Paper . O projecto como processo integral na arquitectura de Álvaro Siza

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FICHA DE LEITURA 02 . O PROJECTO COMO PROCESSO INTEGRAL NA ARQUITECTURA DE ÁLVARO SIZA . ANTÓNIO J. RODRIGUES

Mariana Fartaria . 2011



“É um viajante (Álvaro Siza Vieira) entre o céu e a terra, à procura dos anjos que são os homens, os bichos e que, ás vezes, disfarçados ganham a aparência de escultura, casas ou monumentos!” – texto 2 (pág.74): “Esquissos de Viagem” de Álvaro Siza in: Jornal de Notícias, 1988‐06‐21

António Jacinto Rodrigues, em uma das seis lições de Teoria da Arquitectura, fála‐ nos d“O projecto como processo integral na arquitectura de Álvaro Siza”, tentando aprender o “processo criativo” na obra arquitectónica do arquitecto de projecção internacional Álvaro Siza Vieira. Para isto o autor começa por situá‐lo no momento histórico actual e perceber claramente como se relaciona e se enquadra na teoria arquitectónica contemporânea. Ao longo dos séculos, por entre filósofos, físicos e matemáticos, foi havendo uma evolução de pensamentos que levou ao surgimento de novas atitudes, manifestando‐ se, de forma paradigmática, não só na área da ciência como também a nível social. “Pode‐se mesmo referenciar, hoje, uma metodologia da “metamorfose complexa” onde vários níveis autónomos mas inter‐relacionáveis permitem discernir uma visão holística mas não totalitária onde se interligam o uno e o múltiplo”. Pág.23 O surgimento de um “novo paradigma traduz‐se numa nova concepção” na qual o conhecimento impõe como condição o autoconhecimento e a transdisciplinariedade estabelece uma relação entre carácter “local e global”. A emergência do novo paradigma, marca e caracteriza a nossa época de mudança, sendo principalmente perceptível nas áreas de urbanismo e arquitectura contemporânea. Toda esta evolução, tanto a nível de ideias como construtivo, levou a uma grande expansão na construção das casas e na edificação da cidade. Surge o modelo “máquina” levando ao abandono do genius locci. “Le Corbusier e o Espirit Noveau formulam o paradigma da casa como máquina de habitar. E o CIAM do Congresso de La Sarraz (Declaração CIAM, 1928) é o expoente deste tipo de arquitectura. (...) A casa máquina corresponde agora à cidade‐máquina.” Pág.26 Este paradigma mecanicista, que se conferiu com a revolução industrial, sofreu variadas críticas, levando ao reconhecimento que o crescimento tecnológico não se transformava em processo social, como os arquitectos e urbanistas modernos presumiam. Em Portugal, o movimento moderno, embora frágil e tardio, apresentava indícios desta mesma problemática. As primeiras tendências eram mais ligadas às artes plásticas, embora entre 1955 e 1960, o inquérito à arquitectura popular em Portugal tenha apresentado uma vertente vernacular artesanal, contrapondo‐se uma arquitectura mais orgânica às referências modernas mais modelizadas e industrialmente geométricas. “Aalto e Wright são referências que se impunham para um outro modo de ver o moderno. Não apenas pela matriz do estilo internacional (tecnofuncionalismo industrial), mas sobretudo pela sensibilidade organicista. (Portas, N., 1986)” pág.28 Esta tendência exprimiu‐se pelas mãos de vários arquitectos portugueses, Fernando Távora, Loureiro, Viana de Lima, Octávio Lixa Filgueiras e Arlando Araújo, surgindo uma nova linguagem, “técnica construtiva e problemática antropológica”, constituindo assim um campo complexo no qual se poderá inserir “a actividade criativa de Siza Vieira”. Este atraso na produção industrial e a presença de métodos artesanais tradicionais ajudam a fortalecer em Siza Vieira “um processo mais inventivo e integrado de projectar. Mais complexo e a uma escala mais humana, com variáveis aleatórias que fazem do construir um jogo complexo. Esta metadologia é 1


processo. Processo que se fortaleceu em experiências e em aprofundamentos das componentes essenciais da arquitectura.” Pág.28 Siza Vieira tem como referência, na sua arquitectura, os tratados de Vitruvio, Alberti, Blondel, Durand e Semper, promovendo “solidez técnica, utilidade programática e estética”, embora coordene organicamente estes 3 aspectos nas suas obras. “O observador atento, a grande abertura à construção popular, a sensibilidade de artista consolidam também uma especial atenção pelo lugar.” Pág.32 O lugar visto essencialmente por fora mas vivido por dentro, permitindo uma abordagem mais rigorosa e global, revelando elementos ocultos mas decifráveis. Para além desta característica essencial na arquitectura de Siza Vieira, também o método de projectar se apresenta como um elemento indespensável na sua obra, sendo projectar “processo e não meta”, introduzindo assim a “dimensão temporal”. Projectar é processo, é tempo, é uma sucessão de desenhos e balanços “até que o traçado confirma e disciplina o que foi encontrado generativamente, como numa metamorfose biológica”. A formulação projectual de Álvaro Siza é composta por 3 elementos intimamente relacionados: lugar‐estrutura‐programa, sendo estes autónomos mas “simultaneamente unidos no tratamento de síntese e impregnam‐se mutuamente na forma que resulta”. A forma não é trabalhada separadamente, sobressaindo‐se como harmonia resultante do espírito do lugar. A beleza não surge como um elemento posterior à construção, mas sim algo que faz parte e resulta, conscientemente, de todo este processo de projectar. “O carácter métrico, o carácter canónico da projectação em Álvaro Siza Vieira está intimamente ligado à organicidade do método de observação do lugar.” Pág.33 Após esta análise gradual, o autor apresenta seis “peças de arquitectura” nas quais procura estudar e confirmar todos estes aspectos referidos anteriormente sobre o processo de projectar de Álvaro Siza Vieira. Estes seis exemplos são introduzidos tendo em conta as suas variáveis dominantes (lugar‐estrutura‐programa), sendo feita uma análise que não pretende ser uma crítica das “peças de arquitectura” em referência mas sim para “mostrar como a triunicidade dos elementos dos corpus arquitectural se plasma num método de projectar que é processo”. Para isto, o autor teve como base as múltiplas observações dos críticos Nuno Portas, Pedro Vieira de Almeida, Peter Testa, Oriol Bohigas, Gregotti, entre outros. Os primeiros dois exemplos – a piscina de Leça (1961‐66) “um lugar que acolhe e atenua o construído”; casa de chá e restaurante da Boa Nova (1958‐63) “um lugar que ressalta o edifício.” Pág.35; a partir dos quais se pretende explicitar dois modos de projectar onde a presença do lugar é um ponto relevante na concretização do projecto. A casa de chá e restaurante da Boa Nova é uma obra na qual é dada uma enorme importância ao lugar, um ponto que ressalta na paisagem, fortemente marcado. “O lugar é chamamento, é sinal! Como a capelinha ou o rochedo de António Nobre.” Pág.37 O edifício mostra‐se sem no entanto criar rupturas de linguagem com a paisagem, parecendo um local de protecção e aconchego, relancionando‐se de forma subtil com o infinito horizonte sobre o mar. “Lugar de diálogo e sonho, a casa de chá exigiu uma elaboração mais exuberante na forma, com referências à Aalto, Wright, à arquitectura japonesa, a arquitectura popular. Afirmação cultural num local de forte presença dos elementos da natureza.” Pág.39 A piscina de Leça encontra uma forma de articular as suas formas lineares do betão com a presença da rugosidade das rochas, existindo assim um diálogo claro entre o 2


plano e o orgânico. “ A finalidade de usufruir da água, o banho, dá a este lugar a sua tónica funcional. Estar tactilmente junto do mar. Para esta finalidade programática encontra‐se uma estrutura mínima de suporte, paredes divisórias em busca da intimidade e definição funcional sem deixar de valorizar um lugar apropiável fisicamente da forma mais livre possível.” Pág.41 Os exemplos apresentados para discutir a variável estrutura são o banco de Oliveira de Azeméis (1971‐74) e duas casas de Haia (1986) “A dinâmica estrutural dum volume edificado que induz o espaço exterior.” Pág.35 ; os quais partem de uma condição estrutural e geométrica. O banco de Oliveira de Azeméis desenvolve‐se a partir de linhas reguladoras das construções adjacentes e a via de circulação, crescendo de fora para dentro, sendo o interior contaminado pelo exterior. “Esta estrutura vinda de fora deixa‐se permeabilizar pelo lugar criado no seu interior como resposta a um programa. Mais uma vez a forma plástica resulta da relação sistémica das três variáveis.” Pág.44 As duas casas de Haia surgem a partir duma matriz volumétrica que se desenvolve de dentro para fora, não se isolando porém em relação ao lugar, existindo uma inserção harmoniosa com a envolvente. “A forma plástica encontrou‐se uma vez mais na tensão de linguagens diferentes e de forma geométricas desencocntradas.” Pág.45 Os dois últimos exemplos escolhidos, com programa como variável dominante são: “Bonjour Tristesse” Kreuzberg/Berlin (1980), “Um programa com dificuldades de participação.”; e bairro de Haia ‐ “Ponto e Vírgula” (1986), “Um programa com dinâmica participativa.” Pág.35 “Bonjour Tristesse” é um edifício com o qual se pretendia tratar de resolver o problema de alojamento social numa zona degradada da cidade de Berlim. Devido ao interesse económico por parte do proprietário privado, desenvolveu‐se um diálogo de tensão entre este e o arquitecto, mas apesar de várias dificuldades negociais, “Siza Vieira encontra a suavidade de uma forma dinâmica, ondulante para rematar o ângulo das duas ruas.” “...edifício de ângulo que assume expressionisticamente as tensões entre a cidade e os espaços interiores” (Nicolin, P., 1984). Pág.49 O Bairro em Haia (Ponto e Vírgula) surge de um trabalho mais livre no qual é notória a participação social, marcando as várias soluções encontradas tanto a nível de organização para modos de vida respeitando a especificidade cultural, como a nível de funcionalidade em relação às duas diferentes populações ‐ turcos e holandeses. Finalizando esta análise, o autor conclui que a metodologia do arquitecto Álvaro Siza Vieira resulta dum sentido processual do seu trabalho: “Não sou capaz de aceitar uma linguagem pré‐estabelecida. Quando trabalho num contexto, sou incapaz de decidir qual é o estilo apropriado para utilizar nesse contexto. (Siza Vieira, A., 1986) “É um modo de ver que se expressa em Siza Vieira. É um modo de desenvolvimento (Heidenger, M.) É revelar um mistério oculto e que o próprio artista não domina. Pág.59

Jacinto Rodrigues, António; “Teoria da Arquitectura – O projecto como Processo Integral na Arquitectura de Álvaro Siza.”, FAUPpublicações, Porto 1996.

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Seminário de Investigação 01 . 2011


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