relat贸rio-vivencia
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externa
marcella arruda
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sumário
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introdução
[introdução]
Fui aprovada pelo programa Ciências sem Fronteiras para cursar um ano de gradu-
[objetivos]
ação na Royal Academy of Arts of The Hague, em Haia, na Holanda. Fui para lá buscan-
[processo e metodologia]
do vivenciar outros modelos de ensino e uma realidade social e urbana extremamente difer-
[projetos]
ente da minha - quiçá até o extremo oposto no sentido da rigidez de sua estrutura pública.
feeling at home
Enquanto na Holanda o sistema público funciona plenamente e garante acessibilidade, prat-
gap
icidade, no Brasil, esse sistema é extremamente ineficiente. No entanto, a diferença do ci-
made to stray
dadão holandês para o brasileiro está na constante reconstrução de estruturas; diante da
open dictionary
necessidade, existe uma inteligência de uso dos recursos disponíveis para solucionar prob-
mind as desire, body as territory
lemas de forma autônoma e criativa por parte do brasileiro - e muitas vezes colaborativa.
situated design workshop spinozahof
Esse é o oposto do comportamento holandês, que possui um sistema que já funciona (welfare state) e provém o cidadão daquilo que ele necessita, o qual muitas vezes se torna aco-
something dies, something is born
modado, consumindo o que já existe e está estabelecido pelo status quo (obviamente que
[referências teóricas e práticas]
existem exceções, mas esse foi um padrão comportamental percebido por mim).
[considerações finais]
[bibliografia]
“Imersos no seio do consenso da Cidade democrática, cabe-lhes (aos arquitetos e urbanistas) pilotar, por seu projeto (dessin) e sua intenção (dessein), decisivas bifurcações do destino da cidade subjetiva. Ou a humanidade, através deles, reinventará seu devir urbano, ou será condenada a perecer sob o peso de seu próprio imobilismo, que ameaça atualmente torna-la impotente face aos extraordinários desafios com os quais a história a confronta.”
Escolhi ir para a Holanda pelo imaginário de qualidade de vida na cidade, mas também pela maneira como as políticas publicas lidam com questões sociais: ao invés de negar a existência dos problemas, ou limpá-los da vista da sociedade, o setor público identifica a situação em questão e busca minimizar os riscos daqueles envolvidos. Além desse posicionamento, o país têm políticas públicas muito inovadoras, que cultivam relações mais democráticas e o acesso ao bem comum.
A Royal Academy of Arts é uma instituição que provém uma estrutura múltipla e completa aos seus estudantes: workshops de madeira, costura, técnicas gráficas, maquinas 3d, a laser; tecnologias que fornecem ainda mais elementos para fomentar a criatividade dos estudantes. A rotina na Faculdade foi intensa: aulas todos os dias, das 9h as 17h. Além do curso formal, realizei projetos paralelos de performance, cartografia corporal, um workshop de Situated Design e um estágio em uma organização que trabalha com hortas urbanas, mobilização e conscientização comunitária - focando no desenvolvimento de um local específico, Spinozahof. Através de colaborações, tais projetos contribuíram para aprofundar a relação com a cultura, a população local e o território em si, para além do percurso casa - faculdade, mas também para aprofundar meu conhecimento em novas metodologias.
O curso que fui estudar, Interactive Media Design, traz uma aproximação muito inovadora e experimental da educação: um aprendizado customizado, focado no desenvolvimento da subjetividade de cada um, onde o estudante tem toda a liberdade para descobrir o que é relevante para si, como comunicar seu conceito à sociedade e criar projetos interativos. A questão norteadora do curso é a noção de interatividade: de que forma o público se relaciona com a obra criada? De que maneira a obra está aberta para essa interação? A principal habilidade desenvolvida é pensar de maneira sistêmica e relacional, entendendo contextos para neles atuar e ressignificar, articulando fricções que sugerem novas formas de reflexão e ação no mundo.
Diante de uma realidade brasileira na qual diversas faculdades tem como objetivo formar profissionais para o mercado que respondam a demandas já existentes, o curso estudado na Holanda propõe que a Instituição apoie os estudantes na construção de suas identidades individuais e coletivas - e na criação e sustentação de
suas próprias demandas. O professor não está lá para dar respostas, mas sim para trazer questões aos estudantes de forma que eles estejam preparados para responder e argumentar a validade de seus projetos e conceitos.
Desde o início do processo da vivência, me deparei muitas vezes com o questionamento da relação entre estrutura e caos, o estabelecido e o porvir, a rigidez e a fluidez, o planejado e o espontaneo, o território e os sujeitos. Tais contrastes estiveram presentes transversalmente nos projetos que realizei, e continuam ilustrando minhas reflexões sobre o que é o ensino, mas também meu questionamento sobre como se deve haver a construção de cidades e a participação de seus habitantes nesse processo. Ao longo do ano, explorei diversas escalas e experimentei na construção de limites flexíveis e estruturas abertas ao diálogo e a transformação ao longo do tempo; estabelecendo diretrizes manipuláveis pelo usuário e público (agora ativo e participante).
Em um contexto contemporaneo de conexão, de acesso a tecnologia e mídias sociais, de distribuição de poder, onde qualquer pessoa tem voz e pode produzir e multiplicar conteúdo e narrativas, é necessário encarar a figura do rizoma como um diagrama de forças que ilustra a maneira como nos relacionamos e atuamos no mundo hoje. A reflexão sobre a relação de regra e exceção, de sistema e usuário, é cada vez mais fundamental: criam-se relações menos rígidas, mais fluídas e oscilantes, nas quais existe clara interdependência, simbiose e simultaneidade de forças. De que forma a atuação do arquiteto e a construção de cidades também pode ser entendida por essa transitoriedade e relação? Como a prática pode também ser descentralizada, cambiante, pautar novos imaginários e narrativas, e catalisar relações com os demais atores da sociedade?
Entendo o conceito de Cidade Subjetiva como uma construção de cidade que se dá a partir de performances do corpo, espaço, materialidade, imaginário e potencial – uma obra de arte coletiva e inconclusa. A cidade como um arranjo espacial de um sistema de quase-objetos construídos por cada um de nós em permanente rearranjo. “O território é o lugar das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida”, um conjunto de interações. Proponho entender todo lugar como espaço social, de relação, troca, construção e desconstrução: de formação de subjetividades. O contínuo relacionar-se com o existente: não ser indiferente
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objetivos
ou repetir o planejado, mas se entender como sujeito ativo e transformador, que comunica através de múltiplas linguagens. Por meio de situ-ações e micro-performances, criam-se convites e provocações para o outro também esgarçar seus limites. Inter-agir com o território: expandir e retrair seu espaço em relação ao outro e ao redor, materializar o potencial, imaginario e desejo. “O comportamento - eis o que me interessa: como alcançá-lo a máxima liberdade. (...) a participação interior na própria vida diária” (Hélio Oiticica).
Meu objetivo principal foi investigar situ-ações (a partir do olhar do método Situated Design) e qual seria o equilíbrio entre rigidez e fluidez, entre uma estrutura aberta e a participação dos sujeitos na construção e desconstrução dessa estrutura (território?), entre micro e macro. Entender como se dá a relação (a interatividade) entre os extremos; o quanto se deixa de cheio e de vazio, de planejado e de espontaneo, para que a estrutura seja um organismo vivo e pulsante. Busquei compreender o projeto como diagramático no modo como ele se materializa, uma vez que está permanentemente em curso (um conjunto de interações cambiantes no qual adicionam-se camadas ao longo do tempo). Analisar as cidades como processos de desterritorializacao e reteritorializacao permanente - física e simbólica; e o papel dos sujeitos nesse fenômeno. Meus objetivos específicos foram estudar processos e realizar experimentações com esse framework, em diversas escalas - e investigar de que maneira construir uma estrutura convidativa (simbólica e praticamente), que provoque o sujeito a se relacionar e dela se apropriar. A meta em busca é como criar uma situ-ação que gere o empoderamento dos sujeitos, incitando uma ampliação da percepção e mudança de comportamento (desenvolvendo autonomia e liberdade criativa) e abrindo possibilidades de construção de novas narrativas e subjetividades/singularidades/identidades.
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situ-ação
A inserção se dá através de: convite/diretrizes/descrição/macro + dispositivio-quase-objeto-micro-performance + apropriação dos sujeitos/contextos diferentes/inesperado/espontaneo
Experiencias (conformadas por co-incidencias) definem a Cidade Subjetiva, que está sempre em transformação; existe por meio de um encadeamento continuo de Situ-acoes, nas quais “tudo o que acontece em um momento especifico possui inevitavelmente uma qual-
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processo e metodologia
Para realizar esse estudo, realizei pesquisas teóricas mas também práticas, experimentando com essa hipótese em vários contextos e fazendo uso de diversos materiais e escalas. Entendendo o período da vivência como a construção de um processo, fiz uso de métodos como observação, mapeamento, experimenta-ações, e registro e analise crítica das mesmas, buscando construir uma narrativa que fizesse sentido e reconhecer o papel das co-incidencias no desenho em curso do objetivo e seus resultados parciais.
Tais situ-ações e experimenta-ações se basearam no seguinte processo:
1.
encontrar e se apropriar de aberturas | vazios | fissuras em sistemas normati-
vos/regras sociais e culturais/estruturas político-econômicas/cadeias de produção/status quo/ mecanismos de padronização das formas de vida/de governo
2.
realizar uma experimenta-ação: inserção de um dispositivo-quase-objeto-mi-
cro-performance, criando uma nova situ-ação/experiência
3.
causar fricções ao se apropriar de processos e ressignificá-los coletivamente,
estabelecendo novas relações (questionando as normativas/contexto estabelecido e transformando o problema/residuo/esquecido/invisivel em potencialidade/visivel/discutido/vivido | valor compartilhado)
4.
analisar a apropriação dos sujeitos, sua participação e construção de subjetiv-
idades/identidades/narrativas
idade peculiar àquele momento” (Carl Jung). Do meu ponto de vista, tais experiências (situ-acoes) são pautadas por relações entre os seguintes elementos vibrantes:
espaço materialidade
imaginário | simbólico | tempo comprimido | narrativa comum | meta-história
corpo | sujeito | percepção subjetiva
desejo | potencial
No desejo que se encontra o potencial de ação e fricção de tal contexto para a criação do novo: a brecha para a inserção do dispositivo-quase-objeto-micro-performance do arquiteto-artista-sujeito. Tal atuação pauta uma nova ferramenta coletiva de análise, crítica, e de projeto.
As Situ-ações são canais convergentes para que encontros aconteçam (Spinoza), produzindo afetos e criando o comum: um comum que se faz e refaz constantemente, de maneira fluida, como experiência efêmera e valor compartilhado.
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projetos
Durante a vivencia, realizei projetos para experimentar com os rastros e indícios da ação do tempo e dos sujeitos sobre-postos no território; na construção de Situ-ações.
[feeling at home] O projeto buscou explorar o significado de “sentir-se em casa” e como essa sensação pode ser ativada - através de sua materialização no espaço. Durante a pesquisa, foi mapeado um panorama de possibilidades de como criar uma qualidade intangível: elementos que incitam essa sensação, de materialidade vibrante. Foi pesquisado o papel da subjetividade de cada um, o que é cultural, e o que caracteriza a sensação como universal - se há de fato algo comum, compartilhado por todo ser humano, em qualquer contexto. Ao final da pesquisa (ainda na Holanda), foi entendido que para isso acontecer, é necessário deixar o espaço aberto para que cada sujeito atribua seu próprio valor e significado a essa experiencia - mas também a importancia de guiar esse processo, incitar essas relações.
obs: olhar process book em anexo.
[gap] O projeto buscou explorar relações que são estabelecidas a partir da inserção do corpo em vazios no espaço.A liberdade na criação de vazios dentro do vazio reitera a multiplicidade de relações que existem em potencial no espaço, sugerindo um olhar que transita entre escalas e foco.
[made to stray] O projeto buscou explorar a perspectiva e profundidade do espaço e o frame como limite, borda com a qual se interage e expande; o dentro e o fora tornam-se assim relativos. O corpo, através da repetição, do ritmo e do movimento, se relaciona com o lugar, transformando-o.
[open dictionary] O projeto buscou explorar de que maneira o significado é construído, e como poderia haver uma estrutura que permite a fluidez e multiplicidade de significados. Entende-se que, assim como a cultura e a linguagem, o significado se modifica ao longo do tempo e na subjetividade de cada sujeito; no entanto, é a mudança que garante sua permanencia, que a tradição se mantenha viva. Dessa forma, o projeto é um convite para que os sujeitos dele se apropriem, e o transformem: e seu resultado é infinito e repleto de rastros, assim como o palimpsesto. Além disso, a primeira folha do dicionário é o significado definido pela sociedade como verdadeiro; estático, e por isso hoje vazio e obsoleto.
[mind as desire, body as territory] O projeto buscou explorar de que forma o desejo (como utopia, intenção, potencial) se materializa no corpo, um território que possui seus próprios limites e definições, mas também está sujeito a ação de agentes que nele intervém e inter-agem. Fazendo uso de uma brecha no comportamento e na normativa do espaço, a situ-ação convida os sujeitos a um posicionamento e exercício de sua liberdade criativa. Porém, deixa o espaço para cada um participar conforme lhe convém. Uma micro-performance que faz um convite para confiar e estabelecer relações verdadeiras e imprevisíveis.
[situated design method] O workshop teve como objetivo exercitar o olhar dos estudantes para o lugar: situar (considerar limites e potencialidades do lugar: material, espacial, social, cultural), coletar (fazer uso do que está disponível), juntar (relacionar materiais vibrantes, recompondo/rearranjando material e social em assemblages urbanas afetivas), distribuir (compartilhar com o público e construir), dispersar (ressignificar e usar em novos contextos). Uma maneira de fazer design focada no rearranjo de elementos em novas composições e entendendo a experiencia como a unica linguagem comum.
[spinozahof] O projeto buscou explorar a relação das pessoas com o seu lugar. Através de eventos realizados na horta comunitária e mobilização dos vizinhos, foi possível trabalhar sentimento de pertencimento e formação da idéia do que é comunidade. Um projeto foi escrito para ativação do lugar como um espaço de troca e aprendizagem: PUBLIEKHUIS o espaço é do público.
[something dies, something is born] Something dies, something is born (Morre-nasce) é uma vídeoperformance que expande a noção do tempo através da repetição. O corpo ressoa no espaço, se transformando em mais um elemento que coincide aos demais, interdependentes. Apesar da repetição do mesmo momento-movimento, a performance demonstra que cada momento é único e conformado pelas relações de qualidade e intensidade específicas do mesmo. O movimento pode ser sentido antes de ser real, em potencialidade que acelera o corpo a caminho do permanente tornar-se.
thing, then i have to prove that. its a busy world in being something. Being somebody sucks, it takes all the energy. Sense of control of your own image. I prefer being everything and nothing, depends on the context. Im constantly changing. Im free, Im liberated.
[erin manning] relational movement depends on a fluid assemblage that operates always in the between of constraint and improvisation. Each mode acts both as constraint and opening. “We do not
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referencias teóricas e práticas
[templo shinto] [lina teatro oficina bixiga] [cildo insercoes] [parangole] [projeto medir alturas no museu] [5 rhythms]
even know of what affections we are capable, nor to the extent of our power”, writes spinoza. “How could we know this in advance?” concern is movement’s capacity to propel experience to its transmutational potential. modes emerge and shift according to requirements of the relation, altering the relation and opening it to new modes. modes in this sense can be thought of as techniques of relation (operational, they open the way for relation to be experienced). While a mode exists, its very essence is open to variation, according to the affections that belong to it at a given moment. Techniques of relation produce events. every event is relational. events create relation as much as relation creates events. we cannot know in advance what an event can do, any more than we know what a body can do. Spinoza’s question will remain unanswered: to know of what a body is capable would be to divest a body of its elasticity. The essence of a technique
[james tuedio] We can think of home as a place to preserve connections between our past and present, but it is also the place where we must continually reconstruct these connections. Through the creativity we invest in preserving material or spiritual markers of our identity and sense of belonging, our concept of home draws together the warp and weave of a tapestry of immanence and transcendence.
[gibson graham] In this communal space, individual and collective subjects negotiate questions of livelihood and interdependence and (re)construct themselves in the process.
[gabrielle roth] Change is the only way to go. Holding on will only take us back, out of the flow. We need to make a commitment to changing. to be change. the danger is being some-
of relation is not its content per se but its capacity to become more-than and to create morethan. This more-than will always be the production of a new actual occasion, the creation of pure experience out of which a world will emerge. Moving the relation is a striving toward the ineffable experience of the elasticity of the almost.
[brian massumi] “We must assume,” writes Walter Benjamin, “that in the remote past the processes considered imitable included those in the sky.” People danced a storm. Benjamin is quick to add that the similarity that made it possible for the human body to imitate cloud and rain is different from what we normally think of today as a resemblance. It could only have been a “nonsensuous” similarity because nothing actually given to our senses corresponds to what our bodies and the heavens have imitably in common. Benjamin goes on to suggest that this nonsensuous similarity can not only be acted out but that it can bearchived, “most completely” in language.
But it is not just in language.
pia of the mirror. But it is also a heterotopia in so far as the mirror does exist in reality, where it ex-
Tied to the senses but lacking sense content, it can nevertheless be “directly perceived”– but
erts a sort of counteraction on the position that I occupy. From the standpoint of the mir-
only “in feeling.” Direct and senseless in feeling, in and out of speech and writing, it ubiqui-
ror I discover my absence from the place where I am since I see myself over there. Start-
tuously evades both “intuition and reason.” What is this paradoxical “semblance in which
ing from this gaze that is, as it were, directed toward me, from the ground of this virtu-
nothing appears”? Simply: “relationship.”
al space that is on the other side of the glass, I come back toward myself; I begin again to-
(...) The artist must falsify vision in just the right way to produce a viable connection to what
direct my eyes toward myself and to reconstitute myself there where I am. The mir-
cannot be seen. In other words, s/he must paint not the visible resemblances her eyes see,
ror functions as a heterotopia in this respect: it makes this place that I occu-
but rather the nonsensuous similarity between the different sense inputs that yoke together
py at the moment when I look at myself in the glass at once absolutely real, connect-
amodally in the experience of movement. If painted with enough artifice, their linkage will be
ed with all the space that surrounds it, and absolutely unreal, since in order to be per-
activated even in their actual absence. The painting archives an amodal, nonlocal linkage that
ceived it has to pass through this virtual point which is over there.
operates through vision but is not contained in it.
(...) Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, mar-
[guatarri]
ca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de
O projeto deve ser considerado em seu movimento, em sua dialética. Ele é chama-
verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. (FOUCAULT,
do a se tornar uma cartografia multidimensional da produção subjetiva, cujos operadores
2009, p. 236)
serão o arquiteto e o urbanista. As mentalidades coletivas mudam e mudarão amanhã cada
O anormal é aquele que revela, no mesmo momento de sua existência desviante, mecanis-
vez mais rápido. É preciso que a qualidade da produção dessa subjetividade se torne a fina-
mos de padronização das formas de vida. A anormalidade é aquilo que escapa da normal-
lidade primeira das atividades humanas e, por essa razão, ela exige que tecnologias apropri-
ização imposta pelo poder. E, em certa medida, sempre se escapa dessa normalização. Mas
adas sejam postas a seu serviço. (...) A complexidade da posição do arquiteto e do urbanista
escapar completamente – ou seja: ser livre – é algo que só se alcança coletivamente. A sen-
é extrema mais apaixonante, desde que eles levem em conta suas responsabilidades éticas,
sação do escape individual não é mais que do uma mera sensação, já que sempre existirá
estéticas e politicas. Imersos no seio do consenso da Cidade democrática, cabe-lhes pilotar,
outro mecanismo disciplinar pronto para agir.
por seu projeto (dessin) e sua intenção (dessein), decisivas bifurcações do destino da cidade
A normalização é a supressão brutal daqueles que espontânea ou politicamente mostram as
subjetiva. Ou a humanidade, através deles, reinventará seu devir urbano, ou será condena-
pequenas e grandes irregularidades, ou seja, as falhas, desses mecanismos de governo. É
da a perecer sob o peso de seu próprio imobilismo, que ameaça atualmente torna-la impo-
a supressão daquele que são “a forma natural ou política da contranatureza” (FOUCAULT
tente face aos extraordinários desafios com os quais a história a confronta.“ cidade subjetiva
2014). Em um dos últimos momentos da História da Loucura, Foucault diz que esse mundo que
[foucault]
acredita avaliar e justificar a loucura precisa justificar-se diante dela, já que seus esforços,
I believe that between utopias and these quite other sites, these heteroto-
seus debates se medem por obras desmedidas, como as de Camille Claudel. A loucura é um
pias, there might be a sort of mixed, joint experience, which would be the mirror. In the mir-
saber, algumas vezes fechado, inacessível, inquietante. Um saber que desafia o poder.
ror, I see myself there where I am not, in an unreal, virtual space that opens up be-
Loucos são cada vez mais aqueles que ameaçam a conservação do poder.
hind the surface; I am over there, there where I am not, a sort of shadow that gives my own visibility to myself, that enables me to see myself there where I am absent: such is the uto-
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considerações finais
O processo de experimentação através de diversos dispositivos, performances e contextos proporcionou uma ampliação da gramática e da linguagem, além do desenvolvimento de uma metodologia de trabalho. Outro fator importante foi o entendimento de que maneira criar um contexto no qual os sujeitos sentissem a liberdade de atuar e explorar - que incitasse uma participação. Para isso, entendi ao longo do processo que a participação não se dá através de uma pergunta direta, mas sim de um convite indireto: criar ou fazer uso de um contexto para então poder quebrá-lo, ressignificá-lo.
“The only way to be fascinating is to be fascinated”, defende Gabrielle Roth. A atração das pessoas se dá por meio da auto-exposição; quando um se coloca em uma posição de vulnerabilidade e disponibilidade, cria-se uma abertura para estabelecer um diálogo e confiança (indo além de medos e julgamento). Apesar de sugerir diretrizes e guiar um comportamento, é necessário deixar aberto para que várias intesidades e qualidades de participação e envolvimento aconteçam. A participação deve vir como um ímpeto do sujeito: um comportamento espontaneo e livre, que surge de uma primeira curiosidade ou estranhamento.
Tais experimentos contribuiram para criar um conhecimento de como ativar comportamentos livres na apropriação de uma estrutura. O arquiteto pode ser visto como o sujeito que desenha ou rearranja essas Situ-ações, inserindo os dispositivos para que os participantes, sujeitos, costurem e façam sentido das suas próprias experiencias, criando narrativas e desdobrando potenciais. A partir de tais conexões e do compartilhamento da experiencia, cria-se valor, afeto e pertencimento.
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bibliografia
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“RESTAURAÇAO DA CIDADE SUBJETIVA” by Felix Guattari. Caosmose: Um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 1992. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. https://territoriosdefilosofia.wordpress.com/2014/11/17/restauracao-da-cidade-subjetiva-felix-guattari/
“Of Other Spaces: Utopias and Heterotopias” by Michel Foucault. 1 Rethinking Architecture: A Reader in Cultural Theory. Edited by Neil Leach. NYC: Routledge. 1997. pp.330-336 http://www.vizkult.org/propositions/alineinnature/pdfs/Foucault-OfOtherSpaces1967.pdf
Manning, Erin. Relationscapes: movement, art, philosophy / Erin Manning. MIT Press. https://mitpress.mit.edu/sites/default/files/titles/content/9780262134903_pre_0001.pdf
“THINKING ABOUT HOME: AN OPENING FOR DISCOVERY IN PHILOSOPHICAL PRACTICE” by James A. Tuedio. Philosophy in Society. Edited by Henning Herrestad, Anders Holt and Helge Svare. Oslo: Unipub Forlag, 2002, 201-215. http://homelessness.philosophy.uoregon.edu/files/2014/02/Tuedio-1pwoi3p.pdf