Quem se importa com o homem invisível? Maria Eugenia Bofill
De segunda a sexta-feira, 600 pessoas usam a linha 353 Ipiranga/PUC das 5h20min às 14h30min. Todas elas, sem exceção, passam pelo motorista Marco Aurélio Oliveira. Ele acredita que apenas 60 passageiros o cumprimentam ao subir as escadas metálicas do ônibus. Pelo cálculo empírico de Oliveira, 90% das pessoas que viajam sob a sua responsabilidade não conseguem – ou não sabem,ou não podem, ou não consideram importante, ou não precisam, ou esquecem ou evitam – dizer “bom dia”. Em meio à urbanidade apressada da selva de asfalto, os passageiros não se dão conta da falta de civilidade. Marco percebe. Ele não quer beijos e abraços. Não quer longas conversas, comentários sobre futebol ou o último capítulo da novela. Não, isso não precisa. Um simples “bom dia” bastaria. O percurso é logo. Marco percorre por volta de 130 quilômetros por dia. Passa pelas avenidas Osvaldo Aranha, Ipiranga, Bento Gonçalves, João Pessoa. Aposentados, adolescentes, universitários e trabalhadores embarcam para chegar ao lugar desejado sob os cuidados de Marco. Há dias em que o motorista gostaria de escolher o próprio destino. Queria pegar o caminho do mar, fugir por alguns instantes da loucura do trânsito de Porto Alegre. Queria realizar o sonho de visitar o Museu do Louvre, em Paris. “Ver ao vivo a história que se leu a vida toda deve ser emocionante”. O brilho do sonho dura pouco. A realidade chama sem parar. E cedo. Marco acorda às 4h. Deixa a filha Joyce em casa, e pela madrugada, caminha em direção ao trabalho. Marco quer muitas coisas. Quer passar em um concurso público para garantir os estudos de Joyce e ter boa aposentadoria. Fez provas para a EPTC, não deu. Está estudando para entrar na Defensoria Pública. Mas já quis estudar História. Quis fazer Comunicação. E pensou em voltar a dar aulas em um Centro de Formação de Condutores. Marco gosta de sala de aula. Talvez por isso estranhe tanto a forma como é percebido – ou passa quase despercebido – por grande parte de seus passageiros. “As pessoas estão perdendo a noção, estão cada vez mais difíceis”. Para o motorista da linha 353 Ipiranga/PUC, a sociedade parece passar por um momento de involução. “Em vez de melhorar, ela só piora”.
Por ser um ambiente neutro, o ônibus acaba por refletir, de certo modo, o comportamento de uma sociedade individualista. “Por que não cumprimentar o motorista? Não é difícil, não faz mal”, sugere Marco, que gosta do trabalho que faz e dos colegas de empresa. De vez em quando, diverte-se com as conversas de passageiros que têm o tom de voz mais alto. Das seis horas que passa dirigindo pelas ruas e avenidas de Porto Alegre, Marco só fica chateado ao perceber que, cotidianamente, é um homem invisível.