Apontamentos sobre a História do Belenzinho

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Apontamentos sobre a história do Belenzinho 26/10/10 Daisy Perelmutter Os belenenses costumam destacar com arroubo e até com certo ufanismo que há um distintivo muito singular que particulariza a vivência no Belenzinho, a despeito das enormes transformações e mutilações sofridas pelo bairro ao longo de sua história centenária, e que permanece como seu distintivo: a sensação de estar em família. O fato de ter sido vivido e reconhecido como um espaço familiar, no qual a confiança, a tutela e os vínculos sanguíneos se sobrepuseram às relações impessoais não significa, contudo, que sua história tenha sido construída sem rusgas e fraturas, em outras palavras, isenta de lutas, contradições e conflitos. Como toda “saga familiar” que se autodenomine como tal, a história do bairro do Belenzinho revela e desperta em seu amplo repertório de fatos e acontecimentos os sentimentos humanos mais díspares: paixão, ódio, vingança, ousadia, doçura, abjeção, autonomia, opressão, fúria, ternura. Sendo assim, a fraternidade dos laços entre os moradores, até hoje celebrada, é um aspecto que fala bastante, sem dúvida, a respeito da identidade regional do Belenzinho, mas, não é sua única marca. Muitas outras experiências esmaecidas pelo tempo ou pulverizadas no espaço maior da grande cidade que São Paulo foram também significativas para a construção da identidade do bairro e merecem, portanto, reivindicar seu espaço na história: a ardente militância sindical dos trabalhadores têxteis nas primeiras décadas do séc.XX; a paixão pelo futebol de várzea e a proliferação de diversos clubes amadores durante quase cinqüenta anos (1910-1960); o arrojo nas propostas educacionais de cunho anarquista com a criação da Escola Moderna n.1 (1912-1919), inspirada na pedagogia libertária do espanhol Francisco Ferrer y Guardia; a intensa vida pública nos eventos religiosos, recreativos e culturais (missas, quermesses, festas, bailes, procissões, footing, grupos amadores de teatro, cinema) no circuito Rangel Pestana - Celso Garcia; os ideais progressistas expressos na construção da Vila Operária Maria Zélia (1917), instaurando uma inédita relação, para a época, entre empregador e operário (a experiência antecede à consolidação das leis trabalhistas criadas na era getulista), entre tantos outros fatos e vivências que não poderão constar deste panorama referendado a partir de certas escolhas. Todavia, se é possível identificar traços originários que permaneceram e atualizaram-se ao longo da história, há outros que caducaram e se tornaram obsoletos em um curto espaço de tempo, como por exemplo, o bucolismo associado


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