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Demósthenes

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OUTRAS FONTES

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daquelas pessoas que prá se fazerem lembrar, mencionam "cachaças que se tomava de madrugada".

Nunca estudei música. O único instrumento que eu toco é cuíca. Instrumento de "negrão".

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Quando o Lupicínio morreu eu fui pro Rio e fiz um show. No Marapendi. Um lugar sensacional. Eu com as mulatas. Eu tinha um empresário. Como eu cantava samba, quem contratava tudo era ele. Depois ensaiava tudo direitinho. Então o Herivelto apareceu e foi aquela festa. Porque eu sou muito amigo do Herivelto e do Grande Otelo. Mas, amigo mesmo. Por exemplo, eu ia na casa do Herivelto e dormia lá. Na casa do Grande Otelo a mesma coisa. Então, o Herivelto chegou lá e viu as mulatas. As mulatas só com tapa-sexo. No nosso tempo, da escola de samba, a saia das mulatas vinham até o joelho e eram proibidas de rodar. Então ele falou, "ô Rubens, quando é que nós pensávamos que as mulatas iam ficar assim".123

Demosthenes Gonzalez

Meu nome é Demosthenes Gonzalez. Demosthenes é com "th" e Gonzalez é com "z" no meio e "z" no fim. Nasci no dia 25 de Agosto de 1914. Na rua General Caldwel, em Porto Alegre. Bairro Menino Deus.

Primeiro eu estudei com meu pai. Era um advogado, e guerrilheiro. Ele tinha vindo de revoluções, de guerras... Era espanhol, natural da Andaluzia. O nome de meu pai era Filadélfio Ferreira Gonzalez. No espanhol, o sobrenome toponímico é o da mãe.

Minha mãe chamava-se Lourença Garcia Gonzalez. Era argentina, de Tucumán. Foi criada pelo governador de Tucumán, Vilarroel(sic). Ela era uma mulher muito culta e tocava piano. Era professora de piano, violino. Também professora de letras. Fora religiosa em Buenos Aires e saíra do convento para casar, muito jovem, com o artesão gráfico militar Pedro Bustamante, com quem teve seis filhos: Dalmira, Delícia, Delfino, Dorval, Dario e Délia. Exilado no Brasil, por auxílio político estratégico, o Capitão Bustamante morreu em 1914, na cidade de Dom Pedrito. Daí que sou o único filho do segundo matrimônio de mamãe. Caçula do Clã Gonzalez.

Minha irmã Délinha, a festejada Délia Gonzalez, era uma cantora de linda voz e a sua interpretação de "Rosa desfolhada", um sucesso em toda a cidade. Eu batucava no piano e pegava nas pernas das alunas da mamãe. E eram lindas! A Inezinha, Durvalina, a Teresa, que tinha olhos verdes... A cantora Perpétua. A Carmélia e tantas outras. Lembro que nossa casa vivia sempre cheia de gente, principalmente artistas: o maestro Otávio Dutra, o tenor Vesúvio, o Atanagildo Teixeira, que engolia sapos e

123 Entrevistas realizadas nos dias 25 e 26/8/93.

comia pombos, o Gororó, o boxer Gastão Martins, o Davi Cunha, recentemente falecido, o Alexandre Radamés Gnattali, Carlos Baraldo, o conjunto dos irmãos Perroni, a dona Risalvina e a Rosinha, que também eram professoras de piano, as irmãs do Borbardeão, famoso músico da Brigada. E todas as noites havia sarau lá em casa. Davam grandes espetáculos. Alguns, chamados "festivais beneficentes", nos cinemas Tália, Avenida, Guarani e Colombo.

Essa irmã, Délia Gonzalez, era professora naquele tempo. Profissão brasileira... O homem tinha que ser advogado e a mulher professora. Entre meus irmãos, tinha um que cantava muito bem, mas como amador: Dario. Minha casa era casa de música, né. A casa de mamãe chamava-se "O Solar". Morava na General Caldwel, próximo da Igreja Nossa Senhora de Lourdes. Num solar que havia pertencido à família Tubino.

Primeiro estudei em casa. Com quatro ou cinco anos eu já lia. Minha mãe assinava uns fascículos do Correio do Povo que tinha os livros do Vitor Hugo, Alexandre Dumas, o "Lar da Rainha" , "Os Três Mosqueteiros", "Os Miseráveis"... Eu com quatro, cinco anos já lia isso. E lia em voz alta. Eu fiz o primário no Colégio Elementar Treze de Maio, que chamava-se Ganzo, na época. Por isso tem o Parque Ganzo ali, onde era o colégio, no Menino Deus, na Getúlio Vargas. A Getúlio Vargas naquele tempo se chamava Treze de Maio, e a rua onde eu nasci, General Caldwel, chamava-se Vinte e Quatro... Não sei Vinte e Quatro do que, mas era Vinte e Quatro.

Eu faço música desde pequenininho. Comecei fazendo versos com um senhor, que queria namorar uma viúva. E me pedia prá fazer versos prá ela. Eu fazia e ele mandava e acabou conquistando. Isso foi na Azenha. Eu tinha mais ou menos dez anos.

Então eu fiz o primário ali, depois fui fazer o ginásio no colégio Nossa Senhora das Dores. Depois eu fui prá São Paulo. Minha mãe morreu... Meu pai já tinha morrido na revolução de 23. Ele participou, ele era capitão, não é. Um dos líderes. Morreu num combate lá no Alegrete. Ibirapuitã, o combate que houve.

Aí eu fui prá São Paulo prá estudar Direito. Aí eu comecei a trabalhar em jornal de noite, como revisor de jornal. Fazia revisão prá ajudar nos estudos também, né. O Correio Paulistano, o Diário de São Paulo... Uma porção de jornais assim... Eu trabalhava e cursava a faculdade. Mas aí eu me enveredei pelo lado político. Preocupado com as inquietações do meu tempo. Não concluí o curso de Direito, fui até o terceiro ano apenas.

Então eu comecei a participar de todas as lutas políticas. Ingressei no Partido Comunista. Participei ativamente da Juventude Comunista. Depois, fiz a campanha contra a entrega da mulher do Prestes, a Olga para a Gestapo. Por isso fui preso, torturado. Tirei uns cinco ou seis anos de cadeia. Lá na Ilha Grande. Hoje sou citado numa porção de livros aí. Tive a oportunidade de conviver com Carlos Marighela, Agildo Barata... O meu amigo Valverde e uma porção de líderes que foram heróis aqui, e depois foram prá Espanha, e foram heróis lá também. Meu codnome era

Teófilo, Téo. Porque eu gostava muito do Van Gogh, que tinha um irmão chamado Téo. Aí foi uma experiência dolorosa, sofrida. Mas, ao mesmo tempo super gratificante porque eu aprendi muita coisa. Acho que aprendi mais na cadeia do que na faculdade mesmo.

O Partido Comunista se dividia em células. Eu participava de uma célula, a "Noel Rosa". Era já o nome de um compositor. Eu sou citado num livro da vida dele. Neste trabalho conjugado entre as células eram feitas as pautas de ações. Pixar muros... Naquele tempo não se assaltava. Ainda não... Fazíamos comícios relâmpagos, nas portas de fábrica. Depois nos reuníamos para debater os problemas, os acontecimentos internacionais. Era uma luta e nós éramos militantes dessa luta. Soldados desse trabalho de catequização de pessoas. Fizemos a Revolução de 35. Revolução de "pão, terra e liberdade", chefiada por Luiz Carlos Prestes. Na Ilha Grande, inclusive, o diretor da prisão era um herói da Coluna, o Coronel Nestor Veríssimo da Fonseca. Tinham muitos guardas que eram ex-combatentes da Coluna Prestes. O Coronel Veríssimo era pitoresco. Os heróis da Revolução, que chamam hoje de Intentona... Não foi uma "intentona", foi uma revolução mesmo. O Benjamin Vargas, irmão de Getúlio, convidou o Coronel Veríssimo prá ser o diretor da Colônia de Dois Rios, que era o presídio da Ilha Grande, por ter sido um revolucionário. Ele foi falar com Getúlio e disse que só aceitava com a condição de levar oitenta homens dele, de sua confiança. Ele chegou lá e logo aboliu o uniforme "zebra". Era uma pessoa extraordinária!

Convivi com as maiores inteligências do país: Graciliano Ramos, Jorge Amado... Estivemos juntos, dividindo o mesmo cubículo. Ficávamos dois, três, quatro, na mesma cela. Aí tinha aquela vida... O Partido Comunista tinha uma organização chamada "Coletivo". Esse Coletivo era um verdadeiro regime socialista. Começa que dinheiro não circulava. A gente comprava as coisas todas... Por exemplo, eu não fazia, mas os presos faziam trabalho de coco. Serravam coco, arrumavam, faziam bolsas, faziam sapatos, faziam um artesanato maravilhoso. Vendiam aquilo. Aí o produto era prá material de higiene, coisas que a gente precisava. Era tudo dado.

E tinha a Universidade Popular, onde davam cursos... Eram professores universitários, muitos presos... Essa ditadura do Getúlio foi uma coisa pavorosa. O que eles mataram gente e prenderam... Então esses professores mantinham a Universidade Popular onde a gente estudava, dentro da prisão. A carceragem permitia. Lá na Ilha Grande nós tivemos um diretor que era muito bom. Era o Coronel Nestor Veríssimo da Fonseca. Tio do Érico Veríssimo. Ele até é personagem do livro "O Tempo e o Vento". Eu sabia o nome do personagem... O Coronel Nestor Veríssimo era um tipo folclórico, assim. Mas ele tinha um coração muito bom. Então, ele depois de um tempo até nos libertou. Deu a Ilha por menáge. As pessoas andavam pela ilha à vontade. Nadavam, jogavam futebol, pescavam, namoravam. As mulheres dos guardas, evidentemente.

Depois, lá de dentro da prisão mesmo, eu comecei a colaborar com uma porção de jornais e revistas. As revistas Carioca, Vamos Ler, Noite Ilustrada, porque eu tinha amigos e todo mundo quer ajudar preso político. Então eu comecei a escrever. Depois quando eu saí fui trabalhar no A Noite. Era o jornal mais importante na época. Tinha a revista semanal chamada A Noite Ilustrada e editava mais as revistas Vamos ler e Carioca. Eram revistas que hoje é como a Veja, Isto É... Aí eu comecei escrever. Ganhei um concurso de contos da Bahia, que era o maior da época, o mais famoso. Congregava o maior número de intelectuais. Aí um amigo meu fundou a Revista do Rádio. O Anselmo Domingos. E me convidou prá trabalhar. Então eu fui trabalhar na Revista do Rádio, onde apresentei o meio artístico. Eu fiz reportagens com quase todos os artistas da época, da década de 40. A Revista do Rádio permaneceu até 59, eu acho. Eu trabalhei nela durante todo este tempo. Inclusive eu vim prá Porto Alegre, fui correspondente aqui, diretor da sucursal. Eu trabalhava na Farroupilha e fui diretor da Revista do Rádio aqui. Tinha uma página inteira do Rio Grande do Sul, que era eu que escrevia. Muitos anos depois eu fiz o curso de jornalismo, no Colégio Carlos Laverneck, em Petrópolis. Naquele tempo não tinha curso de jornalismo. Em função da revista que eu voltei prá cá, exatamente. Eu vim organizar a sucursal aqui, né. Aí o Rui Resende me ofereceu um emprego na rádio Farroupilha de divulgador e fui me adaptando muito bem em Porto Alegre. O Rui Resende, meu amigo, me convidou prá criar o departamento de divulgação. Na época, a Farroupilha era a maior emissora do Rio Grande e uma das maiores do Brasil. Tinha o maior cast em Porto Alegre. Tinha o cast de humoristas, redatores, novelistas. Um dos maiores do Brasil, né. Só orquestras tinham três ou quatro. Três ou quatro conjuntos musicais. Um colosso! Minhas músicas eram tocadas. Isso foi em 50 e poucos.

Quando eu estava no Rio eu tinha músicas, uma porção de músicas. Mas naquele tempo era pejorativo ser compositor. Cantora de rádio então, era considerada prostituta. Moça de família não cantava no rádio. Compositor e cantor era tido como cachaceiro, malandro. E esse panorama todo só mudou por causa da economia. Foi criada a Lei do Direito Autoral. O Getúlio... Entre as coisas boas que ele fez, a Lei do Direito Autoral. Essa lei foi atraindo pessoas já "de nível", como David Nasser, Ari Barroso, prá fazerem música, gravarem, colocarem no teatro.

O que mudou junto foi o comportamento das pessoas, pois a profissão regulamentada começou a atrair compositores de todas as linhas. Não eram só os grandes compositores do morro, Cartola, Geraldo Pereira, Simon... Os rapazes de sociedade começaram a fazer música também. Formou-se o Bando da Lua. Tinha o Mário Reis, que era advogado. Tinha o Flávio Mesquita, pianista. Uma série enorme. Isso tudo foi engrandecendo a música, que foi penetrando nos salões, por toda a parte. Tornou-se assim um motivo de trabalho. Criou-se um trabalho, trabalho musical. Começaram a contratar cantores, cantoras, compositores. Antes... Os bicheiros, por

exemplo. A polícia vinha em cima diziam, "eu sou compositor". Tinha que ter uma profissão. Naquele tempo tinha uma medida de ordem de segurança, que a pessoa tinha que ter uma profissão prá andar na rua, senão não podia. E, eles mostravam a carteirinha de compositor. Mas não eram. Compravam música.

Fiz uma porção de músicas. Entusiasmado com o espírito... Vendia umas, outras dei. E, gravei uma porção. Tenho quase 200 músicas gravadas. Na época, músicas que foram sucesso. Na década de 40. Não gravei nenhum com minha voz. Sempre dei para que cantores gravassem. Não sou cantor. Faço letra e música. Em algumas eu tenho parceiro. Geralmente eu faço. Letra e música, tudo junto. Não toco instrumento. Alguma coisa de violão prá tirar as composições. No mais, só caixa de fósforo. Sou compositor.

Muitas músicas eu vendi no Rio. E, foram sucesso. Mas eu não me interessava muito por isso lá. Passei a me interessar mesmo, foi em Porto Alegre. Com a minha convivência com os cantores daqui. Aqui tinham dois programas, todos os sábados. Programa Maurício Sobrinho e o Vesperal Farroupilha, este último dirigido pelo Salimen Júnior. Então, uma das músicas que marcou, logo no início da minha carreira de compositor, foi um samba chamado Louca, gravado pelo Conjunto Norberto Baldauf. Depois teve mais umas oito ou nove gravações. Aí fui me entusiasmando aos poucos. Os cantores foram me pedindo música, eu fui dando. Fui fazendo mais. Fundamos o Clube dos Compositores, há vinte anos. A sede fica em cima do Mercado Público, na Galeria Municipal. Tive muita sorte. Comecei a gravar uma porção de músicas. Pertenço à UBC(União Brasileira de Compositores). Não fiz parte da SBACEM(Sociedade Brasileira de Compositores e Escritores de Música), fiz parte da UBC(União Brasileira de Compositores). Gostaria de receber mais do que recebo de direito autoral, mas não tenho queixa nenhuma contra o ECAD(Escritório Central de Arrecadação do Direito Autoral), que é o órgão arrecadador. Instituição seríssima. Eu recebo regularmente meus direitos autorais. Só que paramos de gravar.

Eu me casei, muito bem casado. Com uma moça da alta, tradicional família paulista. Família Castanho de Almeida. Eram na época os reis do café, lá. O nome dela era Lys, "ele, ipsilone e esse", Castanho de Almeida Prado. Tivemos quatro filhos: duas meninas e dois meninos. As moças se casaram, passaram para a vida doméstica, a ter filho e tal. Os rapazes estão aí, fortes, ricos e bonitos: Sérgio Gonzalez, é o presidente da ARP(Associação Riograndense de Propaganda), foi diretor da LP&M Propaganda muito tempo; o outro, Daniel Gonzalez, também é publicitário, tem uma empresa. Eu tenho uma filha, extra-matrimonial, que mora no Rio de Janeiro. De um romance que tive com uma moça inglesa. Aí nasceu Mary Helen. Também 'tá rica, bonita, lindíssima. Foi destaque da Mangueira, já. Uma pessoa muito inteligente, muito bacana. Nesse aspecto eu estou de bem com a vida. Não tenho do que me

queixar. Um dos meus filhos toca acordeon(sic) e escreve também. Meu filho Daniel toca violão. O Sérgio cantava muito bem.

Não fiquei viúvo, nem me separei. A minha mulher, inclusive, foi minha companheira na cadeia, foi prá prisão, ficou comigo lá na Ilha Grande. Lecionou lá. Até hoje nos damos muito bem. Só que eu gosto mais de ficar aqui, sozinho. O meu temperamento sempre foi esse. Sempre gostei de viver isolado. Eu moro sozinho, mas não vivo sozinho. As pessoas me procuram, me telefonam. A minha vida é boa. É sempre preenchida com fatos, acontecimentos. Também eu 'tou sempre inventando coisas.

Antigamente, chegava aqui em Porto Alegre um cantor de sucesso... Por exemplo, os Demônios da Garoa, que gravaram uma música minha chamada Samba da Criança. Chegavam aqui e a gente fazia amizade. Íamos pro bar beber, conversar, sair, ver as mulheres. Naquele tempo era assim. Aí mostrava a música pro intérprete. A que ele gostava, chegava lá e dizia, "vou gravar esta música de um compositor gaúcho". E gravava. Se fosse sucesso muito bom. Se não fosse era mais uma música gravada. E conta ponto, né. Depois, se pressupõe que ela 'tá tocando em algum lugar, né. Agora mudou isso, com o surgimento de cantores compositores. Hoje em dia o compositor é cantor também. Embora alguns cantem mal, mas são cantores.

Aí aconteceu uma coisa muito boa na minha vida. Surgiu um programa de perguntas e respostas chamado "Do zero ao infinito". Surgiu no Rio de Janeiro com o nome de "O céu é o limite", e a edição gaúcha, "Do zero ao infinito". Este programa era apresentado aqui pelo Ernani Berls e a Heloísa Helena. Então, eu participei e ganhei. Respondendo sobre a vida e a obra de Monteiro Lobato. Ganhei aqui... Naquela época ganhei bastante dinheiro. Aí quem ganhava aqui ia responder "No céu é o limite", que era apresentado por J. Silvestre e Ilca Soares. Lá no Rio eu ganhei também. Depois continuei respondendo sobre Monteiro Lobato, fui à São Paulo, depois novamente Porto Alegre. Vivia viajando de avião. Aqui eu respondi num programa que foi muito importante, chamado "O grande desafio". Era um duelo entre a TV Iguaçu, de Curitiba, e a TV Gaúcha, Canal 12. Sei que o apresentador de lá era o José Jamuz e aqui era o Mendes Ribeiro. Também ganhei. Aí a Piratini lançou o concurso "Campeões da Memória", cujo prêmio era fogão Geral. Eu sei que eu ganhei fogão... Não tinha mulher sem fogão em Porto Alegre.

Os shows serviam para atrair as pessoas aos movimentos políticos. O episódio ocorrido em Santa Maria, por ocasião da "Salvadora" em 64, demonstra a aproximação da música junto à participação política. O comício acontecia e era irradiado pela Guaratã, rádio de Jango. Diziam que ele tinha interesse... Naquele tempo as teses que empolgavam as pessoas e, principalmente a juventude, eram as do Brizola e do Jango. O Nacionalismo, né. No Rio Grande do Sul quem fazia parte deste movimento... Morto, tem o Hamilton Chaves. Era jornalista e foi chefe da Casa Civil do Brizola. Era

um ativista político. Tem um advogado, escreveu até um livro... O Índio Vargas, que escreveu "Guerra é guerra, dizia o torturador". O Glênio Peres, morreu. Não tinham sido comunistas. Participavam pela democracia. Sereno Chaise... Foi preso também, naquela época. Não era músico, mas teve uma casa de boêmia. Ali na Cristóvão Colombo. O Fúlvio Petraco, que agora é candidato a senador aí. Foi um combatente. Eu até fiz uma música prá campanha dele uma vez: "Fuzil na mão". Compus o Hino da Legalidade.

Atualmente a juventude não liga prá mais nada. De uns vinte ou trinta anos prá cá, ou quarenta talvez... A nossa juventude era idealista. Naquele tempo não tinha televisão. Então, a gente lia muito. Monteiro Lobato, por exemplo, era um idealista. Foi preso porque dizia que o Brasil tinha petróleo. Hoje não nascem mais líderes como Monteiro Lobato. O próprio Jorge Amado, agora 'tá mais acomodado. Escreve histórias mais amenas. Mas foi um grande militante, um grande quadro, um grande combatente. Viveu como militante toda a sua vida. E, teve sorte, não morreu. Acabou vencendo como escritor, merecidamente. A gente tinha paixão pela poesia. A gente se reunia no "Vermelhinho", no Rio de Janeiro. Na Travessa Araújo Porto Alegre, ali. Era um barzinho. Então, entre fazeres e afazeres políticos, a gente declamava Castro Alves, Cruz e Souza, Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos... O pessoal gostava daquele mocinho. E uma característica marcante, naquele tempo, era a ausência da mulher. Hoje, por exemplo, já de 60 prá cá, as moças começaram a participar, foram guerrilheiras. Me lembro de uma guerrilheira que foi a Vilma. Existiram grandes mulheres na política. A "Pagú", Patrícia Galvão. A mulher do Agildo Barata, Maria Barata. Mãe do Agildo Ribeiro que está na televisão. Sofreu... Cortaram os bicos dos seios dela. Fizeram horrores. Foi uma grande militante. A Clarice Linspector...

Antigamente também existia música de protesto. Eu sei uma porção, no momento não me lembro... Wilson Batista: "faz tanta casa, não tem casa prá morar", "o Bonde São Januário leva mais um operário, sou eu que vou trabalhar". Sempre existiu música laudatória, como Aquarela do Brasil e música de combate. Noel Rosa, por exemplo, toda a obra dele é uma sátira social. Inclusive com muito mais veemência, e mais particularidade e autoridade do que os compositores de hoje, que são bons, mas não chegam a um Noel, a um Sinhô... Sempre existiu a música de protesto... Basta dizer o seguinte, que o primeiro samba gravado... Pelo telefone, gravado pelo Donga... Era uma música de protesto, porque no Largo da Carioca instalaram uma roleta quando o chefe de polícia tinha proibido o jogo: "o chefe de polícia mandou me chamar, porque na Carioca tem um roleta prá gente jogar". Isto é uma música de protesto.

O que estagnou um pouco a veia poética, revolucionária, foi a ditadura. Quando entrou a ditadura, aí era proibido. Quando acabou a ditadura, aí é que teve lugar para a juventude participar. Aí foi que entrou essa música... Geraldo Vandré, Chico Buarque

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