Paper . Pensar a arquitectura

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FICHA DE LEITURA 03 . PETER ZUMTHOR . PENSAR A ARQUITECTURA

Mariana Fartaria . 2011



“As raízes do nosso entendimento arquitectónico encontram‐se nas nossas primeiras vivências.” – (pág.53): Peter Zumthor ‐ “Pensar a arquitectura”

“Pensar a arquitectura” apresenta diversos textos da autoria de Peter Zumthor, nos quais reflecte e questiona sobre a arquitectura e a sua relação com as várias disciclinas artísticas. Arquitecto com uma enorme sensibilidade e atitude estética, procura aplicar na sua arquitectura, de forma sensual e apaixonante, tudo aquilo que foi aprendendo ao longo das suas vivências e no seu interesse por obras de vários artistas, desde músicos e cineastas a escultores e filósofos. Defende que a arquitectura parte de experiências passadas, sendo um bom arquitecto aquele que souber exteriorizar todas essas memórias e paixões e utilizá‐las na criação de espaços para o homem viver. “A arquitectura tem o seu espaço de existência. Encontra‐se numa ligação física especial com a vida. No meu ponto de vista, inicialmente não é mensagem nem sinal, mas invólucro e cenário da vida, um recipiente sensível para o ritmo dos passos no chão, para a concentração do trabalho, para o silêncio do sono.” Pág.12 O primeiro texto, intitulado “Uma intuição das coisas – 1988”, aborda vários temas relacionados não só com método, pensamentos e memórias mas também com paisagem, espaço, materialidade e corpo. Compara a arquitectura à música de Bach, defendendo que, como na música, o todo deve ser formado a partir de várias partes, criando um conjunto com forma e sentido, tornando‐se parte do mundo real. É também relevante a materialidade de uma obra, na qual os materiais são utilizados de forma precisa e sensual, com sentido, caracterizando o projecto de forma poética. “Quando estou a projectar edifícios, procuro proporcionar‐lhes uma presença semelhante. Ao contrário do artista plástico devo, no entanto, partir de tarefas funcionais e técnicas que cada obra arquitectónica tem de cumprir.” Pág.14 Há uma procura de relação íntima entre o projecto e o lugar; o edifício deve nascer a partir daquele lugar, da sua essência e características, e só assim pode ter sentido e se unir com o que já existia. Projectar significa intrepertar e compreender o lugar, estando também dependente da emoção e inspiração, essenciais na arquitectura. “Conseguir projectar edifícios que, no decorrer do tempo, se unem desta forma natural com a figura e a história do lugar desperta a minha paixão.” Pág.17 A busca pela beleza traduz‐se na criação de obras integradas de forma natural no próprio lugar, através das quais não se procura provocar emoções mas sim permiti‐las, ganhando a sua própria essência e força “sem necessitar de qualquer acessório artístico”. É este um dos pensamentos que Peter Zumthor desenvolve no segundo texto – “O núcleo duro da beleza – 1991”, comparando as suas palavras com as de William Carlos Williams e Peter Handke¹, os quais defendem que a beleza está apenas no que é essencial e original, naquilo que se pode descobrir o seu sentido por nós próprios. Nesta procura, Zumthor defende que “nós nunca nos encontramos num espaço abstracto, mas sempre num mundo real, mesmo quando pensamos.” Neste mundo real, “a relação do homem para com os lugares e através dos lugares para com os espaços baseia‐se no habitar”², no qual a realidade dos materiais e das construções é uma tarefa arquitectónica concreta e essencial. “(...) tento penetrar com a minha imaginação, empenhado em encontrar sentido e sensualidade, para que possa, talvez, acender a faísca de uma obra bem sucedida, capaz de dar habitação aos homens.” Pág.31

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¹ William Carlos Williams – poeta americano ;Peter Handke – escritor austríaco. ² “Construir habitar pensar” – Martin Heidegger


Desde jovem que Peter Zumthor sente paixão por aquilo que faz e vive, absorvendo ao longo dos anos novas imagens e paixões, “num núcleo intuitivo da nova descoberta”, introduzindo com este tema o texto “Das paixões pelas coisas – 1994”. O lugar onde viveu enquanto jovem e o recente lugar onde trabalha influenciaram certamente o seu trabalho ao longo dos anos, marcado por muitos lugares e vivências. No processo de elaboração de um projecto, o lugar, a sua história e as suas qualidades sensoriais são sempre o ponto de partida, a partir deste “processo do olhar preciso que começam lentamente a penetrar imagens de outros lugares”, que o impressionaram. Relembra e fala sobre lugares por onde passou, os quais o impressionaram de alguma forma e lhe marcaram a alma. Embora se considere um mau observador, não deixa de ter percepção da qualidade espacial e sensual que cada lugar lhe transmitiu. “Quando encontramos obras que correspondem à qualidade procurada e que nos despertam a memória, reparamos que existem algumas que amamos.” Pág.35 “O corpo da arquitectura – 1996”, é assim que Zumthor intitula este texto no qual faz um resumo de algumas viagens e conversas, pensamentos e sensações, tentando mostrar o que considera importante na arquitectura e na sua relação com o homem. “Modelos de arquitectura. Modelos. Corpos bonitos. Celebra‐se a sua superfície, a sua pele. Hermética e imaculadamente abraçam os corpos.” Pág.49 Um dos primeiros ensinamentos que se deve transmitir a um aluno de arquitectura parte da procura do significado de fazer arquitectura; fazer arquitectura significa questionar‐se vezes sem conta de forma a que o aluno consiga encontrar o mundo racional e emotivo. É assim que Zumthor introduz o seu texto “Ensinar arquitectura, aprender arquitectura – 1996” afirmando que “todos nós vivemos a arquitectura, mesmo antes de sequer conhecer a palavra arquitectura.” O método de projectar é um processo mental através do qual se procuram as experiências pessoais associadas a imagens ou sentimentos próprios, sendo estes a base do projecto. Este é um trabalho não só de memória mas também de investigação. Para além de se questionarem em relação às suas vivências e emoções, deverão aprender a tratar todos os materiais de forma consciente e sensível, porque “a arquitectura não é abstracta, mas sim real” e concreta. De um esquiço a um projecto de execução não se pode considerar arquitectura mas sim uma mera representação desta. Assim, como a música necessita de representação após escrita na pauta, também a arquitectura precisa de execução, formando um corpo sensual, matéria concreta. Não deveriam existir maquetas de cartão, mas sim trabalhar‐se com materiais reais para se perceber a verdadeira identidade e materialidade. A partir do objecto concreto desenvolve‐se a execução de desenhos, sendo representados em várias escalas. No início de um projecto, estes “elementos de imagens” estão geralmente incompletas, levando à procura contínua de “esclarecer o tema do projecto para completar as peças que faltam na imagem”. É este processo que Zumthor define como projectar. “O pensar em imagens como método de projectar é o que gostava de transmitir aos estudantes.” Pág.56 “A beleza tem forma? – 1998” questiona Peter Zumthor, procurando uma resposta ao longo de pequenos textos, relacionados com diferentes áreas. De todas as sensações de beleza, Zumthor defende que a beleza da natureza é aquela que nos toca e transcende, devido à relação que nós temos com ela. “O homem vem da natureza e a ela torna.” Pág.58 Sabendo que a beleza existe, questiona‐se se é possível projectá‐la ou se existem regras que asseguram “a beleza das nossas criações”, sendo que os métodos e meios não substituem nem garantem a magia de uma forma bela. Defende 2


que um “objecto bem feito tem uma estrutura de ordem adequada que determina a sua forma e faz parte da sua natureza”. Pensa que se conseguir abstrair‐se de tudo, ficando consigo próprio, fazendo apenas aquilo que quer fazer, atinge a pura beleza. “Algo me faz falta, uma força de expressão, uma compaixão, que numa experiência de beleza de repente vem ao meu encontro e da qual, antes de a conhecer, ainda não ou já não sabia que me faltava e da qual agora penso saber que sempre me fará falta. Saudade. Na experiência da beleza fico consciente de uma carência. O que experimento, o que me toca contém as duas: alegria e dor. Dói a carência e alegra a forma tocante, a figura bela que se incendeia no sentimento da carência.” Pág.64 Este livro, para além de se tornar num elemento indispensável na formação de estudantes de arquitectura, leva‐nos a perceber de que forma Peter Zumthor faz arquitectura mostrando os elementos que realmente interessam para se criar uma obra de grande sensibilidade e qualidade. Mostra‐nos, a nós estudantes, de que forma devemos questionar e pensar a arquitectura. “Interrogo‐me muitas vezes porque se tenta tão pouco o evidente, o difícil? Porque é que os jovens arquitectos demonstram tão pouca confiança nas coisas mais intrínsecas que constituem a arquitectura, a confiança nos espaços aos quais se permite serem verdadeiros espaços?” Pág.29 ZUMTHOR, Peter; “Pensar a arquitectura.”, editorial Gustavo Gili, Barcelona 2005.

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Seminário de Investigação 01 . 2011


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