Portador de sonhos Maria Eugenia Bofill Papai Noel: um mito ou uma realidade? Há idade limite para acreditar nesta figura? O que ele significa em nosso imaginário? O lendário bom velhinho, no dia 24 de dezembro, véspera de Natal, leva presentes às crianças que portaram-se bem durante o ano ou tiveram boas notas, largaram o bico ou a mamadeira. O personagem foi inspirado por São Nicolau, no século IV, o arcebispo de Mira, na Turquia, ajudava anonimamente quem estivesse passando por dificuldades financeiras. O saco de moedas era colocado na chaminé das casas. Apesar das características terem semelhança, enquanto São Nicolau usava as vestimentas de bispo, o bom velhinho caracteriza-se por um homem rechonchudo, que usa casaco e calças vermelhas e cinto, botas de couro preto, além, é claro, de sua barba branca. Sua moradia pode ser uma incógnita, mas todos os endereços são cobertos de neve. Segundo a lenda americana, Papel Noel habita o Polo Norte, enquanto na versão britânica, durante o ano ele fixa seu trenó na Lapônia, Finlândia. O Jornal do Comércio percorreu alguns shoppings de Porto Alegre para conhecer estes bons e alegres velhinhos, que distribuem presentes, sorrisos e fazem a felicidade – não só das crianças -, nesta época do ano. Histórias que dão um livro Em uma tarde, caminhando pelo Centro de Porto Alegre, Clóvis Augusto Cantoni foi descoberto por um olheiro como um possível Papai Noel. Sua barba branca, é claro, o que mais chamou atenção. Depois de morar 35 anos em Belo Horizonte trabalhando em uma metalúrgica, retornou à Capital e aceitou o convite para ser o símbolo natalino. De seus 80 anos, em média uma década é dedicada ao papel do bom velhinho. Há sete anos é o dono da cadeira vermelha do Shopping Total. Seus primeiros trabalhos foram em supermercados e lojas comerciais. As férias deste Noel duram cerca de cinco meses, pois a partir de maio começam os cuidados com a barba. Para ele, é o mais importante, o que identifica o Papai Noel. “Antigamente a figura do Papai Noel era diferente, principalmente as máscaras com barbas falsas são os que mais assustam as crianças”, afirma. Mas ele assegura: o movimento não é apenas crianças, os adultos também marcam presença. “O Papai Noel ainda é uma ilusão para muitos, tem uma força muito grande para as pessoas”. A movimentação é intensa. No período das 10h às 17h, a noelete Rebecca Máximo faz a contagem de quantas crianças passaram por ali: em média, 110 a cada dia. “Já passou de ano?”, questiona o Papai Noel ao garoto que chega para tirar fotos. “Minha ideia é escrever um livro com tanta história”, conta. Em sua trajetória, Cantoni diz uma das histórias mais marcantes é de uma família vindo de Uruguaiana que passeava no shopping. A menina, de 10 anos, portadora de uma síndrome, era inquieta. A mãe desejava que ela sentasse no colo do Noel, já o pai não era tão a favor da ideia. Mas quando a menina sentou-se, imediatamente ficou quieta. Os pais ficaram impressionados, conta Cantoni, e os avós, que também acompanhavam, emocionados. “É extremamente gratificante, principalmente pelo carinho e admiração que as pessoas tem pela figura do Papai Noel”, finaliza ele.
Sempre pontual Viajar, aviões e Coca-Cola zero. Se Vandyr Marquart não fosse o encarregado de entregar os presentes, talvez estes – seus maiores vícios -, estivessem em primeiro na sua lista. O Papai Noel do Moinhos Shopping também não abre mão de chegar sempre na hora certa em seus afazeres - possui mais de 40 relógios em casa. Quem deseja encontrar este Noel e cobrar pelos seus presentes, deve deslocar-se até o Litoral. Sem um endereço fixo durante ano, transita entre Imbé e Porto Alegre. Logo após o Natal, é na praia que Marquart tira a barba e corta o cabelo, todos os anos no mesmo barbeiro: “brinco com ele: ‘tu desmanchas o Papai Noel’”, conta. Técnico em computação aposentado, Marquart é casado há 53 anos com Marisa. Na vida dividida entre lá e cá, juntos mantêm um hobbie diferenciado: constroem casas em miniatura. “São produzidas em tamanho escala e tem até os móveis dentro. Aqui no Brasil não se vê muito, mais em São Paulo. É difícil encontrar até o material para produzi-las”, conta o Noel, que na maioria das vezes importa os utensílios dos Estados Unidos e da Inglaterra, onde reside cada uma de suas filhas. “Esta é uma história confusa e complicada”, começa ele contando sobre seu início como bom velhinho. Este ano vestido de branco, combinando com a decoração do shopping, Marquart desempenha a função há 12 anos. “Relaxei e não fazia mais a barba. Um dia, tomando café no shopping, uma senhora me parou e disse ‘quero lhe oferecer um lugar de Papai Noel, aceita?’”, recorda. Aceitou e o Shopping Moinhos é seu ponto fixo há sete anos e neste tem como companheira a noelete Bárbara Batista. Em sua trajetória, conta que já recebeu os mais inusitados pedidos e que em sua maioria, não são vindos de criança. “Aqui, em média 80% que tira foto ou vem conversar e pedir são adultos. Pedem conselhos e até trabalho.” O pedido de Natal do Papel Noel Marquart? Apenas muita paz para todo mundo e que não falte coca-cola zero. Até onde a vida der Nos meses de novembro e dezembro, a rotina de Tomaz Velazquez é uma maratona. Seu Expediente se inicia às 10h e termina às 16h. Porém, o Papai Noel sai de casa às 7h15min e retorna apenas às 18h40min. No itinerário de ida e volta estão cinco ônibus. Morador da Barra do Ribeiro e há quatro anos animando as crianças no BarraShoppingSul, este bom velhinho inicia a preparação a partir de março, quando começa deixar a barba crescer. Mas antes mesmo de ser Papai Noel, Velazquez já fazia a alegria das crianças: trabalhou como palhaço em Uruguaiana, cidade em que mora a irmã. Lá, também foi o Papai Noel oficial do município por quatro anos. Mas a primeira aparição deste senhor de 64 anos foi na loja da cunhada. “A história de como me tornei Papai Noel é trágica”, lamenta. Após perder a esposa, Velazquez ficou “sem tapete”, como diz, relaxou e a barba começou a crescer. Então as pessoas começaram a indagar porque não tornava-se Papai Noel. O contato com crianças poderia ser uma maneira de confortá-lo. Seguiu os conselhos, participou de um curso para Papais Noéis e exerce o ofício há uma década. Velazquez compartilha da ideia de que caso as crianças não desejem chegar perto do bom velhinho não se deve forçar, pois pode criar traumas. Algumas chegam correndo, mas travam quando veem o Noel, outras vão se aproximando um pouco tímidas. “Pergunto o nome, se comportou-se durante o ano e, é claro, os pedidos, é preciso conversar com elas. Mas caso os presentes sejam muitos eu digo: não dá tudo no
trenó do Papai Noel, fica muito pesado”, conta. Mas reitera, que são os jovens e adultos que mais pedem para tirar fotos. Entre suas histórias mais emocionantes, Velazquez conta que tem uma carta guardada até hoje. Nela, uma jovem pedia para passar na faculdade e que o Papai Noel unisse seus pais. Os conflitos em casa a dispersavam dos estudos. Velazquez lamenta que a menina não colocou seu endereço, se não a visitaria na noite do dia 24 Além de diversas cartinhas guardadas, já perdeu as contas dos bicos e mamadeiras que tem em casa. “Ainda vou construir um trenó na frente de casa e colocar Casa do Papai Noel”, finaliza o Papai Noel, que afirma que pretende continuar no posto até ‘onde a vida der’. Quase meio século “Olá, muito boa tarde”, independentemente da idade, quem passa perto do senhor com barbas brancas e roupa vermelha no Shopping Praia de Belas escuta as sinceras saudações. Difícil será encontrar um Papai Noel com mais experiência do que este. Há 48 verões, Laércio Roca deixa sua barba crescer e assume o papel do bom velhinho. Tudo começou aos 23 anos, com o nascimento do primeiro filho. Em uma família muito religiosa, não poderia faltar a presença do personagem principal da festa natalina. A família foi aumentando e Roca assumiu oficialmente o cargo. Após a experiência em casa, logo começou a trabalhar em shoppings. Mas ele afirma, “não é uma profissão, é um dom ser Papai Noel.” A experiência é tamanha que já orienta aos pais a que distância ficar e como devem se posicionar para a foto ter o enquadramento certo. E ainda, para os mais apressados que desejam apenas registrar o momento, ele contesta: “calma, primeiro precisamos conversar, para depois tirar a foto.” Mesmo tendo se caracterizado apenas uma vez, sua fiel escudeira é carinhosamente apelidada de Mamãe Noel. Maria Antonieta o auxilia todos os dias, principalmente a arrumar a barba. “Ela molha, enrola com uma escova, passa o fixador e por fim o talco”, explica o Papai Noel. Porém, não há produto que perdure após tantas mãos puxando esta barba, seja por curiosidade ou para ter a certeza que é de verdade. Mas encostar a cabeça no ombro deste velhinho, abraça-lo e dar um beijo na bochecha passa a significar mais do que os próprios pedidos. Este Papai Noel é capaz até de virar cambalhotas para chama-las para seu braços. Mas não esquece de lembrar aos pequenos o acontecimento importante da data, “o Natal não é só presentes, é o nascimento de alguém, é uma comemoração.” Entre todos os pedidos que já ouviu, Roca guarda um em especial. Há oito anos, uma menina acompanhada do irmão, sentou-se ao seu lado e pediu: “quero voltar a enxergar”. Desde o comovente pedido, os dois criaram um laço forte de amizade. “Me realizo sendo Papai Noel. Sou outra pessoa, nesses dois meses eu sou, de fato, o Papai Noel”. Para o próximo ano, Roca está produzindo um livro com os relatos que aconteceram nessa trajetória de 48 anos como bom velhinho. Divertindo-se, ele se despede: “Até o dia 24 de noite. Não durmam e prendam o cachorro.” Publicado no Jornal do Comércio 24/12/2014