UM BOM RETIRO Daisy Perelmutter1
Caldo efervescente de diferentes culturas, línguas, ofícios, cheiros, instituições, religiões, temporalidades; o Bom Retiro parece condensar em seus poucos kilômetros quadrados o mundo e sua diversidade. Em sua história multiforme, que dispõe de múltiplas tramas, tudo coube e parece ainda caber em um trajeto que, sem intermitência, não cessou de se reiventar. A imagem bucólica identificada à área antes de seu loteamento (até meados do século XIX), conhecida então como a região das chácaras onde as famílias abastadas desfrutavam o ócio em seus finais de semana – Sítio do Carvalho, Chácara Dulley e Chácara Bom Retiro – foi substituída por outras feições inscritas de forma mais duradoura. O grande afluxo de imigrantes e migrantes vindos para São Paulo, em função do apogeu do ciclo cafeeiro, fez com que o bairro se tornasse um destino obrigatório para os novos cidadãos paulistanos, que chegaram de forma contínua de 1890 até 1940. A boa acolhida e a maleabilidade às diferenças – étnicas, religiosas, culturais, sociais, políticas – definiram uma identidade ao Bom Retiro que o tornou singular mesmo em relação aos seus “bairros irmãos”, também com forte presença operária, tais como Brás, Mooca, Pari, Penha, Lapa e Belenzinho. A vocação progressista que o marcaria de forma indelével deu, portanto, seus primeiros sinais, já no início do século XX, ao acolher ingleses, italianos, sírio-libaneses, lituanos, armênios, 1 Doutora em História Social e Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/SP, bacharel em Ciências Sociais pela FFLCH/USP, com especialização em História oral pela Universidade de Essex/UK.
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