UNIDADE
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DA FILOSOFIA À MODERNIDADE - DO MITO AO ILUMINISMO ESTUDOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
DA FILOSOFIA À MODERNIDADE DO MITO AO ILUMINISMO
DA FILOSOFIA À MODERNIDADE Os povos antigos tinham uma visão diferente da vida e do mundo. As explicações mágicas e míticas da realidade eram uma forma de entender o que estava acontecendo, o porquê do mundo e da vida. Tudo acabava sendo explicado pelos mitos1, no qual se considerava a real intervenção dos deuses ou das forças sobrenaturais nos destinos do ser humano. Na Grécia antiga, Heródoto e Hesíodo escreveram boa parte da mitologia grega, por volta do ano 700 a.C., logo depois, alguns começaram a questionar a validade destas explicações míticas para a realidade e mesmo para a história, proporcionando, assim, o surgimento de um novo modelo para entender o que acontece no mundo e na vida humana, que foi a Filosofia, bem como as primeiras explicações ditas como científicas, através da física, astronomia, geometria, aritmética, entre outras. Diz Cristina Costa: “as disciplinas, por meio da sistematização e da organização do estudo de um objeto, procuram desvendar, pela razão, a causa primeira da sua formação, longe da ação dos deuses” (COSTA, 1997, p.05). Portanto, a “razão”, com um método experimental de comprovação e não mais a “imaginação” com seus mitos, seria a forma de explicar o mundo. Daí surge a ideia de ética, “ramos da filosofia que estabelece os critérios de virtude, os valores de bem e mal do comportamento humano, fundamentando os padrões morais da sociedade” (Ibidem, p.06), buscando uma explicação para os atos humanos também fora da autoridade religiosa, bem como a política, forma de organização da comunidade, que passa a ser discutida por mais pessoas, surgindo 1 Mito: Relato sobre seres e acontecimentos imaginários, acerca dos primeiros tempos ou de épocas heroicas. Narrativa de significação simbólica, transmitida de geração em geração dentro de determinado grupo, e considerada verdadeira por ele (FERREIRA, 2010, p.510).
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o conceito de cidadania. Enfim, os povos gregos vão, aos poucos, buscando se “libertar” da influência religiosa, para assim explicar o mundo como uma “atividade do espírito”, da razão, e não uma aceitação mítica das coisas. A filosofia, o “amor pelo conhecimento” surgia como sistematização das informações adquiridas pelas diversas disciplinas organizadas de modo a explicar o mundo e a sua relação com o homem. Assim, surgia uma nova maneira de pensar “o porquê” e o “para quê” das coisas. Surgiu um saber mais desligado das atividades religiosas, ao qual se dedicavam homens não necessariamente responsáveis pelos cultos religiosos. Surgiram os sábios, homens cuja atividade era desvendar os segredos do mundo e do universo. (COSTA, 1997, p.06)
Um interessante trabalho sobre esta passagem do mundo mítico para um mundo racional é o romance escrito por Jostein Gaarder, na qual faz uma abordagem de toda a história da Filosofia. Fig.01
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Neste Romance, você irá se encantar com duas adolescentes prestes a completarem 15 anos e que ganham de presente um misterioso curso, o de Filosofia. Confira trechos do romance no site: h t t p : / / w w w. c o m pa n h i a d a s l e t r a s . c o m . b r / trechos/13331.pdf Fig.02
A Filosofia foi se desenvolvendo ao longo do tempo, procurando explicações racionais para o mundo e para a vida. A Modernidade na qual estamos inseridos é fruto deste trabalho incessante da mente humana em explicar tudo sem o auxílio da religião. No século XX, o sociólogo alemão Max Weber irá chamar este longo processo de “desencantamento do mundo”. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE SOB A PERSPECTIVA CIENTÍFICA O conhecimento científico foi se desenvolvendo ao longo dos séculos, com um salto vertiginoso a partir do século XVII, organizando explicações racionais sobre o mundo e o ser humano. O aprimoramento constante das técnicas, do comércio, dos meios de medição, da imprensa e dos meios de comunicação possibilitou que tais descobertas fossem difundidas de forma cada vez mais rápida para o mundo todo. Neste turbilhão de transformações do mundo, surge no século XIX uma nova ciência, a Sociologia, a ciência da sociedade, bem como a Antropologia, a ciência que visa entender, num primeiro momento, o outro, a cultura do diferente, a dos povos distantes. Como a Sociologia e a Antropologia surgem na Europa, o outro, o diferente, o distante, passa a ser aqueles povos que estão fora de
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seu continente. Como compreender, então, as culturas na África, na Ásia, na Oceania, na América, tão diferentes da europeia? Ou, ainda, como compreender toda esta mudança no mundo causado pela ciência, tecnologia e indústria? Enfim, um novo mundo está a surgir, com seus avanços, mas também com seus problemas. Portanto, assim como as outras ciências, “o surgimento da Sociologia significou o aparecimento da preocupação do homem com o seu mundo e a sua vida em grupo, numa nova perspectiva, livre das tradições morais e religiosas” (COSTA, 1997, p.07). Neste sentido, havia a necessidade de se encontrar as “regras que organizavam a vida social”, regras que pudessem ser “observadas, medidas e comprovadas”, regras que possibilitassem “prever e controlar os fenômenos sociais”. A partir de então, o homem começou a elaborar métodos e instrumentos de análise capazes de explicar e interpretar sua experiência social de maneira científica. Isso equivaleu a criar, como nas demais ciências, métodos de averiguação e medição e a fazer formulações sobre a sociedade que pudessem ser comprovadas empiricamente – isto é, pela observação e experimentação –, de modo a tornar a ação social humana explicável em termos de regularidades e previsões. (COSTA, 1997, p.08)
A Sociologia e a Antropologia passaram a ser consideradas ciências estratégicas, com o objetivo de encontrar as regularidades da vida social e explicar o porquê das relações sociais em suas diversas culturas. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA FRENTE ÀS RELAÇÕES SOCIAIS NO MUNDO Veja, a seguir, o quadro realizado pelo artista francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) e publicada no livro “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”. Debret esteve no Brasil entre os anos de 1816 a 1831, na qual retratou aspectos da natureza e também do comportamento do brasileiro.
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Fig.03
Tanto a Antropologia, como a Sociologia, irá buscar explicar a sociedade representada por esta pintura de Debret. São quadros que retratam o Brasil no início do século XIX, uma sociedade patriarcal, machista, escravocrata, em que há o predomínio de uma forte hierarquia, de característica rural e menos urbanizada, enfim, um Brasil que chamamos de colonial. Viver neste período e sobre estas características de relações sociais implicaria inúmeras formas de regularidades sociais. Em uma paródia da pintura “Jantar no Brasil”, de Debret, o jornal Le monde diplomatique Brasil fez sua capa com o título “privilégios ameaçados”, pensando o Brasil atual e suas desigualdades persistentes.
Confira no link a seguir: http://migre.me/tZ5Y4 DO MITO AO ILUMINISMO
Outro ponto a se destacar neste processo histórico de mudanças, na qual surgem a Sociologia e a Antropologia, é o conceito de Iluminismo. A partir do Renascimento na Europa, novos valores foram sendo propagados, inclusive de enfrentamento ao poder religio-
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so da época. Renascimento significou um período da história que se iniciou em fins do século XIV no norte da Itália e se expandiu rapidamente por toda Europa. Ficou conhecido como humanismo renascentista, isto é, uma volta para se estudar o que foi produzido pela cultura greco-romana no passado, chamada de formação clássica. Costumava-se dizer que “os cavalos nascem, ao passo que os homens se formam”. Inúmeros inventos deram impulso a este período, como a bússola, que facilitou as grandes navegações, a pólvora, como forma de intimidar e dominar, e a impressão de livros difundido os novos valores culturais, antes exclusivamente dominados pela Igreja (GAARDER, 1996). Outra mudança foi a transição da economia à base de troca (feudalismo) para um modo de produção econômica que surgia, baseado no comércio e no mercantilismo2, com uma nova classe social, a dos burgueses ou capitalistas. Os valores renascentistas estavam mais adequados ao espírito do capitalismo, um sistema econômico voltado para a produção e a troca, para a expansão comercial, para a circulação crescente de mercadorias e para o consumo de bens materiais. Instalava-se uma sociedade baseada na distinção pela posse de riqueza e não pela origem, nome e propriedade fundiária. (COSTA, 1997, p.29)
Enfim, o Renascimento desenvolveu temas importantes como o antropocentrismo, a laicidade, o individualismo e o racionalismo (Ibidem, 1997, p.30). Conceitos que valorizavam a vida humana, a natureza, os valores laicos em detrimento de apenas valores religiosos, os prazeres, o indivíduo e sua potencialidade de explicar as coisas e, assim, consequentemente, a razão como forma explicativa do mundo. Todas estas mudanças sociais vão acontecendo, e o Iluminismo, como um movimento filosófico, concebeu novas ideias de vida social e entendeu a coletividade como um organismo próprio, possibilitou a visualização da oposição entre indivíduo e sociedade, entre vontade individual e regras sociais, de se pensar novos tipos de organização 2 Mercantilismo: Predominância do interesse ou do espírito mercantil. Doutrina econômica que defende ações do Estado visando à obtenção de um saldo positivo, nas transações do país com o exterior (FERREIRA, 2010, p.500)
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política, superando o feudalismo, e como a diferença entre Monarquias e Repúblicas, da possibilidade de maior participação das pessoas nas decisões de um Estado de tipo nacional que vai se estruturando. Surgem os chamados primeiros filósofos sociais, dos séculos XVII e XVIII, princípios do que depois seriam os chamados primeiros sociólogos e antropólogos dos séculos XIX e XX. Como exemplos, os fisiocratas, escola econômica que defendia a ideia de que a economia era regida por leis naturais de oferta e procura que tendiam a estabelecer, de maneira mais eficiente do que os decretos reais, o melhor preço, o melhor produto e o melhor contrato, pela livre concorrência. E a agricultura seria a principal fonte de riqueza das nações (COSTA, 1997, p.32-33). Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), como outro exemplo, afirmava que a base da sociedade estava no interesse comum pela vida social, no consentimento unânime dos homens em renunciar as suas vontades particulares em favor de toda a comunidade. Mas, o Estado que surge como forma de um pacto social entre seus membros, deve defender os interesses comuns de todos e os direitos naturais do ser humano, como o direito à vida. John Locke (1632-1704) também defendia que a sociedade é fruto de um pacto social entre seus membros, e que o corpo administrativo que dela surge deve defender os direitos naturais de cada um, direito à vida, à liberdade e à propriedade. E que, os governantes não possuem nenhum direito divino para governar, mas sim, o consentimento livre e necessário dos membros da sociedade. Adam Smith (1723-1790), considerado fundador da ciência econômica, em sua análise sobre a riqueza das nações, descobriu no trabalho, ou seja, na produtividade, a grande fonte de riqueza. “Não era somente a agricultura, como queriam os fisiocratas, a principal fonte de bens; mas o trabalho capaz de transformar matéria bruta em produtos com valor de mercado” (COSTA, 1997, p.34). Veja, portanto, como a filosofia social, as novas teorias econômicas vão dando uma nova dinâmica para a sociedade. O mundo vai se desenvolvendo rapidamente. A Sociologia e a Antropologia serão as ciências que irão buscar interpretar o chamado “desencantamento do mundo”.
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LISTA DE IMAGENS Fig.01: http://br.freepik.com/ Fig.02: http://istoriadigital.org/ Fig.03: http://bbm.usp.com.br/
REFERÊNCIAS ARAÚJO, Sílvia Maria de. Sociologia: volume único: ensino médio. Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi, Benilde Lenzi Motim. São Paulo: Scipione, 2013. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2ª.ed. São Paulo: Moderna, 1997. DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem Pitoresca e história ao Brasil. Disponível em: <https://www.bbm.usp.br/node/68> Acesso em: 24 mai. 2016. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8ªed. Curitiba: Positivo, 2010. GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. Romance da história da filosofia. 16ªreimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.
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