Estudos Sociológicos e Antropológicos - Unidade16

Page 1

UNIDADE

16

COMO PENSAR A CULTURA? CULTURA POPULAR, CULTURA DE MASSA, CULTURA ERUDITA ESTUDOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS

EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


COMO PENSAR A CULTURA? CULTURA POPULAR, CULTURA DE MASSA, CULTURA ERUDITA APRESENTAÇÃO Eis uma pergunta clássica: o que é Cultura? Existem diferentes tipos de cultura? O que seria a cultura popular, cultura de massa e cultura erudita? Antes de respondermos a essas questões, é importante lembrar que a cultura é um tema analisado pela Antropologia. O antropólogo francês François Laplantine, no livro Aprender antropologia (sugestão de leitura nessa Disciplina), nos apresenta de forma bastante clara a história da ciência Antropologia, bem como suas perspectivas atuais, numa abordagem epistemológica1 constituinte. Laplantine busca apresentar a Antropologia como uma ciência que ao longo do tempo vem buscando um equilíbrio entre a especialização do saber (com suas determinadas teorias antropológicas sobre o humano, como a antropologia biológica, pré-histórica, linguística, psicológica, social e cultural ou etnologia, estrutural, funcionalista, entre outras, cada uma, com suas determinadas técnicas de pesquisas – estudadas na Unidade 09) e a generalização histórica (a compreensão do desenvolvimento do todo dessa ciência). Pois a antropologia não é senão um certo olhar, um certo enfoque que consiste em: a) o estudo do homem inteiro; b) o estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas (LAPLANTINE, 2003, p.9).

Aqui, se dá a importância da definição de cultura, afinal, diz o autor, que “só pode ser considerada como antropológica uma abordagem integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas 1 Epistemologia: palavra de origem grega: epistéme = ciência + logia = estudo. Estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas; teoria da ciência (FERREIRA, 2010, p.297).

2

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


dimensões do ser humano em sociedade” e, ainda, a antropologia social ou cultural busca entender tudo que constitui uma sociedade: “seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas”.

E assim conclui François Laplantine: Isso posto, esclareçamos desde já que a antropologia consiste menos no levantamento sistemático desses aspectos do que em mostrar a maneira particular com a qual estão relacionados entre si e através da qual aparece a especificidade de uma sociedade. É precisamente esse ponto de vista da totalidade, e o fato de que o antropólogo procura compreender, como diz Lévi-Strauss, aquilo que os homens “não pensam habitualmente em fixar na pedra ou no papel” (nossos gestos, nossas trocas simbólicas, os menores detalhes dos nossos comportamentos), que faz dessa abordagem um tratamento fundamentalmente diferente dos utilizados setorialmente pelos geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, psicólogos... (LAPLANTINE, 2003, p. 11-12).

A antropologia visa compreender o significado do todo da cultura humana. Como se perguntássemos, por que em determinados lugares se age desta ou daquela forma? E como estes comportamentos estão interligados com inúmeros outros fatores que são dinâmicos na sociedade? Fatores que também influenciam a mudança cultural, como os causados por aspectos naturais, como a ocorrência de catástrofes (terremoto, alagamento, vulcão, gelo, calor etc.), até ao provocado por mudanças de contato com outras culturas (como o contado das culturas indígenas com a portuguesa no Brasil a partir do século XVI) ou mesmo guerras (como a atual guerra na Síria), que exigem novas ações de enfrentamento aos problemas. E ainda, a influência dos meios de comunicação de massa sobre ampla parcela da população mundial em função de um modelo consumista capitalista.

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

3


Para valorizar a diversidade cultural existente no mundo, ou mesmo numa determinada região ou país, foi proclamado o dia 21 de maio, pela Assembleia Geral da ONU, em 2002, em comemoração à aprovação em 2001 da Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, o Dia Mundial da Diversidade Cultural. A declaração da UNESCO estipula que a diversidade cultural é um patrimônio comum da humanidade. O objetivo desta data é cultivar a compreensão da riqueza e importância da diversidade cultural, assim como incentivar o respeito pelo outro. Conhecer melhor as diferenças entre os povos permite obter uma maior compreensão das vicissitudes e cimentar maior união.

Texto disponível em: http://migre.me/usXQv . Acesso em 14 jun. 2016.

ASPECTOS DA CULTURA De acordo com José Teixeira Coelho Netto (1993), a cultura popular é a soma dos valores tradicionais de um povo, expressos em forma artística, como danças e objetos ou nas crendices e costumes gerais; abrange todas as verdades e valores positivos porque são produzidas por aqueles mesmos que a consomem. Um exemplo são as manifestações folclóricas. Há, também, a chamada cultura pop, que é a produção cultural formal, com filmes, programas de TV, rádio, livros, best sellers, moda ou gestualidade e que se utiliza dos meios de comunicação para sua divulgação. Da cultura pop, temos um dos aspectos da cultura de massa, aquela em que os meios de comunicação atingem a milhões de pessoas divulgando um padrão comum (homogêneo) de vida e de ações. Há, também, a chamada cultura erudita, que tem a característica de ser cara (um preço elevado para se obter) e de difícil consumo. Exige-se um alto grau de instrução e de formação específica para aquilo que se quer desfrutar ou aprofundar. Consequentemente, é uma cultura mais elaborada.

4

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


NOVA CLASSE MÉDIA – “Sem cultura, não há ascensão social” Entrevista com: Jessé Souza, professor-doutor de Sociologia na Universidade Federal de Juiz de Fora e diretor do Centro de Pesquisa Sobre Desigualdade Social (Cepedes). Fenômeno econômico e social, além de inspiração para filmes e novelas recentes, a nova classe média brasileira incluiu, nos últimos dez anos, 35 milhões de pessoas. Apesar de, agora, ter condições para comprar uma tevê de plasma e financiar o primeiro carro zero, os 104 milhões de brasileiros que ganham entre R$ 291 e R$ 1.019 (53% da população) não sairão da condição de subjugação social. É o que defende o sociólogo Jessé Souza, especialista em classes sociais. Para Souza, a ascensão em uma sociedade como a brasileira, em que a “classe de alguém explica sua renda e não o contrário”, só ocorre de forma plena quando leva consigo o chamado “capital cultural”. O debate brasileiro concentrado na renda, diz o professor, é o fruto de uma sociedade “superficial, perversa e injusta”. Acompanhe a entrevista com o sociólogo Jesse de Souza, publicado pelo jornal Gazeta do Povo, de Curitiba. Por que esse interesse recente e intenso sobre a nova classe média brasileira? Porque é a maior novidade social, econômica e política do Brasil. Representa uma penetração e um aprofundamento do capitalismo brasileiro – para o bem e para o mal – tão importante quanto as reformas de Getúlio Vargas nos anos 30 e 40 e a criação de uma moderna classe média nos anos 50 e 60.

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

5


Quem faz parte da atual classe média brasileira?

A classe média “verdadeira” no Brasil não é mais do que 15% da população. É o pessoal do “privilégio”, porque se apropria de um capital impessoal indispensável para a reprodução do mercado capitalista e do Estado, que é o “capital cultural”, ou seja, o “conhecimento” que é indispensável para o capitalismo em todas as dimensões e esferas sociais. Falamos aqui de capital cultural “valorizado”, aquele conhecimento técnico ou literário que garante prestígio e altos salários. O pressuposto do acesso a este tipo de capital é construído na esfera familiar – a classe social é reproduzida nas “famílias de classe” – com os estímulos adequados a pensamento abstrato, concentração na escola, prêmios dirigidos à inteligência etc.

Quantas classes sociais existem no Brasil?

Basicamente são quatro. Duas, bem pequenas em número e “privilegiadas” – as classes alta e média; e duas bem maiores e numerosas – a classe trabalhadora, com suas frações nova e velha, e a que chamo provocativamente de “ralé”, que ainda representa cerca de 30% dos brasileiros, os explorados. Não é a renda que define a classe social como no pobre debate público brasileiro atual se costumou a perceber. A renda não é definidora por que é a situação de classe de alguém que explica sua renda e não o contrário. Além do capital econômico, que é mais óbvio, existem capitais tão importantes como o capital cultural, que formam as classes de modo invisível à consciência cotidiana. Na classe alta, o capital econômico é majoritário sob a forma de “direitos de propriedade”, mas alguma forma de capital cultural é indispensável, já que o dinheiro deve parecer como emanando naturalmente de qualidades “inatas” do sujeito. Na classe média, o decisivo é o capital cultural, sob a forma de incorporação de conhecimento útil e valorizado de todo tipo. Mas a incorporação desse tipo exclusivo de conhecimento exige algum capital econômico, por exemplo, para comprar o tempo livre dos filhos para o estudo, que é a forma mais típica de a classe média reproduzir seus privilégios. É a luta de classes típica do Brasil moderno. O debate brasileiro concentrado na renda é o debate de uma sociedade superficial, perversa e injusta, e ele abrange tanto o governo quanto a oposição.

6

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Você leva muito em consideração o termo capital cultural. O que é isso? O capital cultural é um conceito da sociologia de Pierre Bourdieu. Não são apenas os títulos escolares, mas também todos os pressupostos afetivos e emocionais que permitem que possamos “aprender” alguma coisa. Esse ponto é o mais fundamental porque não refletimos nunca sobre isso e imaginamos sempre que as pessoas de todas as classes possuem os mesmos pressupostos. Imaginamos uma espécie de ser humano universal com capacidades e habilidades comuns. Isso não é verdade. Um bom exemplo que mostra esse engano é a “capacidade de concentração”. Em nossas pesquisas, os mais pobres entre nós tinham escola, mas fitavam a lousa horas a fio “sem compreender e sem aprender” o que estava sendo dito. É que capacidade de concentração não é um dado natural, como imaginamos, assim como ter dois braços e duas pernas, mas é um “capital” (cultural, no caso) aprendido e incorporado, por algumas classes, que tiveram os estímulos adequados na socialização familiar. Só que ele é decisivo para o sucesso escolar e depois no mercado de trabalho. Ou seja, ajuda a pré-decidir o que chamamos de “sucesso na vida”. O capital cultural deveria fazer parte desse tipo de distinção de classes? Não apenas a diferenciação do capital cultural ajuda a criar classes distintas, como também o capital cultural é usado constantemente como mecanismo de distinção social. Assim, o gosto “nobre” legitima quem o possui a desprezar as classes com gosto supostamente vulgares. Esse tipo de preconceito e solidariedade fundado no gosto é uma forma moderna de consciência e solidariedade de classe que ajuda a reproduzir todo tipo de privilégio injusto.

Fonte: Gazeta do Povo, Domingo, 02/06/2013. Disponível em: http://migre.me/ usY44. Acesso em 14 jul. 2016.

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

7


A partir do texto NOVA CLASSE MÉDIA - “Sem cultura, não há ascensão social”, vamos refletir: Para o sociólogo Jessé de Souza, por que a nova classe média brasileira (53% da população) não sairá de sua condição de subjugação social? Para tanto, o que é capital cultural e como isto ajuda a entender o conceito de classe social? E referente às classes sociais, por que o debate brasileiro concentrado na renda é o debate de uma sociedade superficial, perversa e injusta? Enfim, a cultura é um assunto amplo e de relevância e que diz respeito a todas as pessoas. Afinal, todos temos cultura, estamos inseridos em uma cultura, participamos e entendemos o mundo a partir de nossa realidade cultural. Porém, o tema, como discutimos, apresenta a existência de uma cultura popular, uma cultura de massa e uma cultura erudita. A cultura erudita, por exemplo, necessita de uma maior habilidade por parte do receptor para poder se apropriar de seus significados. Como exemplos, podemos pensar em quantos brasileiros, tomando nosso país como referência, conseguem ler um bom romance no mês? Vão ao teatro regularmente? Vão a um concerto de música clássica ou a uma ópera? Vão a uma exposição de arte e entendem o significado das obras e a atividade dos artistas envolvidos? Viajam para o exterior? Conhecem outras línguas? Possuem graduação e pós-graduação? Enfim, uma infinidade de exemplos, que demonstram a importância de se ampliar nossa própria cultura, isto tudo, não com o objetivo de que exista uma cultura melhor que outra, mas para nos apropriarmos daquilo que se tem de melhor no mundo em que vivemos, como pensava o pensador italiano, o filósofo Antonio Gramsci (18911937).

8

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


REFERÊNCIAS ARAÚJO, Sílvia Maria de. Sociologia: volume único: ensino médio. Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi, Benilde Lenzi Motim. São Paulo: Scipione, 2013. COELHO Netto, José Teixeira. O que é Indústria Cultural. 35ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1993. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2ª.ed. São Paulo: Moderna, 1997. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8ªed. Curitiba: Positivo, 2010. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

Unidade 16. Como Pensar a Cultura? Cultura Popular, Cultura de Massa, Cultura Erudita. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

9


EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.