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O Método de Construção Metafísica nos Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza de Kant

O MÉTODO DE CONSTRUÇÃO METAFÍSICA NOS PRINCÍPIOS METAFÍSICOS DA CIÊNCIA DA NATUREZA DE KANT

Ednilson Gomes Matias1

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Resumo: A “construção metafísica” é o método central da obra Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza de Immanuel Kant. Este método possibilita a constituição da metafísica particular da natureza corpórea a partir da “aplicação” da metafísica geral resultante da Crítica da razão pura ao conceito de matéria. O objetivo deste trabalho consiste em explicitar como o método de “construção metafísica” estabelece a base a priori da ciência da natureza.

Introdução

A obra Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza2 (1786), de Kant, tem por objetivo estabelecer a base a priori para a ciência da natureza a partir de dois procedimentos: a fundação metafísica e a aplicação da matemática. A relação entre metafísica e matemática é possibilitada pela “construção” (exibição a priori) dos conceitos determinantes da matéria nas formas puras da intuição. O método de “construção metafísica” é desenvolvido, por Kant, nos PMCN para fundamentar sua metafísica particular da natureza corpórea através da “aplicação” da metafísica geral resultante da Crítica da razão pura 3 (1787) ao conceito de matéria. A partir desta “aplicação” , os princípios transcendentais da CRP estabelecem as bases para a “construção” dos princípios metafísicos da obra PMCN e, assim, para a ciência da natureza. O objetivo deste trabalho consiste em apresentar a “construção metafísica” como método central dos PMCN a partir da obra de Peter Plaass, intitulada “Kants Theorie der Naturwissenschaft” (1965)4 , e da análise desta desenvolvida por Alfred e Maria Miller, no texto “Translation, Analytic Introduction and Commentary” (1994).

1 Bolsista CAPES 2012.01. E-mail: ednilsonmatias@alu.ufc.br 2 A partir de agora, apenas PMCN. Nas referências a esta obra, a numeração de página será de acordo com a edição original alemã de 1786 (ex.: KANT, PMCN, p. 3) e aparecerá em algarismos romanos quando nos referirmos ao Prefácio (ex.: KANT, PMCN, iii). 3 A partir de agora, apenas CRP. Nas referências a esta obra, a numeração de página será antecedida pelas letras A e/ou B referentes, respectivamente, à primeira edição de 1781 e à segunda edição de 1787 (ex.: KANT, CRP, A 137 / B 176). 4 Utilizamos, para este estudo, a tradução para a língua inglesa elaborada por Alfred e Maria Miller em 1994, “Kant’s Theory of Natural Science”, e, portanto, nas referências a esta obra constará a data da tradução (ex.: PLAASS, 1994, p. 272).

Método Transcendental e Método de Construção Metafísica

Embora CRP e PMCN compartilhem de uma meta teórica comum –“derivar e provar as determinações necessárias de seus respectivos objetos subjacentes da experiência” (MILLER, 1994, p. 63) –, há uma diferença com relação ao método. De acordo com Miller (1994, p. 63), a CRP utiliza um “método transcendental” e os PMCN se valem do método de “construção metafísica” . Por meio de seu método transcendental, a CRP estabelece as condições de possibilidade e de validade da experiência e dos objetos da experiência (MILLER, 1994, p. 63). Por meio de seu método de construção metafísica, os PMCN partem das categorias e dos princípios da CRP para a construção (exibição a priori) dos conceitos nas intuições puras de espaço e tempo (MILLER, 1994, p. 63). Miller (1994, p. 64-65) destaca algumas semelhanças existentes entre o método de construção metafísica dos PMCN e o método transcendental da CRP. Na CRP, as categorias são consideradas condições necessárias de toda experiência possível e conduzem às determinações e leis necessárias de todos os “objetos possíveis” . Estas determinações e leis da CRP são chamadas princípios transcendentais5 e constituem o conceito de “objeto em geral” . Nos PMCN, por sua vez, das categorias da CRP (e de seus respectivos princípios) são derivadas as determinações e leis necessárias que possibilitam “os objetos dos sentidos externos” . Estas determinações e leis dos PMCN são chamadas princípios metafísicos e constituem o conceito de “matéria em geral” . Em suma, os princípios transcendentais constituem o conceito de “objeto em geral” e os princípios metafísicos constituem o conceito de “matéria em geral” . Além disso, a constituição do conceito de “matéria em geral” , nos PMCN (conforme o método de construção metafísica), ocorre de modo semelhante à constituição do conceito de “objeto em geral” na CRP (conforme o método transcendental), a saber, “de acordo com a tábua das categorias” (MILLER, 1994, p. 65). Outra semelhança entre o método da CRP e o dos PMCN se destaca com respeito à “aplicação” . O método de construção metafísica, empregado em PMCN, possibilita a metafísica particular da natureza na medida em que fornece a “aplicação” da metafísica geral resultante da CRP ao conceito particular de matéria (MILLER, 1994, p. 65). Isto ocorre de modo semelhante ao método transcendental empregado na CRP, o qual possibilita a constituição do conceito de “objeto em geral” ,

5 O termo “princípios transcendentais” é empregado por Alfred e Maria Miller no trabalho “Translator’s introduction and comentary” (1994), contido na obra “Kants Theorie der Naturwissenschaft” (1965) de Peter Plaass. Estes princípios transcendentais dizem respeito aos princípios do entendimento puro apresentados na “Analítica dos Princípios” da CRP, os quais, segundo Miller, constituem as determinações e leis necessárias do conceito de objeto em geral.

mediante a “aplicação” das categorias a todos os objetos da experiência possível. Segundo Kant, a doutrina dos corpos só pode se tornar ciência da natureza mediante a “aplicação” da matemática. Tal aplicação depende do estabelecimento dos “princípios da construção dos conceitos que pertencem à possibilidade da matéria em geral” (KANT, PMCN, xii). Disto resultam os princípios metafísicos compreendidos como determinações necessárias da matéria enquanto objeto dos sentidos externos (MILLER, 1994, p. 66). A tarefa dos PMCN consiste em promover, mediante o método de construção metafísica, “uma completa ‘dissecação’ [Zergliederung] do conceito de matéria em geral” como base da ciência da natureza (KANT, PMCN, xii). Para este propósito, não se pode restringir às experiências particulares, mas somente ao que é encontrado no conceito empírico isolado de matéria, em relação às formas puras da intuição, segundo os princípios transcendentais da CRP. Esta “dissecação” não se restringe a uma análise lógica do que já está incluído no conceito de matéria, mas sim consiste em um método sintético que amplia tal conceito (MILLER, 1994, p. 66). A realização desta “dissecação” é possível por meio da construção metafísica, a qual promove a exibição a priori (na intuição pura) das determinações da matéria conforme as categorias e os princípios da CRP. Embora contenham semelhanças, o “método transcendental” da CRP e o método de “construção metafísica” dos PMCN também apresentam diferenças metodológicas (MILLER, 1994, p. 66). O alargamento do conhecimento em PMCN, obtido mediante o método de construção metafísica, ocorre por meio de passos nos quais o sucessor pressupõe seu antecessor. A definição “dinâmica” do conceito de matéria como “móvel enquanto enche um espaço” (KANT, PMCN, p. 31) pressupõe a definição “foronômica” que apresenta o conceito de matéria enquanto “móvel no espaço” (KANT, PMCN, p. 1). De modo semelhante, a definição “mecânica” do conceito de matéria, como “o elemento móvel enquanto tem, como tal, força motriz” (KANT, PMCN, p. 106), pressupõe o argumento da Dinâmica, segundo o qual “a matéria enche o seu espaço mediante uma força motriz” (KANT, PMCN, p. 33). Nos PMCN, os princípios metafísicos são interrelacionados de modo que cada capítulo é construído conforme os argumentos e provas do anterior. De modo diferente, na CRP, os princípios transcendentais não são inter-relacionados, mas sim são baseados apenas na classe de categorias a eles correspondentes e, portanto, não são interdependentes.

Construção Matemática e Construção Metafísica

De acordo com Plaass (1994, p. 272), o ponto de partida para a compreensão dos PMCN consiste na distinção entre a “construção

matemática” e a chamada “construção metafísica” (KANT, PMCN, xiv). A “construção matemática” de um conceito consiste na produção de uma intuição pura de acordo com um conceito. A “construção metafísica” de um conceito, por sua vez, consiste na produção de conceitos para a representação de um objeto particular de acordo com as leis universais do pensamento. Para evitar a confusão entre construção matemática e construção metafísica, Kant considera necessário, a propósito da parte pura da ciência natural (physica generalis), em que as construções metafísicas e matemáticas costumam entrelaçar-se, apresentar num sistema [separado] as primeiras [construções metafísicas] e, com elas, ao mesmo tempo os princípios da construção destes conceitos [metafísicos], por conseguinte, os princípios da própria possibilidade de uma teoria matemática da natureza (KANT, PMCN, xiv). De acordo com Miller, o aspecto “construtivo” do método de “construção metafísica” é usado por Kant como “meio para estabelecer e provar as universais e necessárias determinações e leis da matéria em geral” (MILLER, 1994, p. 68). Neste sentido, é preciso estabelecer as semelhanças e as diferenças entre “construção matemática” e “construção metafísica” . O componente comum às duas espécies de construção consiste na “exibição a priori” dos conceitos nas formas puras da intuição (KANT, PMCN, vii, ix / CRP, A 713, B 741), a partir da qual é possível “chegar a determinações universalmente válidas de conceitos e leis” (MILLER, 1994, p. 68). Por um lado, a construção matemática (ex., na Geometria) “fornece provas universais da validade dos conceitos construídos (ampliados) e ‘leis’ (teoremas, etc.) que derivam da exibição de seus conceitos iniciais na intuição pura” (MILLER, 1994, p. 68). Por outro lado, a construção metafísica (empregada nos PMCN) permite “tirar conclusões universais sobre as necessárias determinações e leis da matéria em geral (como movimento)” (MILLER, 1994, p. 69). Tanto na construção matemática quanto na construção metafísica, as regras universais ordenam os elementos temporais e espaciais das intuições puras – nas quais são construídas – e através desta construção são “adicionadas” ao conceito original. A validade universal (o a priori) do conhecimento deriva não do aspecto “metafísico” (que fornece apenas “meros conceitos”), mas sim do aspecto “construtivo” (que fornece a exibição de relações espaciotemporais) do método de construção metafísica (MILLER, 1994, p. 70). O aspecto “construtivo” do método de construção metafísica consiste, em última instância, no emprego da matemática (MILLER, 1994, p. 71). Na medida em que possibilita a “construção” (exibição a priori dos conceitos na intuição pura), a matemática tem um papel importante no sistema dos PMCN. A aplicação da matemática possibilita a “passagem da

metafísica geral para a metafísica particular da natureza” (MILLER, 1994, p. 71), a qual, segundo Kant, depende da matemática: “uma pura teoria da natureza acerca de coisas naturais determinadas [...] só é possível por meio da matemática” (KANT, PMCN, ix). De acordo com Miller, o aspecto “construtivo” (matemático) do método de construção metafísica possibilita a metafísica particular da natureza através da aplicação da metafísica geral ao conceito de matéria (MILLER, 1994, p. 71). A principal diferença entre as construções matemática e metafísica diz respeito ao “tipo de conceitos construído (exibido na intuição pura) em cada caso” (MILLER, 1994, p. 73). Em matemática, inicia-se com conceitos “pensados arbitrariamente” (MILLER, 1994, p. 73) que, embora ordenados sistematicamente, não são dados a priori em um sistema particular (KANT, CRP, A 729 / B 757). Por outro lado, na construção metafísica, “os conceitos a serem exibidos na intuição pura [...] são pré-determinados a priori pelo próprio sistema de categorias enquanto são desenvolvidas no interior dos princípios transcendentais” (MILLER, 1994, p. 73). Através do método de construção metafísica, a “dissecação” (KANT, PMCN, xii) do conceito de matéria promove a “aplicação” da metafísica geral a este conceito (MILLER, 1994, p. 74). Outra diferença entre as construções matemática e metafísica reside na questão da existência. Os conceitos que embasam a construção metafísica representam algo dotado de existência e que seja construído sob as quatro classes de categorias. Por outro lado, os conceitos matemáticos “demonstram a priori somente a ‘possibilidade’ dos conceitos e de suas relações, as quais caem somente sob a primeira e a segunda classe de categorias (quantidade e qualidade)” (MILLER, 1994, p. 74).

Princípios Transcendentais e Princípios Metafísicos

De acordo com Kant, “a ciência da natureza propriamente assim chamada pressupõe uma metafísica da natureza” (KANT, PMCN, vii). A metafísica desempenha um importante papel na fundação da ciência genuína da natureza nos PMCN, na medida em que a construção metafísica precede e possibilita a aplicação da matemática. Kant argumenta que, para que se torne possível a aplicação da matemática à doutrina dos corpos, a qual só por ela se pode tornar ciência da natureza, importa apresentar primeiro os princípios da construção dos conceitos que pertencem à possibilidade da matéria em geral [isto é, a construção metafísica] (KANT, PMCN, xii). Para Miller, estes princípios determinantes da matéria consistem nos princípios metafísicos resultantes “da aplicação dos princípios transcendentais da CRP ao conceito de matéria e constituem a metafísica particular da

natureza” (MILLER, 1994, p. 75). Kant afirma que a metafísica particular da natureza corpórea desenvolvida nos PMCN aplica os conceitos e teoremas da metafísica geral resultante da CRP e, deste modo, “atribui sentido [Sinn] e significação [Bedeutung] a uma mera forma de pensamento” (KANT, PMCN, xxiii). Esta “aplicação” se mostra no argumento de Kant (PMCN, xvi-xx), segundo o qual tudo o que se pode pensar a priori a respeito do conceito de matéria em geral deve se submeter às quatro classes de categorias. Cada capítulo dos PMCN se relaciona com sua correspondente classe de categorias e acrescenta ao conceito de matéria uma nova determinação (KANT, PMCN, xx) e, neste sentido, as categorias desempenham um papel indispensável no método de construção metafísica (MILLER, 1994, p. 75). Como afirma Kant: O esquema para a integralidade de um sistema metafísico, quer da natureza em geral, quer da natureza corpórea em particular, é a tábua das categorias. Pois não existem mais puros conceitos do entendimento que possam concernir à natureza das coisas (KANT, PMCN, xv-xvi). A construção metafísica consiste na exibição do conceito de matéria na intuição pura e dos princípios transcendentais a ele adicionados (MILLER, 1994, p. 76). Há uma relação entre os princípios metafísicos (desenvolvidos em PMCN) que constituem o conceito de “matéria em geral” e os princípios transcendentais (elaborados na CRP) constituintes do conceito de “objeto em geral” . Miller (1994, p. 76-78) destaca dois principais paralelos estabelecidos por Kant entre PMCN e CRP: (1) O conteúdo das determinações da matéria enquanto condições necessárias que a identificam como objeto dos sentidos externos; (2) a construção das determinações da matéria nos quatro capítulos dos PMCN conforme os princípios transcendentais da CRP. Para expressar (1), é preciso citar como exemplo as principais determinações presentes em cada princípio metafísico da obra PMCN. Na Foronomia, p. ex., Kant apresenta o movimento como a determinação mais fundamental do conceito de matéria, na medida em que este possibilita que os sentidos externos sejam afetados. Na Dinâmica, o conceito de força é apresentado como “condição necessária para que a matéria tenha propriedades experienciáveis” (MILLER, 1994, p. 76). Na Mecânica, por sua vez, o conceito de massa é apresentado como “condição necessária para experienciar a substância da matéria” (MILLER, 1994, p. 76). Como exemplo de (2), podemos destacar a “construção” dos princípios metafísicos dos PMCN a partir da base a priori estabelecida pelos princípios transcendentais da CRP. Deste modo, a Foronomia se relaciona com os Axiomas da Intuição, a Dinâmica com as Antecipações da Percepção, a Mecânica com as Analogias da Experiência e a Fenomenologia, por sua vez, com os Postulados do Pensamento Empírico em Geral.

O princípio metafísico da Foronomia se apoia no princípio transcendental dos Axiomas da Intuição, segundo o qual “todas as intuições são grandezas extensivas” (CRP, B 202). O movimento é o conceito central aqui na medida em que todas as propriedades pertencentes ao conceito de matéria derivam dele. Deste modo, o conceito foronômico de matéria é apresentado simplesmente como o móvel no espaço, ou seja, como simples ponto vazio internamente e dotado apenas de movimento. Uma vez que a Foronomia se relaciona à categoria de quantidade, este conceito de movimento deve ser considerado apenas conforme sua grandeza extensiva (velocidade e direção)6 . O princípio metafísico da Dinâmica apresenta o conceito de matéria como móvel enquanto enche um espaço, ou seja, enquanto resiste ao movimento de penetração de outro móvel no interior do espaço enchido. Kant afirma que “a matéria enche seu espaço mediante uma força motriz e não em virtude de sua simples existência” (PMCN, p. 33). A base a priori do princípio metafísico da Dinâmica é assegurada pelo princípio transcendental das Antecipações da Percepção, segundo o qual, “em todos os fenômenos, o real, que é objeto de sensação, tem uma grandeza intensiva, isto é, um grau” (CRP, B 207). Disto resulta o princípio universal da dinâmica que afirma que todo o real dos objetos dos sentidos externos deve ser considerado como força motriz (PMCN, p. 81). O princípio metafísico da Mecânica apresenta o conceito mecânico de matéria como o móvel enquanto tem força motriz. Enquanto na Dinâmica as forças motrizes são forças internas de constituição do conceito de matéria, na Mecânica as forças motrizes são forças que promovem relações causais externas entre os corpos materiais (PLAASS, 1994, p. 49). Kant elabora as três leis da mecânica como fundamento a priori das leis da física newtoniana a partir da aplicação dos princípios transcendentais das Analogias da Experiência à concepção de matéria. A primeira lei (da conservação da massa) afirma que a quantidade da matéria (massa) permanece a mesma em todas as modificações da natureza corpórea (PMCN, p. 116). Esta lei tem como fundamento a primeira Analogia da Experiência, segundo a qual a substância permanece em toda mudança da natureza (CRP, B 224). A segunda lei (da inércia) afirma que toda mudança da matéria tem uma causa externa (PMCN, p. 119). A prova desta consiste na segunda Analogia da Experiência que afirma que todas as mudanças acontecem conforme o princípio da ligação de causa e efeito (CRP, B 231). A terceira lei (da ação recíproca) expressa a igualdade de ação e reação na comunicação do movimento. Sua base consiste na terceira Analogia da Experiência que diz

6 A Foronomia considera apenas o movimento retilíneo (PMCN, p. 17), pois o movimento curvilíneo pressupõe a causalidade (categoria de relação) da mudança de direção na curva.

que todas as substâncias, enquanto simultâneas, estão em ação recíproca universal (CRP, B 256). O princípio metafísico da Fenomenologia define o conceito de matéria como móvel enquanto pode ser objeto da experiência (PMCN, p. 138). A Foronomia funda sua base a priori no princípio transcendental dos Postulados do Pensamento Empírico e apresenta três teoremas que determinam a modalidade de movimento de acordo com os resultados das três doutrinas anteriores. O primeiro teorema mostra o movimento retilíneo da matéria em relação a um espaço empírico como “predicado meramente possível” e, portanto, não estabelece nem a efetividade nem a necessidade da Foronomia. O segundo teorema sustenta o movimento circular, conforme o conjunto de todos os fenômenos, como efetivo. Na medida em que tal movimento exige a ação de forças motrizes, fica estabelecida a efetividade da Dinâmica. O terceiro teorema admite como necessário um movimento igual e oposto de uma matéria com relação à outra. Isto resulta do conceito de relação entre coisas que podem ser movidas no espaço e, portanto, assegura a modalidade de movimento na Mecânica como necessária. Como vimos, o método de “construção metafísica” permite a “aplicação” da metafísica geral resultante da CRP ao conceito de matéria e, assim, torna possível a metafísica particular da natureza desenvolvida em PMCN. De acordo com esta “aplicação” , os princípios transcendentais da CRP fundam as bases para a “construção” dos princípios metafísicos da obra PMCN e, consequentemente, para a ciência da natureza.

Considerações Finais

O método de construção metafísica desempenha um papel central nos Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza de Kant, na medida em que possibilita a metafísica particular da natureza através da “aplicação” da metafísica geral resultante da CRP ao conceito de “matéria em geral” . Para a compreensão da “construção metafísica” , é importante destacar o aspecto que a difere da “construção matemática”: enquanto a “construção matemática” consiste na produção de uma intuição pura de acordo com um conceito; a “construção metafísica” , por sua vez, consiste na produção de conceitos para a representação de um objeto particular conforme as leis universais do pensamento. O argumento principal deste trabalho sustenta que os princípios transcendentais da CRP (Axiomas, Antecipações, Analogias e Postulados) estabelecem as bases a priori para a “construção” dos princípios metafísicos (Foronomia, Dinâmica, Mecânica e Fenomenologia) e, portanto, para a ciência da natureza.

Referências Bibliográficas

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