Estudos Sociológicos e Antropológicos - Unidade20

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UNIDADE

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSOS DE INCLUSÃO: O PAPEL DA EDUCAÇÃO ESTUDOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS

EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


AS POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSOS DE INCLUSÃO: O PAPEL DA EDUCAÇÃO

APRESENTAÇÃO Como pensar a questão da educação no mundo moderno? Que políticas públicas contribuem para que exista uma maior inclusão das pessoas que necessitam de acesso diferenciado? Primeiramente, como definir educação e escola? A escola é uma instituição social na qual acontece o processo educativo ao se ensinar às crianças, jovens e adultos a difusão da cultura e conhecimento. A isto chamamos de educação formal. A educação, em todas as suas formas, é um processo social por excelência. Para alguns, é responsável pelo desenvolvimento de habilidades e pela construção do senso crítico por meio do intercâmbio de conhecimentos e do diálogo. Para outros, é o instrumento capaz de fornecer atualizações de saberes necessárias às transformações individuais e sociais. A educação também pode ser vista como meio de conservar a sociedade como se encontra (ARAÚJO, 2013, p.224).

Apesar dessas diferentes definições sobre educação, ela é um processo importante para as sociedades em geral. Vários sociólogos e antropólogos estudam este processo formativo de difusão da cultura e conhecimento por meio da educação. Assim, as sociólogas Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi e Benilde Lenzi Motim apresentam as características comuns sobre a educação: • A educação é um fenômeno múltiplo, que atende à heterogeneidade das condições sociais existentes em épocas e culturas diversas; • A educação é um processo socializador por definição;

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• Cada sociedade elabora sua própria sistematização da educação, direcionada a diferentes segmentos da população; • A educação implica a ação de adultos sobre as gerações mais novas, transmitindo-lhes conhecimentos e comportamentos compatíveis com os valores de determinada sociedade. Neste processo interativo surgem também resistências e adaptações; • A mediação de conhecimentos pelo processo educativo objetiva desenvolver capacidades do ser humano; • Educação e escola tendem a se confundir, embora a educação aconteça também na família, no trabalho e em outros ambientes de socialização (ARAÚJO, 2013, p.224-225).

SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO A Sociologia busca entender o papel da educação na vida social. E, algumas tendências sociológicas se destacam sobre a análise da educação: • A corrente de pensamento funcionalista, presente principalmente nas teorias de Émile Durkheim, que identificou na educação uma função integradora, transmissora de cultura, de valores e de conhecimentos vigentes; • E interpretações ligadas às teorias do conflito social, da hegemonia e da dominância de alguns grupos sobre outros, sobretudo nas análises de Pierre Bourdieu, que reconheceu a reprodução de desigualdades de diferentes tipos pelo sistema escolar (ARAÚJO, 2013, p.228). Podemos identificar, ainda, uma terceira tendência que é a de ver na escola e no processo educativo uma possibilidade de ampliar os conhecimentos dos educandos, fazendo deles autores que buscam uma sociedade melhor, lutando contra as possíveis desigualdades sociais. Por exemplo, as provocadas pela sociedade capitalista. Unidade 20. As Políticas Públicas e Processos de Inclusão: O papel da Educação. EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

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Referente à primeira tendência sociológica, o sociólogo francês Émile Durkheim vê o processo educacional como a ação que as gerações adultas exercem sobre as gerações mais jovens, preparando-as para viverem em sociedade, desenvolvendo nelas certos estados físicos, intelectuais e morais desejados, ensinando-lhes um trabalho, um modo de ser específico daquela sociedade ao qual se está inserido. Enfim, normas e valores sociais devem moldar o eu individual ao eu social. A educação se reveste da responsabilidade pela socialização dos indivíduos e de seus papéis sociais (ARAÚJO, 2013, p.228; DURKHEIM, 1995). Vejamos, a seguir, uma definição de educação dada por Durkheim: Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente, - observação que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são e tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas a comer, beber, dormir em horas regulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco dá lugar a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que não a substituem senão porque dela derivam (DURKHEIM, 1995, p.5).

Este processo de “esforço contínuo para impor às crianças” as normas do convívio em sociedade é igualmente ampliada para o modelo educacional formal (na instituição escola) da qual Durkheim era um grande incentivador na França de seu tempo, isto é, no início do século XX. O papel da escola e da educação é formar bons cidadãos para a sociedade. Cidadãos plenos e conscientes de seus direitos e deveres, cidadãos que possam contribuir para o progresso e o desenvolvimento de sua comunidade, bem como, se realizando enquanto pessoas na coletividade da qual pertencem. É a solidariedade orgânica, em que cada indivíduo, pelo seu trabalho, contribui para o bom funcionamento da sociedade.

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Referente à segunda tendência sociológica para se interpretar o papel da educação na sociedade, temos os sociólogos, também franceses, Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron. Em sua teoria de reprodução social, reflete sobre o ideal da igualdade social perseguido pela educação, isto é, que o sistema educacional proporcionaria a todos os seus cidadãos uma vida melhor por ajudarem a eles a ter um diploma de ensino médio, técnico ou superior. Para Bourdieu e Passeron, ao contrário, a escola está envolvida numa estrutura que valoriza os princípios e padrões culturais dominantes, de uma sociedade capitalista, reproduzindo, assim, seus valores e reforçando as desigualdades sociais ainda nos bancos escolares. Afinal, as relações de classes são sempre assimétricas, com relações de poder desiguais entre elas. É como se disséssemos que “ricos” possuem mais direitos e mais poder real do que os “pobres”; empresários seriam mais privilegiados do que os operários; porém, [...] essas relações são muitas vezes dissimuladas pelo convívio, no qual a imposição de uma classe ou grupo social ganha dimensões simbólicas, ou seja, não é direta nem acontece pela força física. Em outras palavras: o sistema educacional está vinculado à cultura dominante, que é imposta por meio de uma violência simbólica, isto é, presente no domínio das letras, das artes, da ciência e de manifestações da cultura” (ARAÚJO, 2013, p.232).

Violência simbólica não significa uma violência física, material, por meio da qual as pessoas são agredidas fisicamente, presas, roubadas ou torturadas. Violência simbólica é aquela exercida pelo poder de imposição das ideias transmitidas por meio da comunicação cultural, da doutrinação política ou religiosa, das práticas esportivas, da educação escolar, levando as pessoas a agirem ou a pensarem por imposição, sem se darem contra dessa coação. “Nesse sentido, a cultura e os sistemas simbólicos em geral podem se tornar instrumentos de poder quando legitimam a ordem vigente e tornam homogêneo o comportamento social” (ARANHA, 2006, p.252). Para os autores, a escola constitui um instrumento de violência simbólica porque reproduz os privilégios existentes na sociedade, beneficiando os já socialmente favorecidos. O acesso à educação, o sucesso escolar, a possibilidade de

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escolaridade prolongada até a universidade estão reservados àqueles cujas famílias pertencem à classe dominante, ou seja, aos herdeiros de sistemas privilegiados. Não cabe à escola promover a democratização e possibilitar a ascensão social: ao contrário, ela reafirma os privilégios existentes. A escola limita-se a confirmar e reforçar um habitus1 de classe (ARANHA, 2006, p.252-253).

Na universidade os estudantes se apropriam de um conhecimento erudito, de uma cultura erudita, dita como “legítima”, o que Bourdieu chama de formação de um capital cultural. Vejamos alguns questionamentos levantados por Bourdieu e Passeron, em Os herdeiros, após extensa pesquisa sobre o sistema educacional francês, nas décadas de 1960 e 1970. Basta constatar e lastimar a desigual representação das diferentes classes sociais no ensino superior para estar quite, de uma vez por todas, com as desigualdades diante da escola? Quando se diz e rediz que há apenas 6% de filhos de operários no ensino superior, é para chegar à conclusão de que o meio estudantil é um meio burguês? Ou então, substituindo o fato pelo protesto contra o fato, não se faz esforço, frequentemente com sucesso, para persuadir-se de que um grupo capaz de protestar contra seu próprio privilégio não é um grupo privilegiado? (BOURDIEU & PASSERON, 2014, p.16).

Assim, os que têm acesso, por exemplo, ao ensino superior são, em sua grande maioria, filhos de pessoas de uma classe média e alta. Poucos universitários são provenientes de classes baixas da sociedade. Uma terceira percepção do papel da educação são dadas pelas pedagogias histórico-críticas, tendo como referência o pedagogo e filósofo brasileiro Dermeval Saviani, além de José Carlos Libâneo, Car1 Habitus: significa, para Bourdieu e Passeron, “uma formação durável e transportável, isto é, [um conjunto de] esquemas comuns de pensamento, de percepção, de apreciação e de ação” (Bourdieu e Passeron, A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. São Paulo: Francisco Alves, 1975, p.259, in: ARANHA, 2006, p.253).

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los Roberto Jamil Cury, Guiomar Namo de Mello, entre muitos outros. Desse modo, a escola promove a socialização do saber por meio da apropriação do conhecimento produzido coletivamente no decorrer do tempo e que é a sua herança cultural: a ciência, as artes, a religião, a filosofia, as técnicas etc. A atividade nuclear da escola é, portanto, a transmissão dos instrumentos que permitam alcançar o saber elaborado. Como mediadora entre o aluno e a realidade, a escola se ocupa com a aquisição e conteúdos, a formação de habilidades, hábitos e convicções, o que significa identificação com os métodos tradicionais, porque o caráter histórico-social da pedagogia progressista exige a constante vinculação entre educação e sociedade, entre educação e transformação da sociedade, ou seja, o ponto de partida e o de chegada do processo educativo é sempre a prática social (ARANHA, 2006, p.276).

Para estes autores, a escola tem o papel de fornecer aos alunos o conhecimento produzido pela humanidade, além da formação de habilidades, hábitos e convicções, visando uma sociedade justa para todos, exigindo, em especial dos que são explorados, um senso crítico de sua realidade social, para a sua transformação. Saviani diferencia elaboração do saber de produção do saber. A produção do saber se dá nas relações sociais, mas a elaboração do saber exige instrumentos de sistematização dado pela educação formal. Ele comenta: “se a escola não permite o acesso a esses instrumentos, os trabalhadores ficam bloqueados e impedidos de ascenderem ao nível da elaboração do saber, embora continuem, pela sua atividade prática real, a contribuir para a produção do saber” (Dermeval Saviani, Pedagogia histórico-crítica. In: ARANHA, 2006, p.276). REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 3ªed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 2006.

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ARAÚJO, Sílvia Maria de. Sociologia: volume único: ensino médio. Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi, Benilde Lenzi Motim. São Paulo: Scipione, 2013. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2ª. ed. São Paulo: Moderna, 1997. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 15ª ed. São Paulo: Editora Nacional, 1995. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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