A casa da minha vó A fachada é salmão. Não vê uma pintura nova há no mínimo 19 anos. O hall de entrada tem tijolos rosa. As paredes são úmidas. A primeira porta é de vidro. A segunda, também. Lá ficavam as minhas cartas para o Papai Noel. Salas imensas, más escuras e gélidas. Pátios gigantes, mas vazios. Houve tentativas de se ter uma horta, uma pracinha para as crianças brincarem ou até uma piscina para refrescar os dias quentes de verão. Em Uruguaiana, no número 1717 da rua 13 de maio, não vive só um casal que acaba de completar 54 anos de casado. As lembranças não são poucas da casa da minha vó. Desenhar nas paredes cestas de basquete e voar as tranças pela sala pensando ser jogadora profissional. Pegar as tintas do artesanato da vó e transformar em laranja o vermelho e amarelo. Achei que seria artista e pintava todas as cadeiras da mesa. Tirar o vô da cama pra dormir com a vó. Tirar a vó da cama para dormir com o vô. Os poços de luz que eu gritava para ecoar. A lareira que esquentou a vida por diversos invernos. Aprendi a ser colorada. Descobri que queria ser jornalista. A mesa que foi a minha bancada desde os cinco anos ainda tá lá. A casa da minha vó. Doces lembranças.