Radicalizando a democracia pelo diálogo – Pólis 25 Anos Daisy Perelmutter 1 A escrita e o conhecimento histórico se constituem a partir de um empreendimento tenso e ardiloso de ordenação do que, por natureza, é pouco afeito e, muitas vezes, evasivo às grandes sínteses: o vivido. A utopia romântica de reconstituição integral de um passado esquecido ou preterido é, inexoravelmente, debelada pela metodologia histórica, pautada na identificação e leitura dos restos e vestígios disponíveis que chegam às mãos do historiador. Estes documentos não são inocentes e foram fabricados obedecendo às intencionalidades do contexto específico no qual foram engendrados. Neste sentido, não podemos pensar o conhecimento histórico como um trabalho intelectual pueril. A História vive acossada pela dualidade memória/esquecimento. Ao elegermos certos eventos/acontecimentos como emblemáticos e representativos de um determinado período ou contexto fazemos vistas grossas ou enterramos, no mesmo ato, tantos outros que, por falta de suporte de memória ou pela fragilidade de seu arcabouço, são tragados e esvaecem no curso do tempo e dos acontecimentos. A narrativa histórica é um esforço de articulação entre passado e presente, através do estabelecimento de um vaso comunicante entre os diferentes fios que constituem cada um destes tempos. Não referenda-se por uma aderência viscosa à memória nem, por outro lado, por um desdém futurista à tradição e bagagem herdadas. O esforço em reanimar o passado de modo a fazer com que suas vozes ecoem e desafiem o presente em sua suposta onipresença e auto-referência, outorga à História a insígnia de um campo de conhecimento no qual o desassossego é tido como sua premissa. Reconstituir historicamente qualquer experiência - individual, coletiva, institucional, local, nacional – não é, em absoluto, um passeio cândido, florescente. A prospecção pressupõe capacidade de pisar em terrenos instáveis, reconhecer conflitos, compreender escolhas feitas, enfrentar espinhos e, mais do que tudo, aceitar que o que trazemos á tona com nossas pesquisas e estudos são questões e perguntas instiladas pelas sinuosas trajetórias e percursos humanos. Se, como sinalizamos anteriormente, entendemos a História como um investimento que, de algum modo, contem/represa o infinito da 1
Bacharel em Ciências Sociais pela FFLCH/USP, especialização em História Oral pela Universidade de Essex/Inglaterra, Mestre em Psicologia Clínica e Doutora em História Social pela PUC/SP.
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