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Sobre a Subjetividade e os Direitos dos Animais Não-Humanos em Schopenhauer e Tom Regan
SOBRE A SUBJETIVIDADE E OS DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS EM SCHOPENHAUER E TOM REGAN
Rutiele Pereira da Silva Saraiva1
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Resumo: Pretende-se com este artigo tematizar duas perspectivas filosóficas e suas abordagens sobre a relação entre os animais humanos e nãohumanos: a ética da compaixão, de Arthur Schopenhauer, e a ética com base nos direitos dos animais desenvolvida por Tom Regan a partir de sua concepção de valor inerente. Tentaremos, mais especificamente, discutir a necessidade de uma ética que inclua os animais, partindo dos conceitos de compaixão nos moldes schopenhauerianos e de sujeito de uma vida, criado por Regan. Os dois teóricos partem da crítica da tradição e do modelo racionalista/iluminista – que lega aos animais o estatuto de máquinas ou coisas, não os admitindo no campo da moralidade – e buscam o respeito por estes como sujeitos que possuem necessidades equiparáveis às dos animais humanos, a despeito das diferenças cognitivas e linguísticas tão acentuadas pela tradição. Palavras-chave: ética, subjetividade, animal, direitos, compaixão.
1. Schopenhauer na contracorrente da tradição: Metafísica da Vontade, ética da compaixão e admissão dos animais como nossos semelhantes
Não temos na História da filosofia até muito recentemente uma forte tematização sobre o problema dos direitos dos animais, sobre sua dignidade e seu estatuto moral face aos humanos. A influência do racionalismo cartesiano legou aos animais o mero estatuto de máquinas ou coisas que, assim como um relógio, poderiam ser usados e descartados sem nenhuma implicação moral, pois eram considerados desprovidos de alma e qualquer consciência. Isso deu bases filosóficas para todos os tipos de maus-tratos legitimados pela noção de progresso científico e humanitário. O ideal iluminista de possuir e dominar a Natureza foi levado a seu extremo ao ser estendido para os animais; estabeleceu-se uma noção destes como objetos manipuláveis, seguindo-se da ausência de seus direitos, e isso acabou sendo consolidado na cultura popular, na qual até hoje temos o desrespeito e violência gratuita aos animais de forma generalizada.
1 Bolsista CAPES 2012.02. E-mail: rutiele.saraiva@hotmail.com Aluna do mestrado em ética e filosofia política da UFC.
Em uma tradição filosófica ocidental guiada fortemente por essa orientação racionalista, a razão é vista como o fator que diferencia o homem do animal; com essa distinção estabelecida, esquece-se das semelhanças. É Schopenhauer quem estreitará esses laços com sua metafísica da Vontade: Para o filósofo alemão, a razão que o ser humano possui é apenas um mecanismo secundário de sua constituição biológica, pois a verdadeira essência tanto do homem como da Natureza em geral é a Vontade irracional e cega, que é manifestada no mundo em forma de vida. As diversas pluralidades do mundo são representadas somente pelas manifestações de fenômenos distintos que compartilham de uma única essência: a Vontade. Se para a tradição a razão era considerada chave de acesso ao em-si do mundo, para Schopenhauer é o sentimento que constitui e permite conhecer a coisaem-si. A razão seria apenas um momento da vontade pulsante no homem, o conhecimento apenas meio de sobrevivência necessário ao seu organismo complexo. A Vontade seria o princípio fundamental da Natureza tanto quanto é fundamental para os seres humanos. Qualquer ação da Natureza como o crescimento de uma planta ou um comportamento de um animal afirma-se, em cujas objetivações se constituem os corpos (suas ações corporais), como manifestação da Vontade. Para Schopenhauer, essas diversas ações (provocadas por excitações, instintos, desejos, etc.) são apenas meros disfarces sob os quais se oculta uma Vontade única e superior, de caráter metafísico e presente igualmente na planta que nasce e cresce, nas ações dos animais não-humanos e nas complexas ações dos animais humanos, ou seja, analogamente ao meu corpo os outros corpos são concretude do querer. Todos os movimentos do corpo humano são gerados pelos atos isolados da vontade; consequentemente, todo o movimento da Natureza será considerado como a objetivação da mesma Vontade de vida. Tomando por base que o mundo da representação é a Vontade objetivada, podemos assim dizer que todos os movimentos desse mundo são direcionados a prover a vida. É a Vontade cósmica, ou Vontade geral, que se expande em toda a Natureza como vontade de vida, de querer viver: identidade dos seres para além da pluralidade da representação e da diferença reconhecida na efetividade do entendimento, do princípio de razão suficiente (tempo-espaço-causalidade). Segundo Schopenhauer, assim como os movimentos e ações são dados principalmente segundo os motivos nos seres humanos, ocorre da mesma forma com os animais, porém, pelo fato de os animais não possuírem razão, movem-se sempre por representações intuitivas que se apresentam em sua consciência; os animais também possuem entendimento, com o qual formam suas intuições empíricas do mundo e assim sobrevivem com o conhecimento tanto quanto o homem.
Portanto, da mesma maneira que a essência do ser humano é a vontade, esta é também a essência de toda a Natureza, as diferenças só podem ser em graus, mas não na essência. A consciência, a vontade de vida, a força dinâmica e vital existentes tanto na planta como no animal, a razão, são na perspectiva de Schopenhauer, como um mecanismo organizado para a continuação da vida. Metafisicamente, todos os seres têm uma única essência. A diferença entre o ser humano e os animais encontra-se na capacidade de raciocinar, pois o homem toma as representações intuitivas e forma as representações abstratas da razão, adquirindo os conceitos universais das coisas e a visão de conjunto ausente nos animais. Assim, a partir da metafísica da Vontade, Schopenhauer desenvolve um projeto ético que abrange também os animais não-humanos: a ética da compaixão. O filósofo admite que há nos animais uma sensibilidade comum ao homem, que lhes permite perceber e sentir com consciência o sofrimento corporal; sendo então um erro levar em conta eticamente apenas o valor de nossa espécie, um erro no qual incorreram as ciências, a medicina, a religião, a filosofia e a cultura ocidental como um todo, que sob a herança judaicocristã acredita que os homens devem dominar e manipular toda a Natureza. Schopenhauer argumenta que para evitar tal priorização de uma única espécie, a nossa, deve-se combater o “mal inerente” ao homem, que é o egoísmo, fruto de sua vontade individual. O egoísmo faz com que o homem preze unicamente pelo seu próprio bem, podendo provocar dor e sofrimento a outros homens e a animais. A compaixão é a única forma de combater o egoísmo, é a partir do momento que reconheço a vontade do/no outro, que sou capaz de empatia e compaixão, da busca pelo bem-estar do Outro. O egoísmo é o sentimento positivo de todos os seres porque ele está ligado à satisfação dos desejos dos próprios sujeitos, bem como à sua conservação como indivíduos. Isto vale tanto para o homem, quanto para os animais. Schopenhauer procura saber como, apesar de o egoísmo ser um sentimento natural com relação às motivações básicas dos homens, pois está ligado à tendência da Vontade em se objetivar e a conservar seu modo de manifestação nestes homens, pode ainda assim se dar o fenômeno de uma ação desinteressada com relação ao bem-estar de outros indivíduos, o que caracteriza uma ação moral no mundo. Schopenhauer parte do fato de que determinadas ações possuem esse caráter e estas são as que nós elogiamos. Assim, Schopenhauer aceita como um fato empírico a existência de algumas atitudes dos homens, às quais nós damos o valor de uma ação moralmente boa.
A ausência de qualquer motivação que tenha como fundamento esse egoísmo essencial do homem é, portanto, o critério de uma ação dotada de valor moral. Mas o problema que o filósofo alemão tenta responder é: qual é a fonte da verdadeira motivação moral? Pois, na medida em que, aceitando-se
tais ações, que chamamos de morais, como fenômenos dados, temos que explicar o que é que pode mover as pessoas a agirem de acordo com essas ações, ainda mais contra o egoísmo originário do homem que parece entranhado em sua Natureza, coloca-se a supramencionada questão central que, para Schopenhauer, respondida, forneceria o fundamento da moral. Para Schopenhauer, a ética está fundada no sentimento da compaixão, pois para ele, o sujeito só desenvolverá uma atitude de aproximação subjetiva e objetiva de seu semelhante quando passar a sentir que as dores do mundo são as suas dores, passando assim a não reconhecer a diferença entre ele e o Outro. Este sujeito ético já reconheceu a essência única do mundo – que é a Vontade como coisa-em-si –, bem como já compreendeu o fundamento de nossas dores e sofrimentos, que estão ligados ao irrefreável e insaciável desejo de autossatisfação que caracteriza essa mesma Vontade. Na verdadeira compaixão há sempre a consciência de um Eu e de um Outro que sofre, há uma identificação entre este Eu e Outro em um Nós, que toca a essência única de todos os seres da Natureza – a Vontade como coisaem-si. Na compaixão sofremos com o Outro e sentimos sua dor como sua e não temos a imaginação de que ela seja nossa: é o fenômeno diário da compaixão, ou seja, a participação totalmente imediata, independente de qualquer outra consideração, no sofrimento do Outro e, portanto, no impedimento ou supressão deste sofrimento, como sendo aquilo em que consiste todo contentamento e todo bem-estar e felicidade. Segundo Schopenhauer, esta compaixão sozinha é a base efetiva de toda justiça livre e de toda caridade genuína. Assim, ao designar a compaixão como o fundamento da ética, com as noções de “corpo animal” e “ser vivo” sob uma única Vontade de vida, Schopenhauer considera os animais sujeitos morais tanto quanto os homens. Sua ética abrange todos os seres vivos capazes de sofrer, e diz ainda que a compaixão para com os animais está tão estreitamente associada à bondade de caráter que se pode afirmar que, quem é cruel com os animais não pode ser uma boa pessoa. Schopenhauer defende os animais como detentores de direitos naturais e ao bem-estar tanto quanto o homem. Os argumentos e propostas de Schopenhauer no que tange à ética e aos direitos dos animais caminham bem até o ponto em que o autor incorre em especismo, ao defender que os homens não devem abster-se de se alimentar de animais. Por achar que sem a alimentação animal o homem não poderia sobreviver em lugares como o hemisfério norte, ele afirma que a morte dos animais usados para consumo é “um mal menor” , ou seja, causa menos dor que o sofrimento causado nos homens pela abstenção à carne. Para que o sofrimento animal seja amenizado afirma que a morte deve ser “rápida e imprevista” e chega até mesmo a indicar o uso de clorofórmio.
2. Regan: do conceito de sujeito de uma vida ao valor inerente
Tom Regan, filósofo norte-americano contemporâneo e um dos principais porta-vozes dos Direitos Animais, parte da crítica da filosofia tradicional para apontar o erro do especismo, assim como Schopenhauer; principalmente dos modelos cartesiano e kantiano. O filósofo faz uma releitura da ética deontológica kantiana e desenvolve sua filosofia moral segundo o conceito criado por ele de sujeito de uma vida, que designa todos os seres com consciência do mundo e do que lhes acontece, para quem estes acontecimentos são importantes, quer os outros se preocupem com isso, quer não, pois faz diferença quanto à qualidade e duração de suas vidas, conforme experimentadas por si. Ou seja, sujeito de uma vida é um ser para o qual a vida corre bem ou mal, segundo o conjunto das experiências agradáveis ou penosas que constituem a própria vida.
Portanto, na medida em que se mostram capazes de avaliar o impacto dos efeitos benéficos ou prejudiciais daquilo que nós lhes fazemos no decurso das suas vidas, estariam inclusos nesta definição e no universo da consideração ética não somente todos os seres humanos, mas também boa parte dos animais não-humanos, pois estes demonstram possuir as capacidades supracitadas de forma muito similar à nossa, compartilhando não apenas semelhanças anatômicas e neurobiológicas, mas também psicológicocomportamentais. Assim, TODOS os sujeitos de uma vida seriam portadores de direitos morais, a saber: direito inalienável à vida, à integridade física e à liberdade. Tais conclusões sugerem medidas éticas extremamente exigentes e, de certo modo, radicais: o axioma básico é que devemos procurar respeitar os animais pelo menos tanto quanto devemos respeitar nossos congêneres humanos, a despeito de sua incapacidade de raciocinar ou de compartilhar nossa linguagem. Segundo Regan, por uma questão de justiça igualitária, devemos atribuir-lhes os mesmos direitos básicos. Negarmo-nos a isso com o simples (e fraco) argumento de que esses animais não pertencem à nossa espécie seria incorrer no preconceito discriminatório já mencionado acima do especismo. A fim de demonstrar a ilegitimidade ética do especismo, a argumentação proposta por Tom Regan visa aos objetivos de retraçar os limites das capacidades consideradas moralmente relevantes, como também reescrever o conjunto de indivíduos que partilham tais capacidades. Seguindo a premissa cartesiana de que o comportamento dos animais resulta muito provavelmente de reações orgânicas involuntárias, as quais não necessitam de qualquer operação mental, é comum considerar-se como justificativa algumas capacidades paradigmáticas que possuímos, como a racionalidade ou a reflexão moral para o nosso domínio sobre todas as outras espécies. Assume-se que nós, seres humanos, merecemos ser eticamente
considerados porque possuímos essas capacidades, ao passo que os membros das demais espécies, por não apresenta-las, não possuem em si mesmos valor ético algum, mas meramente um valor instrumental, quando eventualmente servem aos nossos interesses. Partindo dessa constatação, nenhum indivíduo não-humano possui estatuto tal que nos obrigue a reconhecer o dever de respeitá-lo por ele mesmo, em virtude dos seus próprios interesses. Porém, alguns humanos, como as crianças ou deficientes mentais desprovidos de racionalidade e incapazes de refletir moralmente sobre as suas ações podem ser descritos nas mesmas condições que os animais não-humanos e mesmo assim não reduzimos esses indivíduos a meros instrumentos para a satisfação dos nossos interesses; nós reconhecemos o seu valor ético e esforçamo-nos por respeitar os seus interesses, incluindo-os no nosso universo de consideração ética. É necessário então redefinir o grau de desenvolvimento das capacidades psicofísicas que fixamos como requisitos para o merecimento da consideração ética. Se não queremos excluir tais humanos da classe dos seres que devemos valorizar e respeitar, terá então de ser rejeitada toda e qualquer capacidade tão sofisticada quanto as capacidades de pensar racionalmente ou de refletir em termos morais. Para que possamos fundamentar as nossas obrigações éticas em relação a esses humanos, impõe-se a descoberta de um critério mais completo. Ao se perguntar quais seres devem ser portadores de Direitos e a fim de que essa exigência teórica seja atendida, Regan sugere que o critério mais importante para o merecimento da nossa consideração ética consiste na condição psicofísica de sujeito de uma vida; expressão que ele utiliza para designar todo o indivíduo que é capaz de sentir prazer, dor, emoções complexas, de crer e formular desejos, agir intencionalmente segundo as suas preferências, de manter uma identidade psicofísica ao longo do tempo, de conceber o futuro (incluindo o seu próprio), e de experienciar bem-estar no decurso da sua vida. Portanto, podemos incluir no conjunto dos que são sujeitos das suas vidas, as crianças e os deficientes mentais; e não apenas eles, mas também os animais não-humanos que também se mostram capazes de avaliar o impacto unificado dos efeitos benéficos ou prejudiciais daquilo que lhes é causado no decurso das suas vidas (mamíferos e aves, por exemplo). Regan afirma que devemos atribuir aos sujeitos de uma vida um valor ético que os torne importantes em si mesmos; ou seja, não devemos nos pautar por interesses instrumentais que possam ser danosos para os indivíduos que valorizamos, mas a partir de um valor cujo reconhecimento garanta que cada indivíduo portador de direitos possa conduzir a sua vida autonomamente, segundo as suas próprias necessidades, orientações e preferências. A essa concepção de valor, Regan dá o nome de valor inerente.
Reúnem-se assim na esteira dos pacientes morais, tanto os sujeitos de uma vida humanos, quanto os sujeitos de uma vida não-humanos. O modo como nós, humanos, podemos ser afetados pelos atos de outros é muito semelhante ao modo como os mamíferos não-humanos e as aves podem ser afetados por aquilo que lhes fazemos. Por um lado, nós e esses animais somos similarmente beneficiados uma vez que temos a liberdade para satisfazer de forma autônoma os nossos desejos biológicos e sociais no decurso das nossas vidas, desde que esses desejos sejam no interesse do nosso bem-estar. Por outro lado, somos similarmente prejudicados quando nos é infligido sofrimento, quando somos privados de oportunidades que possibilitem uma boa qualidade de vida, ou quando somos mortos. A posse das capacidades psicofísicas requeridas pelo critério de sujeito de uma vida prova-se logicamente independente do índice quantitativo de quaisquer experiências intrínsecas, como a felicidade, o prazer, ou a satisfação de preferências. Em resumo, Regan propõe que um critério para a posse de valor inerente, e, consequentemente, um critério para a posse de direitos básicos consiste na condição de sujeito de uma vida; um destes sujeitos que porventura não possa apreciar essas experiências intrínsecas (não leve uma existência feliz ou prazerosa, ou não seja capaz de satisfazer as suas preferências), não deixa por isso de ser sujeito de uma vida – isto é, não perde as capacidades psicofísicas que o tornam sujeito da sua vida. Em seu grau mais exigente, os objetivos práticos da Ética Animal não se limitam ao problema da crueldade enquanto intenção maldosa de causar sofrimento desnecessário, mas demandam antes a completa abolição de todas as formas de abuso instrumental dos animais. Admiti-los tão merecedores de direitos quanto nós requer que os tratemos como tais, não mais explorando os animais para obtermos vestimenta, alimentação, etc. Segundo Regan, o nosso erro face aos animais que maltratamos e sacrificamos em proveito próprio é o de não reconhecermos seus direitos morais básicos, incluindo o seu direito à vida, liberdade e integridade corporal. A libertação animal requer o fim imediato de todas as atividades humanas que possam implicar o cárcere, maus tratos ou a morte de mamíferos e aves, como a experimentação animal, a pecuária, circo e tourada, comércio de peles, caça, ou a destruição de habitats naturais. Tais reivindicações certamente obtêm a desaprovação da grande maioria das pessoas que, de alguma maneira, participam no fomento da exploração animal: dos trabalhadores envolvidos aos consumidores em geral, empresários e proprietários aos cientistas e investigadores, dos juristas e magistrados aos governantes políticos. Infelizmente, a teorização abolicionista de Regan enfrenta ainda a dificuldade de convencer as pessoas que relutam em seu egoísmo, a abandonar seus próprios interesses, sejam eles fruto do especismo ou não.
Conclusão
A defesa dos animais não-humanos por Schopenhauer é bastante relevante, porém um tanto controversa e insuficiente. Podemos admiti-la como um bom modelo inicial para o desenvolvimento de uma Ética Animal, visto que coloca animais humanos e não-humanos na mesma posição enquanto seres que possuem necessidades semelhantes e estão sob o mesmo guarda-chuva da Vontade cósmica. Também a compaixão é extremamente interessante para que os humanos despertem para o sofrimento e as necessidades dos outros seres com os quais compartilham o mundo. Temos em Schopenhauer, assim, um marco importantíssimo na mudança de paradigma em relação modo de encarar os animais, uma vez que o autor é um dos primeiros a ir contra o modelo racionalista tradicional e a colocar o sentimento, o corpo e a “animalidade humana” como centro de sua consideração filosófica. Quanto à posição de Regan, ela nos dá suporte para a legitimação dos direitos dos animais por afirmar que é precisamente pelo fato de vários animais revelarem indícios (anatómico-fisiológicos e comportamentais) que provam que também eles são sujeitos de suas vidas, que eles devem ser inseridos em nossa consideração ética. Eles podem ser afetados pelas nossas ações de modo bastante similar ao modo como podemos afetar os humanos sujeitos de uma vida. Dessa forma, para que se possa a evitar incoerências na nossa deliberação ética, devemos procurar respeitar tais animais pelo menos tanto quanto devemos respeitar os humanos. Uma boa resolução para o problema do especismo (que nada mais é do que um fruto do egoísmo humano) e dos direitos animais, tão negligenciados, é guiar-se pelas duas perspectivas éticas aqui abordadas: a ética da compaixão e a legitimação dos direitos dos animais a partir de sua admissão enquanto sujeitos de uma vida: uma vez que Schopenhauer acerta em defender os animais, porém quando do confronto com o sofrimento humano se torna um utilitarista, pois coloca os interesses de nossa espécie à frente dos interesses dos outros animais; e Regan supera essa falha ao propor uma ação que leve em conta o valor inerente de todos os seres que são sujeitos de uma vida, humanos e não-humanos. Os dois filósofos convergem complementarmente –visto que um trabalha na esfera da empatia, outro no que tange à dimensão normativa – no que pode resultar em uma Ética Animal coerente e aplicável.
Referências Bibliográficas
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução, apresentação e notas de Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005.
______. Sobre la voluntad en la naturaleza. Trad. de Miguel de Unamuno. Madrid: Alianza Editorial, 1970. ______. Crítica da filosofia Kantiana. Trad. de Maria Lúcia M. Cacciola. São Paulo: Nova cultural, 1988 (Coleção os pensadores). REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Trad. de Regina Rheda. Verificação Técnica de Sonia Felipe, Rita Paixão. Porto Alegre: Lugano, 2006. ______. The Case for Animal Rights. 2ª edição. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2004.