Revista da Grande Rio N° 4

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Nossas celebridades Pedrinho Naval, Marli, Norma e G. Martins: baluartes da Grande Rio GrandeRio2020_SGDA REV.indd 1

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Índice A preparação dos componentes Quadra e barracão, funcionamento perfeito O samba de 2020, verso a verso Reportagem de capa. As verdadeiras celebridades Roteiro do desfile O trabalho incessante da comissão de frente Paolla Oliveira: palavra de rainha Grande Rio, comunidade e tradição. Por Helinho de Oliveira Amor eterno. Por Jayder Soares

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ACADÊMICOS DO GRANDE RIO CARNAVAL 2020 ENREDO Tata Londirá: O Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias • PRESIDENTES DE HONRA Jayder Soares, Leandro Soares e Helinho de Oliveira • PRESIDENTE • Milton Perácio • DIRETOR DE CARNAVAL Thiago Monteiro • DIREÇÃO GERAL DE HARMONIA Andrezinho, Cacá Santos, Clayton Bola, Helinho Aguiar e Jefferson Guimarães • CARNAVALESCOS Leonardo Bora e Gabriel Haddad • MESTRE DE BATERIA Fabrício Machado (Fafá) • RAINHA DE BATERIA Paolla Oliveira • INTÉRPRETE Evandro Malandro • COREÓGRAFOS DA COMISSÃO DE FRENTE Hélio Bejani e Beth Bejani • PRIMEIRO CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA Daniel Werneck e Taciana Couto • SEGUNDO CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA Andrey Ricardo e Jéssica Barreto • DIRETORA DA ALA DAS BAIANAS Dona Marilene • DIRETORES DA ALA DE PASSISTAS Avelino Ribeiro e Rosângela • DIRETOR DE BARRACÃO Sylvio Batista • ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Luise Campos

REVISTA DA GRANDE RIO fevereiro de 2020

EDIÇÃO, CONCEPÇÃO E REPORTAGENS: Aydano André Motta (MTb 18405) TEXTOS E REPORTAGENS: Luise Campos FOTOS: Eduardo Hollanda PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Télio Navega TRATAMENTO DE IMAGENS: Luiz Silveira IMPRESSÃO: Gráfica e Editora Padrão Color TIRAGEM: 6 mil exemplares AGRADECIMENTOS: Milton Perácio, Hélio e Beth Bejani, Vinicius Cabral, Bernardo Pilotto.

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Ensaios

Magia do desfile nasce do trabalho, na quadra e na rua

O ensaio na rua: esforço em busca da perfeição no desfile

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queles 700 metros, emoldurados por prédios comerciais, praças e postos de gasolina, não nasceram com o destino do estrelato. Integram a Avenida Brigadeiro Lima e Silva, a principal do Centro de Duque de Caxias, e são, ao longo da semana, endereço da correria comum aos trabalhadores. Nas noites de domingo, a faixa de asfalto vira passarela para a mais pura magia carnavalesca, por obra da Grande Rio, que ensaia ali. O povo do samba toma a avenida, emulando o espetáculo da Sapucaí, para delírio da plateia que lota as calçadas. Para 2020, o bolo tricolor ganhou cereja preciosa: o melhor samba-enredo da temporada, cantado visceralmente pelos componentes, de ponta a ponta. Dá gosto de ver — e ouvir — o fervor na reza fundamental do “Eu respeito o seu amém/ Você respeita o meu axé”, emblema da tolerância religiosa. Todos ali sabem o tamanho do desafio — levar a Grande Rio ao primeiro título no Grupo Especial, sonho maior dos bambas de Caxias. Daí, se empenham em treinar, praticar, se

aprimorar, repetir, voltar — até a perfeição. “Nossos ensaios são necessários, porque sabemos o que precisamos percorrer até o objetivo”, ensina mestre Fafá, maestro da bateria tricolor. “Cantaria muito mais se preciso fosse, para buscar as maiores notas”, ecoa o cantor Evandro Machado. Mas ninguém decifra melhor a importância dos ensaios na quadra e na rua do que o diretor de Carnaval, Thiago Monteiro. O paticumbum começa no grito de guerra dele, convocação, com toda força dos pulmões e do coração, para o canto mais intenso, como se não houvesse amanhã. No Carnaval desde 1990 — profissionalmente a partir de 2004, como diretor de ala da Unidos da Tijuca —, ele se define como obcecado pela organização das escolas. “Sempre mirei nisso. organização, montagem, manual do julgador”, reconhece. Comandante da harmonia entre 2014 e 2016, assumiu a direção de Carnaval da Grande Rio em 2019, com a missão de cuidar do chão da escola. Em outras palavras: valorizar a comunidade. O caminho do diretor foi a franqueza. “Acredito

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Thiago Monteiro orienta os componentes. As baianas: guardiãs da tradição do samba (abaixo). Componentes ensaiam na quadra (foto de baixo)

que um não com dignidade é melhor que um sim mentiroso”, ensina. “Não engano ninguém. Meu trabalho se baseia em falar a verdade, ser honesto”. Não é só isso. A cruzada de Thiago cria as condições para, no dialeto carnavalesco, o chão acontecer. Conjugar técnica e emoção para a Grande Rio ser ainda mais competitiva. E nessa batida, os ensaios são essenciais. “Precisamos traduzir no canto a emoção do enredo, interpretar os valores e a coragem de Joãozinho da Gomeia”, planeja ele, lembrando que também acontece ali um resgate: depois de 26 anos, a tricolor da Baixada tem um enredo afro. “Todos esses ingredientes transformam a escola num caldeirão que serve de estopim para o trabalho”. Sempre com a emoção no máximo. “Sem isso, não tem graça”, resume Thiago, garantindo que sua empolgação nada tem de teatral. “É minha essência. Gosto de motivar, pôr para cima, para frente”. Está na escola certa.•

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Quadra

Anfitriões entrosados e apaixonados Q

uando você aí quiser conhecer a Grande Rio, é só chegar — encontrará a casa tricolor arrumada, à espera dos visitantes. A excelência na gestão da quadra está consolidada como tradição na escola, confirmada a cada grande evento. Um time pequeno, aguerrido e apaixonado — todo selecionado na comunidade — garante a festa, cuidando dos detalhes, para garantir conforto e encantamento do público. Não falha. Ali, os preceitos são a experiência, a entrega apaixonada pelo trabalho e o comprometimento com a escola. Há 25 anos, a quadra da Rua Wallace Soares tem a mesma administradora, Alex Sandra Donato, 46 anos de Grande Rio. Em nenhum dia desse quarto de século, ela chegou para trabalhar burocraticamente, pelo salário somente. Seu ofício está contaminado pela paixão. “Conheço cada tijolinho ali. É minha casa e tenho orgulho de ser boa anfitriã”, ratifica ela, nascida em Caxias e mãe de Thainá, musa da escola. “Sou mãe da Grande Rio também”, completa, com orgulho na voz. Alex explica que seu traba-

lho serve de aprendizado permanente no caminho da maturidade profissional. “Ali me formei assistente social. Conheço o gosto da comunidade, suas necessidades, e sei do que os convidados precisam para ser felizes conosco”. Responsável pela manutenção da quadra com capacidade para 7 mil pessoas, Robson Venâncio da Silva, o Robinho, 46 anos, também de Caxias, está na escola há 11. Sua equipe, enxuta e eficiente, tem cinco pessoas fixas, mas nos eventos os terceirizados chegam a 20, além de mais 20 seguranças. “Somos como um time bem treinado, temos grande entrosamento pelos muitos anos de convivência”, aponta. “Trabalhamos o ano todo, não apenas no Carnaval, em eventos de todo tipo, com públicos diferentes. Não gosto de ser maltratado onde vou, assim me preparo para tratar bem todos que chegam”, ensina. A eficiência tricolor nasce na Baixada e chega ao barracão, na Cidade do Samba. A equipe comandada por Sylvio Batista responde pela manutenção, segurança e construção de alegorias e fantasias concebidas pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Combinando inovação e experiência, o time entrosado o setor administrativo, que dá o suporte fundamental às criações tricolores. Sem a “ala do barracão”, nada aconteceria. Porque o show da Grande Rio começa muito antes da Sapucaí, na apoteose de logística em suas instalações.Sonhemos, Grande Rio! Axé! O tempo é a nossa história: vamos, vamos de mãos dadas!•

Alex Sandra: trabalho que conjuga paixão e profissionalismo. No alto, Robinho (segundo a partir da esquerda) e sua equipe: simpatia e eficiência

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Reportagem de capa

Thainá: na escola desde antes do nascimento, hoje musa e exemplo. Dugás (no alto): experiência nos bastidores da bateria. Valmir (no meio, à esquerda) e Luiz Negão: no carro abre-alas. Rosângela: “mãezona” das passistas

Inventores da paixão chamada Grande Rio E

les são fundadores de uma tribo apaixonada e apaixonante, que vive para construir laços comunitários indissolúveis, e fazer história no Carnaval. Têm em comum, a obstinação dos brasileiros nascidos no andar de baixo, que precisam correr atrás dos seus sonhos. Não desistem — com energia infinita, materializam os objetivos e, no bojo, deixam como legado a mais pura arte dos bambas. Agora, com vocês, os baluartes da Grande Rio. Gente como Dona Norma da Silva Dantas, que chegou antes do início. Componente da Unidos da Vila São Luiz e do Bloco do China (“Brinco lá até hoje!”), com 80 anos, viveu toda a história tricolor. De lavar banheiro a costurar fantasia, fez de tudo. E guarda os 54 uniformes da escola que vestiu até hoje com capricho, limpos e organizados. Dos 3 filhos, 17 netos, 15 bisnetos e 4 trinetos, vários exercem funções na escola. Hoje, Dona Norma integra a

Velha Guarda, numa linda história na qual só cabe um lamento. “Hoje só consigo sair no carro alegórico. Gostava mesmo é de desfilar no chão”. Com ela, vai a amiga Marli, igualmente fundadora, primeira costureira da Grande Rio. Hoje na diretoria de Carnaval, ela ensaiou a comissão de frente do desfile de estreia. Pedro da Fonseca, o Pedrinho Naval, esteve também em todos os momentos. “Somos celeiro de sambistas, merecíamos uma escola grande”, recorda, integrante do grupo que invadiu o terreno onde hoje está a quadra e em seguida foi à casa de Jayder Soares. “Vamos fazer a maior escola do mundo!”, decretou o patrono, empolgado com o fervor folião. Naval cuidou da ala das crianças, ajudou na feijoada e virou locutor. “Faço o que for preciso pela Grande Rio”, avisa, na fala rápida e empolgada. “A gente bateu na trave, mas agora vai entrar. Teremos um grande Carnaval”, garante.

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AO amor, às vezes, começa antes da maternidade. Thainá Oliveira tem mais desfiles do que seus 26 anos de vida — cruzou a Sapucaí pela primeira vez na barriga da mãe. Aos 5 anos, entrou na Pimpolhos da Grande Rio e hoje, musa, samba com perícia de passista, mas não se desliga dos protocolos da avenida. Faz sentido. Thainá aprendeu desde cedo com o pai, Helinho de Oliveira, presidente de honra, o trabalho de conduzir a escola na Passarela. Aos 6 anos, do alto de um carro alegórico — uma das caravelas do desfile de 2000 —, entendeu a magnitude do espetáculo. A musa se tornou referência para as meninas e meninos da comunidade, que sempre tiram fotos com ela nos eventos da escola. Aos 77 anos, G. Martins observa com gosto o entusiasmo dos jovens. Na Grande Rio desde a fundação, ele foi o autor de 12 dos 20 primeiros sambas-enredo da tricolor, desempenho que espalhou uma certeza entre os compositores: “Se o G. Martins concorre, não tem graça”. Ele teve 138 obras gravadas, por artistas como Dicró, Bezerra da Silva, Fagner, Agepê e Jair Rodrigues – mas seu grande orgulho está em Caxias. “Nossa comunidade sempre cantou meus sambas com força e paixão. Tenho orgulho de ser um dos fundadores”, exalta. É amor pelo samba e por Caxias o caso também de Rosângela Patrocínio, mais uma pioneira. Moradora na cidade desde 1971, ela participou de todos os 31 desfiles, e tem como favorito “Prestes, o cavaleiro da esperança”, de 1998, quando era passista. Hoje, é diretora da ala, a “mãezona” das jovens sambistas. “Elas me procuram até quando têm problemas pessoais”, confirma Rô, como é chamada pelas meninas. A cumplicidade deu no trabalho bem feito, consagrado por seis Estandartes de Ouro, recorde no Grupo Especial. “A base de tudo é a confiança”, ensina. Agora mesmo, para 2020, o trabalho cuidou da diversidade. “Tenho passistas que são evangélicas, católicas, espíritas, candomblecistas e umbandistas. A aceitação das diferenças é importante para nosso bom desempenho. Por isso, a mensagem que vamos passar na Avenida é crucial”. Luiz Carlos Rodrigues, o Luiz Negão, e Valmir Francisco Rosa estarão lá, como sempre, agora responsáveis pelo abre-alas. “A Grande Rio é a nossa vida, onde somos grandes”, aponta Valmir, 62 anos, gráfico que desfilou na comissão de frente por 10 anos. “A escola é mais um filho que tenho”, resume Luiz Negão, 64, guarda municipal que foi o primeiro diretor de bateria. A orquestra tricolor, aliás, é a casa de outro baluarte, José Carlos de Souza, que, de tão ligado à tricolor, era chamado em Caxias de “Grande Rio”. Hoje, aos 77 anos, conhecido como DuGás, não passou um Carnaval longe da escola, servindo-a com a humildade dos maiores. A experiência o conduziu a ser responsável pela estrutura da ala, em 1995. Até hoje, chega antes de todos, prepara os instrumentos e dá o suporte para o coração da escola pulsar. “Sou sempre o último a sair”, orgulha-se ele, que chegou a recusar o convite para ser mestre, por entender ser mais útil na função atual. O legado de Dugás deu fruto virtuoso. Seu filho Fabrício Machado, mestre Fafá, comanda os 270 ritmistas a partir dos saberes aprendidos em casa. Admirando o talento do herdeiro — celebrado com o Estandarte de Ouro — o professor modesto se alegra: “É como ser pai novamente pela primeira vez”.•

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Reportagem de capa Escola que realiza sonhos Milton Perácio

Nunca me conformei com Caxias, uma cidade de tantos bambas, tão festeira e alegre, não ter uma escola de samba à altura de sua grandeza. Todo dia, pensava que não poderia conviver com esse desgosto. Fundar uma agremiação que concorresse como grande na Passarela do Samba, representasse nosso lugar e nossa comunidade, virou uma causa para mim. As escolas que tínhamos, então — Cartolinha de Caxias, Capricho do Centenário, Unidos da Vila São Luiz e União do Centenário — eram modestas, não tinham peso nem importância. Parti para a articulação que juntaria todas elas numa só. Só a união nos faria fortes. Não foi simples; deu trabalho conciliar todos os interesses e objetivos. Minha ideia só vingou com o apoio e a parceria dos companheiros Jayder Soares e Helinho de Oliveira, que comungam do meu orgulho por Caxias e entenderam o valor de fundar uma escola de samba. Assim, nasceu a Acadêmicos do Grande Rio. Foi um trabalho coletivo, esforço de muitas pessoas da nossa cidade. Todos se uniram no projeto de sermos protagonistas na Sapucaí pelo caminho do samba e da alegria. Hoje, Caxias se orgulha de ser terra de bambas e, agora em 2020, vai para a avenida conquistar o título que passou perto algumas vezes. Vamos realizar mais esse sonho com a comunidade da Grande Rio!• Milton Perácio é presidente da Grande Rio

Vida de devoção à Grande Rio O sonho da menina de 14 anos que ensaiava passos de samba assistindo aos desfiles se concretizou por meio de uma tia. Dona Jorgina, diretora da Grande Rio, enfrentou a contrariedade do irmão e levou a menina para um teste na ala de passistas. Ela foi aprovada para a única vaga disponível em 1997, ainda muito longe do apelido que a faria famosa: Feiticeira (foto). A entrada definitiva só aconteceu em 1998, graças ao olho clínico do presidente de honra, Jayder Soares, que convocou a talentosa jovem para o desfile. Quando já fazia parte do grupo de shows teve de se afastar por causa da doença de sua mãe. Com a família em dificuldades, trocou o trabalho de passista pela vaga em uma lanchonete — até Jayder, uma vez mais, interceder. Ao explicar o motivo da saída, recebeu o convite para ser assistente pessoal do presidente. Conseguiu, enfim, conciliar trabalho e paixão. Não à toa, a evangélica Tatiane o tem como um anjo. Aos 36 anos, recebeu o reconhecimento pela dedicação: foi alçada a vice-presidente. Recompensa justa pela entrega apaixonada. “Faço tudo pela Grande Rio, é a minha vida”.

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O que vai passar no desfile da Grande Rio SETOR 1 – A noite: visões ancestrais, caminhos abertos | O desfile começa com os delírios de um menino de Inhambupe, interior da Bahia, e sua visão de um homem coberto de penas, o Caboclo da Pedra Preta, seu guia. Nas raízes ancestrais, bradam os gritos dos caboclos, os guardiões das encantarias, e giram as insígnias de Exu, o arrepio da pele em forma de orixá. Irmanando essas energias, definimos o Brasil como um emaranhado de saberes. As visões noturnas do menino João são materializadas em fantasias e elementos alegóricos. SETOR 2 – O terreiro: a magia dos orixás na Gomeia de Salvador | João deixa a pequena Inhambupe e chega à mítica, solar e cintilante Salvador, que festeja os caboclos no 2 de julho; cidade onde Pai Jubiabá desafiava outros candomblés, promovendo ritos “impuros”, mistura de orixás, inquices e caboclos. Com a cabeça raspada para Oxóssi, o jovem João da Pedra Preta dá início a seu candomblé, inspirado na visão inclusiva de Jubiabá. A Gomeia de Salvador, na Estrada de São Caetano, passaria a receber artistas e intelectuais em um ambiente roceiro. O terreiro! SETOR 3 – A aldeia: candomblé de caboclo na Gomeia de Caxias | A fama crescia, as polêmicas também. O desfile mostrará, na sequência, que João desembarcou no Rio e fincou suas raízes na Baixada Fluminense, Duque de Caxias, transformando a “Nova Gomeia” em um cenário de festa e fartura. Baixavam os caboclos na Baixada, sob a proteção de Pedra Preta, no transe do Juremá. O rito do candomblé de Joãozinho misturava a matriz Angola, o culto da jurema sagrada (praticado no Norte e Nordeste) e as especificidades do candomblé de caboclo. Temos, nesse momento do desfile, o terreiro que se transforma em aldeia.

O espetáculo SETOR 4 – A rua: carne de Carnaval | Mas a carne é de Carnaval e João vestiria o brilho, febril, na folia. Vedete nos bailes de transformistas, herói clássico nos mais suntuosos salões, Ramsés e Cleópatra em um mesmo corpo indócil. Tudo vai passar no asfalto da Sapucaí, além das escolas de samba: João desfilou triunfal no Império Serrano, na Imperatriz Leopoldinense e no Império da Tijuca. Exímio costureiro, levava técnicas da confecção de fantasias aos terreiros e a habilidade na produção de roupas de Santo aos ateliês das escolas. Nas ruas, debaixo das antigas decorações, João espalhou seu axé. SETOR 5 – O palco: candomblé-espetáculo | Reconhecido artista, costurou devaneios. Chegamos a outro momento do enredo, dedicado aos palcos. João reinou nos grandes teatros e brilhou nos maiores cassinos. Bailou com Mercedes Baptista e arriou ebós para JK, na Brasília em construção. Foi capa de revista, gravou disco de pontos, fez pontas no cinema. A Gomeia recebia centenas de celebridades, o que mexia com o imaginário de Caxias. Até mesmo a amizade com o outrora coroado Chatô, enredo da Grande Rio de 1999, será citada no cortejo. SETOR 6 – O quilombo: resistência e re-existência, respeito e eternidade | Por fim, o desfile entoará um canto de tolerância, em defesa da liberdade religiosa e da diversidade cultural. A Gomeia ainda pulsa no sangue dos herdeiros. A cultura popular que Joãozinho fomentava continua a brincar pelas ruas de Caxias, vestida de palhaço de reis ou gingando capoeira, dançando quadrilhas em junho, louvando Iansã no 4 de dezembro. Mostraremos as sementes do quilombismo, nas cores de Abdias Nascimento, vivas e verdejantes. Mostraremos que a intolerância e a violência jamais quebrarão os fundamentos, as memórias e os saberes do povo de axé. Daremos, juntos, o grito de pertencimento, união e alegria. O quilombo! É com este espírito destemido que a Grande Rio vai se reconectar à linha de enredos que celebrava, na avenida, a história não oficial e a multiculturalidade brasileiras. Somos a escola que mergulhou nas águas claras, pediu paz a Oxalá, denunciou que o Pelourinho ainda não findou, sambou com Exu, rei da noite, de corpo fechado, nas encruzilhadas do sonho. Escola de uma comunidade apaixonada e apaixonante, uma geração de “pimpolhos” que pedem desde cedo a bênção a Tia Ciata; de um corpo de profissionais unidos e dedicados, anônimos sem os quais nossos traços não ganham vida. O sopro, o cisco, a gira! Sonhemos, Grande Rio! Axé! O tempo é a nossa história: vamos, vamos de mãos dadas!•

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Comissão de frente

Esforço, dedicação e arte para garantir as notas 10 N

o planeta Carnaval, nenhum sarrafo é tão alto quando o das comissões de frente. Os espetáculos de extrema criatividade, que abrem as apresentações das escolas são resultado de planejamento preciso e treino obsessivo, durante meses, em madrugadas insones. A Grande Rio conta com um casal dos mais valorizados da Sapucaí. Hélio e Beth Bejani unem criatividade e profissionalismo à paixão da comunidade, que serve de combustível até a nota 10. Trabalhar com comissão de frente é viver no limite do corpo. Assim, o casal comandante do segmento na Grande Rio comunga do pensamento de que todo trabalho será pouco. Ao longo de cinco meses, três vezes por semana, eles e o grupo de dançarinos ensaiam os movimentos que vão deslumbrar a plateia. Paulista de Piracicaba, Hélio aprendeu a receita numa admirável adaptação à bula do Carnaval, como mais um a conjugar o Teatro Municipal, onde é coreógrafo, com as escolas de samba. Cumpre a trajetória das lendas Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues e Joãosinho Trinta, a dos contemporâneos Priscila Mota, Rodrigo Neri, Sérgio Lobato e Marcelo Misailidis (entre outros). Ele e Beth passaram por Mangueira e Salgueiro, para desembarcar na tricolor da Baixada no auge da maturidade artística. Dentro do enredo “Tata Londirá: o Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias”, a comissão de frente dialoga com a narrativa criada pelos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad. Evoca aspectos da trajetória de Joãozinho da Gomeia, sem deixar, jamais, de apresentar a escola que vem na sequência. As transformações dos dan-

çarinos vão arrebatar a Sapucaí, num show inesquecível. A odisseia de superação vai se consumar em excelência, no segundo desfile de Hélio e Beth na escola. “Agora estamos conseguindo trabalhar com o potencial todo, bem conectados aos componentes, e na mesma linha artística dos carnavalescos”, atesta o coreógrafo, fascinado com sua integração ao povo tricolor. “Recebemos um tratamento maravilhoso e com grande profissionalismo, de pessoas apaixonadas e comprometidas com o Carnaval”, elogia. A transformação que a escola atravessa, processo sofisticado e radical, encontra uma etapa mais consolidada em 2020. “Não é algo que acontece de uma hora para outra”, observa Hélio. “Temos uma liberdade artística que nos incentiva a continuar e se superar. Estamos muito felizes na Grande Rio”, arremata Beth, num sorriso satisfeito. Viver toda a história de um Carnaval fica mais ameno pela parceria indestrutível do casal. Hélio e Beth se conheceram no Municipal, num amor iniciado na dança que transbordou para a vida toda. Ela ainda orienta o casal de mestre-sala e porta-bandeira, Daniel Werneck e Tarciana Couto, revelações que Caxias deu de presente à festa. A parte penosa da saga está nos processos do Carnaval. “Sofro mesmo”, reconhece o coreógrafo, que, totalmente integrado à tensão da disputa entre as escolas, se angustia com a abertura dos envelopes com as notas, na Quarta-Feira de Cinzas. “Ficar na dependência do julgamento é duro, obriga a um trabalho psicológico intenso”, aponta. Mas se trabalho e dedicação contam, o casal da comissão de frente da Grande Rio tem garantidas as notas 10.•

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A rainha de Caxias está de volta

Entrevista

Onde você aprendeu a sambar tão bem? Já fui muito chamada de paulista no samba. Não sei onde aprendi, até porque samba é muito diferente das que se aprende na escola. É algo muito específico. Lembro de ver os desfiles na TV muito jovem. Acho que aprendi assim. Como foi a primeira encarnação como rainha? A paixão começou quando na minha estreia como destaque de chão. Conheci o Carnaval de verdade que é isso aqui (o barracão). E o carinho começou pela forma sem cerimônia com que a Grande Rio me recebeu. Daí surgiu meu amor pela escola. Descobri a conexão com a bateria pelo Ciça, adorável maluco, que me botou para comandar os ritmistas. E agora? A comoção na internet foi irresistível, os torcedores criaram a hashtag #voltapaolla. Não sou mais a mesma, estou dez anos mais velha, mas o amor da gente de Caxias é tão grande... voltei! Há alguma vantagem pessoal ou profissional em ser rainha? Não, nenhuma. Pelo contrário. A vantagem é estar ligada a essa galera toda. No mais, tento cumprir o papel de eliminar o preconceito contra o Carnaval, para as pessoas entenderem a importância da festa para o Brasil. A Grande Rio é uma escola da Baixada Fluminense. Como você se ligou à comunidade? Nossa, o pessoal de Caxias é muito querido comigo! Outro dia, fui entrar no estacionamento do aeroporto, estava cheio mas o rapaz da entrada falou: “não, rainha, sou de Caxias, vamos dar um jeito”. E achou uma vaga (risos). A conexão deles comigo é muito surpreendente. Passaram várias rainhas e todos se lembram de mim, me tratam por “minha rainha”. Não tem como ser melhor. Você volta num ano em que o enredo e o samba da Grande Rio são os mais celebrados pela crítica. Qual a importância da mensagem sobre tolerância religiosa que a escola vai levar à avenida? Cada vez mais o Carnaval está voltado a questões importantes da nossa sociedade. Sou apaixonada pela mensagem que a Grande Rio está passando esse ano. Atual, moderna e muito importante, que vem pela história de uma pessoa muito icônica, o Joãozinho da Gomeia. Negro, candomblecista, intelectual, um desbravador. A gente vai falar de religião, mas valorizando a tolerância, o respeito. É muito importante uma festa popular apresentar temas como esses, que fazem as pessoas pensarem. Estou muito orgulhosa.•

“Sou apaixonada

pela mensagem que a Grande Rio está passando esse ano, atual, moderna e muito importante” PAOLLA OLIVEIRA, rainha de bateria 13

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Artigo Ao povo de Caxias, sempre campeão

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Helinho de Oliveira

er da Baixada Fluminense é carregar na alma a vocação dos guerreiros. Da tenacidade de um povo que trabalha incansavelmente para erguer seus sonhos, nascem as obras mais lindas — entre elas, a Grande Rio. O amor de Caxias pelo samba, a entrega inegociável dos componentes, a devoção pelo pavilhão são maravilhas especiais, únicas, de gente que merece ser feliz — e campeã. Testemunhar, ano após ano, Carnaval após Carnaval, a força dos nossos sambistas está entre os maiores prazeres dessa vida. Nos ensaios na quadra e na rua, nos desfiles da Sapucaí, no cotidiano da escola, tudo conduzido pela inesgotável motivação do amor. Não existe outra razão — e nem precisa. Quando vejo nossa comunidade reunida, na elegância do verde, vermelho e branco, saboreio uma convicção: nada pode ser mais precioso do que a gente tricolor. O

povo de Caxias merece todos os esforços e homenagens para viver a experiência de um Carnaval grandioso, à altura de sua expectativa e dedicação. Não é, para nós, brincadeira nem veleidade; tem tamanho de sacerdócio, objetivo da vida inteira. Na certeza construída ao longo da trajetória como diretor social, presidente administrativo e, com muito orgulho, presidente de honra, atesto e dou fé: a Grande Rio existe e se explica pela sua comunidade. Agora, para o Carnaval de 2020, os componentes turbinaram a qualidade do nosso samba, o potencial de nosso enredo, multiplicando-se no fervor do canto, na alegria da dança e na precisão do ritmo. Vamos cruzar a Passarela do Samba para arrematar a construção de outro sonho — o título do Carnaval —, mas vencedores mesmo antes do espetáculo decisivo. Assim, muito obrigado cantores, compositores, bateria, baianas, passistas, mestres-salas, porta-bandeiras, equipe de harmonia, funcionários da quadra e do barracão, seguranças, porteiros, recepcionistas. Agradeço também à minha família, por compartilhar desse amor infinito pela nossa escola. Somos, acima de tudo, detentores do orgulho de ser uma comunidade apaixonada, parceira, sambista. Grande Rio, você é campeã.• Helinho de Oliveira é presidente de honra da Grande Rio

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Artigo

Grande Rio: amor maior não há

Jayder Soares

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ada melhor do que estar com a família da gente – e em Caxias, tal prazer ganha contornos muito especiais, na paixão da Grande Rio. Tenho mesmo muita sorte: a escola está presente nos melhores momentos da minha vida, sempre com o povo da Baixada e sua capacidade realizadora, que deu em desfiles arrebatadores e noites de samba inesquecíveis. Lembrar de todos os grandes momentos ao lado deles, nos Carnavais que vivemos juntos, aquece o coração. A magia nasce da força de nossa comunidade. Uma gente que não desiste dos seus sonhos, enfrenta todas as adversidades em nome da vitória. Testemunhar, um ano após o outro, a superação para realizar o desfile, o sentimento que se renova infinitamente, cria a certeza: Caxias é terra de bambas. Tanto que a comunidade obedece a tradição de hospitalidade dos grandes sambistas. Ao longo dos anos, a Grande Rio recebeu famosos e anônimos sempre com a mesma gentileza. Quem chegou invariavelmente se sentiu em casa, pela simpatia da nossa gente. E, ao menos no sentimento, jamais irá embora.

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A magia do samba abre o irresistível caminho sem volta, que fica tatuado na alma. Conhecer a Grande Rio é a mais deliciosa das experiências. Todos que levei à escola guardam na parede da memória o carinho dos componentes, a força da bateria, a beleza da evolução, o canto vigoroso de quem pisa aquele chão da Baixada. Todos, na verdade, passam a fazer parte da comunidade tricolor, como torcedores que vibram com nossas apresentações ou como componentes na avenida. O compromisso não precisa de contrato nem de assinatura; tampouco necessita ser renovado nem aprovado. Dura para sempre, como a paixão dos nossos parceiros. Meus conterrâneos de Caxias formam um dos encantos da grande festa brasileira. Estão sempre prontos e dispostos para recomeçar o trabalho, um Carnaval após o outro, em busca do permanente objetivo de serem maiores, mais competentes e admirados. Vestem os trajes e as fantasias tricolores para levar o nome da nossa escola e da nossa cidade ao mundo, como exemplo de competência e dedicação. O mais humilde funcionário, o componente que vira as costas para as durezas da vida, o ritmista entregue à paixão de conduzir nosso samba — todos são campeões no carinho pela escola. Tenho muita sorte de conviver com todos eles. Que orgulho, Grande Rio! Muito obrigado, sempre.• Jayder Soares é presidente de honra da Grande Rio

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