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Rio #01
a Milton Rosendo
senhor passageiro marcelo labes recém chegado ao rio de janeiro por este aeroporto do galeão olhos curiosos receba conheça abrace e admire-se da companhia de milton rosendo, poeta alagoano, não lhe estenda a mão ao menino não lhe acarinhe não lhe dê colo o homem imenso que é milton rosendo não cabe no mundo optou hoje por ser menino embora possua outros quantos disfarces.
Rio #02 por trás do cenários das fotos um lugar e somente um lugar: copacabana princesinha do mar [ver quem é o cantor] sem o cenário o rio de janeiro é porto alegre sampaulo florianópolis | sem o cenário não há fotos ou slogans não há eventos ou governos (não insista em chamar um táxi para chegar a senador camará, vá de ônibus)
Rio #03 atravesse a rua quando cruzar com uma perua (a literatura brasileira habita um mesmo quilômetro quadrado) atravesse a ponte quando o outro lado trouxer lembranças de áfrica (siga em frente) atravesse o dia a noite o dia a noite pensando que ainda o maior perigo não é estar vivo tampouco consciente o maior perigo é sempre espelho: evite olhar nos olhos de ti-mesmo.
Rio #04 os acidentes geográficos do rio de janeiro escondem tudo que é mostrado pelas ruas do rio de janeiro (cercaram a favela da maré para garantir a segurança da favela: o mundo é este lugar perigoso) há túneis e viadutos para esconder o descaminho diminua a marcha, aumente.
Rio #05 a Elisa Tonon
se joão gostoso não tivesse se atirado na lagoa rodrigo de freitas é bem provável que a lagoa rodrigo de freitas não teria a menor importância para a literatura brasileira (de todo modo havia me esquecido qual poema mas elisa fez questão de recordar)
Rio #06 a Thiago Camelo
é foguete é bomba thiago ensina: tiro é seco (penso: como a palavra estampido) trovão e o maciço assusta pela imponência estaremos seguros? o brasil é um poema sujo e as árvores foram cortadas não se acena um adeus usando algemas.
Rio #07
a Heyk Pimenta
despedidas fazem aniversário e são sempre mais marcantes que os encontros o mundo só faz sentido porque mantemos os logradouros e sorrimos quem garante que daqui uns anos não comemoraremos a chuva saudando anjos: as almas dos meninos que se despediram antes.
Rio #08
a Bruna Mitrano
bruna vê mais que os outros: tem olhos em cada canto da cabeça | sente se aproximar a chuva de sangue que todos esperamos lavaremos as ruas e as roupas limpos e vermelhos, caminharemos pela avenida brasil até que se esfolem os pés e nos caiam as unhas e sintamos os calcanhares sendo ossos contra o dia.
Rio #09
a Thiago Scarlata
as ruas da lapa sentem e temem a presença de thiago scarlata pudera: há que se viver a noite e exaltar o poeta (santa teresa foi habitado primeiro pelos ricos que fugiam da cólera; conceição foi habitado primeiro pelos pobres que sobreviveram à guerra) entre os dois morros há o vale e é sempre difícil se localizar sem referências.
Rio #10
aos estudantes da André Maurois
há no leblon: chico buarque de namorada nova especulação imobiliária burgueses estriquinados semáforos almoços carros a jato e há uma escola pública enteada da ditadura há meninas e meninos com brilho nos olhos e um tal cristo de costas que não tem olhos na nuca.
Rio #11
a Brisa e Diego
feche a mão se um poeta pedir para ver suas linhas : do contrário será desencontro e chuva grossa madrugada adentro há vários caminhos para chegar a paraty, o mais bonito é por cunha e o sotaque pétreo de sampaulo enrola-se em redes de pesca deixadas à toa por um pescador que teme as paredes de uma casa que o viu nascer.
Rio #12
a Amanda, Ithalo e Lua
copacabana princesinha do mar foi refrão para caminharmos entre prédios e mendigos como escritores dos ermos de fora do eixo embora na hora pouca gente tenha parado para nos escutar. pelas manhãs tu és a vida a cantar sobretudo se o café do hotel tem proteínas, mas eu precisava sempre de um cigarro e mais uma xícara de café: voei entre andares dois a dois na escadaria: se parecia que fugia se parecia que dançava, tinha o pensamento fixo num poema que não foi escrito.
Rio #13
a Carol e André
vou chegar estou chegando ainda no metrô linha verde ainda no metrô linha vermelha ainda no início da rua ainda ainda na porta do edifício estou chegando ainda no elevador ainda no corredor ainda porta adentro ainda um café mais um cigarro ainda uma conversa cadê luiza ainda barreto - o centro do mundo - estou chegando o aeroporto era o outro e o engano apenas demonstra que demorar a chegar é a forma mais simples de não querer se despedir.
Rio #14
a Júlia e Guarnieri
há um poema nos olhos da poeta legível somente se os óculos esquecidos em casa há um poema nos olhos do poeta e quem sabe que versos cairão sobre meu colo fotografia: três poetas numa noite quente e uma memória de nomes de dois anos atrás, na glória : há sempre um quê de tristeza nas dedicatórias, embora aquela vez tenhamos rido em confidência.
Rio #15 corri pelo aeroporto como em cena de filme - eu era o ator mais triste que o domingo podia ter concebido a mala, os livros - pode nos mostrar o conteúdo, senhor? eu disse: são livros. uma olhadinha não mata ninguém. livros, apenas livros. uma olhadinha. o senhor é o autor? parabéns. nos acompanhe por favor. são seus livros? ainda bem. tem nota fiscal? o senhor é poeta o senhor é prosador o senhor está passando mal? o senhor não sabia, claro que não mas aos olhos alfandegários de cada funcionário todo poeta é um risco.