando o mar estivesse calmo. Os veleiros ainda estavam em uso porque as passagens eram mais baratas, sem os custos do carvão para mover as máquinas, uma boa escolha para o governo brasileiro, que gastava menos com as passagens dos substitutos de escravos negros e outros imigrantes. A rota do Ellwood Cooper, na sua saída de Hamburgo, era São Francisco3, Blumenau e Brusque, os dois últimos tendo como porto de chegada Itajaí. A partida de Hamburgo, 3. http://www.mecklenburgroots.de/Schiffe/D1873e.pdf – número 92 19


com ventos favoráveis, ocorreu em 10 de outubro de 1873 e, após 80 dias, em 29/12/1873, quase ano novo, chegaram ao porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, Brasil. Mas problemas pelo caminho foram registrados em notícia do jornal O Conservador, do Paraná, de 31/12/1873, página 2, informando de São Francisco do Sul: “Procedente de Hamburgo, d’onde sahio a 10 de outubro passado, chegou, a 29, a barca americana Ellwood Cooper, capitão Luder Hópken, com 2018 passageiros imigrantes allemães, sendo 133 para a colônia D.Francisca entre os quaes 33 irlandeses que se detinão à colônia do Assenguy, no Paraná, e 155 para a colônia do Itajay. Fallecerão de cólera morbus 22 passageiros durante a viagem, antes da arribada ao porto da Coxhaven, d’onde sahirão a 6 de novembro próximo findo.”

Alguém errou no número de passageiros ao trocar o número 8 por 01, pois o Ellwood Cooper levava 288 imigrantes. Em São Francisco do Sul desembarcaram e estão relacionados 133 imigrantes contratados pela Sociedade Colonizadora Hamburguesa, sendo alemães, irlandeses e suíços destinados à Colônia Dona Francisca, nome da irmã do Imperador D. Pedro II e futura Joinville. Neste porto sempre houve o correto registro de milhares de imigrantes, dos múltiplos navios ao longo dos anos. E, como noticiava o jornal, 155 imigrantes iriam para Itajaí, dentre os quais os Koprowski que, seguindo as regras do Império Brasileiro, deveriam ter registrados seus nomes e outros dados de imigrantes. Mas, diverso de São Francisco do Sul, não há dados disponíveis, ou porque os registros no desembarque desapareceram, ou estão em local ignorado ou porque nem foram relacionados. Somados os 133 que ficaram em São Francisco mais os 155 de Itajaí, temos os 288 que partiram de Hamburgo dos quais. Mas a conta de desembarque não fecha, pois 22 haviam falecido de cólera, como dizia a notícia do jornal. É de supor que no porto bra20


sileiro simplesmente usaram os números de embarque, afinal a burocracia do Império podia não ser muito eficiente com o analfabetismo dominante na sociedade. A Coxhaven referida na notícia, onde pararam para a quarentena, era o porto de Cuxhaven, pequena e hoje linda cidade pesqueira na foz do Rio Elba, entrada para o Mar do Norte. Significa que o Ellwood Cooper, seus tripulantes e os 288 migrantes, saíram de Hamburgo no dia 10 de outubro, navegaram uns 90 quilômetros pelo rio Elba até a foz e pararam em Cuxhavem por causa da cólera. E lá ficaram por 26 dias, embora orientações médicas da época sugerissem 3 a 8 dias. A infecção da cólera, muito difundido, causava desidratação e podia matar, como matou 22. A parada em Cuxhavem ficou na lembrança dos Koprowski sendo relacionada a alguma vacina, mas apenas em 1883 o alemão Robert Koch isolou o bacilo da cólera, viabilizando a cura. De Cuxhavem o Ellwood Cooper partiu no dia 6 de novembro e navegou por 52 dias até chegar ao Brasil no dia 29 de dezembro, tempo de veleiro. Era um bom barco, pois 18 anos depois – em novembro de 1891 – o Los Angeles Herald ainda registrava suas idas de Santa Barbara para Chicago e Nova York com cargas de caquis japonês. O Natal foi comemorado no mar, com todos apertados no navio e passando um enorme calor em pleno verão no Atlântico Sul, pouco amainado pelas brisas no convés. No porto de São Francisco do Sul, Ludwig e seu pessoal puderam comemorar o Ano Novo em terra, dando graças aos santos de devoção e a seu Deus pela superação dos riscos da viagem. Pois Ludwig com 38 anos, Anna com 32, Franz com 6 anos, nascido em 24/04/1867, Joseph com 5, nascido em 1868 e Ludwig, de 1871, e ainda Anna, recém nascida no navio durante a viagem, conseguiram chegar a salvo. De São Francisco retomaram a viagem uns dias depois para o porto de Itajaí, já em janeiro de 1874. 21


Ludwig a caminho da roça O rio Itajaí Açu teve como primeiro ocupante, antes de 1850, o paulista João Dias de Arzão e sua família, que construiu casa com o objetivo de procurar ouro, como era característica dos descendentes dos bandeirantes. Em Itajaí não há relatos de como os imigrantes desembarcavam, pois o porto só teve seu primeiro molhe construído em 1914, portanto 40 anos depois de Ludwig e família chegarem. Mas navios adentravam a barra do Rio Itajaí com muito cuidado devido aos bancos de areia que se formavam na foz. Alguns quilômetros rio adentro havia um atracadouro, na confluência com o rio Itajaí Mirim, onde o Ellwood Cooper podia atracar. Há um relato antigo de desembarque de imigrantes em Itajaí pela praia de Cabeçudas, com desenho do barco e de pequenos botes usados pelos passageiros até a praia, após o que faziam um curto trajeto até as 50 casas paupérrimas de Itajaí e os três barracões de alojamento. Mas em 1874 já havia uma vila em Itajaí, que virou cidade em 1876. Em Itajaí os imigrantes foram alojados nos três barracões de recepção, destinados aos viajantes para se recuperarem da fadiga da longa viagem. Já um pouco descansados, todos sentiram a natural ansiedade por chegar ao destino, em Blumenau, e iniciaram os preparativos para a jornada final no rumo da terra prometida. De Itajaí até Blumenau, pelo rio Itajaí-Açu acima, podia-se ir por 70 km em canoas, balsas ou lanchões, todos lentos e tocados a remos e velas. Só 5 anos depois, em 1879, entrou em serviço o vapor Progresso, fabricado na Alemanha e impulsionado por duas rodas laterais, tendo depois operado o São Lourenço, o rebocador Jan em 1890, o Gustavo, o Richard Paul e o Santa Catarina. E, em 1895, foi comprado e importado o Blumenau, vapor também acionado por rodas laterais, com capacidade de 10 toneladas e 40 passageiros em seus 28 metros de comprimento, que operou por 55 anos. 22


Um projeto do trem para Blumenau surgiu em 1900, com apoio de capital alemão, mas só conseguiu ir de Blumenau até Indaial em 1909 e a Rio do Sul em 1933. Para Itajaí demorou muito, só começando a operar em 1954 e, decorridos apenas 17 anos, em 1971 foi desativado em função da nova rodovia e do transporte por caminhões. No projeto inicial, os investidores tinham uma visão estratégica de integração ampla, pois a ferrovia subiria do porto de Itajaí ao longo do Rio até Blumenau e depois até o alto da serra, em Lages e Curitibanos, onde haveria conexão com uma ferrovia até a Argentina. Alcançou o máximo de 184 km e ficou no sonho. Na falta de barcos a vapor e sem relatos sobre como os imigrantes foram até Blumenau em 1874, pode-se supor que tenham ido de canoas rio acima, como muitos fizeram. Contudo, é possível também que, para quem viajou pelos mares por tanto tempo, a melhor escolha era ir por terra firme, a pé, em carroças ou carros de boi. A estrada de terra ao longo do rio Itajaí Açu existia há tempos e em 1870 teve reparos e nivelamento feitos pelo engenheiro Emil Odebrecht. Este empreiteiro, nascido na Pomerânia, na atual Dobrzamy, tinha vários parentes militares alemães. Ele tinha vindo a Blumenau e voltado para a Alemanha para concluir cursos de geógrafo e agrimensor. Tornou-se um empreiteiro de obras públicas e casou com Bertha Bichels em 1864, com quem teve 15 filhos, originando-se larga descendência que até hoje opera no ramo com a empresa Odebrecht. Nas andanças pelas obras juntou-se com o sogro Heinrich Bichels e com Wilhem Friedenreich, que foi Alferes na Guerra do Paraguai, mudou para São Paulo e o neto foi Arthur Friedenreich, jogador de futebol. Dá para imaginar as dificuldades que tiveram Ludwig e Anna para levar os quatro filhos, todos pequenos, seguindo por aqueles caminhos no meio de matas e terras desconhecidas. Mas era a reta final da longa trilha, Ludwig emigrando aos 23


38 anos para uma terra estranha no distante além-mar, ele o responsável por mulher e tantos filhos pequenos. A vantagem é que todos seguiam em grupos, amparados por parentes e pelas várias amizades construídas durante a longa travessia pelo Atlântico. Até 1870 o governo imperial brasileiro oferecia terras para emigrantes na região sul do país, parte da estratégia de defesa contra os tradicionais adversários dos países de língua e origem espanhola. Mas em 1874 os recursos do governo já eram disputados para trazer migrantes para, nas fazendas de café, substituir escravos tendo em vista o fim do tráfico e a previsão de encerramento da escravidão, que só viria em 1888. Blumenau, fundada pelo alemão Herman Bruno Otto Blumenau, começou com 17 emigrantes em 1850, havendo cláusula que proibia a posse de escravos, o que não impediu o próprio Dr. Blumenau comprar alguns, após cálculos sobre o alto preço da mão de obra branca. Em 1875 já tinha 7.000 habitantes, quando então vieram italianos e mais poloneses resultando logo mais, em 1882, em 18.000 moradores. Os que vinham para o Brasil em 1874, como os chegados a Santa Catarina, recebiam do governo brasileiro a passagem e a promessa de um lote de 25 hectares, com preço de uns 500 mil réis no valor da época, com prazo de alguns anos para pagar. Se um lote fosse abandonado por meio ano, o comprador perderia direitos sobre ele e o governo entregaria o lote a outro. As terras dos imigrantes de Blumenau ficavam em geral distribuídas ao longo dos rios e riachos, em lotes de uns 100 a 300 metros de largura por cerca de 1000 metros, ou mais, de profundidade. Era o método tufe, trazido da Alemanha e que tinha a vantagem de tornar próximas as habitações, formando colônias e permitindo a cooperação e ajuda mútua. O lote podia ser entregue ao comprador com um pequeno espaço desmatado, com uma mal acabada choupana feita de taipa e algumas tábuas, piso no chão, coberta com folhas de 24


palmeiras e janelas de tábuas. Esta acomodação era parte do negócio de venda, entrando no preço a pagar pela terra. Em Blumenau os imigrantes pararam em acanhados barracões por alguns dias, seguindo depois por uma picada de 20 quilômetros até o então bairro de Indaial, hoje cidade, onde se acomodaram em outro barracão de recepção. Em Indaial, nome que provém da palmeira indaiá, desde 1872 havia uns poucos poloneses que logo se identificaram com os que chegavam, como Ludwig e Franz e outros Tarnowski, parentes de Anna que vieram com Ludwig. Outros irmãos e primos Tarnowski chegaram a Indaial em 1877, no grupo de 33 famílias polonesas4. A origem dos poloneses já residentes podia ser de imigrações anteriores, mas eles também poderiam ter origem nos oficiais e 1.800 soldados da Legião Prussiana, contratados pelo Império brasileiro em 1852 para combater na campanha contra Rosas, da Argentina. Eram os “mercenários do Imperador”, ou Brummer, significando resmungões, porque reclamavam das condições existentes ou porque falavam o estranho dialeto de Schleswig-Holstein. Eles tinham boa instrução escolar e técnica, recebendo 200 fuzis Dreyze, de longo alcance e de carregar pela culatra, com os quais aniquilaram as defesas de Rosas na batalha de Monte Caseros. Após o fim do contrato, em 1854, a maioria se radicou no Rio Grande e em Santa Catarina, muitos com pequenas indústrias. Alguns brummer participaram da Guerra do Paraguai, em 1865, ficando registrados na história militar brasileira. Mesmo em Blumenau, comandados pelo antigo brummer Victor Von Gilsa, foram recrutados 87 Voluntários da Pátria, incluindo o engenheiro Odebrecht e o Alferes Júlio Sametzki, sobrenome tipicamente polonês de um imigrado da Prússia. Após várias mortes em batalhas ou hospitalização em Corrientes por ferimentos e doenças, os voluntários retornaram a Blumenau em 1867. 4. cf.M.Neuert 25


Vivendo da terra e do trabalho Assim que chegou a Indaial, Ludwig e os demais foram ver e avaliar os lotes de terra disponíveis que lhes foram destinados. Poucos dias depois, menos de dois meses após aportar em Itajaí, Ludwig adquiriu a gleba de terra tão sonhada. Nos registros consta que Luís Koprowski – Luis era o Ludwig, já agora abrasileirado – comprou no dia 2 de fevereiro de 1874 o lote de número 38, com 274.750 m2 e coberto de mata, na Estrada de Areias (Sandweg). Enfim, a terra para trabalhar e viver. Para poder mudar sem receio dos bichos que andavam no chão, eram feitas camas com sarrafos cruzados e ripas laterais, no meio um trançado de cipós. Sobre este trançado ficava um colchão feito de um saco de pano rústico recheado com capim, técnica que se manteve por muitas décadas. As cobertas e os travesseiros recebiam um tecido melhor, se possível algodão branco que depois até recebia bordados, sendo recheados por penas de galinhas ou, de preferência, de gansos, aconchegantes e adequados ao frio do inverno local. O fogão era feito de barro e tijolos rústicos e o combustível era a lenha, cortada com machado ou com longas serras e serrotes. O entorno do fogão a lenha era evitado no calor do verão, mas era o local preferido de todos quando vinham os dias mais frios do inverno. Logo mais se fez um forno de barro batido para assar carnes e pães de milho e batata, pois trigo não havia. Buscava-se água num poço ou no riacho próximo, tendo o cuidado com as cobras jararacas e outros bichos cuja terra se invadia. Do riacho nos fundos do terreno, lugar mais alto, vinha água por canalização feita com bambus e troncos escavados de palmitos, o que facilitava o trabalho na casa. Uma minúscula casinha era o banheiro, mas banhos se tomavam em uma tina, barrica cortada ao meio, os pequenos usando a bacia maior, usos que até os bisnetos de Ludwig vivenciaram. 26


A faina diária pela vida começava no raiar do sol e ao cantar dos galos, terminando bem à noite, sob lamparinas de querosene ou velas, pois sempre havia muito para fazer na pequena casa, além de cuidar dos filhos. E todos gostaram de comer o que alguns chamavam de raiz de árvores, o aipim e sua farinha, bem como da batata doce, que se comia com sopas de milho verde e verduras que plantaram assim que chegaram. Os novos ingredientes comestíveis, tanto quanto possível, foram adaptados aos hábitos e a cultura alimentar polonesa e alemã, que há séculos conviviam em Smarzewo e na Pomerânia. Fundamental na dieta era a carne, que no início foi possível obter com a caça de porcos do mato, veados, macucos e inhambus, ou da pesca nos riachos próximos ou no rio Itajaí. Toda caça e pesca era feita por grupos de moradores, o que podia ser divertido, pois todos dispunham de instrumentos de pesca e boas armas de caça e eram hábeis em usá-las. Mais um pouco e puderam comer ovos e carne das próprias galinhas, criadas num pequeno cercado no quintal ou mesmo soltas, logo sangrando um porco gordo, criado em chiqueiro distante uns 100 metros da casa. O primeiro porco garantiu os elementos da mistura de um schlachplate, com carnes diversas e variadas linguiças de carne, fígado e sangue, que todos sabiam fazer desde a Polônia, tudo temperado e bem cozido, ainda sobrando a necessária banha para passar nas fatias de pão. Ingredientes como o chucrute foi feito com a couve plantada de colhido. No início, produtos eram trocados entre vizinhos, mas logo alguns mostraram mais habilidades em certos afazeres, se capacitaram e passaram a fornecer produtos diferenciados na troca por outros produtos, ou por dinheiro, mas as moedas eram escassas. Ludwig pode ter se especializado em fazer carnes em conserva e defumadas, além de algumas linguiças e salames típicos da região de Smarzewo. Com sua produção bem aceita, foi possível comprar produtos como sal, pregos, tábuas, móveis e outros elementos, além de ob27


jetos e produtos feitos pelos vizinhos, tudo necessário para melhorar a vida de Anna e das crianças. Decorridos alguns anos e com a vinda de mais imigrantes para Indaial, Ludwig pode ter um pequeno comércio de produtos alimentícios feitos das carnes dos porcos e gado que criava ou comprava. E duas vacas davam o leite para as crianças, que foram crescendo saudáveis, juntos com mais Adam e Clara, que já nasceram brasileiros. Agora eram seis filhos e, com tantas bocas, o lote 38 comprado por Luis em 02/02/1874 iria ficar pequeno e ele fez o pleito por mais terras, agora em nome do filho Ludwig, já em idade de plantar e colher. No dia 11 de abril de 19005, decorridos 26 anos da chegada de Ludwig a Indaial, outro lote de terra suplementar foi entregue por título de concessão no Caminho das Areias a Ludwig Koprowski, possivelmente o filho do mesmo nome do pai Ludwig, que já tinha 64 anos de idade.

Exemplo de uma típica vila de imigrantes em Santa Catarina

5. cf. Marcia Neuert 28


Viver no Brasil A proximidade das casas pelo sistema tufe se mostraram úteis na defesa contra ataques de índios, os chamados bugres. Porque os Xokleng, antigos ocupantes da região do vale do Itajaí, tentavam tomar algo, como sempre tomavam da natureza. Na defesa de seus bens, os brancos reagiam e os índios passavam a atacar com arcos e flechas. Ao longo de seis décadas, de 1852 a 1914, quando foram criadas reservas para os índios, registraram-se 41 brancos mortos. Mas não se contam os índios mortos pelos chamados bugreiros, contratados pelo governo para eliminar a ameaça dos índios. Os bugreiros entravam nas matas e, quando conseguiam, matavam todos nas tribos, o que eventualmente ficava registrado como ato heróico, mas também causava dilemas morais para muitos dos imigrantes, pois as chacinas atingiam mulheres e crianças. Ante a lógica da sobrevivência, aos imigrantes só restava pedir proteção ao governo e este mandava os bugreiros, para quem índio não era gente, como em muitos outros lugares da América e do mundo que iam sendo ocupados por brancos. Como poloneses e católicos praticantes, dois anos após chegarem, em 1876, os Koprowski e os Tarnowski ajudaram a montar no Caminho das Areias o Oratório de Santo Antônio. A primeira missa foi rezada pelo vigário de Blumenau, Padre José Maria Jacobs. Nas festas havia enfeites como a águia branca, símbolo da Polônia, e bandeirolas branco e vermelhas, as cores nacionais. Em 1877 chegaram as esperadas 33 famílias de poloneses, dentre as quais vários irmãos e primos de Anna, os Tornowski, que tinham ficado na Polônia. Com o grupo maior, os católicos construíram a Capela de Santo Estanislau Kostka, inaugurada em 4 de junho de 1878, talvez no mesmo local onde hoje está a Igreja Eclesiástica Santo Estanislau. E também criaram a primeira escola polonesa, onde crianças como Franz, já com 10 anos, finalmente podiam passar a estudar, mesmo com professores poloneses. 29


No Brasil, os poloneses e a maioria dos outros imigrantes, principalmente no sul, formaram colônias bem coesas, mantendo sua língua e suas organizações escolares e esportivas. Os governos não construíram escolas nem contrataram professores em língua portuguesa, sendo alternativas ficar analfabeto ou construir escolas e lecionar na própria língua. Poloneses criaram suas escolas, mas a colônia de língua alemã era muito maior e dominante na região de Blumenau, com o ensino na maioria das escolas sendo feita neste idioma. Todas as escolas dos imigrantes foram fechadas pelas políticas de nacionalização do Estado Novo, em 1938 e até 1945, durante a segunda guerra mundial. O governo fechou 335 sociedades polonesas, além de 164 escolas no Paraná e 36 em Santa Catarina, bem como uma centena no Rio Grande do Sul. Estas rupturas culturais causaram muito sofrimento, com prisões de imigrantes que nem tinham aprendido a falar português, pois no meio da colônia havia até negros que só sabiam falar na língua alemã. Mas a política nacional brasileira contribuiu para reduzir antigas identidades nacionais polonesas e outras, já em dissolução pela própria convivência com imigrantes de outras nacionalidades, principalmente alemães e pomeranos, com quem os poloneses já conviviam na Polônia. Mas ainda hoje restam elementos do folclore dos povos imigrantes, como o Grupo Folklórico Polonês Piaskowa (que significa Caminho das Areias), fundado em 2007 pela Associação Indaialense Folclórica Polonesa, sendo interessante ver o nome nada polonês do professor e coreógrafo: Fernando Anacleto. E na festividade anual da Igreja de Santo Estanislau reza-se missa na língua polonesa.

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Alexander Tarnowski O soldado prussiano Aleksander Tarnowski, talvez irmão de Anna Tarnowska, tinha o sobrenome de um senhor feudal, Conde de Tarnow, Jan Tarnowski, um magnata poderoso que viveu de 1488 a 1561. O nome Tarnowski é comum na Polônia e no século 20 encontramos políticos e um ministro com este sobrenome e, bem recente, engenheiros e até um jogador de futebol. Mas o soldado Aleksander, como ele registrou em Indaial, era apenas um marceneiro, afirmando que “acreditei na propaganda e vim para cá com toda a família”. Casado e pai de Jacob e depois de José, foi contratado, após João Felski, para ser o professor da escola construída pelos poloneses em 1878 no Caminho das Areias, em Indaial. Foi ele que anotou que em 1877 chegaram muitas famílias da Prússia, indo 33 delas para o Caminho das Areias, 30 para Warnow e 7 para Poloquia. Dentre os sobrenomes cita os Krzizanowski, Janiszevski, Malkowski, Samulewski e outros, inclusive outro Tarnowski, o Julian. A identidade religiosa era forte e, após a proclamação da República, em 1888, com a separação da Igreja do Estado, investiu-se em escolas paroquiais. Apenas quando o Estado permitiu dar aulas de religião nas suas escolas é que a Igreja deixou de manter estas escolas. Além da sua unidade em torno da religião católica, os poloneses também eram gratos a D.Pedro II, que tinha dado apoio aos imigrantes e ao Dr. Blumenau. Desde o Oratório para Santo Antônio, cuja primeira missa foi rezada pelo vigário da Paróquia de Blumenau, Padre José Maria Jacobs, havia uma proximidade com aquele religioso católico. Após a proclamação da República, italianos e poloneses tentaram criar um Partido Católico, por volta de 1890, com a participação do Padre Jacobs. Isto gerou um conflito com os políticos dominantes locais, que resolveram prender o Padre, gerando um princípio de revolta entre os católicos. Em 1891 os filhos de 31


Alexandre Tarnowski, Jacob e José, também residentes na Estrada da Areia, foram testemunhas de incidente relacionado à prisão do padre. Informaram que 23 poloneses vieram do bairro Warnow para Indaial, todos antigos soldados com 3 a 12 anos de vida nos quartéis da Prússia, que estavam bem armados e demonstravam suas façanhas físicas nas ruas. Queriam defender o padre, mas ele foi preso em outro local e solto no dia seguinte, fazendo os antigos guerreiros voltarem aos seus afazeres na colônia. Em 1892 esteve no Brasil e visitou Indaial o Padre Zigmunt Chelmicki, emissário da igreja polonesa, que registrou que Aleksander foi uma liderança bem sucedida em Indaial. Anotou que esta cidade impressionava pelas suas casas de alvenaria, que faziam lembrar cidades do Reno, com características de um povoado alemão. Andou a cavalo e ouviu que os poloneses desejavam um padre que rezasse a missa na sua língua, pois os padres franciscanos proibiam as canções em polonês e mesmo em alemão, preferindo falar em latim. Observou que a região era habitada por poloneses da Prússia Oriental e germânicos da Pomerânia, todos entendendo a língua alemã e registrou: “nos hospedamos na residência de um abastado polonês, Alexandre Tarnowski. Esta família possui uma balsa (para travessia do rio). Ali se reuniram os irmãos e famílias vizinhas e, antes do cair da noite visitamos sua propriedade. Fiquei impressionado com o tamanho da área de arroz por ele cultivada. Parecia uma grande plantação de cevada.” E anotou que “em Sandweg existe uma sociedade polonesa, Concórdia, cujo presidente é o Sr. Tarnowski.”

Este foi o caminho trilhado por Alexandre, um cunhado de Ludwig.

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Ludwig se despedindo Se os filhos de Ludwig ainda falavam em polonês, seus netos já tinham dificuldades com esta língua, mais habituados a falar a língua da maioria da colônia, os alemães, e também aprendiam a língua portuguesa. E os filhos dos netos ignoraram tudo sobre a Polônia, porque aqui todos se miscigenaram com lituanos, italianos, alemães, ucranianos, árabes, caboclos e tantos outros, tornando-se brasileiros e formando nova nação, restando apenas os sobrenomes para identificar origens. Em 1890 o menino Franz, já agora o Francisco com 23 anos, casou com Ana Heckmann, alemã que veio da Renânia em 1880, com 6 anos. Se, pela relação de embarque, as famílias dos migrantes tinham poucos membros, já no Brasil o preceito católico do “crescei e multiplicai-vos” prosperou, com alimentação mais farta e cuidados de higiene garantindo famílias grandes. Francisco e Anna tiveram dez filhos, o último deles de nome Victor, nascido em 15 de junho de 1907. Todos se casaram com descendentes de alemães e italianos e tiveram filhos que se casaram com outros descendentes sabe-se lá de onde, já agora todos brasileiros. Como Franz, os outros filhos de Ludwig também deixaram descendências brasileiras, esparramadas por aí, muitos na região de Indaial, outros pelo Brasil e por este mundo de 8 bilhões de habitantes, que eram cerca de 1,3 bilhão quando Ludwig saiu da Polônia. A casa onde Ludwig agora vivia foi construída no estilo simples dos poloneses, inclusive com sótão amplo, além de bonitos lambrequins ornando os beirais para lembrar as casas de Smarzewo. No lugar do antigo casebre foi feito um bom barracão para trabalhar e guardar ferramentas e materiais. No quintal havia muitas frutas que nunca se vira na Polônia, como carambola, pitanga, jabuticaba, mexerica 33


e laranjas de diversos tipos. E se colhia bananas e uvas, até algumas peras e maçãs para compotas e compravam mel de abelhas domésticas ou silvestres. Ludwig envelheceu até 1913. As pernas não ajudavam mais a cavalgar nem a subir por barrancos, dores surgiam aqui e ali e nem se sabia as causas, os olhos já não viam muito bem. Os filhos e mesmo netos estavam trilhando seus próprios caminhos, muitos casando com filhos e netos de alemães, e até o neto Victor, o último filho de Franz, já estava com 6 anos. Mais um pouco e achou que a vida acabava para ele e, lhe pareceu que a missão que seu Deus lhe dera estava cumprida. Partiu em sua viagem final antes das guerras mundiais e da imensa carnificina na sua Polônia, e muito antes de 2007, quando Maria do Socorro Koprowski visitou a Polônia e no campo de concentração de Auschwitz viu na relação de mortos 9 sobrenomes Koprowski, dos quais 4 mulheres, Koprowska. Sendo católicos e não judeus, devem ter sido nacionalistas ou comunistas poloneses, ou apenas eslavos descartáveis pelos nazistas. Ludwig faleceu em 20.06.1913, aos 78 anos, 40 de Brasil, 52 anos depois de casar com Anna Tarnowska na igreja de Pieniazkowo. Ela viveu até os 82 anos, amparada pelos filhos e netos, e faleceu em 2 de agosto de 1920, 7 anos depois de Ludwig. Ambos jazem no cemitério de Indaial.

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ANEXO

História da Polônia

Apanhado da história da Polônia e dos poloneses, por muitos vistos como bebedores de vodca, turbulentos, guerreiros indomáveis, políticos meio anárquicos. Sempre há correções, outras histórias e versões diversas.


Polônia feudal, de muito longe Perdem-se na pré-história as muitas tribos e povos que ocuparam as terras junto ao mar Báltico, entre os rios Oder e Vístula, hoje parte da Polônia. No litoral estavam os pomeranos, vinculados à pesca e aos vikings. Nas planícies do interior ficavam os polonos, agricultores vistos como pacíficos que, quando pagãos, tinham uma religião sem hierarquias, sendo suas divindades os diversos elementos da natureza. Naqueles tempos, na costa do Mar Báltico vivia-se de pesca, como sardinhas – hering – enquanto no interior, com solo arenoso não muito produtivo, plantava-se beterraba, para fazer açúcar e vodka, centeio, cevada, batata e milho, além de criar ovelhas e gansos. Próximo da foz do Rio Oder e da Alemanha havia plantações de maçãs e fábrica de papel. Diziam, mas pode ser apenas a ideologia dos dominantes, que na pré-história os polonos agricultores e pacíficos aceitaram, para serem seus dirigentes, uma dinastia guerreira de etnia Sármata, os Piast. Há outras histórias, mas o fato é que os guerreiros viraram nobreza feudal, a szlachta, obrigada por compromisso moral a defender os polonos. Sustentar elites sempre foi pesado e a szlachta durou muito, só foi extinta em 1921. Quando o Império Romano tornou-se cristão, aí pelo século III, a Igreja de Roma tentou manter o poder político na Europa. Mas múltiplas forças locais e regionais passaram a constituir nobrezas e feudos em seus ducados, condados, reinos, principados e algumas cidades livres. O sistema feudal multiplicou anseios pelas vantagens do poder e gerou novas formas de opressão e exploração. Na Polônia, o poder da dinastia Piast se manifestou no século IX em Gniezmo, próximo a Poznan. No ano de 962, em articulações com Roma, o rei alemão Oto I, que era rei da Saxônia e fez umas guerras, tornou-se rei da Germânia e sucedeu ao rei da França, Carlos Magno, como Imperador 36


do Sacro Império Romano Germânico. Mas o rei dos poloneses, Mieszco, também negociou com a Igreja de Roma buscando a força da estrutura eclesiástica, sendo batizado em 965 e tornando cristã toda a Polônia. No ano de 976, com 3.000 cavaleiros da szlachta, derrotou as forças do imperador alemão, agora Oto II e em 980 criou uma fortaleza em Gdansk para dominar as rotas comerciais do Mar Báltico. E Roma deu um arcebispado para Gniezmo no ano 1000, fortalecendo a Polônia e o poder da sua nobreza. As redes eclesiásticas formaram sistemas de controle social e político, ligando o clero ao poder secular. Para melhor disputar com o império alemão, criaram-se nas paróquias e junto a castelos as escolas para a nobreza jovem e o clero. No fim do século XI havia muitas cidades e castelos, garantindo o poder, a segurança nas rotas comerciais e os ganhos dos nobres feudais. Em 1128 os nobres pomeranos, para conter militarmente a szlachta polonesa, aliaram-se aos nobres alemães, que trouxeram imigrantes germânicos e povoaram a Pomerânia e regiões da Polônia, ficando até príncipes da região subordinados ao Império Alemão, gerando conflitos. Em 1241 vieram os tártaros, descendentes de Gengis-Cã, atacando Hungria, Rússia e Polônia, mantendo a devastação por três séculos. E a Polônia ainda lutava contra pagãos dinamarqueses, lituanos e prussianos para manter seu poder e ampliar territórios. Em 1348, e por mais três séculos, a peste negra dizimou 50% da população europeia, mas pouco afetou os poloneses, que aproveitaram e melhoraram de vida. Chegaram judeus perseguidos na Espanha, foram construídos novos castelos e elevou-se a produção de ferro, zinco, tecidos, sal. Em uma antiga mina, de sal cinza de rocha, em Wieliczka, Cracóvia - com 9 níveis – de 64 a 327 metros de profundidade e com mais de 300 km de galerias- há a capela de Sante Kinga, 37


escavada entre 1200 até 1996, a 100 metros de profundidade, em, ponto turístico pelas obras religiosas lá deixadas. A nobreza ia bem e em 1364 criou-se a Universidade de Cracóvia, não religiosa. Em 1460 cerca de 800 navios por ano usavam o porto de Gdansk para o comércio com a Inglaterra e com Bruges. O feudalismo polonês ia bem e a Igreja Católica polonesa, aliada aos senhores feudais, criou muitas dioceses, algumas subordinadas diretamente à Santa Sé. Em 1500, na Pomerânia, próxima do mar Báltico, eram poucos os camponeses que trabalhavam em terra própria, a maioria ocupava terras da nobreza. Estavam incorporados à cultura e dialetos da língua alemã e todos conviviam com os polonos. Nesta época, europeus descobriam as Américas, gerando mudanças no mundo.

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Cavaleiros Teutônicos e outros dominantes O Mar Báltico era distante de Roma, mas em 1226 os Cavaleiros da Ordem Teutônica, após derrota nas Cruzadas, foram autorizados pelo Papa a conquistar a pagã Prússia e mantê-la como feudo papal. O estado da Ordem Teutônica impôs sua força militar e dominou as faixas litorâneas junto ao Mar Báltico, impedindo o acesso ao mar pela Polônia e Lituânia. Em 1386 eles se uniram por casamento entre nobres, juntaram forças e derrotaram os Cavaleiros Teutônicos em 1411, na batalha de Tanenberg. Dentre muitos feudos medievais daqueles tempos, são obras dos Cavaleiros Teutônicos cidades e grandes castelos, hoje considerados Patrimônios da Humanidade. É o caso dos castelos de Malbork e de Torum, onde nasceu Nicolau Copérnico, junto ao Rio Vístula. Adiante, em direção ao litoral, está Kwidzyn, ou Marienwerder, como a chamavam os alemães, e o castelo/fortaleza de Ordenburg, construído pelos Cavaleiros Teutônicos em 1232. Lá os Koprowski batizaram o filho Franz, em 1867.

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Até 1500, antes dos descobrimentos marítimos, o cristianismo era uma religião que existia apenas na Europa e lá há alguns séculos se construíam novas relações de comércio. Havia feiras formando a Liga Hanseática, ligando o capitalismo mercantil do Mediterrâneo com o comércio do centro e do norte da Europa. Negociavam-se tecidos, metais, pescado, peles e múltiplos outros bens, mas o comércio precisava pagar taxas aos feudos e havia centenas de feudos alemães e em outros países cobrando taxas. Eram pequenos e frágeis, mas impediam maior integração e expansão do comércio. Alguns comerciantes poderosos, como o banqueiro alemão Fugger, operavam até em Gdanzk, cidade portuária que ficava na foz do Rio Vistula, usado para chegar a Varsóvia, Torum, Kwidzyn e outras cidades da região de Ludwig. Em 1525 os Cavaleiros Teutônicos, derrotados em 1411 pelo exército lituano-polonês, entraram em crise e seu comando aderiu à Reforma Protestante. Esta religião era mais ligada às ideias do comércio, do lucro e das relações capitalistas e menos identificada com senhores feudais e seus interesses agrários. E isto iria mudar o curso da história. Os pomeranos aderiram ao protestantismo em 1534, mas os poloneses mantiveram-se católicos, e feudais. A história contada em décadas e séculos mostram problemas maiores surgindo a partir de 1637, com a Guerra dos Trinta Anos, e em 1654 com a Ucrânia saindo do domínio polonês e indo para o império russo. E em 1655 a guerra contra os suecos deixou grandes devastações, 60% da população morreu por guerras e doenças, a Pomerânia foi dividida entre suecos e alemães e 90% dos camponeses livres tornaram-se servos. O feudalismo da Polônia estava em crise. O golpe final veio em 1795 quando a Prússia, Rússia e Áustria se uniram e dividiram entre si a Polônia, extinguiram seu estado e deixaram os poloneses sem governo próprio, sua nobreza sem função.

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Poder e democracia da nobreza polaca Para entender a Polônia convém olhar sua história política e da sua nobreza. Por volta de 1500, havia uma diferença da Polônia que decorria das formas de administração que sua nobreza adotou ao longo de séculos. Pois os feudos poloneses eram geridos por funcionários, os “castelões”, depois substituídos por duques, os “voivodas”. Esta administração, de tipo profissional, garantiu maior coesão social do que existia em outros sistemas feudais da Europa, onde o controle real dependia da lealdade dos vassalos. A Polônia era diferente de outros poderes feudais, pois havia certa democracia, já que por tradição o rei não tinha direito divino, era eleito pela nobreza e não estava acima da lei, que jurava cumprir. Em 1573, por exemplo, reuniram-se 40 mil eleitores da nobreza, a Szlachta, para escolher o novo rei, que seria o porta-voz de um parlamento nacional com 54 membros (Sejn), existente desde 1146 e de um senado com 81 bispos. Mas no sistema feudal a maioria dos deputados era de grandes proprietários de terras e os bispos expressavam o poder da Igreja, uma potência estrangeira. Vê-se que, bem antes da Inglaterra, a Polônia construiu um poder não autocrático, até democrático, com o rei sendo quase um funcionário, um executivo da comunidade. Nas aldeias também se praticava uma democracia com conselhos comunitários, algo distinto do caráter feudal, pois prevalecia o princípio de que a ninguém é dado o direito de dizer a outro o que fazer. E a liberdade valeu durante a Santa Inquisição, quando a Polônia tinha ampla maioria católica e o rei era pressionado por Roma para agir contra a reforma protestante. Mas foi mantida a política de liberdade religiosa para protestantes, calvinistas, judeus e outros, enquanto, só no período de 1560 e 1570, milhares foram mortos nas fogueiras no restante da Europa. A Polônia feudal era, mesmo com reinado, uma democracia, quase uma anarquia, com 41


acirrada defesa da liberdade pessoal. Na ampla liberdade que todos prezavam, um só veto de algum deputado no Sejm impedia qualquer reforma, o caos sendo visto como preferível a um governo arbitrário. Mas isto podia dificultar mudanças sociais e econômicas no feudalismo, necessárias ante poderes centralizados de outros países, que se industrializavam e cuja força crescia e ameaçava a defesa polonesa. A descoberta das Américas fez subir os preços dos produtos agrícolas, enriquecendo a nobreza polonesa que enviava seus filhos para estudar na Itália e importava produtos. A Polônia feudal de 1600 e adiante, incluindo Lituânia e Ucrânia, tinha a riqueza dos nobres expressa pela posse de aldeias inteiras, vilas e castelos, com os magnatas mantendo mercenários estrangeiros, ou contratando nobres falidos para sua segurança. Pelos mecanismos de elevação e queda de preços dos produtos agrícolas, muitos nobres perderam suas propriedades e ficaram na penúria. E, pela adoção de medidas de higiene em curso, tinham mais filhos vivos e precisavam sustenta-los. Os embaixadores eram exemplo da ostentação dos mais ricos, apresentando-se nas cortes externas com centenas de guardas, cavalos enfeitados com plumas, pérolas e até ferraduras de ouro. Mas era ilusão de uma nobreza de país falido, não havia tanta riqueza na Polônia porque a economia dos poloneses era primário-exportadora, de 3º mundo. Exportavam principalmente produtos agrícolas e ferro, e mesmo o transporte era de outros, pois os navios com cargas que saíam de Gdansk eram 52% holandeses, 24% frísios e 12% ingleses. Também as relações da nobreza com camponeses não permitiam práticas capitalistas porque, mesmo sem servos porque ninguém mais pertencia a ninguém, havia contratos de exploração abusiva por proprietários da terra. Quando a Idade Média acabava, a Polônia tinha 40% da população de etnia polonesa, 10% eram judeus e havia os lituanos, alemães e outros. As línguas oficiais eram po42


lonês, bielorusso, hebraico, alemão, armênio e latim, sendo esta falada com estrangeiros, que tinham dificuldades com a língua dos poloneses. A szlachta buscava a cultura europeia, sendo o teatro de Shakespeare apresentado em Varsóvia, assim como músicos e poetas estrangeiros. Casamentos entre nobres definiam alianças com outras dinastias da França, Alemanha, Lituânia, Áustria e outras que tentavam coroar seus candidatos como rei da Polônia. Outra força dos nobres decorria da nomeação de altos funcionários e bispos. Tentando reforçar o seu poder, em 1650 a nobreza polonesa uniu catolicismo ao patriotismo, passando a Polônia a ser defensora da cristandade e, sendo que em 1673 só católicos podiam ser admitidos na Szlachta. Por volta de 1670 a riqueza feudal estava concentrada, com mais de 50% das propriedades maiores do que 7.500 hectares e 120.000 famílias da nobreza szlachta não tinham mais terras, estavam na pobreza. A nobreza feudal mantinha-se apegada à agricultura tradicional, quando tudo mudava com o capitalismo e suas indústrias. A nobreza da Polônia investia pouco na modernização da produção e os recursos excedentes eram gastos em bens móveis e ostentações como joias e pedras preciosas, tapetes, peles, uniformes, pratarias e quadros. Havia magnatas que abrigavam em seus castelos muitos serviçais e parentes, tendo prestígio pelas pompas, cerimônias e eventos religiosos suntuosos. A religião dominava toda a vida social, com imagens da Virgem em qualquer lugar, sendo 400 delas oficialmente consideradas milagrosas e centros de peregrinação e recepção de recursos para a igreja. Nobres ricos construíam residências imitando Versalhes, uma delas com teatro de 400 lugares, estábulo para 200 cavalos e, prova da ignorância, biblioteca para apenas 170 livros. Os nobres se opunham à ética burguesa de poupança e investimento e à disciplina produtiva, que ia se impondo na Europa. A consequência é que a produção agrícola, entre 1500 e 1800, aumentou em 200% na Inglaterra e Holanda e apenas 25% na Polônia. 43


Os políticos vizinhos eram espertos, porque quando havia projetos de instaurar políticas unitárias e de progresso na Polônia, logo ameaçavam até com guerras em defesa da liberdade política polonesa.

Brasão de armas da Polônia (1295–1569)

Coat of arms of the January Uprising (1863)

Brasão de armas da Polônia (1569–1795)

Brasão de armas da Polônia (1916–1918)

Brasão de armas do governo em exílio (1956–1990)

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Brasão de armas do Ducado de Varsóvia (1807–1815)

Brasão de armas da Polônia (1919–1927)

Brasão de armas da República Popular da Polônia (1945– 1989)

Brasão de armas na Primavera de Novembro (1830–1831)

Brasão de armas da Polônia (1927–1945)

Brasão de armas da República da Polônia (since 1990)


No meio da expansão do capitalismo Tripartida a Polônia em 1795, a história continuava, houve a revolução francesa em 1792 e em 1806 as tropas de Napoleão derrotaram a Prússia, com apoio de poloneses, na batalha de Jena. Os franceses instauraram o Grão Ducado Polonês e dissolveram a Ordem Teutônica, após existir por 850 anos, tomando seus bens. Mas a França foi derrotada pelos russos e expulsa em 1814, continuando a Polônia dividida entre os vencedores. Custou caro aos 100 mil poloneses que lutaram com Napoleão porque não retornaram 70 mil, louvando-se seus atos heroicos. Os derrotados se refugiaram onde podiam e, se prisioneiros, eram enviados a campos de trabalho forçado. A brutalidade era regra, sendo órfãos retirados de suas mães e criados por russos e um príncipe foi obrigado a ir a pé, acorrentado, para a Sibéria. Quem conseguiu escapar foi conspirar em outros países, ou servir na Legião Estrangeira. Se em 1791 os poloneses tentaram uma nova constituição modernizante, capaz de superar o feudalismo, fracassaram e houve derrotas para suecos, cresceu o poder de alemães e russos, e em 1795 o Estado polonês foi liquidado e seu território dividido entre Rússia, Prússia e Áustria. Os russos saquearam a biblioteca de Varsóvia e levaram os livros para formar sua biblioteca imperial. Poloneses foram enviados, aos milhares e principalmente os nobres, para a Sibéria. A Prússia ficou com as áreas mais desenvolvidas e o controle do rio Vístula, tributando passagem de exportações. Os dominantes queriam abolir tudo o que lembrasse a existência de um reino polonês: os prussianos derreteram as joias da coroa, os austríacos transformaram palácios em quartéis e os russos se apoderaram de documentos e de estudos em Varsóvia. Seguiram-se mais anos conturbados na Polônia e na Europa, com revoltas como de 1848 e movimentos revolucio45


nários que convulsionaram o mundo. Poloneses se rebelaram contra os dominantes como a Prússia, mas os rebeldes eram das camadas médias urbanas, como advogados, professores e comerciantes, além da nobreza, que vinha sendo expropriada das suas terras, sendo a nação política formada pela nobreza e pela classe média culta. Não havia muita participação da maioria camponesa, sendo a lealdade do povo para com dirigentes de suas regiões ou dos antigos feudos. Na Polônia dominada de 1795, 90% da população era de camponeses analfabetos para essa massa, de poloneses, lituanos, ucranianos, judeus e alemães, ainda não havia identidades nacionais, sendo indiferente ser súdito de um rei russo, alemão ou qualquer outro. Só o capitalismo, unificando feudos em nações, gerou o nacionalismo, apesar de as línguas faladas estarem misturadas, e elas é que definiam as nações. Eram tempos sombrios na Polônia, gerando mais dispersão do seu povo pelo mundo, em especial pela América.

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Guerras e devastações Em 1900 a Polônia continuava dominada por três impérios, com a Pomerânia e a região de Gdansk em poder dos alemães, mas duas guerras mundiais explodiram em pouco mais de três décadas, ampliando o ódio entre povos e nações. Durante as guerras os poloneses ficaram dispersos no exterior, combatendo na França, Itália, Portugal e pelos Estados Unidos. E dentro da Polônia foi formada a resistência aos ocupantes, sofrendo brutais repressões e chacinas. Na primeira guerra, de 1914 a 1918, foram mortos cerca de 500.000 poloneses, em combates ou pela repressão. A nobreza guerreira, a Szlachta, com cerca de 10% da população, foi abolida em 1921. Mas todos das tropas da Polônia ainda eram chamadas de Szlachta pelos soldados soviéticos na guerra que travada de 1920 a 1921. Esta guerra foi uma tentativa russa de manter as terras tomadas aos poloneses, que inicialmente estavam sendo derrotados, mas depois venceram os adversários com apoio do ocidente, até de aviões americanos, contra os comunistas. Com a derrota do Império Alemão, refez-se o Estado polonês, a Polônia então com 26 milhões de habitantes, sendo 69% poloneses. Os partidos eram múltiplos no Sejn e se formaram 14 governos diferentes em dois anos. Em 1931 os judeus eram 10% da população da Polônia e 30% da capital Varsóvia. Mantinham-se como uma nação à parte, com tranças, barbas, gabardines brancas e falando yiddish. Embora houvesse muitos judeus na miséria, 62% eram comerciantes e tinham mais acesso às universidades, formando 50% dos médicos e advogados do país. Estavam enraizados na Polônia, mas os que não migraram foram dizimados na década seguinte pelos nazistas. A invasão dos alemães no início da II Guerra, em 1939, a Blitzkrieg foi alardeada como grande e rápida vitória contra os fracos poloneses. A Alemanha lançou em primeiro de 47


setembro 1,5 milhão de soldados no início da guerra, 80% de suas forças, o que desguarnecia suas fronteiras com a França, que não se moveu. A vitória dos alemães foi rápida, mas dados mostram uma resistência desesperada que resultou em 45 mil soldados alemães mortos e feridos, perda de 300 aviões e 1.000 tanques. Sem apoio externo, os poloneses tiveram 200 mil militares mortos nesta luta e, 17 dias após os alemães, os soviéticos atacaram a Polônia pela sua fronteira com 800 mil soldados, o que liquidou as defesas polonesas. Após a derrota os poloneses sofreram com o envio de milhões aos campos de concentração, principalmente os com formação acadêmica, em especial para Auschwitz. Durante os quatro anos de guerra 2,8 milhões foram levados como escravos para as fábricas e minas alemãs. E 400 mil foram deslocados de suas terras para dar lugar a 750 mil alemães importados. E os nazistas ainda raptaram 200 mil crianças com aspecto de arianos para serem criados por alemães. O horror se completava com a criação de 200 campos de concentração para todos os europeus presos. E os soviéticos aprisionaram soldados poloneses e assassinaram 4.000 oficiais com tiros na cabeça na floresta de Katym. Como na guerra de 1920 de socialistas contra a Polônia com seu estado recém recuperado, sob o alegado comunismo de Stalim vicejava a alma do Império Russo, com sua ânsia de expansão e sua religião cristã ortodoxa formatando a guerreira nação russa. Matar não era problema e os alemães anunciaram que a Polônia seria extinta e os judeus encurralados em guetos, sendo depois 2,7 milhões exterminados. Em termos proporcionais, a Polônia foi o país que mais mortos teve na segunda guerra mundial. Os poloneses que conseguiram escapar foram ao exterior juntar-se aos exércitos contrários à Alemanha, como os 220.000 que se juntaram aos britânicos. Os esquadrões poloneses que combateram pela Força Aérea Inglesa – RAF – são vistos como exemplo de dedicação, pois perderam quase 48


dois mil aviadores, mas abateram 745 aviões e 190 bombas voadoras V1 dos alemães. Na Polônia ocupada, a resistência armada teve 300.000 combatentes, sendo 100 mil foram mortos e os que protegiam judeus eram mortos juntamente com suas famílias. A capital Varsóvia foi a cidade que mais sofreu em toda a guerra, com bombardeios que deixaram 250.000 mortos nos seus destroços. Lutas paralelas ocorreram, como na Ucrânia, onde em 1942 as forças pró nazistas mataram os judeus e depois aniquilaram 60 mil camponeses poloneses. A brutalidade da guerra foi intensa, com 50 milhões de mortos da II Guerra Mundial. Dos 35 milhões de habitantes da Polônia, calcula-se que morreram 6,544 milhões de poloneses, sendo 3,577 milhões em campos de concentração, 1,286 milhões em prisões e por epidemias e 1,681 milhões mortos nas lutas e em trabalhos forçados. Em 1945 restavam 19 milhões de poloneses dentro das fronteiras e, em 1946, já eram 24 milhões com os retornos. Para a Alemanha saíram 6 milhões de alemães, sendo os espaços ocupados por 4 milhões de poloneses repatriados. A Polônia viu destroçada sua comunidade racial e multicultural e a própria realocação de milhões de seres humanos envolvia brutalidades e violações, com pilhagens traumatizando as vítimas desenraizadas e sem identidade em paisagens estranhas. Um horror sem fim.

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A Polônia de agora Em 1944 os alemães foram expulsos por forças soviéticas, apoiados por algumas tropas polonesas. Implantou-se a República Popular da Polônia entre 1952 e até 1989, sob o comando do Partido Unificado dos Trabalhadores. Houve crises internas, várias decorrentes da Guerra Fria, com a Polônia na linha de confronto entre a Rússia e os Estados Unidos. Com os problemas da reconstrução e do socialismo real, em 1949 os bens da Igreja Católica foram nacionalizados e a religião proibida nas escolas. Mas os católicos eram 90% da população e em 1966 foram comemorados os 1.000 anos da presença da Igreja na Polônia. No ano de 1978 foi escolhido Papa o polonês Wojityla, como João Paulo II, morto em 2005, ativando a Igreja contra o socialismo e sendo favorável ao Ocidente. Judeus saíram quando o bloco socialista apoiou os árabes e os EUA apoiaram o Estado de Israel na Guerra dos 6 dias. As crises eram constantes, como os da dívida externa, do custo de vida, da emigração por emprego. Como em cinco séculos anteriores, a Polônia estava no centro de um possível conflito mundial, agora atômico. Mas em 1989 a crise do socialismo levou à queda do muro de Berlim e iniciou mudanças da política da URSS. Na Polônia, Lech Walessa, do movimento Solidariedade desde 1980, foi eleito presidente em 1990. A Polônia, sufocada por forças repressivas, entrou nas eleições parlamentares com mais de 100 partidos políticos, que nas eleições de 2007 estavam reduzidos a 6. Tropas russas saíram em 1993 e em 1999 a Polônia aderiu às forças militares ocidentais – OTAN - e em 2004 aderiu à União Europeia. A União Soviética reconheceu a matança de 4000 oficiais poloneses em 1939 pela NKVD, em Katym e, em 1991, Lech Walessa pediu desculpas aos judeus pela ajuda de poloneses aos nazistas. 50


Após séculos de predomínio feudal e ter sido um grande império, passando a ser centro de disputa por outras nações e tendo sofrido atrocidades e a dominação entre 1795 e 1989, a Polônia aderiu ao capitalismo, visto como sistema associado à liberdade e à propriedade privada. Esta opção levou o capitalismo ocidental a garantir a tão buscada segurança política, os necessários empréstimos e os mercados para seus produtos. Disputas econômicas e políticas continuam a existir e velhas ideias ressurgem. Ocorrem manifestações contra russos, onde cristãos ortodoxos defendem uma civilização eurasiana e ainda sonham com a Grande Rússia. Do outro lado, estão a favor da Polônia a Alemanha e aliados, que vê ressurgirem preconceitos e racismos contra muçulmanos e negros que migram para a Europa. E estão os Estados Unidos, baluarte da livre iniciativa e com arsenal atômico. Se a Polônia ainda é um caldeirão, no futuro a história irá contar.

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Fontes

Bibliografia: História da Polônia – Adam Zamoyski História da Polônia – Jan Kieniewicz Informes e pesquisas da família Koprowski: Maria Hahne, Ana Maria, Maria do Socorro, Elmo Henrique, Denys Schulz Pesquisas pela internet leitura de múltiplos estudos e relatos, como: Casamento: 1861 na Polônia. http://www.ptg.gda.pl/ Restaurações e Arte Sacra. Dados no Arquivo Histórico Municipal – Marcia Neuert - 2002 Relatos de padres católicos, como Zdzislaw Malczenski SChr A paisagem dos rios urbanos. A presença do Rio Itajaí na cidade de Blumenau – Soraia L. Porath – dissertação de mestrado 2004 Visibilidade étnica dos imigrantes do Hunsruek em Santa Catarina – 1829/1889 – Toni Joehem As relações de trabalho em Blumenau no período de 1850/1900 – Maria de Lourdes Leiria

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localização do município de Indaial-SC


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