Perfil thiago gonzaga

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Obstáculos na pista da vida Um contêiner irregular. Bebida alcoolica e direção. 20 de maio de 1995. “Seu corpo foi encontrado no asfalto na madrugada fria, numa esquina de Porto Alegre. Seu voo terminou ali, quando deixou-se derrubar por um mau vento – destes que passam sem deixar saudades.” Thiago de Moraes Gonzaga entrou em uma carona furada, sete dias após completar 18 anos. A vida foi breve para quem tinha pressa e precisava de todo o tempo possível para viver. “Um dia, num lugar assim, nasceu um menino que mudou o mundo”, a frase registra a primeira página do álbum de bebê de Thiago. Um dia, 13 de maio de 1977. Um menino doce, bem-humorado e irresistivelmente amoroso pelas palavras do pai. Um menino o qual tinha cabelos compridos, olhos escuros, um sorriso sincero, e era notado de longe pelos seus 1,88 de altura. Até os 12 anos, era o único filho homem de Régis e Diza, o bendito fruto entre Larissa e Carolina. A infância dos três foi marcada pelas idas ao sítio nos finais de semana, a paixão por andar a cavalo, a pescaria no Guaíba, as viagens de carro sem destino da família Buscapé, os verões no litoral com os amigos. Ele tinha no fazer amigos a chave para compreensão do mundo. Por onde passava cativava alguém com seu jeito extrovertido, brincalhão. “Thiago é uma criança cujas reações predomina o bom humor. Amigo de todos, é uma criança que demostra equilíbrio, muito carinhosa (...)”, a professora do Maternal I, já reconhecia as características do garoto com apenas três anos. Cativava e também era cativado facilmente. Assim aconteceu com Gerson. Thiago conheceu o menino em uma instituição para menores órfãos. Foi amor a primeira vista. Não descansou enquanto não convenceu os pais adotarem-o, que há pouco tempo tinham adotado Paula. Gerson tornou-se seu irmão preferido, a relação entre os dois não era fraterna, mas, sim, de pai para filho. Thiago o acompanhava em todos os lugares, da consulta ao pediatra as atividades na escolinha e, claro, aos jogos do Grêmio. “O Grêmio Futebol Porto-Alegrense foi a maior e mais constante paixão da sua vida”, e Renato Portatuppi o seu grande ídolo. Ver o Grêmio sendo Campeão do Mundo novamente estava entre seus sonhos. Além de entrar na faculdade e ganhar o primeiro


carro. Thiago não viveu a tempo nem de ver o time do coração sendo bicampeão da Libertadores. Faleceu com a certeza de que cursaria direito, mas dois meses antes querendo cursar medicina, para cuidar dos outros, 'cuidar dos amigos'. A amizade sempre foi o mais importante. “Amigo” era a palavra mais presente no vocabulário para denominar alguém. Desde o motorista do ônibus até Gerson. O que não se estranha as músicas na formatura do 2º grau terem sido Canção América (amigo é coisa pra se guardar...) e Coração de Estudante (há que se cuidar do mundo...). Thiago era uma pessoa de bom coração e preservava muito a amizade, isso ninguém nega. Mas a linha entre a mãe, Diza, e o amigo, Cristiano, mostram traços diferentes na personalidade da mesma pessoa. Talvez Thiago não entrasse em brigas apenas para defender os amigos, como dito pela mãe, mas ele próprio provocasse a briga e precisava contar com os amigos para defendê-lo. "Ele vivia intensamente, no limite", conta Cristiano, seu colega no colégio Leonardo da Vinci Beta, onde terminaram o ensino médio. Além de colegas, eram amigos, frequentavam as mesmas festas. Festas em que todos bebiam muito, e depois, sem medo, iam embora de carro. A vida tem seu leve tom de ironia e pregou peças. Que jovem acha que as coisas irão acontecer consigo? Mas aconteceu. A bebida, a ausência do cinto de segurança, o contêiner. "O Thiago nunca foi santo", a frase foi repetida diversas vezes tanto por Diza como por Cristiano. Mas Diza apresenta o lado 'não santo' do filho de uma maneira doce, de uma maneira mais mãe. Colocar apelidos em todo mundo, principalmente nas irmãs, roubar o carro quando os pais iam passar o final de semana do sítio, esperar Carolina tomar banho e puxar a descarga do outro banheiro para a água esfriar. Obviamente, ele era um jovem como qualquer outro. "Eu vi o Thiago comendo uma prova na frente do professor", lembra Cristiano. Ou na viagem de 3º ano do colégio que os amigos roubaram toda dispensa do hotel. De caixas de creme de leite a latas de refrigerantes. No colégio, Thiago sentava todos os dias atrás do mesmo colega para provoca-lo. "Pedia a borracha emprestada, passava o corretivo em toda ela e devolvia ao colega. Cada dia era uma 'brincadeira' diferente", recorda o amigo. "O Thiago vivia implicando comigo. Me dava mil apelidos, lia minha agenda e até ouvia os meus telefonemas para depois ir correndo contar para a mãe e o pai", Carolina era a irmã mais nova, Thiago a apelidou de Leão, pelos seus cabelos ondulados


e armados. "No fundo do coração do Thiago era só amor e paz. Ele deve estar brincando e fazendo palhaçada. O Thiago às vezes fica brabo, mas ele gosta de todo mundo", para Larissa, a mais velha, o desaparecimento repentino do irmão não significou o fim. O amor da família ultrapassa qualquer distância, de países a planos. Larissa tem a certeza que o irmão, mesmo que não fisicamente, continua a acompanhando. Filho do professor de matemática do cursinho pré-vestibular que estudava, o garoto não tinha simpatia nenhuma por cálculos, os números nunca foram seus parceiros. Mas também não gostava de ler. Nem exatas, nem humanas. Jogar basquete, tocar guitarra, baixo, estavam na sua lista de atividades preferidas. Era chamado de Pesquisador Borboleta por inquietamente terminar uma atividade e já pensar em outra. "Estudava king-fu, ascendia nas faixas, participava de uma competição, trazia o troféu e logo estava pensando em um curso de guitarra". Sua coleção de postais eram um de seus bens mais preciosos, incluía todos os lugares que havia passado e também aqueles que dificilmente chegaria. Nisso ninguém poderia tocar. Junto com sua agendinha, onde havia tudo que era importante, principalmente seus textos. Thiago tinha o hábito de escrever. Escrevia textos falando de seus sentimentos, emoções, decisões que teria que tomar. Mas não só na agenda, suas palavras ficavam espalhadas pelas gavetas de seu quarto. Certa vez, a mãe lhe deu um poema com o título A vida verdadeira, de um autor de nome Tiago. Seu primeiro pensamento, "ficaria legal na parede do quarto do Thiago", ele, teimoso, obviamente resistiu, mas após Diza insistir, aceitou. "Tá bom. De repente, alguém pensa que o poema é meu". Após o acidente, Diza encontrou o poema na agenda do filho, que tinha em seus versos "Mesmo enrolada de pó, dentro da noite mais fria, a vida que vai comigo é fogo: está sempre acesa". As palavras vinham a descrever o exato momento em que o encontrou na esquina das ruas Cristóvão Colombo e Ramiro Barcelos, seu cabelão coberto de poeira grossa da rua. Não só textos, Thiago também tinha o hábito de desenhar, desenhos que foram encontrados nas páginas de seus cadernos e agendas. "Eram estradas que se perdiam num ponto futuro. E, no último, fica clara a existência de um obstáculo na pista". Ele antevia inconscientemente uma vida breve. "Só falta uma semana, não sei se vou estar vivo", argumentava aos pais ao insistir querer um carro de presente no dia em que


completasse 18 anos. A insistência era um traço marcante em sua personalidade. Ele tinha pressa. Thiago demostrava preocupação com o sofrimento alheio, porém as incontáveis vezes que escreveu seu próprio nome nos cadernos do colégio revelavam uma personalidade excessivamente preocupada consigo mesma. "Sem tempo para perder - estar com Thiago era mais ou menos assim. Ele sempre estava sorrindo ou fazendo alguém rir. Como alguém podia perder tanto tempo inventando seu futuro e não se importar com o que estava acontecendo na hora. Encontrar o Thiago era dar uma parada no mundo chato, onde tudo tem que seguir uma mesma ordem. Ele não se preocupava com isso. Viver era muito mais importante. Tinha que ser mais. Se divertir, aproveitar, fazer com que a vida valesse a pena ser vivida. A forma como ele amava todas as pessoas era sincera demais para que alguém sentisse raiva dele por muito tempo"


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