![](https://assets.isu.pub/document-structure/200527235433-bac17fcbfe409624e2c3123bc0dabd5d/v1/e6e9b43890904b8a59b96b08a9cc6846.jpg?width=720&quality=85%2C50)
12 minute read
Saudades da saudosa maloca orientação: Francisco das Chagas Camêlo
R M
Saudades da saudosa maloca
Advertisement
Am érico Fazio Neto; Érica Molon; Janaina Bantim;Lariss a Storti; Mona Hass anie; Raiane Im airô; Raul Baronetti orientação: Francisc o das Chagas Camêlo
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200527235433-bac17fcbfe409624e2c3123bc0dabd5d/v1/bd3e0cbc3b8aa5a015bcc1db0ef26cd0.jpg?width=720&quality=85%2C50)
Até a década de 1960, São Paulo ainda existia; depois procurei mas não achei São Paulo. O Brás, cadê o Brás? E o Bexiga, cadê? Mandaram-me procurar a Sé. Não achei. Só vejo carros e cimento armado. (Adoniran Barbosa) J oão Rubinato, o verdadeiro nome de Adoniran Barbosa, nasceu na cidade de Valinhos em 6 de agosto de 1910 e na infância mudou-se para Jundiaí.
Nascido de uma família de imigrantes italianos, buscou prosperidade na vida e começou a preocupar-se em trabalhar. Em 1924 morou em Santo André, na Grande São Paulo, e começou a trabalhar para ajudar a família numerosa, em seu primeiro ofício, como entregador de marmitas. Teve diversos empregos − pedreiro, garagista, mascate, encanador, metalúrgico − e aprendeu que sua vida se move pela realidade. Aos 22 anos, instalou-se na capital, no bairro da Bela Vista, onde se empregou no comércio e participou de programas de calouros no rádio.
Nessa época adotou o pseudônimo Adoniran Barbosa. Adoniran era o nome de seu melhor amigo, e Barbosa uma homenagem ao cantor de sambas Luís Barbosa, seu ídolo. Conquistou o primeiro lugar no concurso carnavalesco promovido pela prefeitura de São Paulo, em 1934, com a marcha “Dona Boa”, feita em parceria com J. Aimberê. Adoniran Barbosa foi popularizado pelo grupo musical os Demônios da Garoa. Em suas composições, retratou o cotidiano da população urbana de São Paulo e as mudanças causadas na cidade pelo progresso. Teve o reconhecimento da mídia nos anos 1970. A música “Trem das onze” foi eleita pelos paulistanos como “a cara da cidade”, em uma campanha organizada pelo SPTV da TV Globo, e como a música do século. Em 2001 Adoniran ganhou uma cinebiografia. O sucesso o leva ao primeiro casamento com Olga, que durou menos de um ano, do qual teve sua única filha, Maria Helena. Em 1949 casou-se pela segunda vez com Matilde de Lutiis, que seria sua companheira e parceira de composição em músicas por mais de 30 anos. Em 1941 foi convidado para atuar na Rádio Record, onde trabalhou como ator e locutor.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200527235433-bac17fcbfe409624e2c3123bc0dabd5d/v1/d05d8762e7e87d37079de3c8cdb0d301.jpg?width=720&quality=85%2C50)
Em 1955 estreou o personagem Charutinho, seu maior sucesso no rádio. Compôs seu primeiro sucesso, “Saudosa maloca”, gravado pelo grupo Demônios da Garoa. Em seguida lançou outras músicas, como “Samba do Arnesto” e o famoso “Trem das Onze”. Uma de suas últimas composições é “Tiro ao Álvaro”, que gravou com Elis Regina em 1980. Adoniran nasceu e morreu sem dinheiro. Gastou tudo com seus amigos em sua vida boêmia, em comemorações ou mesmo os ajudando. Tinha muitos amigos; nos botecos por que passava conquistava o pessoal com sua fala rouca e seu jeito simples de ver a vida. Adoniran foi um sambista de verdade, que vivia a realidade e a adorava.
A vida profissional de João Rubinato começou em 1918, quando sua família já morava em Jundiaí. Seu pai era ajudante de carga de trens da São Paulo Railway e tinha uma “pequena” mordomia durante o dia: o almoço chegava quentinho trazido pelo filho, que logo depois passou a ajudar o pai a carregar lenha, tijolo e manilhas para os trens. Foi na Fábrica de Tecidos Japi que João começou a sentir o gosto de ganhar seu próprio dinheiro. Ele ganhava 400 réis por hora e ficava das quatro da tarde às onze da noite varrendo a fiação. Daí, passou a entregador de marmitas do Hotel Central, das quais ele surrupiava a mistura. João Rubinato fez diversas atividades. Anos mais tarde, quando se mudou para São Paulo, foi aprendiz de garçom por pouco tempo e logo começou a fazer bicos. Nessa fase, foi pintor de paredes, encanador, mecânico, tecelão, mascate de meias, esmerilhador de ferro fundido e conferente de mercadorias numa transportadora. Foi indo e vindo nos bondes que cruzavam o Bom Retiro, vivendo a vida do Brás, do Bixiga, espreitando movimentos e contemplando viadutos e malocas, que uma ideia começou a martelar-lhe a cabeça: virar artista. A porta de entrada para o aprendiz era o Programa de Calouros, na Rádio Cruzeiro do Sul. Foi na tarde de 1933 que o locutor chamou pela primeira vez ao microfone o candidato João Rubinato para apresentar “Se você jurar”, de Ismael Silva e Nilton Bastos. Nesse momento foi reprovado, mas não desistiu e continuou mandando inscrições e visitando outras rádios. Começou a implicar com seu nome e adotou, então, Adoniran Barbosa. A partir de então, participou de novo do Programa de Calouros, dessa vez interpretando “Filosofia”, de Noel Rosa, e foi o vencedor. Na Rádio Cruzeiro do Sul, João Rubinato conquistou um espaço de meia hora para apresentar sozinho o programa Classificador, transmitindo sucessos de diversas personalidades. Simultaneamente, o futuro artista aprendia na rua. Vivia na boêmia, nas praças, e gastando dinheiro. Participou de um concurso de marchinhas carnavalescas com a canção “Dona Boa”, feita em 1934, e foi mais uma vez o vencedor. Adoniran viveu, então, seu primeiro momento de fama e choveram amigos na madrugada. Com a vitória, con-
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200527235433-bac17fcbfe409624e2c3123bc0dabd5d/v1/e82457d2aab2d8983f7f1029790286e9.jpg?width=720&quality=85%2C50)
seguiu assinar seu primeiro contrato, na Rádio São Paulo. Em meados de 1936, gravou seu primeiro disco, com um samba fraquinho: “Agora podes chorar”. A carreira de Adoniran na Rádio São Paulo durou pouco e a demissão veio junto com o seu casamento com Maria Helena Rubinato. Para sobreviver, pulava de galho em galho, mas sempre no mesmo ramo. Continuou compondo diversos sambas com a esperança de que Para surpresa do aprendiz de artista, Barreto aceitou e passou a ser visto como uma figura inesquecível na vida de Adoniran. Foi nessa época que ele começou a dar vida a alguns personagens para os programas da rádio. Existiam vários: um garoto impertinente que se chamava “Barbosinha-Mal-Educado”, o motorista “Pernafina”, o galã do cinema francês “Jean Rubinet”, etc. Adoniran tornava-se uma personalidade: sua voz era a sintonia fina da cidade,
alguém os comprasse. Quanto às rádios, passou da Rádio São Paulo para a Difusora e, tempos mais tarde, da Difusora para a Cruzeiro do Sul novamente. No círculo vicioso a que se habituara, vendia anúncios, cantava, exercia funções de discotecário e às vezes de radialista. Foi na profissão de radialista que, em 1941, Adoniran entrou para a PRB-9, Rádio Record. O sonho de ser artista o levou a não se importar com nada, nem mesmo com o fato de não receber salário para trabalhar na rádio. Entretanto, dois meses depois, foi perguntar ao chefe se não era possível entrar para a folha de pagamento. Estranhamente, o chefe pediu que ele fosse conversar com Barreto Machado, que trabalhava somente duas vezes por semana e poderia dividir seu salário. seu nome e seu rosto estavam sempre estampados na Revista do Rádio, e até no cinema ele passou a aparecer, estreiando nas telas em Pif-Paf, comédia musical carnavalesca de 1945. Para conseguir um salário extra, continuou apostando no cinema. Em 1951, participou de um documentário sobre cenas brasileiras intitulado Cântico da Terra. Em 1953, atuou em Esquina da Ilusão, de Ruggero Jacobbi; em 1954, em Candinho, de Abílio Pereira de Almeida, com Mazzaropi presente no elenco. Sua maior atuação, porém, aconteceu em O Cangaceiro, o primeiro filme brasileiro que mereceu a reverência nacional ao vencer na França o VI Festival de Cannes de 1953. No papel de um jagunço, Adoniran brilhou como coadjuvante e o filme foi visto por pelo menos 800 mil pessoas. Com esse filme, as pessoas finalmente conheceram de vez o rosto do homem que as fazia rir pelo rádio.
O sambista Adoniran Barbosa
A partir de então não teria mais volta: João Rubinato saiu definitivamente de cartaz, para dar vida ao artista, palhaço, brincalhão e ao mesmo tempo reservado Adoniran Barbosa. E, com ele, nascia uma nova voz: a voz do trabalhador que luta, que sua, mas que não abre mão da boêmia paulistana, a voz das saudosas malocas. Em sua carreira nas rádios e em suas frequentes aparições nas rodas de samba, nosso personagem encontrou-se com uma de suas maiores paixões, que lhe confere créditos até os dias de hoje: o samba. Desta vez, não como intérprete, pois já o fora nos programas de calouros, mas como um verdadeiro sambista, um compositor de música popular brasileira. O samba de Adoniran que ganhou maior projeção foi “Trem das Onze”. A música “estourou” no Rio de Janeiro e chegou a São Paulo para ser uma espécie de hino da cidade, imortalizada em uma versão posterior da banda Demônios da Garoa. Antes disso, o grupo paulistano já havia gravado “Saudosa Maloca”, que ganhou notoriedade na época, tornando-se um clássico do samba paulistano e, claro, repertório obrigatório de todo sambista da cidade. As histórias da metrópole que o artista escolheu para viver − São Paulo − foram contadas e cantadas de muitas formas, com os bairros tradicionais, erros propositais na
língua portuguesa e a homenagem àqueles que sempre foram o próprio samba:, o povo. Adoniran provou que música popular é isso, o retrato puro e simples do cotidiano, como o próprio trem do Jaçanã, inspirador de seu samba maior. As origens também não foram esquecidas pelo compositor Adoniran. Em “Samba Italiano”, de 1965, temos uma música toda cantada em italiano, língua materna de seus pais, que acabou por aproximar o compositor dos bairros de tradição italiana, como o Bixiga, por exemplo, reduto de Adoniran. Mas nem tudo eram flores naquele bairro. Volta e meia saía uma briga, especialmente se fosse na casa do Nicola, aí “era só pizza que avuava junto com as braxola”, mas não havia problema, pois quando a situação ficava “muito cínica”, os “mais pior” ia “pras clínica”, como afirma Adoniran em seu “Samba no Bixiga”. Outro bairro imortalizado por Adoniran Barbosa foi o Brás, com o “Samba do Arnesto”, que convidou a turma toda para um samba em sua casa e, quando todos chegaram lá, não havia ninguém. O “Arnesto” até tentou pedir desculpas, “mais nós não aceitemos”. Com seus sambas do dia a dia, Adoniran se tornou um grande contador de histórias., Afinal, para ele, tudo acabava em samba− de um simples encontro com os amigos, até suas desilusões amorosas. Os erros característicos das letras do cantor e compositor foram marcas registradas de sua obra; afinal o retrato fiel de uma cidade e de seu povo deve enquadrar também as expressões características, os vícios de linguagem e até mesmo eventuais erros da língua portuguesa, cometidos por aqueles que fizeram do trabalho duro na cidade sua única instrução. Sendo uma representação coloquial de suas experiências, os “causos cantados” de Adoniran acabavam por ser engraçados, tanto que o próprio admitia: “esse samba é pra rir”, em entrevista à sua fã declarada, Elis Regina. A cantora gravou, com o sambista, “Tiro ao Álvaro”, que se tornou muito popular, tornando Adoniran uma unanimidade, entre músicos, público e crítica.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200527235433-bac17fcbfe409624e2c3123bc0dabd5d/v1/07cd38fd57bdacbf18e426d15a1c5988.jpg?width=720&quality=85%2C50)
Em 23 de novembro de 1982 nosso personagem principal sai de cena, devido a uma grave doença no pulmão, decorrente de seu vício pelo cigarro. Em seu enterro, ao invés de café, foi servida cachaça − afinal, um bom sambista é boêmio até o fim. Ouvir uma música de Adoniran é passear pelas ruas, alamedas e bairros paulistanos, motivo pelo qual sua obra é imortal e atemporal, sendo revisitada nas festividades do centenário de seu nascimento.
O legado de Adoniran Barbosa
Como já dito, Adoniran faleceu em 23 de novembro, às 17 horas, em virtude de um enfisema pulmonar. Quando sua morte completou um ano, todas as rádios da capital paulista tocaram “Trem das Onze” às 17 horas, em sua homenagem. É por isso que usamos o dito popular para descrevê-lo: “Morre o homem, fica a fama”. Definitivamente Adoniran Barbosa é um grande exemplo disso, pois é um dos principais responsáveis pela construção de uma cultura popular riquíssima e diversificada, trabalhada a partir de diferentes pressupostos a respeito da linguagem poética e do que seja a música popular. A lembrança de Adoniran Barbosa não reside apenas em suas composições: temos em São Paulo o Museu Adoniran Barbosa, localizado na Rua XV de Novembro, 347; há, no Ibirapuera, um albergue para desportistas que leva seu nome; em Itaquera existe a Escola Adoniran Barbosa; no bairro do Bixiga, Adoniran Barbosa é uma rua famosa e na praça Don Orione há um busto do compositor. Adoniran Barbosa é também um bar e uma praça, e no bairro do Jaçanã existe uma rua chamada “Trem das Onze”. Adoniran deixou cerca de 90 letras inéditas que, graças a Juvenal Fernandes, um estudioso da MPB e amigo do poeta, foram gravadas por compositores do quilate de Zé Keti, Luiz Vieira, Tom Zé, Paulinho Nogueira, Mário Albanese e outros. Mais do que obras artísticas e homenagens ao seu trabalho, Adoniran Barbosa deixou milhares de fãs, que ainda declaram que São Paulo jamais foi a mesma após o surgimento e a morte de João Rubinato. Suas canções eram um recorte do cotidiano paulistano, e foram tão bem elaboradas que conseguem ambientar o ouvinte até nos dias de hoje, mesmo passado muito tempo. Essa capacidade de envolver e entreter o ouvinte, possibilitou a transmissão de suas canções por muitas gerações, sem perder seu valor e suas características. Esse modelo de fazer samba contagiou os novos sambistas que foram surgindo, e cada um, mesmo com suas subjetividades e características próprias, sempre apresenta uma essência calcada nas canções de Adoniran. Mais do que uma inspiração, ele se tornou, de fato, um agente constituinte de não somente um ritmo musical, mas também de uma cultura popular. No ano de seu centenário, em 2010, Adoniran foi tema de vários projetos relacionados à sua vida e obra, um deles, o relançamento de sua biografia oficial, lançada em 2004 e que voltou às livrarias em versão ampliada. Além disso, uma ampla programação de eventos e homenagens foi criada para os adoradores do músico. Adoniran deixou um legado inestimável em imagem e valorização de São Paulo. Não há um bom paulista que não o respeite e o admire pela contribuição poética e real de sua música e trabalho. Sua obra é objeto de estudo de muitos, desde sua forma de falar, até a maneira como a profundidade de sua música transpassava a geografia paulista. Esta foi a trajetória de vida desse ator, músico e compositor; desse verdadeiro artista que ajudou São Paulo a descobrir seu ritmo, seu samba, seu lugar dentro da música popular brasileira. cc
O s autores são alunos do curso de Publicidade e Propaganda da Pontifícia Universidade Católica.
Referências
<http://www.vidaslusofonas.pt/adoniran_barbosa.htm>. Acesso em: 8 abr. 2011. <http://transamerica.tv.br/index.php/Noticias/Adoniran-Barbosa-deixou-umlegado-riquissimo-de-suas-obras.html>. Acesso em: 10 abr. 2011. <http://catracalivre.folha.uol.com.br/2010/01/adoniram-ganha-homenagemno-sesc-pompeia/>. Acesso em: 10 abr. 2011. <http://www.samba-choro.com.br/debates/1088517285>. Acesso em: 10 abr. 2011. MOURA, Flávio; NIGRI, André. Adoniran. São Paulo: Boitempo, 2002. <http://letras.terra.com.br/adoniran-barbosa/>. Acesso em: 10abr. 2011.
Documento sonoro e musical “Saudoso Adoniran” – CD produzido pela Merit.