Inventário de Paisagem Cultural de Florianópolis

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Gabriel Villas B么as Camargo . Maur铆cio Storchi . Soraya N贸r


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Universidade Federal de Santa Catarina Grupo PET Arquitetura e Urbanismo 2015

Roselane Neckel Reitora

Jamil Assreuy Filho Pró-Reitor de Pesquisa Extensão

Sebastião Roberto Soares

Diretor do Centro Tecnologico

César Floriano dos Santos

Chefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo

José Ripper Kos

Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo

Vera Helena Moro Bins Ely

Tutora do Grupo PET Arquitetura e Urbanismo

Soraya Nór

Orientadora da Pesquisa

Gabriel Villas Bôas Camargo Maurício Storchi Bolsistas


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INVENTÁRIO DE PAISAGEM CULTURAL DE FLORIANÓPOLIS Gabriel Villas Bôas Camargo Maurício Storchi Soraya Nór Florianópolis, 2015


Camargo, Gabriel Villas Bôas; Storchi, Maurício; Nór, Soraya. 2014 c172i

Inventário de paisagem cultural de Florianópolis / Gabriel Villas Bôas Camargo, Maurício Storchi, Soraya Nór. - Florianópolis : UFSC, 2014.

111 p.; il., mapa., tabs.

Inclui bibliografia.

1. Paisagem - Florianópolis. 2. Patrimônio cultural - Florianópolis. 3. Turismo e planejamento urbano. I.Storchi, Maurício. II. Nór, Soraya. III. Título. CDU: 71(B16.406.02)

CAMARGO, Gabriel; STORCHI,Maurício; NÓR, Soraya. Inventário de Paisagem Cultural. Florianópolis: PET/ARQ/UFSC, 2015.


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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 1.1. APRESENTAÇÃO 1.2. OBJETIVOS 1.2.1. Objetivo geral 1.2.2. Objetivos específicos

2. CONTEXTUALIZAÇÃO: A ILHA DE SANTA CATARINA 2.1. LOCALIZAÇÃO 2.2. CARACTERÍSTICAS 2.3. BREVE HISTÓRICO

3. PROCEDIMENTO DE MÉTODO 3.1. CONSTRUÇÃO DO CONCEITO 3.2. INSTRUMENTOS DE ANÁLISE 3.2.1. Leitura Histórica 3.2.2. Planilha de Análise 3.2.3. Questionários 3.2.4. Mapeamento

4. APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE ANÁLISE 4.1 SANTO ANTÔNIO DE LISBOA 4.1.1. Breve histórico 4.1.2. Análise 4.2 CENTRO 4.2.1. Breve histórico 4.2.2. Análise

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911 13 13 13 15 15 17 18 19 27 27 29 35 35 35 40 41 43 45 46 47 56 57 58


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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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6. REFERÊNCIAS

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6.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 6.1 LISTA DE FIGURAS E QUADROS

7. APÊNDICES 7.1 QUESTIONÁRIOS 7.1.1. Questionário Santo Antônio de Lisboa 7.1.2. Questionário Centro 7.2 ÍNDICE DE PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL 7.3 PUBLICAÇÕES 7.2.1. Artigo - 12º ENEPEA - Menção Honrosa 7.2.2. Artigo - 3º Colóqui Íbero-americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto 7.2.3. Resumo estendido Corpocidade 4 7.4 APRESENTAÇÃO DE PÔSTER 7.3.1. Pôster para o VI Seminario Internacional de Investigacíon en Urbanismo

74 77 81 82 82 83 84 87 87 93 103 104 104



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1.

INTRODUÇÃO


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1.

INTRODUÇÃO


1.1.

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APRESENTAÇÃO

A presente pesquisa, desenvolvida no âmbito do Programa de Educação Tutorial - PET do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, destina-se a promover a identificação e conservação de paisagens culturais na cidade de Florianópolis - SC, localizada na região sul do Brasil. No contexto do planejamento e da gestão urbana de cidades turísticas brasileiras, o poder público tem sido fortemente pressionado pelos interesses econômicos. Como resultado, verifica-se baixa prioridade à manutenção do patrimônio histórico e da paisagem, gerando um contínuo processo de degradação da natureza, perda dos vestígios culturais e descaracterização de populações tradicionais (NÓR, 2010). Esse processo de renovação urbana acelerada, muitas vezes, acaba por destruir os suportes da memória coletiva, podendo causar a falta de identidade e afetividade com lugares urbanos, uma vez que “os fenômenos de expansão urbana, globalização e massificação das paisagens urbanas e rurais colocam em risco contextos de vida e tradições locais em todo o planeta” (IPHAN, 2011, p.3). Como forma de identificar, valorizar e conservar as áreas de interesse paisagístico na cidade de Florianópolis, esta pesquisa propõe-se a desenvolver procedimentos para inventariar a paisagem cultural no âmbito de estudo do espaço urbano, com intuito de contribuir para novas formas de planejamento e gestão da cidade, que contemFigura 1. Distrito sede de Florianópolis


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plem a conservação dessas áreas relevantes. Por meio da revisão bibliográfica de referências sugeridas pela orientadora da pesquisa, foram realizadas leituras, as quais auxiliaram na construção de um conceito de paisagem cultural. A partir da elaboração do conceito, foi desenvolvida uma planilha que visa a identificação de paisagens culturais no município de Florianópolis, as quais objetivaram o trabalho em campo. O trabalho em campo é precedido pela leitura histórica da área em estudo. Para consolidar os resultados obtidos, elaborou-se questionários com o intuito de analisar a relação dos usuários com as áreas de estudo. Por fim, mapearam-se as áreas consideradas como paisagens culturais.

Figura 2. Embarcação na orla de Santo Antônio de Lisboa


1.2.

Objetivos

1.2.1. Objetivo geral O objetivo da presente pesquisa é desenvolver um procedimento de método para identificação e mapeamento das áreas de paisagem cultural de Florianópolis.

1.2.2. Objetivos específicos • Aplicar o conceito de paisagem cultural na análise urbana de Florianópolis; • a partir do conceito de paisagem cultural, desenvolver critérios para a identificação de áreas de relevante valor paisagístico em Florianópolis; • elaborar formas de representação cartográfica das áreas de relevante valor pais- agístico; • contribuir para o registro e a preservação ambiental e cultural da cidade.

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CONTEXTUALIZAÇÃO: A ILHA DE SANTA CATARINA

2.


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CONTEXTUALIZAÇÃO: A ILHA DE SANTA CATARINA 2.


2.1.

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LOCALIZAÇÃO

O município de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, na região Sul do Brasil, está localizado na porção central do litoral catarinense.

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Figura 3. Mapa rodoviário do município de Florianópolis


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2.2.

CARACTERÍSTICAS O município de Florianópolis conta com uma população de 421.240 habitantes (IBGE, 2010). É formado pela Ilha de Santa Catarina (439 km²) e por uma parte continental (12 km²), banhadas pelo Oceano Atlântico e separadas por um estreito canal de cerca de 500 metros de largura, que conforma duas baias de águas calmas, uma ao norte e outra ao sul (IPUF, 2002). Florianópolis possui ambiente natural bastante diversificado, resultante do contraste entre planícies e elevações montanhosas. A ilha, com quase uma centena de praias, compostas por enseadas, costões, promontórios e restingas é conformada por dois maciços montanhosos, com encostas verdes destacadas na paisagem litorânea (IPUF, 2002). Mais da metade de seu território é recoberto por matas nativas e sua população total é relativamente reduzida se comparada a outras capitais, mesmo com um aumento significativo nos índices de crescimento populacional nas últimas décadas (REIS, 2012). A capital catarinense tem no setor de serviços e no setor turístico as faces mais dinâmicas de sua economia, sendo uma capital não industrializada.

Figura 4. Praia Mole, Leste da Ilha


2.3.

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BREVE HISTÓRICO

Os indícios mais remotos de presença humana na Ilha de Santa Catarina datam de mais de 5000 anos e seus vestígios estão relacionados aos sambaquis, sítios arqueológicos característicos do litoral catarinense, encontrados em diversos pontos da costa. Um conjunto significativo de pinturas rupestres e oficinas líticas, locais onde se praticava o polimento de instrumentos de pedra, também expressam sinais desse povoamento (BERGER, 1990). Posteriormente, há relatos dos primeiros europeus que chegaram à Ilha e tiveram contato com índios Carijós, os quais migraram para o local aproximadamente em 1300 e acabaram deixando o território em uma ação não violenta. Com isso, a Ilha encontrava-se praticamente inabitada por volta de 1600. Os séculos que sucederam o descobrimento do Brasil, em 1500, condicionaram o processo de desenvolvimento da Ilha de Santa Catarina. Sua localização geográfica estratégica, em meio ao trajeto de navios que seguiam para o Mar Del Plata e para a Colônia do Sacramento, tornando-se importante ponto de passagem de navegantes de diferentes origens, gerou disputas entre as Coroas portuguesas e espanholas (BERGER, 1990).

Figura 5. Vista aérea, Barra da Lagoa


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Em meados do século XVII, o vicentista Francisco Dias Velho iniciou o processo de ocupação destas terras, vinculado à iniciativa portuguesa de povoamento da região sul do território da Colônia. Tem-se assim, em 1662, a fundação do povoado de Nossa Senhora do Desterro. O desenvolvimento desse povoado tem como marco inicial a construção da Capela de Nossa Senhora do Desterro, localizada em uma pequena colina próxima às águas Baía Sul, onde se encontra hoje a Catedral Metropolitana de Florianópolis. A Capela e todo espaço conformado entre a edificação e o mar serviu de matriz conformadora do desenvolvimento da localidade. Em 1726, o povoado recebeu o título de Vila, com denominação de Desterro. Entretanto, seu desenvolvimento foi lento nos anos subsequentes, uma vez que a Ilha servia basicamente como ancoradouro para reabastecimento dos navios e esquadras que percorriam a costa sul-americana (VAZ, 1991). Conflitos territoriais entre Portugal e Espanha, principalmente em função da disputa pelo domínio da Colônia do Sacramento e o acesso ao Rio da Prata, motivou a Coroa portuguesa, a partir do século XVIII, a manifesFigura 6. Vista aérea, Praia de Canasvieiras Figura 7. Vista aérea, Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba Figura 8. Vista aérea, Praia da Armação


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tar seu domínio na Ilha de Santa Catarina. Com isso, houve, em 1738, a fundação da Capitania de Santa Catarina, tendo a Vila do Desterro como sua capital e, sob o comando do Brigadeiro José da Silva Paes, a vila sofreu inúmeras reformas e construções de edificações públicas, incluindo a Casa do Governo, a reforma na Capela e a fortificação da Ilha (REIS, 2012). No século XVIII, a Ilha de Santa Catarina, em virtude do projeto de expansão colonial de Portugal na região sul do Brasil, recebeu imigrantes dos Arquipélagos dos Açores, iniciando o processo de formação socioespacial do litoral. Os açorianos trouxeram uma bagagem de tradições, conhecimentos e costumes, os quais foram adaptados às condições ambientais locais, na consolidação do processo povoador na região (FARIAS, 1998). Na Ilha de Santa Catarina, os núcleos populacionais que se formaram com a colonização açoriana, a partir de 1748, têm como base o modelo colonial luso-brasileiro, evidenciado em sua arquitetura e traçado urbano. A população mais antiga desses núcleos conserva ainda hábitos e tradições herdados da cultura açoriana, expressos na pesca, culinária, religiosidade,

artesanato e festas populares (VEIGA, 2004). Com o processo de construção das fortalezas e dos assentamentos humanos que aos poucos iam se formando, redes de comunicação tanto terrestres como marítimas foram demandadas, criando as trilhas e caminhos que ligavam estas regiões e, que mais tarde, se transformariam nas primeiras ruas. Com isso, novos assentamentos foram estabelecendo-se nas várzeas e restingas (IPUF, 2002). Nos assentamentos de imigrantes açorianos, o processo de ocupação e reorganização espacial começa a ganhar corpo. As comunidades, em especial a da Lagoa da Conceição, Santo Antônio de Lisboa e Ribeirão da Ilha, assumem porte e importância na Ilha de Santa Catarina (IPUF, 2002). No início do século XX, Florianópolis passa a sofrer os efeitos da modernização: mudanças socioeconômicas, espaciais e tecnológicas passam a impor uma nova organização dos espaços locais. Tais transformações podem ser percebidas pelas fotografias aéreas que datam de 1938, 1957, 1977, 1994 e 2002, apresentados na sequência(IPUF, 2002).


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Atualmente, a intensificação do adensamento populacional e da atividade turística em Florianópolis, aliados à crescente pressão do capital imobiliário, especialmente, a partir do final do século XX, vem modificando a paisagem da cidade, com urbanização acelerada, trânsito intenso de veículos, aterros para ampliação do sistema viário e verticalização dos edifícios (NÓR, 2010). Assim, a cidade tem sofrido uma perda sistemática dos referenciais urbanos que materializaram sua história, bem como das belezas naturais que singularizam seu sítio. A mudança das relações volumétricas da cidade tem sido marcante. A altura das novas edificações promove a perda substancial da relação de escala com o patrimônio edificado, os elementos que outrora eram dominantes na paisagem, hoje sucumbem ao novo cenário (ADAMS, 2004).

Figura 9. vista áerea do Centro de Florianópolis


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Figura 10. Florian贸polis imagem de sat茅lite 1938

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Figura 11. Florian贸polis imagem de sat茅lite 1957


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Figura 12. Florian贸polis imagem de sat茅lite 1977

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Figura 13. Florian贸polis imagem de sat茅lite 1994


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Figura 14. Florianópolis imagem de satélite 2002

Figuras 8,9,10,11,12 - Fotografias áereas de Florianópolis de 1938, 1957, 1977, 1994 e 2002 respectivamente. A partir delas percebe-se o desenvolvimento dos assentamentos humanos, as intervenções no ambiente natural e as obras de infraestrutura, com destaque ao sistema viário e suas modificações, como os aterros da baía Centro-Sul, Av. Beiramar Norte e as Pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Salles, que ligam a ilha ao continente (IPUF, 2002).


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3.

PROCEDIMENTO DE MÉTODO


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3.

PROCEDIMENTO DE MÉTODO


3.1.

CONSTRUÇÃO DO CONCEITO

A ideia de paisagem cultural surge por meio da compreensão de uma série de conceitos. Dentre eles, as temáticas de tempo, memória e lugar, que juntas, ajudam a compreender a de cultura e paisagem, associadas às ideias de patrimônio, construindo assim a noção de paisagem cultural. Sendo considerado um conceito recente no âmbito das chancelas patrimoniais, a ideia de paisagem cultural surge a partir da contínua observação da perda de vestígios culturais e descaracterização das populações tradicionais de determinado lugar, os quais se apresentam como agressões a aspectos importantes para construção de uma identidade. Para entender seus efeitos nocivos, é preciso compreender a importância das noções de tempo, memória e lugar. A oposição entre passado e presente é essencial na aquisição da consciência de tempo, pois, diferente do que se pensa, tempo não é um dado natural, provém da construção cultural (WHITROW, 1993; LE GOFF, 2003). A concepção de tempo de uma sociedade consiste em um sistema de atribuição de valores . Podemos então perceber que a ideia de tempo está vinculada à nossa concep-

ção cultural do mundo. Há, portanto, uma representação coletiva do tempo. Quando fazemos uma compreensão do tempo, nos libertando do presente, acessamos a memória. A memória estabelece uma relação muito íntima com a linguagem, pois é a partir da linguagem que a memória se expressa, se exterioriza e ganha sentido. Ganha sentido, pois a memória não existe somente no interior das pessoas, uma vez que em nenhum instante o homem deixa de estar inserido na sociedade. É uma experiência social cujos grupos sociais possuem pontos desta memória em comum, que constitui uma memória coletiva (HALBWARCHS, 2004). Muitas vezes estas memórias estão relacionadas a um lugar, que traz um sentimento de identidade, de pertencimento. Para Milton Santos (1985) lugar é “repositório de valores”: o homem guarda lugares em suas emoções e lembranças e também comparecem na formação do ser. Em síntese, o lugar é o espaço com grupos sociais definidos no qual são contextualizadas suas atividades e onde se desenvolve a memória coletiva das sociedades, a qual é essencial na identidade dos indivíduos.

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Lugares são pontos de ancoragem da memória, pois, segundo Pesavento (2007), são neles que nos reconhecemos, vivemos experiências do cotidiano ou situações excepcionais, territórios muitas vezes percorridos e familiares ou, pelo contrário, existentes em um tempo já escoado e que somente possuem sentido em nosso espírito porque narrados pelos mais antigos, que os percorreram no passado. São espaços que tornam o território urbano qualificado, uma vez que são dotados de significado que integram a esta comunidade simbólica de sentidos, a que se dá o nome de imaginário. De acordo com Jaime Lerner (2005, p.14), “a memória da cidade é nosso velho retrato de família. Assim como não se rasga um velho retrato de família, [...] não se pode perder um ponto de referência tão importante para nossa identidade.”. Ou seja, a memória coletiva, que nos garante a identidade com o lugar, tem papel fundamental em nossa formação e sentimento de pertencimento. O conceito de paisagem cultural abrange a preservação dessa identidade, assim como o nosso velho retrato de família. Pode-se aferir que, a memória coletiva, ancorada nestes lugares dotados de significação, auxilia na construção da identidade coletiva de Figura 15. Etapa da construção da Ponte Hercílio Luz, iniciadas em 1922 Figura 16. Etapa da construção da Ponte Hercílio Luz, iniciadas em 1922 Figura 17. Etapa da construção da Ponte Hercílio Luz, iniciadas em 1922


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um povo. Estas identidades ajudam a elaborar a sensação de pertencimento, produzindo coesão social e reconhecimento individual, assegurando e confortando os indivíduos que delas se apossam, pois são dotadas de positividade que permitem a aceitação e endosso. (PESAVENTO, 2007). A identidade implica na articulação de um sistema de ideias e imagens que explica e convence, pois se exibe em hábitos, maneiras de ser, ritos, práticas sociais e acontecimentos do passado. Além das noções sobre tempo, memória e lugar, é oportuna uma breve abordagem sobre as noções de cultura e de paisagem, associadas ao patrimônio. Para Santos (1985), a paisagem e a cultura transformam-se, vinculadas uma à outra. A palavra cultura advém do latim, verbo “colo”, que significa eu moro, eu ocupo a terra e, por extensão, eu cultivo o campo (BOSI, 1992). A partir dessa origem, é pos-

sível estabelecer uma conexão entre cultura e a dimensão espacial do lugar e da paisagem. Entende-se, atualmente, cultura como a conjugação dos modos de ser, viver, pensar e falar de uma dada formação social, ou ainda, como todo o conhecimento que uma sociedade tem de si mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material em que vive e sobre sua própria existência (BOSI, 1992; SANTOS, 1997). Assim, a cultura pode ser definida como o conjunto de características distintas, espirituais e materiais, intelectuais e afetivas, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, que abrange, além das artes e letras, seus modos de viver, sistemas de valor, tradições e crenças (UNESCO, 2002). A paisagem, por sua vez, ao ser produzida pela atividade transformadora do homem, reproduz sua concepção de habitar, tra-

Nota: “Mas, sobretudo, são lugares, dotados de carga simbólica que os diferencia e identifica. E, se tais sentidos estão referidos no passado, fazendo evocar ações, personagens e tramas que se realizaram em um tempo já escoado, eles são lugares de memória, como aponta Pierre Nora¹, ou ainda espaços que contém um tempo, como assinala Paul Ricoeur².” (PESAVENTO, 2007) 1 Cf. NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. 3 v. Gallimard: Paris, 1997; Nora, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto história. 10. PUCSP: São Paulo, 1993. 2 Cf. RICOEUR, Paul. Architecture et narrativité. Urbanisme, 303, nov.déc.1998, Paris, p. 44-51.


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balhar e viver, como fruto de um determinado momento do desenvolvimento social. Desse modo, seus conteúdos humanos – sociais e econômicos exprimem funções antigas que, mesmo desaparecidas, podem marcar a paisagem atual (SANTOS, 1999). Além da ação, o homem cria também a paisagem como uma forma intelectual, na qual osgrupos sociais percebem, interpretam e constroem marcos significativos e simbólicos, segundo sua concepção cultural (SCHIER, 2003; CLAVAL 2007). Desse modo, a concepção de paisagem ultrapassa a dimensão visual concreta e passa a incorporar História, relações, valores e símbolos inerentes à cultura dos grupos sociais, podendo mesmo ser permeada pela subjetividade do observador. Assim, a paisagem não reside somente no objeto e nem somente no sujeito, mas é engendrada em sua complexa interação (NÓR, 2010). O patrimônio cultural consiste nas referências consideradas como representativas de diferentes grupos sociais. Os bens culturais expressam os processos de produção e reprodução da vida, bem como os mecanismos que articulam esses processos à formação da memória social de um povo.

A noção de patrimônio tem adquirido, ao longo do tempo, novos significados e ampliado sua abrangência, refletindo a incorporação de novas visões a respeito de cultura, com o reconhecimento da diversidade cultural e a valorização do vernacular e do contemporâneo (CHOAY, 2001). Como integrante dessa expansão destaca-se a categoria de patrimônio imaterial, que reconheceu a existência e a necessidade de salvaguarda do conjunto das das realizações humanas, em diversas expressões, superando a atuação preservacionista de outrora voltada prioritariamente para o tombamento dos bens materiais, os chamados “de pedra e cal” – igrejas, fortes, pontes, prédios e conjuntos urbanos representativos de estilos arquitetônicos específicos. Na esfera da ampliação do conceito de patrimônio, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) - UNESCO passou a abordar, desde 1990, a ideia de paisagem cultural, combinando aspectos materiais e imateriais, aliados à interação entre o homem e a natureza, sendo que a categoria de paisagem cultural foi consolidada pelo Comitê do Patrimônio Mundial, em Santa


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Fé (EUA), em 1992 (CASTRIOTA, 2009). No documento denominado “Recomendação da Europa” para a conservação das áreas de paisagens culturais, elaborado em 1995, paisagem cultural foi caracterizada pela maneira pela qual é percebida por um indivíduo, ou por uma comunidade, testemunhando, do passado ao presente, o relacionamento entre o homem e seu meio ambiente. Possibilitando, a partir de sua observação, especificar culturas e locais, sensibilidades, práticas, crenças e tradições. A UNESCO apresentou, em 1999, nas diretrizes operacionais para a Convenção do Patrimônio Mundial, a ideia de paisagem cultural da seguinte maneira: Paisagens culturais representam o trabalho combinado da natureza e do homem [...] são ilustrativas da evolução da sociedade e dos assentamentos humanos ao longo do tempo, sob a influência das determinantes físicas e/ou oportunidades apresentadas por seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto internas, quanto externas. Elas deveriam ser selecionadas com base tanto em seu extraordinário valor universal e sua representatividade em termos de região geocultural claramente definida, quanto por sua capacidade de ilustrar os elementos culturais essenciais e distintos daquelas regiões (UNESCO, 1999). Figura 18. Vista da Ponte Hercílio Luz, fases finais da construção Figura 19. Vista da Ponte Hercílio Luz, fases finais da construção Luz Figura 20. Vista da Ponte VistaHercílio da Ponte Hercílio Luz


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No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em 2009, definiu como paisagem cultural brasileira a “porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas, ou atribuíram valores” (IPHAN, 2009). Nessas concepções sobre paisagem cultural, como categoria de patrimônio, estão sendo consideradas as formas de viver e de se relacionar com o meio ambiente, evidenciando os sítios históricos, os sistemas de uso da terra e o conhecimento tradicional, que se entrelaçam na conformação dos lugares e seu tecido social, revelando aspectos estéticos, simbólicos, espirituais, funcionais e ecológicos. No processo de identificação e avaliação da paisagem cultural consideram-se os modos de conceber a vida das populações locais, com atenção para os marcos e as permanências do processo histórico de produção e de interação com o meio natural. Assim, nas áreas de estudo, os pesquisadores devem procurar relacionar a importância da preservação da natureza, de edificações e sítios significativos (patrimônio material), na medida em

que possibilitem e a evocação do passado de forma reflexiva, valorizando a memória urbana de modo a manter uma identidade social presente e viva (patrimônio imaterial) (SANTOS,1997; CASTRIOTA, 2009).  Paisagens culturais representam o trabalho combinado da natureza e do homem [...] são ilustrativas da evolução da sociedade e dos assentamentos humanos ao longo do tempo, sob a influência das determinantes físicas e/ou oportunidades apresentadas por seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto internas, quanto externas. Elas deveriam ser selecionadas com base tanto em seu extraordinário valor universal e sua representatividade em termos de região geocultural claramente definida, quanto por sua capacidade de ilustrar os


3.2.

INSTRUMENTOS DE ANÁLISE

3.2.1. Leitura Histórica Visando a compreensão da conformação das áreas de estudo, é realizado um estudo prévio do histórico da conformação do lugar, por meio de pesquisa bibliográfica. Esta etapa garante um embasamento para as visitas a campo e análises posteriores.

3.2.2.Planilha de Análise Após finalização da leitura histórica da área de estudo, realizam-se visitas de campo a fim de qualificar essa área como pertencente, ou não, à classificação de paisagem cultural, de acordo com os critérios sintetizados na planilha de análise, advindos do conceito de paisagem cultural. A planilha divide-se em três etapas, a primeira explora questões mais concretas e aspectos imediatamente perceptíveis na paisagem; a segunda, questões mais subjetivas e, na terceira etapa, realiza-se a junção de todo o material registrado, conformando a caracterização da área analisada. Considerando que um mesmo espaço pode ser percebido de formas diferentes, estabelece-se, posteriormente, o debate sobre os resultados de cada pesquisador e as reflexões sobre a avaliação realizada. Figura 21. Figura 22. Figura 23.

Baía de Santo Antônio Centro histórico de Santo Antônio Vista da ponte Hercício Luz, 2014

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Cada momento da análise é realizado por meio de subdivisões, que objetivam facilitar o trabalho em campo. Lembrando que essa separação não existe na prática, é apenas uma estratégia metodológica para facilitar a melhor compreensão do objeto de estudo, que consiste numa totalidade. A primeira etapa é subdividida em quatro aspectos a serem identificados: limites e vistas; marcos na paisagem, dinâmica socioespacial e impactos negativos na paisagem. Na segunda etapa de análise há a avaliação de dois aspectos relativos ao patrimônio imaterial, como observação de vivências e afetos e existência de indícios de práticas tradicionais e simbólicas. Na terceira etapa, realiza-se a junção dos momentos precedentes,

Figura 24.

Vista da Baía de Santo Antônio

comparam-se os resultados, e a partir da reflexão em equipe, pode haver complementações e recomendações sobre os aspectos avaliados. Fotografias e desenhos também são instrumentos de registro da percepção por parte do observador/analista. O quadro de “Planilha de análise da paisagem cultural”, apresentado a seguir, foi concebido e aprimorado ao longo do estudo, no sentido de orientar os pesquisadores em relação ao que deve ser observado durante a análise de campo, sendo sempre possível realizar ampliações, modificações e adaptações durante a pesquisa, de modo a aperfeiçoar a avaliação.


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PLANILHA DE ANÁLISE DA PAISAGEM CULTURAL 1ª ETAPA

a. LIMITES E VISTAS

Identificar os limites e vistas da paisagem em estudo, levando em consideração, por exemplo, a presença ou a ausência de destaques na topografia, massas vegetais, corpos d’água, vistas panorâmicas, etc. Ilustrar com fotografias e croquis.

b. MARCOS NA PAISAGEM

Registrar as edificações históricas, tombadas, ou significativas existentes, bem como os demais marcos físicos que dão identidade ao lugar, como praças, monumentos, equipamentos, mobiliário urbano, etc. Neste item deve-se avaliar o grau de autenticidade histórica, comprovando se o que homem construiu é produto de uma experiência vivida, de um valor cultural próprio e autêntico, distinguindo de eventuais simulacros, pastiches, imitações recentes de estilos arquitetônicos históricos. Ilustrar com fotografias e croquis.

c. DINÂMICA SOCIOESPACIAL

Considerar a dinamicidade da cultura e a contínua evolução da sociedade impressa no local de estudo, reconhecendo e admitindo as mudanças inerentes à evolução humana e de seus assentamentos. Verificar como o homem imprimiu marcas de suas ações e formas de expressão, associados aos diferentes tempos e como se deu sua interação com o espaço natural e cultural, ao longo dessa trajetória.


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d. IMPACTOS NEGATIVOS NA PAISAGEM

Analisar as interferências de novos elementos urbanos e seu potencial de causar impacto visual, sonoro, olfativo na paisagem. Consideram-se impacto as alterações no meio urbano resultantes das atividades, que direta, ou indiretamente, afetem as atividades sociais, culturais e econômicas, bem como as condições estéticas e paisagísticas deste meio (NÓR, 2010). 2ª ETAPA

a. VIVÊNCIAS E AFETOS

b. PRÁTICAS TRADICIONAIS E SIMBÓLICAS

Considerar se o local de estudo apresenta relações sociais e afetivas integradas com o ambiente e que se demonstrem como respostas peculiares ao meio natural e à História, os quais interfiram nos modos de vida locais, definindo-os. Identificar se existe um processo histórico compartilhado na conformação do lugar. As pessoas que moram naquele espaço têm relação de afeto/respeito/orgulho relacionados ao lugar? Existem ainda vivências peculiares naquele espaço? Quão significantes são elas? O local analisado evidencia relações entre o ambiente natural, o trabalho e a moradia de seus habitantes? Qual o grau de interação entre estes fatores e o quão são dependentes entre si? Verificar se ocorrem festas, cultos, crenças, rituais, ofícios tradicionais ou simbólicos do local de estudo. Estas práticas contribuem para a identidade e memória coletiva da população local?


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3ª ETAPA a. RELACIONAR OS ASPECTOS MATERIAIS E IMATERIAIS b. CONSIDERAÇÕES

Realizar a correspondência entre os aspectos analisados, identificando sua complementaridade. Possibilitar o entendimento das relações entre homem, sua cultura e o ambiente natural. Avaliar a existência de potenciais impactos negativos e a vulnerabilidade da paisagem cultural analisada. Propor medidas ou recomendações, se pertinente.

Quadro 01. Planilha de análise de paisagem cultural. Elaboração dos autores.


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3.2.3. Questionários O questionário acrescenta ao relatório a percepção das pessoas que usufruem e vivem nas áreas de estudo. Os questionários aplicados sobre o centro de Florianópolis foram realizados in loco e também pela internet. Os questionários sobre Santo Antonio de Lisboa foram realisados somente pela internet. As questões exploram os mesmos pontos da planilha de análises a fim de complementar a análise de campo e obter resultados mais consistentes. Com os questionários é possível identificar os marcos considerados referenciais para os entrevistados, impactos negativos na paisagem, perceber como as pessoas entendem a dinâmica dos espaços ao longo do tempo, a relação de afeto dos usuários com o lugar, entre outros. Gráficos e tabelas a partir dos depoimentos, auxiliam a consolidar os resultados das entrevistas. Os questionários encontram-se nos apêndices desta pesquisa.

Figura 25. Figura 26. Figura 27.

Bolsistas realizando pesquisa em campo Bolsistas realizando pesquisa em campo Bolsistas realizando pesquisa em campo


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3.2.4 Mapeamento Visou-se delimitar a abrangência espacial das áreas de estudo com base na percepção e vivências dos entrevistados, utilizando a seguinte pergunta: Para você, onde começa e onde termina Santo Antônio de Lisboa/o Centro?A partir dos resultados, foi possível traçar poligonais capazes de identificar os limites da área estudada. Assim, as poligonais delimitam a área de abrangência destas paisagens culturais, podendo contribuir para o registro e preservação das mesmas.

Figura 28.

Mapeamento da área de estudo


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43

APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE ANÁLISE 4.


44

APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE ANÁLISE 4.


4.1.

45

SANTO ANTÔNIO DE LISBOA

Santo Antônio de Lisboa localiza-se na porção noroeste da Ilha de Santa Catarina, na orla calma da Baia Norte e tem como pano de fundo significativa topografia com exuberante massa vegetal. O distrito possui área de 22,45 km² e população de 6.343 habitantes (IBGE, 2010). Mantém um dos conjuntos arquitetônicos mais representativos da fase de colonização portuguesa do litoral sul brasileiro, remanescente dos séculos XVIII e XIX, com destaque para a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, construída em 1756.

Sambaqui

Santo Antônio de Lisboa

Cacupé

LEGENDA Limites do distrito Vias Principais Vias secundárias Centro Histórico de Santo Antônio de Lisboa N 0m

Figura 29.

Mapa do distrito de Santo Antônio de Lisboa

400m

800m


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4.1.1. Breve Histórico A história do distrito está vinculada com a do município de Florianópolis. No século XVIII, a Ilha de Santa Catarina, em virtude do projeto de expansão colonial de Portugal na região sul do Brasil, ocorreu a vinda de imigrantes dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, iniciando o processo de formação socioespacial do litoral catarinense (FARIAS, 1998). Em 1714, quando se construiu em Sambaqui um entreposto para operar com o comércio marítimo, iniciando o florescimento da região. , as levas de imigrantes açorianos dirigiu-se para Santo Antônio de Lisboa, estimulando o seu desenvolvimento com seus conhecimentos e costumes (FARIAS, 1998) Santo Antônio de Lisboa foi elevado à Freguesia em 1750, sendo uma das mais antigas da Ilha, tendo como marco a construção da igreja de Nossa Senhora das Necessidades (1756), A edificação luso-brasileira do período colonial é hoje patrimônio material do distrito, além das demais construções típicas deste período. Dos açorianos herdou-se também o lingua-

jar e sotaque peculiar, a cerâmica, a renda de bilro, o forte sentimento de religiosidade, além de festas e tradições culturais. Entretanto, nas últimas décadas, Santo Antônio de Lisboa têm vivenciado um expressivo crescimento populacional, com ampliação da área residencial, onde predominam edificações unifamiliares. A atividade turística tem se destacado, especialmente pela implantação de lojas de artesanato e restaurantes ao longo da orla, transformando o lugar numa referência da gastronomia a base de frutos do mar, aliando o preparo de pratos tradicionais a novas receitas, que surgiram com o desenvolvimento do cultivo de ostras e mariscos, em virtude de um projeto de desenvolvimento socioeconômico, que teve inicio na década de 1980.


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4.1.2. Análise

Após o estudo prévio da história do Distrito de Santo Antônio de Lisboa, partiu-se para a análise de campo auxiliada pela planilha de análise da paisagem cultural. Seguindo a metodologia, iniciou-se pela exploração com base no primeiro momento de análise, identificando o mar como elemento natural de maior destaque que demarca a paisagem, delimitando as construções e o traçado das ruas, as quais contornam a orla suave de águas calmas da baia. Os limites e vistas são também marcados por grande presença de massas vegetais, a Mata Atlântica encobre boa parte das elevações que conformam o espaço de estudo. A brisa marinha, o barulho das pequenas ondas, as embarcações oscilando e as estruturas das “fazendas” de ostras e mariscos, que submergem em alguns pontos, configuram a paisagem local. Na orla, em direção ao horizonte, avista-se o perfil das distantes edificações da área central e tem-se uma visão privilegiada da silhueta da Ponte Hercílio Luz, que consiste num dos mais importantes símbolos de Florianópolis.

Figura 30. Figura 31. Figura 32.

Baía de Santo Antônio Baía de Santo Antônio, ponte Hercício Luz em perspectiva Centro histórico de Santo Antônio de Lisboa


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O casario de arquitetura luso-brasileira, a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades implantada em uma elevação, alinhada com a Praça Getúlio Vargas e com o mar, configuram uma implantação urbana típica da colonização portuguesa. Há ainda um trecho remanescente da primeira rua calçada do Estado, na Praça Roldão da Rocha Pires, e a fachada da casa onde se hospedou o imperador D. Pedro II, elementos que compõem o patrimônio histórico do distrito. A Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, o casario luso-açoriano e a orla aparecem como os primeiros marcos de referência a serem lembrados pelos entrevistados, representando, respectivamente, 28%, 24% e 16% das respostas, além de muitos deles serem citados também como importantes ancoradouros de memória, que permitem uma evocação ao passado, mostrando o desenvolvimento do distrito ao longo do tempo. Pode se observar também a evolução da cidade impressa em Santo Antônio de Lisboa, por meio da nova pavimentação das vias que dão acesso ao distrito, bem como por edificações de arquitetura mais recente que surgem em meio aos prédios históricos, mas que ainda mantêm os gabaritos baixos, preservando a relação volumétrica. Mobiliário urbano, como Figura 33. Figura 34. Figura 35.

Igreja Nossa Senhora das Necessidades Decks de madeira na orla de Santo Antônio Prática da Maricultura


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decks de madeira, instalados nos últimos anos ao longo da orla, criam espaços de convívio em meio à rota gastronômica.

aumento constante do trânsito de veículos, que vem dificultando a circulação pelas ruas antigas e estreitas do local.

A maricultura garantiu a permanência da relação do homem com o mar, como meio de subsistência das comunidades tradicionais do distrito, visto que a atividade pesqueira encontrava-se em decadência. A implantação do projeto de cultivo, além de atender questões socioeconômicas da comunidade, criou um novo atrativo turístico propiciando a instalação de restaurantes, que vem sofisticando o atendimento a um público de poder aquisitivo cada vez mais elevado.

Com base nos questionários, muitos moradores do distrito consideram que as mudanças foram muitas e também prejudiciais a toda dinâmica e modo de vida do lugar, 60% dos entrevistados acredita que Santo Antônio de Lisboa pode vir a perder suas memórias, edificações e identidade, em virtude das mudanças que vem ocorrendo no distrito.

Entretanto, pode-se também observar que essa rota gastronômica está fazendo com que os restaurantes ocupem gradativamente a orla, praticamente privatizando-a e obstruindo a visão do mar a partir da via que o margeia, constituindo um impacto negativo. Os restaurantes promovem-se a partir da valorização da bela paisagem natural, que passa a ser vista, em muitos trechos, apenas do interior dos recintos. Para quem caminha pela praia têm-se, muitas vezes, a visão dos fundos dos estabelecimentos e os odores das cozinhas, descaracterizando o ambiente. Além do

No segundo momento de análise, observou-se que as vivências e os afetos são bem fortes em Santo Antônio de Lisboa. De acordo com o questionário aplicado, 92% dos entrevistados considera o distrito um lugar especial, ou seja, possui uma carga simbólica que o diferencia e identifica dentro do contexto de Florianópolis. Veem-se pessoas saindo para o trabalho no mar em pequenos barcos, mantendo a tradição da pesca, associada ao mais recente cultivo de ostras e mariscos. Pequenas embarcações estão sempre se movimentando em frente à orla, numa relação estreita entre o homem e o meio ambiente. As marés, correntes marítimas, fases da lua e regime dos ventos fazem parte do conhecimento,


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das conversas e do cotidiano dos habitantes. Observa-se também, ao longo da orla, a importância do convívio e da contemplação do mar, entre os moradores e visitantes, numa relação de afeto com o lugar e ambiente natural. Nas ruas, bares, escadarias da igreja, decks da orla e praças é possível notar rodas de amigos, encontros, pessoas sentadas de frente para o mar, pintores e fotógrafos retratando a paisagem. Vivencia-se uma espécie de volta no tempo, propiciada pela calma e ritmo tranquilo da vida local. A igreja é ainda amplamente vivenciada, uma vez que possui uma carga de identidade com a população local muito forte, evidenciada na manutenção das práticas religiosas, com missas semanais, com grande envolvimento dos moradores em preparativos e participação de almoços e jantares da paroquia, bem como nas festas tradicionais, como a Festa do Divino Espírito Santo, que movimenta a comunidade anualmente, continuando uma antiga tradição dos Açores. Marcos importantes da paisagem também concentram um valor simbólico e possuem relações de afeto com as pessoas que dele

usufruem. O casario, a Igreja e o artesanato local, além de serem elementos marcantes da paisagem de Santo Antônio de Lisboa, são considerados pelos entrevistados, como possuidores da identidade e memória do distrito, uma vez que quase metade das respostas demonstram o desejo de que perdurem para as gerações futuras. Constatou-se, também, que o mar ainda é muito citado pelos entrevistados e condiz com um forte marco do distrito, responsável pelo modo de vida, trabalho e conformação da ocupação humana em Santo Antônio de Lisboa. A comunidade participa e perpetua as lendas e tradições herdadas dos seus antepassados, fazendo com que cada data comemorativa se torne uma rica experiência para os moradores, que confirmam e estreitam as relações sociais, atraindo visitantes. Existem representações e danças típicas do folclore local, como o Boide-Mamão, Maricota, Bernunça, Pau de Fita, que costumam ser exibidos nas festas populares. Estas atividades são vivenciadas não apenas por moradores do distrito, mas sim


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por demais moradores de Florianópolis e turistas. A linguagem é também um importante bem imaterial que representa a tradição, por meio do sotaque, expressões e denominações peculiares, que continuam bem presentes e marcantes em Santo Antônio de Lisboa. Percebe-se também que existem rivalidades discretas e comparações com os demais distritos de Florianópolis, as quais são resultado de um sentimento de pertencimento ao lugar, de identidade e, de certa forma, fortalecem os laços na comunidade. No terceiro momento da pesquisa, analisaram-se os dados coletados na medida em que proporcionam relações entre o homem, sua cultura e o ambiente natural, a fim de, finalmente, classificar a área como paisagem cultural. Pois, segundo o IPHAN (2011, p.3) “Nos sítios onde são constatadas as singularidades materiais de determinada área, somadas à sua relação intrínseca com a natureza e ao caráter dinâmico no convívio com o elemento humano, aí então caberá a chancela da Paisagem Cultural”. Constatou-se que o patrimônio material e Figura 36. Figura 37. Figura 38.

Privitização da orla pelas edificações Privatização da orla por parte dos restaurantes Feira de Artesanatos


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imaterial, como elementos de alusão à história local, permanecem vivos e valorizados. Mesmo no fluxo da contínua evolução do distrito, em sua dinamicidade, estão mantidas as características essenciais do lugar, sua relação com o espaço natural, com as tradições, seus modos de produzir e conceber a vida. Assim, o estudo realizado nos induz a caracterizar Santo Antônio de Lisboa como uma das áreas que abriga a “paisagem cultural” de Florianópolis, merecendo cuidados por parte da gestão urbana, com necessária participação da população local, para sua manutenção e conservação. Ao mesmo tempo, identificou-se a tendência de verticalização das edificações no distrito, que já se avizinha do núcleo histórico de Santo Antônio de Lisboa, ameaçando a relação de escala volumétrica do lugar, bem como a crescente presença de empreendimentos imobiliários que constroem condomínios residenciais unifamiliares, fechados por grandes muros, que interrompem e segmentam a malha, rompendo as relações com os espaços públicos, segregando e elitizando a ocupação urbana. Visando delimitar a abrangência espacial do distrito, tendo como base a percepção, vivência e afetos que os usuários de Santo Antônio Figura 39.

Ofício da Maricultura


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de Lisboa possuem, foram levantados os limites do distrito. A partir dos resultados, foi possível identificar três poligonais. A primeira poligonal (verde) representa o núcleo do distrito, que contém a maior parte do conjunto arquitetônico lusobrasileiro, a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, a orla e os restaurantes à beira mar, que fazem parte da rota gastronômica de Santo Antônio. 62% dos entrevistados considera que Santo Antônio de Lisboa se encontra nesta poligonal, citando como referências a Igreja, a Praça Getúlio Vargas e, em frente à mesma, o conjunto de casarios açorianos, a orla e seus restaurantes. A segunda poligonal (vermelha) representa uma área maior do distrito e possui como referências o Terminal de Integração de Santo Antônio de Lisboa (TISAN), a orla e os restaurantes, que além de englobarem o polígono nuclear, considera também a Rua Padre Lourenço Rodrigues de Andrade, principal via de acesso ao distrito a partir da rodovia SC-401. Esta poligonal representa 19% das respostas. A terceira (azul) é a mais abrangente, pois engloba todas as demais e tem como

referências o início do caminho que leva até Sambaqui, um estabelecimento comercial no Caminho dos Açores e o TISAN. 19% dos entrevistados consideram estas referências como sendo o território de Santo Antônio de Lisboa. Conclui-se, a partir dos resultados apresentados pelos questionários, que para a maioria dos entrevistados o lugar considerado como Santo Antônio de Lisboa é o núcleo do distrito, o qual abriga boa parte dos marcos históricos e a orla marinha. Considera-se importante que o poder público possa prevenir eventuais impactos nas paisagens culturais, avaliando previamente interferências capazes de causar descaracterização da ambiência urbana, obstrução visual, bloqueio de ângulos de visão, efeitos nocivos na rotina e no padrão de vida da população, perda de referências históricas/culturais e comprometimento de renda e produção (NÓR, 2010). Para tanto, recomenda-se que novas propostas de intervenção em áreas classificadas como Paisagem Cultural devam ser submetidas a estudos específicos, que possam limitar ou indicar adequações a


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9 4

7

5

2

1

3 6

LEGENDA Vias Principais Vias secundárias Igreja de Nossa das Necessidades (1); Orla (2); Praça Getúlio Vargas (3) TISAN (4); Orla (5); Praça Getúlio Vargas(6) Bairro Sambaqui (7); Estabelecimento comercial (8); TISAN (9) 250m 125m 0m

Figura 40.

250m

500m

N

Mapeamento da abrangência espacial do distrito de Santo Antônio de Lisboa

8


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projetos, propondo medidas mitigadoras compensatórias ou preventivas. Desse modo, como contribuição da presente pesquisa, considera-se pertinente indicar ao poder público que o Distrito de Santo Antônio de Lisboa deva configurar no mapeamento de Florianópolis como área caracterizada de “paisagem cultural”, o que implica em adotar medidas de conservação cultural e na exigência de estudos prévios de impacto paisagístico para novos empreendimentos, ou intervenções no espaço urbano.

Figura 41. Enseada de Santo Antônio de Lisboa


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4.2.

CENTRO DE FLORIANÓPOLIS Localizado no distrito Sede, o Centro de Florianópolis situa-se na porção centro-oeste da Ilha e é banhado pelas Baías Sul e Norte, e delimitado a leste pelo maciço do Morro da Cruz. Apresenta como limites os bairros da Agronômica, ao norte, e o bairro Saco dos Limões, ao sul. O Centro possui uma população de 44.315 habitantes e uma área de 74,54 km² (IBGE,2010). O Centro histórico é o marco do início da urbanização da Ilha de Santa Catarina, sendo ancoradouro de memória e de vasto patrimônio cultural.

1 2

LEGENDA Vias Principais Vias secundárias

1

Catedral Metropolitana

2

Praça XV de Novembro N 0m

100m

200m

Figura 42.

Mapa do Centro de Florianópolis


57 57

4.2.1. Breve Histórico Como já visto, o desenvolvimento do povoado da Ilha de Santa Catarina tem como marco inicial a Capela de Nossa Senhora do Desterro, hoje catedral Metropolitana de Florianópolis, no Centro. A localização da igreja em uma pequena colina a aproximadamente 250 metros do mar, traduz a típica implantação, herdada dos portugueses, de construir a igreja em um ponto de destaque na topografia, desenvolvendo a malha urbana a partir deste edifício. Seguindo esta linha, constrói-se uma praça logo em frente, a qual se estendia até o mar, conformando o primeiro espaço público claramente definido como abrigo das atividades coletivas da póvoa (VAZ, 1991). Foi a partir deste centro, com a colonização açoriana e construção de edifícios institucionais, que se desenvolveu a vida urbana de Florianópolis. Importantes edificações de significação regional, juntamente com a Casa de Câmara e Cadeia e com o atual Palácio Cruz e Souza, emprestavam à praça principal da vila um sentido monumental. Em seu entorno já havia moradias várias (VAZ, 1991) Sendo assim, o centro contém inúmeros bens que fazem alusão à história da cidade.

Figura 43. Figura 44. Figura 45.

Palácio Cruz e Souza, início do séc XX Praça XV e entorno, Início do séc XX Praça XV e Catedral Metropolitana, início séc XX


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4.2.2. Análise Inicialmente, buscou-se entender quais os limites do centro de Florianópolis. Estes limites, no âmbito da pesquisa, nem sempre são aqueles definidos oficialmente, mas sim, definidos por características simbólicas ou visuais pela população. Ao nível do pedestre, o centro de Florianópolis é marcado pela presença de enquadramentos de maciços montanhosos: o Morro da Cruz, na porção insular, e pelos maciços presentes na porção continental da região metropolitana, a oeste. As massas vegetais também são destaque destas elevações, encobertas pela Mata Atlântica, e pela presença de algumas habitações informais que demonstram crescente desenvolvimento em porções do maciço do Morro da Cruz. Edifícios imponentes e de gabaritos elevados também demarcam o entorno do Largo da Alfândega, despontando por de trás dos prédios históricos da área central. Grandes vias para a circulação de automóveis fazem parte dessa paisagem, assim como o Terminal de Integração do Centro (TICEN) e o Terminal Rodoviário Rita Maria. As palmeiras originais do projeto do paisagista Roberto Figura 46. Figura 47. Figura 48.

Morro da Cruz em destaque Centro de Florianópolis Imediações do TICEN Centro de Florianópolis


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Burle Marx para o aterro da Baia Centro-Sul tomam a paisagem de quase todo o centro histórico, ganhando destaque nas vistas. O principal “cartão postal” da cidade, a ponte Hercílio Luz, aparece em meio aos grandes edifícios, também conformando o entorno do local. Na pesquisa realizada para identificar os limites do centro de Florianópolis, os entrevistados identificaram, de forma mais significativa, três perímetros. A primeira área, (para 48% dos entrevistados) identificada pela cor azul no mapa, é compreendida, no sentido norte -sul, entre os extremos da Av. Mauro Ramos (Shopping Beiramar até o túnel Antonieta de Barros), e no sentido leste-oeste, entre a Av. Mauro Ramos, que coincide com a encosta do Morro da Cruz, até a Av. Beiramar Norte, o Terminal Rodoviário Rita Maria, o Terminal de Integração Urbana do Centro (TICEN) e a linha de edifícios históricos e dos complexos governamentais próximos à saída dos túneis. O núcleo histórico do centro, inserido no interior do perímetro delimitado pelos entrevistados, teve seus monumentos e edifícios históricos lembrados diversas vezes como marcos referenciais, ou como a primeira memória relativa ao “Centro de FlorianópoFigura 49. Figura 50. Figura 51.

Av. Governador Gustavo Richard TICEN Feira do Largo da Alfândega


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11

12

15

10 3 2

6 9

5

17

13 1

8

4 7

LEGENDA Vias Principais Vias secundárias Praça XV de Novembro (1); Catedral Metropolitana (2); Teatro Álvaro de Carvalho (3); Av. Hercílio Luz (4); Mercado Público (5); Rua Filipe Schmidt (6) Av. Hercílio Luz (7); TICEN (8); Rodoviária(9); Rua Conselheiro Mafra (10), Parque da Luz (11); Praça Getúlio Vargas (12); Av. Mauro Ramos (13). Tunel Antonieta de Barros (14); Ponte Hercílio Luz (15); Shopping Beiramar (16); Av. Mauro Ramos (17). N

100m

50m

0m

Figura 52.

100m

200m

Mapeamento da abrangência espacial do Centro de Florianópolis

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lis”. Mostram-se possuidores de cargas simbólicas que caracterizam o centro da cidade como um lugar de memória coletiva, de referências comuns do passado e que ainda perduram no presente. Estes espaços dotados de significado fazem da cidade um território urbano qualificado, pois são apropriados pelas pessoas. Espaços que também erigem seus pontos de ancoragem da memória (PESAVENTO, 2007). Como marcos mais citados, temos: a Praça XV de Novembro ( 35% dos entrevistados), o Mercado Público, ( 32% dos entrevistados), o “Calçadão” da Rua Felipe Schmidt (17%) e a Catedral Metropolitana. Além destes, também destacaram-se a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, a Casa da Alfândega, o Palácio Cruz e Souza, antigo Palácio do Governo, a Casa da Câmara, bem como um grande conjunto de casarios do século XVIII, de arquitetura luso-brasileira, que completam o conjunto Nota: Ano de construção e tombamento, respectivamente, dos edifícios acima citados: Mercado Público - 1898 / 1984; Catedral Metropolitana - 1753 / 1986; Palácio Cruz e Souza - século XVIII / 1980; Igreja de Nossa Senhora do Rosário - 1787 / 1975; Casa da Alfândega - 1875 / 1975; Casa da Câmara - 1780 / 1984.

Fonte: SOUZA, Alcidio Mafra de. Guia dos bens tombados, Santa Catarina. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cul- tura; Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1992. 152 p.

Figura 53. Figura 54. Figura 55.

Praça XV Mercado Público Municipal de Florianópolis Rua Felipe Schmidt


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histórico arquitetônico central. O patrimônio material aparece como importante referência para a população local e turística e ganha ainda mais força pelo fato de Florianópolis ter surgido e se desenvolvido a partir de seu centro. As cidades, contudo, tem a propriedade de se densificar e crescer de forma que, tendencialmente, seus centros são primeiros a sofrerem tais mudanças, podendo ter desgastes físicos e simbólicos (PESAVENTO, 2007). Florianópolis tem a vantagem de possuir um centro ainda vivo e dinâmico. Com o processo de crescimento da cidade e a necessidade por vias que contemplassem os automóveis, houve a construção da ponte Hercílio Luz, primeira ligação rodoviária ilha-continente, na década de 1920. Posteriormente, este acesso e as ruas estreitas não conseguiam suprir a quantidade de veículos, cada vez maior. Então, na década de 1970, iniciou-se a construção do aterro da Baia centro-sul, afastando por quase 500 metros, as edificações históricas do mar. O aterro consistiu numa mudança em prol do transporte rodoviário e demonstra, também, uma mudança na vida econômica da capital catarinense, na qual o porto já Figura 56. Figura 57. Figura 58.

Centro de Florianópolis início do séc XX Construção do Aterro da Baía Sul Vista aérea do centro histórico de Florianópolis


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não supria as necessidades e interesses econômicos da cidade. Com a abertura de grandes redes de lojas e estabelecimentos comerciais nos pavimentos térreos dos edifícios históricos, o Centro , que até a década de 1970, era comercial e residencial, passou a ter um caráter predominantemente comercial. Nota-se que o fluxo de pessoas coincide com o horário comercial das lojas e serviços, deixando-o praticamente deserto nos períodos noturnos e nos finais de semana, como atestam os depoimentos dos entrevistados. Consigo falar com propriedade a respeito dos últimos 15 anos. Reparo algumas mudanças, porém não tão grandes. Há a construção e reforma de alguns edifícios, mudanças em algumas ruas (como a Vidal Ramos). As maiores mudanças são caracterizadas pelo comércio, vitrines e fachadas no térreo. (Entrevistado 1) Sou muito jovem para perceber mudanças muito drásticas, mas na minha opinião (e pelo que conheço da história da cidade) o centro tem se descaracterizado lentamente, perdendo seu valor como lugar de comércio local, interação social e democrática e tornando-se um local de uso restrito apenas em alguns horários do dia/semana, tornando-se até mesmo

perigoso em outros horários e inclusive transformando-se em um local apenas de trabalho e não mais de lazer, como costumava ser. (Entrevistado 2)

A Casa da Alfândega e o Mercado Público possuíam forte relação com as águas da Baia, uma vez que estas eram as portas de entrada para a cidade e local de movimentado comércio, por onde mercadorias e pessoas circulavam. No vão livre do Mercado, que antigamente fora a solução encontrada para a carga e descarga de mercadorias, agora é espaço para mesas, cadeiras e guarda-sóis que dão suporte aos bares e à nova dinâmica do espaço urbano. Percebe-se também que a Praça XV de Novembro já passou por reformas e revitalizações e conta com mobiliário novo. Uma vez que a população mais jovem costuma se encontrar em outros espaços, o uso da praça também mudou, deixou de ser um local de encontros de forte relação com os fiéis da Catedral Metropolitana, e passou a ser local predominantemente de passagem e descanso nos intervalos do comércio. Pessoas de mais idade ainda mantém a tradição do encontro, é possível ob-


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servar idosos jogando o tradicional dominó e ocupando o local. Houve violentas mudanças. No início do século XX era comum os cinemas centrais próximos a à catedral, onde após as sessões, o povo vinha para a Praça XV conversar e passar o tempo. No TAC ocorriam as formaturas com bailes no Clube 12. Toda a vida se dava no centro. (Entrevistado 3)

Com a construção do aterro, a conformação tipicamente portuguesa foi descaracterizada, o aterro distanciou a praça quase que 500 metros das águas do mar. Além disto, muitos prédios históricos no centro possuem novos usos, é o caso da Casa da Câmara e Cadeia (antiga sede do Legislativo municipal) na Praça XV de Novembro, que data de 1780, após seis anos de abandono vai passar por um processo de restauração para “Tornarse o primeiro museu da Capital contando de forma interativa a história de Florianópolis.” (IPUF, 2013) A maioria dos entrevistados reconhece este dinamismo no Centro de Florianópolis. Apesar dos monumentos históricos possuírem novos usos, não sofreram pelo esquecimento e pela falta de sentido Figura 59. Figura 60. Figura 61.

Largo da Alfândega, início do séc XX Feira tradicional do Largo da Alfândega, séc XX Praça XV


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histórico, uma vez que 98% dos entrevistados afirmou que gostaria de guardar algum elemento do Centro para as gerações futuras, e quando os indagávamos, sempre surgiram referências a marcos do passado que contam a história da cidade, como Praça XV de Novembro, o Mercado Público e a Catedral Metropolitana. Assim, 85% dos entrevistados consideram o Centro como um lugar especial de Florianópolis. Entretanto, é possível notar alguns impactos negativos desta nova dinâmica do centro. Durante o dia, a variedade de sons é grande. Ouve-se pessoas caminhando, o barulho do trânsito é muito presente, o fluxo de pessoas, e até mesmo de músicos que tentam chamar atenção dos transeuntes, criam uma confusão sonora considerável. O mercado de peixe traz movimento na dinâmica do espaço, mantendo o local vivo e com muitas atividades, além de trazer novos odores agora já característicos do Centro - o cheiro de frutos do mar próximo ao mercado público é inconfundível. O aterro acabou por isolar toda essa região do Centro de seu principal motivador – o mar. Não se vê mais a relação de respeito perante este marco antes tão importante. Mesmo assim, o comércio tradicional de pescados ainda Figura 62. Figura 63. Figura 64.

Casa da Câmara e Cadeia Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência Tradicional Feira no Largo da Alfândega


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é presente na área central, mantendo-a viva e diversificada. Edifícios com alto gabarito criam bloqueio visual à igreja São Francisco que data de 1815, fazendo-a perder papel de destaque na paisagem. O Mar e o maciço do Morro da Cruz são fortíssimos elementos da paisagem natural que também são encobertos pelos grandes edifícios. A verticalização assustadora dos edifícios, impedem a visualização da paisagem. (Entrevistado 4)

A Catedral Metropolitana de Florianópolis ainda mantém forte suas características arquitetônicas tradicionais, entretanto, no interior da igreja a instalação de ar condicionado, som mecânico, câmeras de vigilância e televisores acabam por descaracterizar o ambiente do templo. As vivências que ocorrem no centro são expressivas, sendo um local amplamente vivenciado por artistas, músicos, transeuntes, comerciantes e trabalhadores que circulam diariamente pelo centro, mostram uma diversidade de classes sociais, estilos e “tribos”. Nas feiras de rua ocorre o comércio de hortaliças, frutas, carnes e laticínios dos produtores da região da Grande Florianópolis.

O mercado, além dos pescados, abriga estabelecimentos tradicionais, que oferecem pratos típicos servidos no local, aproveitando a atmosfera do centro. Há uma união dos sentidos e sabores. Nas vivências e afetos desenvolvidos, vê-se idosos jogando carta ou dominó nas mesas da praça. Muitos deles mantém a praça como ponto de encontro para conversas ao fim da tarde. A praça apresenta uma grande diversidade de público, de trabalhadores locais a turistas. O local de estudo apresenta relações sociais e afetivas integradas com o ambiente, que se demonstram como respostas peculiares ao processo histórico do lugar, definindo a rotina no centro. A qual é composta não só pelo trabalho e pelos encontros, mas também pelas práticas tradicionais. O centro ainda abriga grandes festas e comemorações. A catedral metropolitana e seu calendário proporcionam comemorações religiosas durante o ano. O Carnaval de rua movimenta as vias do centro de Florianópolis durante os dias de festa trazendo shows e desfiles, além dos eventos políticos.


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Figura 65.

Artista de rua do centro de Florian贸polis


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5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


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5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


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A forma urbana é o resultado de um trabalho coletivo de gerações. A História se exprime por meio das formas da arquitetura e da organização urbana. A permanência dos substratos históricos, adaptados às necessidades atuais, é que constitui o cerne da identidade de nossas cidades. Assim, a paisagem cultural, na tênue e frágil relação entre o material e o imaterial, entre as obras humanas e o meio natural, que se engendram para constituir essa nova categoria do patrimônio, demanda um novo olhar para o espaço urbano. Sua qualificação, admitindo e convivendo com o processo dinâmico das cidades, passa não só pelo uso e ocupação socialmente adequados, mas deve também se estruturar em consonância com ações de proteção e conservação da ambiência, entorno, meio social e natural que conformam os bens culturais. De acordo com o que preconiza a Portaria IPHAN (2009), “a chancela da Paisagem Cultural Brasileira valoriza a relação harmônica com a natureza, estimulando a dimensão afetiva com o território e tendo como premissa a qualidade de vida da população”. Em tempos de globalização e pasteurização das culturas, é saudável que se possam resguardar e valorizar contextos de vida singulares, que se estabelecem na relação harmônica do homem com a natureza (IPHAN, 2011). Santo Antonio de Lisboa e o Centro de Florianópolis, são ainda alguns desses lugares especiais, expressos em sua paisagem.


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73

6.

REFERÊNCIAS


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6.1.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAMS, B. Permanências, transformações e resgates na cidade de Florianópolis. Em: Atlas de Florianópolis (86 - 93). Florianópolis: IPUF, 2004. BERGER, Paulo. Ilha de Santa Catarina: relatos de viajantes estrangeiros nos seculos XVIII e XIX. 3. ed. rev. Florianópolis: Ed. da UFSC: Lunardelli, 1990. 334p. BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Cia. das Letras. 1992. BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. (2010). Censo. Disponível em: http://www.ibge.gov.br (Consulta: 05/12/2013). CASTRIOTA, L. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: IEDS, 2009. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade; UNESP, 2001. 282p. CLAVAL, Paul. A Geografia cultural. 3e. Florianópolis: UFSC, 2007. 453 p. FARIAS, V. F. Dos açores ao Brasil meridional: Uma viagem no tempo: povoamento, demografia, cultura, Açores e litoral catarinense. Florianópolis: Ed. do Autor, 1998. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Ed. Centauro, 2004. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN. (2009). Portaria n. 127, de 30 de abril de 2009: estabelece a chancela da paisagem cultural brasileira. Diário Oficial da União, dia 05 de maio de 2009, n 83, p.17. ______. Reflexões sobre a chancela da paisagem cultural brasileira. Brasília: IPHAN,2011.


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6.2.

LISTA DE FIGURAS E QUADROS

LISTA DE FIGURAS Figura 1. Figura 2. Figura 3. Figura 4. Figura 5. Figura 6. Figura 7. Figura 8. Figura 9. Figura 10. Figura 11. Figura 12. Figura 13. Figura 14. Figura 15. Figura 16. Figura 17. Figura 18. Figura 19. Figura 20. Figura 21. Figura 22. Figura 23. Figura 24. Figura 25. Figura 26. Figura 27. Figura 28. Figura 29. Figura 30. Figura 31. Figura 32. Figura 33. Figura 34. Figura 35.

Distrito sede de Florianópolis - Acervo PET/ARQ/UFSC  11 Embarcação na orla de Santo Antônio de Lisboa - Foto dos autores  12 Mapa rodoviário do município de Florianópolis - Prefeitura Municipal de Florianópolis  17 Praia Mole, Leste da Ilha - Foto dos autores  18 Vista aérea, Barra da Lagoa - Acervo da Casa da Memória  19 Vista aérea, Praia de Canasvieiras - Acervo da Casa da Memória  20 Vista aérea, Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição - Acervo da Casa da Memória  20 Vista aérea, Praia da Armação - Acervo da Casa da Memória  20 Vista áerea do Centro de Florianópolis - Acervo da Casa da Memória  22 Florianópolis imagem de satélite 1938 - Acervo IPUF  23 Florianópolis imagem de satélite 1957 - Acervo IPUF  23 Florianópolis imagem de satélite 1977 - Acervo IPUF  24 Florianópolis imagem de satélite 1994 - Acervo IPUF  24 Florianópolis imagem de satélite 2002 - Acervo IPUF  25 Etapa da construção da Ponte Hercílio Luz, iniciadas em 1922 - Acervo da Casa da Memória  30 Etapa da construção da Ponte Hercílio Luz, iniciadas em 1922 - Acervo da Casa da Memória  30 Etapa da construção da Ponte Hercílio Luz, iniciadas em 1922 - Acervo da Casa da Memória  30 Vista da Ponte Hercílio Luz, fases finais da construção - Acervo da Casa da Memória  33 Vista da Ponte Hercílio Luz, fases finais da construção - Acervo da Casa da Memória  33 Vista da Ponte Hercílio Luz - Acervo da Casa da Memória  33 Baía de Santo Antônio - Foto dos autores  35 Centro histórico de Santo Antônio - Foto dos autores  35 Vista da ponte Hercício Luz, 2014 - Foto dos autores  35 Vista da Baía de Santo Antônio - Foto dos autores  36 Bolsistas realizando pesquisa em campo - Foto de André Luiz  40 Bolsistas realizando pesquisa em campo - Foto de André Luiz  40 Bolsistas realizando pesquisa em campo - Foto de André Luiz  40 Mapeamento da área de estudo - Foto dos autores  41 Mapa do distrito de Santo Antônio de Lisboa - Produção dos autores  45 Baía de Santo Antônio - Foto dos autores  47 Baía de Santo Antônio, ponte Hercício Luz em perspectiva - Foto dos autores  47 Centro histórico de Santo Antônio de Lisboa - Foto dos autores  47 Igreja Nossa Senhora das Necessidades - Foto dos autores  48 Decks de madeira na orla de Santo Antônio - Foto dos autores  48 Prática da Maricultura - Foto dos autores  48

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Figura 36. Figura 37. Figura 38. Figura 39. Figura 40. Figura 41. Figura 42. Figura 43. Figura 44. Figura 45. Figura 46. Figura 47. Figura 48. Figura 49. Figura 50. Figura 51. Figura 52. Figura 53. Figura 54. Figura 55. Figura 56. Figura 57. Figura 58. Figura 59. Figura 60. Figura 61. Figura 62. Figura 63. Figura 64. Figura 65.

Privitização da orla pelas edificações - Foto dos autores  51 Privatização da orla por parte dos restaurantes - Foto dos autores  51 Feira de Artesanatos - Foto dos autores  51 Ofício da Maricultura - Foto dos autores  52 Mapeamento da abrangência espacial do distrito de Santo Antônio de Lisboa - Foto Autores  54 Enseada de Santo Antônio de Lisboa - Foto dos autores  55 Mapa do Centro de Florianópolis - Produção dos autores  56 Palácio Cruz e Souza, início do séc XX- Acervo Casa da Memória  57 Praça XV e entorno, Início do séc XX - Acervo Casa da Memória  57 Praça XV e Catedral Metropolitana, início séc XX - Acervo Casa da Memória  57 Morro da Cruz em destaque - Foto dos autores  58 Centro de Florianópolis Imediações do TICEN - Foto dos autores  58 Centro de Florianópolis - Foto dos autores  58 Av. Governador Gustavo Richard - Foto dos autores  59 TICEN - Foto dos autores  59 Feira do Largo da Alfândega - Foto dos autores  59 Mapeamento da abrangência espacial do Centro de Florianópolis - Produção dos autores  60 Praça XV - Foto de André Luiz  61 Mercado Público Municipal de Florianópolis - Foto de André Luiz  61 Rua Felipe Schmidt - Foto de André Luiz  61 Centro de Florianópolis início do Séc XX - Acervo Casa da Memória  62 Construção do Aterro da Baía Sul - Acervo Casa da Memória  62 Vista aérea do centro histórico de Florianópolis - Acervo Casa da Memória  62 Largo da Alfândega, início do séc XX - Acervo Casa da Memória  64 Feira tradicional do Largo da Alfândega, séc XX - Acervo Casa da Memória  64 Praça XV - Foto de André Luiz  64 Casa da Câmara e Cadeia - Acervo Casa da Memória  65 Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência - Foto dos Autores  65 Tradicional Feira no Largo da Alfândega - Foto dos Autores  65 Artista de rua do centro de Florianópolis - Foto dos Autores  67

LISTA DE QUADROS Quadro 01.

Planilha de análise de paisagem cultural. Elaboração dos autores


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7.

APÊNDICES


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7.1.

QUESTIONÁRIOS 7.1.1. QUESTIONÁRIO SANTO ANTÔNIO DE LISBOA

PESQUISA SOBRE PAISAGEM CULTURAL DE FLORIANÓPOLIS Suas respostas contribuirão para a Pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Educação Tutorial – PET do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, intitulada Inventário de Paisagem Cultural de Florianópolis.

NÚMERO DO ENTREVISTADO:_________ NOME (opcional):________________________________________________________ IDADE: ______________ LOCAL DE NASCIMENTO:_______________________________________________________________________ LOCAL ONDE MORA:__________________________________________________________________________

QUESTIONÁRIO 1. Quando você ouve a palavra “Santo Antônio de Lisboa”, qual a primeira coisa que lhe vem à cabeça? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 2. Você considera Santo Antônio de Lisboa um lugar especial? Por quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 3. Você acredita que algo ou algum elemento de Santo Antônio de Lisboa conta uma historia? Se sim, a história de quem ou do quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 4. Você consegue perceber se houve mudanças em Santo Antônio de Lisboa? Se sim, quais? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 5. Você acha que Santo Antônio de Lisboa corre o risco de perder sua memória, suas edificações, sua cara/identidade? Por quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________

6. Existe algo em Santo Antônio de Lisboa que você gostaria de guardar para seus filhos e netos? Se sim, o quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 7. Quais elementos que desvalorizamSanto Antônio de Lisboa? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 8. Com que frequência você vem a Santo Antônio de Lisboa? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ 9. Quais são suas principais atividades emSanto Antônio de Lisboa (trabalho, moradia, lazer, eventos, festividades)? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ 10. Para você, onde se inicia e onde termina Santo Antônio de Lisboa? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 11. Você poderia dizer (até) cinco palavras que na sua opinião caracterizam Santo Antônio de Lisboa? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ 12. Você poderia fazer um mapa esquemático do que é o Santo Antônio de Lisboa pra você?


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7.1.2. QUESTIONÁRIO CENTRO

PESQUISA SOBRE PAISAGEM CULTURAL DE FLORIANÓPOLIS Suas respostas contribuirão para a Pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Educação Tutorial – PET do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, intitulada Inventário de Paisagem Cultural de Florianópolis.

NÚMERO DO ENTREVISTADO:_________ NOME (opcional):________________________________________________________ IDADE: ______________ LOCAL DE NASCIMENTO:_______________________________________________________________________ LOCAL ONDE MORA (cidade/bairro):___________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ QUESTIONÁRIO 1. Quando você ouve a palavra “Centro” de Florianópolis, qual a primeira coisa que lhe vem à cabeça? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 2. Você considera o Centro um lugar especial? Por quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 3. Você acredita que algo ou algum elemento do Centro conta uma historia? Se sim, a história de quem ou do quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 4. Você consegue perceber se houve mudanças no Centro? Se sim, quais? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 5. Você acha que o Centro de Florianópolis corre o risco de perder sua memória, suas edificações, sua cara/identidade? Por quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________

6. Existe algo no Centro que você gostaria de guardar para seus filhos e netos? Se sim, o quê? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 7. Quais elementos que desvalorizam o Centro? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 8. Com que frequência você vem ao Centro? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 9. Quais são suas principais atividades no Centro (trabalho, moradia, lazer, eventos, festividades)? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 10. Para você, onde se inicia e onde termina o Centro? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 11. Você poderia dizer (até) cinco palavras que, na sua opinião, caracterizam o Centro? _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ 12. Você poderia fazer um mapa esquemático do que é o Centro pra você?


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7.2. ÍNDICE DE PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL O índice de preservação da Paisagem Cultural é um instrumento prático de avaliação que revela, quantitativamente, a necessidade de medidas para salvaguardar a Paisagem Cultural


85 85

ÍNDICE DE PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL 1

IDENTIFICAÇÃO

1.1

Identificar os limites e vistas da paisagem em estudo e sua abrangência. Localizar e georeferenciar os pontos, via GPS. Realizar registro fotográfico.

1.2

Registrar no mapa as características naturais relevantes e as edificações históricas, tombadas, ou significativas existentes, bem como os demais espaços construídos que dão identidade ao lugar. Realizar registro fotográfico.

1.3

Descrever práticas tradicionais ou simbólicas. Realizar registro fotográfico.

2

CARACTERIZAÇÃO Assinale os itens e some a pontuação

2.1

Características naturais relevantes (1) presença de características naturais relevantes (corpos d’agua, dunas, massa vegetal, formação rochosa, vistas panorâmicas, habitat de animais silvestres etc.) (0) ausência de características naturais relevantes.

2.2

Características do patrimônio edificado (1) presença de edificações e espaços construídos relevantes (edificações históricas, praças, monumentos, mobiliário, marcos etc.) (0) ausência de edificações e espaços construídos relevantes.

2.3

Características do patrimônio imaterial (1) presença de práticas tradicionais e simbólicas (festividades, crenças, rituais etc.) (0) ausência de práticas tradicionais e simbólicas Somatória *(S1)

Pontuação do item assinalado


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3

GRAU DE PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL Assinale os itens e some a pontuação

3.1

Grau de preservação das características naturais (1,5) em alto risco (1) vulnerável (0,5) necessita de medidas para manutenção (0) bem preservadas

3.2

Grau de preservação do patrimônio edificado (1,5) em alto risco (1) vulnerável (0,5) necessita de medidas para manutenção (0) bem preservado

3.3

Grau de preservação do patrimônio imaterial (1,5) em alto risco (1) vulnerável (0,5) necessita de medidas para manutenção (0) bem preservado

Pontuação do item assinalado

Somatória *(S2)

4

ÍNDICE DE PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL TOTAL *(S1 + S2) (de 0 a 7,5)

Resultado


7.3.

PUBLICAÇÕES 7.3.1. Artigo - 12º ENEPEA - Menção honrosa O artigo a seguir foi publicado no 12º Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, sediado em Vitória, Espírito Santo, entre os dias 26 e 30 de agosto de 2014. O artigo também recebeu menção honrosa no Concurso Nacional de Artigos de Iniciação Científica para Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, realizado durante o evento.

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88

INVENTÁRIO DE PAISAGEM CULTURAL DE FLORIANÓPOLIS CAMARGO, G. V. B. (1); STORCHI, M. (2); NÓR, S.(3)

(1)Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET, Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFSC, gvillasc@gmail.com (2)Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET, Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFSC, mauriciostorchi@gmail.com (3) Professora Orientadora, Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFSC, soraya@arq.ufsc.com

Resumo: A presente pesquisa objetiva inventariar a paisagem cultural de Florianópolis, localizada na região sul do Brasil. A intensificação da urbanização e da atividade turística, acompanhada da crescente pressão do capital imobiliário têm acarretado transformações socioespaciais que passaram a ameaçar a manutenção de sua identidade cultural. A paisagem cultural apresenta‐se como um instrumento revelador dos modos de viver e conceber a vida, ancorados no processo histórico de produção e interação com o meio natural. A partir dessa abordagem conceitual, está sendo desenvolvido procedimento metodológico para identificação e mapeamento das áreas de interesse e valor paisagístico.Pretende‐se contribuir para novas formas de planejamento e gestão da cidade, no sentido de promover a conservação da natureza e dos marcos edificados (patrimônio material) e a evocação do passado de forma reflexiva, ao valorizar a memória urbana de modo a manter uma identidade social presente e viva (patrimônio imaterial).

Palavras‐chave: cidade; cultura; paisagem. 1

2

ÁREA DE ESTUDO

O município de Florianópolis, com população de 421.240 habitantes (IBGE, 2010), é formado pela Ilha de Santa Catarina (439 km²) e por uma parte continental (12 km²), banhadas pelo Oceano Atlântico e separadas por um estreito canal de cerca de 500 metros de largura, que conforma duas baias de águas calmas, uma ao norte e outra ao sul (IPUF, 2002).

Florianópolis possui ambiente natural bastante diversificado, resultante do contraste entre planícies e elevações montanhosas. A ilha, com quase uma centena de praias, compostas por enseadas, costões, promontórios e restingas é conformada por dois maciços montanhosos, com encostas verdes destacadas na paisagem litorânea (IPUF, 2002).

No século XVIII, a Ilha de Santa Catarina passou a integrar o projeto de expansão colonial de Portugal na região sul do Brasil, com a vinda de imigrantes dos Arquipélagos dos Açores, iniciando o processo de formação socioespacial do litoral. Os açorianos trouxeram uma bagagem de tradições, conhecimentos e costumes, os quais foram adaptados às condições ambientais locais, na consolidação do processo povoador na região (FARIAS, 1998).

Na Ilha de Santa Catarina, os núcleos populacionais que se formaram com a colonização açoriana, a partir de 1748, têm como base o modelo colonial luso‐brasileiro, evidenciado em sua arquitetura e traçado urbano. A população mais antiga desses núcleos conserva ainda hábitos e tradições herdados da cultura açoriana, expressos na pesca, culinária, religiosidade, artesanato e festas populares (VEIGA, 2004).

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta aspectos da pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Programa de Educação Tutorial ‐ PET do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina ‐ UFSC, a referida pesquisa destina‐se a promover a identificação e conservação de paisagens culturais na cidade de Florianópolis ‐ SC, localizada na região sul do Brasil.

No contexto do planejamento e da gestão urbana de cidades turísticas brasileiras, como é o caso de Florianópolis, o poder público tem sido fortemente pressionado pelos interesses econômicos, como resultado verifica‐se baixa prioridade à manutenção do patrimônio histórico e da paisagem, gerando um contínuo processo de degradação da natureza, perda dos vestígios culturais e descaracterização de populações tradicionais (NÓR, 2010).

Esse processo de renovação urbana acelerada, muitas vezes, acaba por destruir os suportes da memória coletiva, podendo causar a falta de identidade e afetividade com lugares urbanos, uma vez que “os fenômenos de expansão urbana, globalização e massificação das paisagens urbanas e rurais colocam em risco contextos de vida e tradições locais em todo o planeta” (IPHAN, 2011:3).

Como forma de identificar, valorizar e conservar as áreas de interesse paisagístico na cidade de Florianópolis está sendo desenvolvida a atual pesquisa, que se propõe a desenvolver procedimentos para inventariar a paisagem cultural no âmbito de estudo do espaço urbano, com intuito de contribuir para novas formas de planejamento e gestão da cidade, que contemplem a conservação dessas áreas relevantes.

Entretanto, a intensificação do adensamento populacional e da atividade turística em Florianópolis, aliados à crescente pressão do capital imobiliário, especialmente, a partir do final do século XX, vem modificando a paisagem da cidade, com urbanização acelerada, trânsito intenso de veículos, aterros para ampliação do sistema viário e verticalização, com edifícios acima de 15 pavimentos. Assim, a cidade tem sofrido uma perda sistemática dos referenciais urbanos que materializaram sua história, bem como das belezas naturais que singularizam seu sítio.

A mudança das relações volumétricas da cidade tem sido marcante. A altura das novas edificações promove a perda substancial da relação de escala com o patrimônio edificado, os elementos que outrora eram dominantes na paisagem, hoje sucumbem ao novo cenário (ADAMS, 2004).

Para o estudo proposto, como etapa inicial, está sendo analisada uma das áreas urbanas de Florianópolis, o distrito de Santo Antônio de Lisboa, um dos núcleos populacionais que ainda preserva características urbanas que guardam uma relação forte com o patrimônio natural e edificado. O objetivo desta etapa (piloto) da pesquisa foi elaborar e aplicar os indicadores de paisagem cultural nesse lugar, para que se possa desenvolver a análise em outras áreas do município.

3 PAISAGEM CULTURAL Para melhor compreender o conceito de paisagem cultural é oportuna uma breve abordagem sobre as noções de cultura e de paisagem, associadas ao patrimônio. Para Santos (1985), a paisagem e a cultura transformam‐se, vinculadas uma à outra.

1

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A palavra cultura advém do latim, verbo “colo”, que significa “eu moro”, “eu ocupo a terra” e, por extensão, eu cultivo o campo (BOSI, 1992). A partir dessa origem, é possível estabelecer uma conexão entre cultura e a dimensão espacial do lugar e da paisagem.

qual é percebida por um indivíduo, ou por uma comunidade, testemunhando, do passado ao presente, o relacionamento entre o homem e seu meio ambiente. Possibilitando, a partir de sua observação, especificar culturas e locais, sensibilidades, práticas, crenças e tradições.

Entende‐se, atualmente, cultura como a conjugação dos modos de ser, viver, pensar e falar de uma dada formação social, ou ainda, como todo o conhecimento que uma sociedade tem de si mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material em que vive e sobre sua própria existência (BOSI, 1992; SANTOS, 1997).

A UNESCO apresentou, em 1999, nas diretrizes operacionais para a Convenção do Patrimônio Mundial, a ideia de paisagem cultural da seguinte maneira:

Assim, a cultura pode ser definida como o conjunto de características distintas, espirituais e materiais, intelectuais e afetivas, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, que abrange, além das artes e letras, seus modos de viver, sistemas de valor, tradições e crenças (UNESCO, 2002).

A paisagem, por sua vez, ao ser produzida pela atividade transformadora do homem, reproduz sua concepção de habitar, trabalhar e viver, como fruto de um determinado momento do desenvolvimento social. Desse modo, seus conteúdos humanos – sociais e econômicos exprimem funções antigas que, mesmo desaparecidas, podem marcar a paisagem atual (SANTOS, 1999).

Além da ação, o homem cria também a paisagem como uma forma intelectual, na qual os grupos sociais percebem, interpretam e constroem marcos significativos e simbólicos, segundo sua concepção cultural (SCHIER, 2003; CLAVAL 2007). Desse modo, a concepção de paisagem ultrapassa a dimensão visual concreta e passa a incorporar História, relações, valores e símbolos inerentes à cultura dos grupos sociais, podendo mesmo ser permeada pela subjetividade do observador. Assim, a paisagem não reside somente no objeto e nem somente no sujeito, mas é engendrada em sua complexa interação.

O patrimônio cultural consiste nas referências consideradas como representativas de diferentes grupos sociais. Os bens culturais expressam os processos de produção e reprodução da vida, bem como os mecanismos que articulam esses processos à formação da memória social de um povo.

A noção de patrimônio tem adquirido, ao longo do tempo, novos significados e ampliado sua abrangência, refletindo a incorporação de novas visões a respeito de cultura, com o reconhecimento da diversidade cultural e a valorização do vernacular e do contemporâneo (CHOAY, 2001). Como integrante dessa expansão destaca‐se a categoria de patrimônio imaterial, que reconheceu a existência e a necessidade de salvaguarda do conjunto das realizações humanas, em diversas expressões, superando a atuação preservacionista de outrora voltada prioritariamente para o tombamento dos bens materiais, os chamados “de pedra e cal” – igrejas, fortes, pontes, prédios e conjuntos urbanos representativos de estilos arquitetônicos específicos.

Na esfera da ampliação do conceito de patrimônio, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) ‐ UNESCO passou a abordar, desde 1990, a ideia de paisagem cultural, combinando aspectos materiais e imateriais, aliados à interação entre o homem e a natureza, sendo que a categoria de paisagem cultural foi consolidada pelo Comitê do Patrimônio Mundial, em Santa Fé (EUA), em 1992 (CASTRIOTA, 2009). No documento denominado “Recomendação da Europa” para a conservação das áreas de paisagens culturais, elaborado em 1995, paisagem cultural foi caracterizada pela maneira pela 3

Paisagens culturais representam o trabalho combinado da natureza e do homem [...] são ilustrativas da evolução da sociedade e dos assentamentos humanos ao longo do tempo, sob a influência das determinantes físicas e/ou oportunidades apresentadas por seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto internas, quanto externas. Elas deveriam ser selecionadas com base tanto em seu extraordinário valor universal e sua representatividade em termos de região geocultural claramente definida, quanto por sua capacidade de ilustrar os elementos culturais essenciais e distintos daquelas regiões (UNESCO, 1999).

No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ‐ IPHAN, em 2009, definiu como paisagem cultural brasileira a “porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas, ou atribuíram valores” (IPHAN, 2009).

Nessas concepções sobre paisagem cultural, como categoria de patrimônio, estão sendo consideradas as formas de viver e de se relacionar com o meio ambiente, evidenciando os sítios históricos, os sistemas de uso da terra e o conhecimento tradicional, que se entrelaçam na conformação dos lugares e seu tecido social, revelando aspectos estéticos, simbólicos, espirituais, funcionais e ecológicos.

No processo de identificação e avaliação da paisagem cultural consideram‐se os modos de conceber a vida das populações locais, com atenção para os marcos e as permanências do processo histórico de produção e de interação com o meio natural. Assim, nas áreas de estudo, os pesquisadores devem procurar relacionar a importância da preservação da natureza, de edificações e sítios significativos (patrimônio material), na medida em que possibilitem e a evocação do passado de forma reflexiva, valorizando a memória urbana de modo a manter uma identidade social presente e viva (patrimônio imaterial) (SANTOS,1997; CASTRIOTA, 2009).

4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE Está sendo desenvolvido, como parte integrante da presente pesquisa, um procedimento metodológico para identificação e mapeamento das áreas de interesse e valor paisagístico em Florianópolis. Para tanto, estão sendo elaborados critérios de análise, capazes de identificar qualidades consideradas inerentes às paisagens culturais.

Inicialmente, selecionou‐se uma área piloto no meio urbano de Florianópolis, considerada peculiar, ou seja, que se diferencia, se ressalta ou se particulariza (IPHAN, 2011) – o Distrito de Santo Antonio de Lisboa. Estudou‐se, por meio de pesquisa bibliográfica, o contexto histórico de seu desenvolvimento e procurou‐se compreender sua conformação atual. Após, realizaram‐ se análises em campo a fim de qualificar essa área como pertencente, ou não, à classificação de paisagem cultural, bem como para aferição dos instrumentos de avaliação.

A primeira parte do trabalho de campo consistiu na exploração livre, com caráter intuitivo, focada na percepção dos elementos desta paisagem pelos pesquisadores e por pessoas entrevistadas no local. Esta percepção é em grande parte subjetiva e pode ser explorada pelos diversos sentidos (visão, audição, olfato, etc.).

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Na segunda parte, aplicaram‐se os critérios de análise estabelecidos, sintetizados em uma planilha, na qual se registraram os aspectos pertinentes, com base nos conceitos teóricos que embasam a pesquisa. As impressões e análises foram também registradas por fotografias, croquis e desenhos. Posteriormente, a equipe de estudo debateu os resultados e impressões para elaboração dos registros e relatórios.

d) Impactos negativos na

Partindo‐se da revisão bibliográfica, elaborou‐se a planilha que auxilia o trabalho em campo para identificação de paisagens culturais. Esta planilha divide‐se em três momentos do levantamento, o primeiro explora questões mais concretas e aspectos imediatamente perceptíveis na paisagem; o segundo, questões mais subjetivas e, no terceiro momento, realiza‐se a junção de todo o material registrado, conformando a caracterização da área analisada. Considerando que um mesmo espaço pode ser percebido de formas diferentes, estabelece‐se, posteriormente, o debate sobre os resultados de cada pesquisador e as reflexões sobre a avaliação realizada.

paisagem 2º Momento a) Vivências e afetos

Cada momento da análise é realizado por meio de subdivisões que objetivam facilitar o trabalho em campo. Lembrando que essa separação não existe na prática, é apenas uma estratégia metodológica para facilitar a melhor compreensão do objeto de estudo.

O primeiro momento é subdividido em quatro aspectos a serem identificados: limites e vistas; marcos na paisagem, dinâmica socioespacial e impactos negativos na paisagem. No segundo momento de análise há a avaliação de dois aspectos relativos ao patrimônio imaterial, como observação de vivências e afetos e existência de indícios de práticas tradicionais e simbólicas. No terceiro momento, realiza‐se a junção dos momentos precedentes, comparam‐se os resultados, e a partir da reflexão em equipe, pode haver complementações e recomendações sobre os aspectos avaliados.

b) Práticas tradicionais e simbólicas 3º Momento a) Relacionar os aspectos materiais e imateriais

O quadro de “Critérios de análise da paisagem cultural”, apresentado a seguir, foi concebido e aprimorado ao longo do estudo, no sentido de orientar os pesquisadores em relação ao que deve ser observado durante a análise, sendo sempre possível realizar ampliações, modificações e adaptações durante a pesquisa, de modo a aperfeiçoar a avaliação.

b) Considerações

assentamentos. Verificar como o homem imprimiu marcas de suas ações e formas de expressão, associados aos diferentes tempos e como se deu sua interação com o espaço natural, ao longo dessa trajetória. Analisar as interferências de novos elementos urbanos e seu potencial de causar impacto visual, sonoro, olfativo na paisagem. Consideram‐se impacto as alterações no meio urbano resultantes das atividades, que direta, ou indiretamente, afetem as atividades sociais, culturais e econômicas, bem como as condições estéticas e paisagísticas deste meio (Nór, 2010). Considerar se o local de estudo apresenta relações sociais e afetivas integradas com o ambiente e que se demonstrem como respostas peculiares ao meio natural e à história, os quais interfiram nos modos de vida locais, definindo‐os. Identificar se existe um processo histórico compartilhado na conformação do lugar. As pessoas que moram naquele espaço têm relação de afeto/respeito/orgulho relacionados ao lugar? Existem ainda vivências peculiares naquele espaço? Quão significantes são elas? O local analisado evidencia relações entre o ambiente natural, o trabalho e a moradia de seus habitantes? Qual o grau de interação entre estes fatores e o quão são dependentes entre si? Verificar se ocorrem festas, cultos, crenças, rituais, ofícios tradicionais ou simbólicos do local de estudo. Estas práticas contribuem para a identidade e memória coletiva da população local? Realizar a correspondência entre os aspectos analisados, identificando sua complementaridade. Possibilitar o entendimento das relações entre homem, sua cultura e o ambiente natural. Avaliar a existência de potenciais impactos negativos e a vulnerabilidade da paisagem cultural analisada. Propor medidas ou recomendações, se pertinente.

Quadro 1 ‐ Critérios de análise de paisagem cultural.

Os critérios de análise foram aplicados na área de estudo piloto de Santo Antônio de Lisboa e os resultados irão subsidiar as etapas seguintes da pesquisa, em outras áreas de estudo consideradas igualmente relevantes.

Critérios de Análise 1º Momento a) Limites e vistas b) Marcos na paisagem

c)

Dinâmica socioespacial

Identificar os limites e vistas da paisagem em estudo, levando em consideração, por exemplo, a presença ou a ausência de destaques na topografia, massas vegetais, corpos d’água, vistas panorâmicas, etc. Ilustrar com fotografias e croquis. Registrar as edificações históricas, tombadas, ou significativas existentes, bem como os demais marcos físicos que dão identidade ao lugar, como praças, monumentos, equipamentos, mobiliário urbano, etc. Neste item deve‐se avaliar o grau de autenticidade histórica, comprovando se o que homem construiu é produto de uma experiência vivida, de um valor cultural próprio e autêntico, distinguindo de eventuais simulacros, pastiches, imitações recentes de estilos arquitetônicos históricos. Ilustrar com fotografias e croquis. Considerar a dinamicidade da cultura e a contínua evolução da sociedade impressa no local de estudo, reconhecendo e admitindo as mudanças inerentes à evolução humana e de seus

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5 RESULTADOS PRELIMINARES DA ÁREA ESTUDADA Santo Antônio de Lisboa localiza‐se na porção noroeste da Ilha de Santa Catarina, na orla calma da Baia Norte e tem como pano de fundo morros com exuberante massa vegetal. O distrito possui área de 22,45 km² e população de 6.343 habitantes (IBGE, 2010). Mantém um dos conjuntos arquitetônicos mais representativos da fase de colonização portuguesa do litoral sul brasileiro, remanescente dos séculos XVIII e XIX, com destaque para a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, construída em 1756.

Florianópolis, em virtude do acelerado processo de expansão, tem sofrido crescente descaracterização pela baixa qualidade da ambiência urbana e por uma arquitetura despersonalizada dos anos recentes, como ocorre em diversas outras cidades do país.

Nas últimas décadas, Santo Antônio de Lisboa têm vivenciado um expressivo crescimento populacional, com ampliação da área residencial, onde predominam edificações unifamiliares.

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A atividade turística tem se destacado, especialmente pela implantação de lojas de artesanato e restaurantes ao longo da orla, transformando o lugar numa referência da gastronomia a base de frutos do mar, aliando o preparo de pratos tradicionais a novas receitas, que surgiram com o desenvolvimento do cultivo de ostras e mariscos, em virtude de um projeto de desenvolvimento socioeconômico, que teve inicio na década de 1980.

do aumento constante de transito de veículos, que vem dificultando a circulação pelas ruas antigas e estreitas do local.

No desenvolvimento da fase inicial da pesquisa, após o estudo prévio da história do Distrito de Santo Antonio de Lisboa, partiu‐se para a análise de campo auxiliada pela planilha de critérios de análise da paisagem cultural.

No segundo momento de análise, observou‐se que as vivências e os afetos são bem fortes em Santo Antônio de Lisboa. Veem‐se pessoas saindo para o trabalho no mar em pequenos barcos, mantendo a tradição da pesca, associada ao mais recente cultivo de ostras e mariscos. Pequenas embarcações estão sempre se movimentando em frente à orla, numa relação estreita entre o homem e o meio ambiente. As marés, correntes marítimas, fases da lua e regime dos ventos fazem parte do conhecimento, das conversas e do cotidiano dos habitantes.

Seguindo a metodologia adotada, iniciou‐se pela exploração com base no primeiro momento dos critérios, identificando o mar como elemento natural de maior destaque que demarca a paisagem estudada, delimitando as construções e o traçado das ruas, as quais contornam a orla suave de águas calmas da baia. Os limites e vistas são também marcados por grande presença de massas vegetais, a Mata Atlântica encobre boa parte das elevações que conformam o espaço de estudo.

Observa‐se também, ao longo da orla, a importância do convívio e da contemplação do mar, entre os moradores e visitantes, numa relação de afeto com o lugar e ambiente natural. Nas ruas, bares, escadarias da igreja, decks da orla e praças é possível notar rodas de amigos, encontros, pessoas sentadas de frente para o mar, pintores e fotógrafos retratando a paisagem. Vivencia‐se uma espécie de volta no tempo, propiciada pela calma e ritmo tranquilo da vida local.

A brisa marinha, o barulho das pequenas ondas, as embarcações oscilando e as estruturas das “fazendas” de ostras e mariscos, que submergem em alguns pontos, configuram a paisagem local.

A igreja é ainda amplamente vivenciada, uma vez que possui uma carga de identidade com a população local muito forte, evidenciada na manutenção das práticas religiosas, com missas semanais, com grande envolvimento dos moradores em preparativos e participação de almoços e jantares da paroquia, bem como nas festas tradicionais, como a Festa do Divino Espírito Santo, que movimenta a comunidade durante o ano, continuando uma antiga tradição dos Açores.

Na orla, em direção ao horizonte, avista‐se o perfil das distantes edificações da área central e tem‐se uma visão privilegiada da silhueta da Ponte Hercílio Luz, que faz ligação da Ilha com o continente e consiste num dos mais importantes símbolos de Florianópolis.

O casario de arquitetura luso‐brasileira, a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades implantada em uma elevação, alinhada com a Praça Getúlio Vargas e com o mar, conformam uma configuração urbana característica da colonização portuguesa. Há ainda trecho remanescente da primeira rua calçada do Estado, na Praça Roldão da Rocha Pires, e a fachada da casa onde se hospedou o imperador D. Pedro II, elementos que compõem o patrimônio histórico do distrito.

Pode se observar também a evolução da sociedade impressa em Santo Antônio de Lisboa, por meio da nova pavimentação das vias que dão acesso ao distrito, bem como por edificações de arquitetura mais recente surgem em meio aos prédios históricos, mas que ainda mantêm os gabaritos baixos, preservando a relação volumétrica. Mobiliário urbano, como decks de madeira, instalados nos últimos anos ao longo da orla, criam espaços de convívio em meio à rota gastronômica.

A maricultura garantiu a permanência da relação do homem com o mar, como meio de subsistência das comunidades tradicionais do distrito, visto que a atividade pesqueira encontrava‐se em decadência. A implantação do projeto, além de atender questões socioeconômicas da comunidade, criou um novo atrativo turístico propiciando a instalação de restaurantes, que vem sofisticando o atendimento a um público de poder aquisitivo cada vez mais elevado.

Entretanto, pode‐se também observar que essa rota gastronômica está fazendo com que os restaurantes ocupem gradativamente a orla, praticamente privatizando‐a e obstruindo a visão do mar a partir da via que o margeia, constituindo um impacto negativo. Os restaurantes promovem‐se a partir da valorização da bela paisagem natural, a qual passa a ser vista apenas do interior dos recintos. Para quem caminha pela praia têm‐se, muitas vezes, a visão dos fundos dos estabelecimentos e os odores das cozinhas, descaracterizando o ambiente. Além 7

A comunidade participa e perpetua as lendas e tradições herdadas dos seus antepassados, fazendo com que cada data comemorativa se torne uma rica experiência para os moradores, que confirmam e estreitam as relações sociais, atraindo visitantes. Existem representações e danças típicas do folclore local, como o “Boi‐de‐Mamão, Maricota, Bernunça, Pau de Fita”, que costumam ser exibidos nas festas populares.

A linguagem é também um importante bem imaterial que representa a tradição, por meio do sotaque, expressões e denominações peculiares, que continuam bem presentes e marcantes em Santo Antônio de Lisboa. Percebe‐se também que existem rivalidades discretas e comparações com os demais distritos de Florianópolis, as quais são resultado de um sentimento de pertencimento ao lugar, de identidade e, de certa forma, fortalecem os laços na comunidade.

No terceiro momento, analisaram‐se os dados coletados na medida em que proporcionam relações entre o homem, sua cultura e o ambiente natural, a fim de, finalmente, classificar a área como paisagem cultural. Pois, segundo o IPHAN (2011:3) “Nos sítios onde são constatadas as singularidades materiais de determinada área, somadas à sua relação intrínseca com a natureza e ao caráter dinâmico no convívio com o elemento humano, aí então caberá a chancela da Paisagem Cultural”.

Constatou‐se que o patrimônio material e imaterial, como elementos de alusão à história local, permanecem vivos e valorizados. Mesmo no fluxo da contínua evolução do distrito, em sua dinamicidade, estão mantidas as características essenciais do lugar, sua relação com o espaço natural, com as tradições, seus modos de produzir e conceber a vida. Assim, o estudo realizado nos induz a caracterizar Santo Antônio de Lisboa como uma das áreas que abriga a “paisagem cultural” de Florianópolis, merecendo cuidados por parte da gestão urbana, com necessária participação da população local, para sua manutenção e conservação.

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Ao mesmo tempo, identificou‐se a tendência de verticalização das edificações no distrito, que já se avizinha do núcleo histórico de Santo Antonio de Lisboa, ameaçando a relação de escala volumétrica do lugar, bem como a crescente presença de empreendimentos imobiliários que constroem condomínios residenciais unifamiliares, fechados por grandes muros, que interrompem e segmentam a malha, rompendo as relações com os espaços públicos, segregando e elitizando a ocupação urbana.

Considera‐se importante que o poder público possa prevenir eventuais impactos nas paisagens culturais, avaliando previamente interferências capazes de causar obstrução visual, bloqueio de ângulos de visão, descaracterização da ambiência urbana, efeitos nocivos na rotina e no padrão de vida da população, perda de referências históricas/culturais e comprometimento de renda e produção (NÓR, 2010).

Para tanto, recomenda‐se que novas propostas de intervenção em áreas assim classificadas devam ser submetidas a estudos específicos, que possam limitar ou indicar adequações a projetos, propondo medidas mitigadoras compensatórias ou preventivas.

Desse modo, como contribuição da presente pesquisa, considera‐se pertinente indicar ao poder publico que o Distrito de Santo Antônio de Lisboa deva configurar no mapeamento de Florianópolis como área caracterizada de “paisagem cultural”, o que implica em adotar medidas de conservação cultural e na exigência de estudos prévios de impacto paisagístico para novos empreendimentos, ou intervenções no espaço urbano.

6 CONSIDERAÇÕES A forma urbana é o resultado de um trabalho coletivo de gerações. A História se exprime por meio das formas da arquitetura e da organização urbana. A permanência dos substratos históricos, adaptados às necessidades atuais, é que constitui o cerne da identidade de nossas cidades (ADAMS, 2004).

Os lugares são espaços onde grupos sociais contextualizam suas atividades e desenvolvem sua memória coletiva, para Milton Santos (1985), o homem guarda os lugares em suas emoções e lembranças, os quais também comparecem na formação do seu próprio ser.

Muitas vezes esta identidade, relacionada ao lugar, que traz um sentimento de pertencimento, está expressa na paisagem cultural, na tênue e frágil relação entre o material e o imaterial, entre as obras humanas e o meio natural, que se engendram para constituir essa nova categoria do patrimônio. Assim, a gestão desse bem patrimonial demanda um novo olhar para o espaço urbano. Sua qualificação, admitindo e convivendo com o processo dinâmico das cidades, passa não só pelo uso e ocupação socialmente adequados, mas deve também se estruturar em consonância com ações de proteção e conservação da ambiência, entorno, meio social e natural que conformam os bens culturais. De acordo com o que preconiza a Portaria IPHAN (2009), “a chancela da Paisagem Cultural Brasileira valoriza a relação harmônica com a natureza, estimulando a dimensão afetiva com o território e tendo como premissa a qualidade de vida da população”.

Em tempos de globalização e pasteurização das culturas, é saudável que se possam resguardar e valorizar contextos de vida singulares, que se estabelecem na relação harmônica do homem com a natureza (IPHAN, 2011). Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis, é ainda um desses lugares especiais. 7 REFERÊNCIAS ADAMS, B. (2004). Permanências, transformações e resgates na cidade de Florianópolis. Em: Atlas de Florianópolis (86 ‐ 93). Florianópolis: IPUF.

BOSI, A. (1992). Dialética da colonização. São Paulo: Cia. das Letras.

CASTRIOTA, L. (2009). Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: IEDS.

CHOAY, F. (2001). A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP.

CLAVAL, P. (2007). A Geografia cultural. Florianópolis: UFSC, 2007.

FARIAS, V. F. (1998). Dos açores ao Brasil meridional: Uma viagem no tempo: povoamento, demografia, cultura, Açores e litoral catarinense. Florianópolis: Ed. do Autor.

INSTITUTO DE PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS – IPUF. (2002). Gestão e controle da urbanização em cidades turísticas. Florianópolis: IPUF.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL ‐ IPHAN. (2009). Portaria n. 127, de 30 de abril de 2009: estabelece a chancela da paisagem cultural brasileira. Diário Oficial da União, dia 05 de maio de 2009, n 83, p.17.

______ (2011). Reflexões sobre a chancela da paisagem cultural brasileira. Brasília: IPHAN.

NÓR, S. (2010). Paisagem e lugar como referências culturais. Tese (Doutorado em Geografia) ‐ Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina.

SANTOS, M. (1985). Espaço e método. São Paulo: Nobel.

______ (1997). Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec. ______ (1999). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec.

SCHIER, R. A. (2003). Trajetórias do conceito de paisagem na Geografia. Revista RA’E GA, n.7 (79‐85). Curitiba: Editora UFPR.

VEIGA, E. (2004). Análise histórico‐cultural do município de Florianópolis. Em: Atlas de Florianópolis (79‐85). Florianópolis: IPUF.

1.1.

FONTES ELETRÔNICAS

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA ‐ IBGE. (2010). Censo. Disponível em: http://www.ibge.gov.br (Consulta: 05/12/2013).

UNESCO. Convenção do Patrimônio Mundial. (1999). Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>. (Consulta: 23/03/2012). ______. Declaração universal sobre a diversidade cultural (2002). Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf. (Consulta: 05/12/2013).

Em Santo Antônio de Lisboa, como em demais localidades, considera‐se que estudos específicos sobre conservação e valorização cultual, bem como estudos de impactos na paisagem cultural devam ser elaborados, a fim de garantir a permanência da memoria coletiva e da identidade urbana, permitindo que o patrimônio paisagístico perdure.

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7.3.2. Artigo 3º Colóquio Ibero-americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto O artigo a seguir foi publicado no 3º Colóquio Ibero-americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto, sediado em Belo Horizonte, Minas Gerais, entre os dias 15 e 17 de setembro de 2014. de Iniciação Científica para Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, realizado

CAMINHOS PARA A IDENTIFICAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL Projeto piloto em Santo Antônio de Lisboa, SC - Florianópolis

CAMARGO, GABRIEL. V. B. (1); STORCHI, MAURÍCIO (2); NÓR, SORAYA (3) 1. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. rua Capitão Romualdo de Barros, 998 blA ap 401. Carvoeira, Florianópolis - SC gvillasc@gmail.com 2. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Departamento de Arquitetura e Urbanismo, rua João Pio Duarte Silva, 404 bl1 ap 108. Córrego Grande, Florianópolis - SC mauriciostorchi@gmail.com 3. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Departamento de Arquitetura e Urbanismo, soraya@arq.ufsc.br

RESUMO A presente pesquisa objetiva inventariar a paisagem cultural de Florianópolis, localizada na região sul do Brasil. A intensificação da urbanização e da atividade turística, acompanhada da crescente pressão do capital imobiliário têm acarretado transformações socioespaciais que passaram a ameaçar a manutenção de sua identidade cultural. A paisagem cultural apresenta-se como um instrumento revelador dos modos de viver e conceber a vida, ancorados no processo histórico de produção e interação com o meio natural. A partir dessa abordagem conceitual, está sendo desenvolvido procedimento metodológico para identificação e mapeamento das áreas de interesse e valor paisagístico. Pretende-se contribuir para novas formas de planejamento e gestão da cidade, no sentido de promover a conservação da natureza e dos marcos edificados (patrimônio material) e a evocação do passado de forma reflexiva, ao valorizar a memória urbana de modo a manter uma identidade social presente e viva (patrimônio imaterial).

Palavras-chave: cidade; cultura; paisagem;


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1. INTRODUÇÃO

Figura 1: Florianópolis - Ilha e porção continental, destaque Santo Antonio de Lisboa.

O presente artigo apresenta aspectos da pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Programa de Educação Tutorial - PET do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da

Santo Antônio de Lisboa

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, a referida pesquisa destina-se a traçar possíveis caminhos e sugestões que visam a identificação e conservação de paisagens culturais na cidade de Florianópolis - SC, localizada na região sul do Brasil. No contexto do planejamento e da gestão urbana de cidades turísticas brasileiras, como é o caso de Florianópolis, o poder público tem sido fortemente pressionado pelos interesses econômicos, como resultado verifica-se baixa prioridade à manutenção do patrimônio histórico e da paisagem, gerando um contínuo processo de degradação da natureza, perda dos vestígios culturais e descaracterização de populações tradicionais (NÓR, 2010). Esse processo de renovação urbana acelerada, muitas vezes, acaba por destruir os suportes da memória coletiva, podendo causar a falta de identidade e afetividade com lugares urbanos, uma vez que “os fenômenos de expansão urbana, globalização e massificação das paisagens

Fonte: Prefeitura municipal de Florianópolis, adaptado pelos autores.

urbanas e rurais colocam em risco contextos de vida e tradições locais em todo o planeta”

Florianópolis possui ambiente natural bastante diversificado, resultante do contraste entre

(IPHAN, 2011, p.3).

planícies e elevações montanhosas. A ilha, com quase uma centena de praias, compostas por enseadas, costões, promontórios e restingas é conformada por dois maciços montanhosos,

Como possível forma de identificar, valorizar e conservar as áreas de interesse paisagístico na

com encostas verdes destacadas na paisagem litorânea (IPUF, 2002).

cidade de Florianópolis está sendo desenvolvida a atual pesquisa, que se propõe a desenvolver procedimentos para inventariar a paisagem cultural no âmbito de estudo do

No século XVIII, a Ilha de Santa Catarina passou a integrar o projeto de expansão colonial de

espaço urbano, com intuito de contribuir para novas formas de planejamento e gestão da

Portugal na região sul do Brasil, com a vinda de imigrantes dos Arquipélagos dos Açores,

cidade, que contemplem a conservação dessas áreas relevantes.

iniciando o processo de formação socioespacial do litoral. Os açorianos trouxeram uma

2. ÁREA DE ESTUDO

bagagem de tradições, conhecimentos e costumes, os quais foram adaptados às condições ambientais locais, na consolidação do processo povoador na região (FARIAS, 1998).

O município de Florianópolis, com população de 421.240 habitantes (IBGE, 2010), é formado

Na Ilha de Santa Catarina, os núcleos populacionais que se formaram com a colonização

pela Ilha de Santa Catarina (439 km²) e por uma parte continental (12 km²), banhadas pelo

açoriana, a partir de 1748, têm como base o modelo colonial luso-brasileiro, evidenciado em

Oceano Atlântico e separadas por um estreito canal de cerca de 500 metros de largura, que

sua arquitetura e traçado urbano. A população mais antiga desses núcleos conserva ainda

conforma duas baias, uma ao norte e outra ao sul (IPUF, 2002).

hábitos e tradições herdados da cultura açoriana, expressos na pesca, culinária, religiosidade, artesanato e festas populares (VEIGA, 2004). Entretanto, a intensificação do adensamento populacional e da atividade turística em Florianópolis, aliados à crescente pressão do capital imobiliário, especialmente, a partir do final do século XX, vem modificando a paisagem da cidade, com urbanização acelerada, transito intenso de veículos, aterros para ampliação do sistema viário e verticalização, com

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro


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edifícios acima de 15 pavimentos. Assim, a cidade tem sofrido uma perda sistemática dos

Entende-se, atualmente, cultura como a conjugação dos modos de ser, viver, pensar e falar de

referenciais urbanos que materializaram sua história, bem como das belezas naturais que

uma dada formação social, ou ainda, como todo o conhecimento que uma sociedade tem de si

singularizam seu sítio.

mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material em que vive e sobre sua própria

Para o estudo proposto, como fase inicial, está sendo analisada uma das áreas urbanas de

existência (BOSI, 1992; SANTOS, 1997).

Florianópolis, o distrito de Santo Antonio de Lisboa, um dos núcleos populacionais que ainda

Assim, a cultura pode ser definida como o conjunto de características distintas, espirituais e

preserva características urbanas que guardam uma relação forte com o patrimônio natural e

materiais, intelectuais e afetivas, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, que

edificado. O objetivo desta etapa (piloto) da pesquisa foi elaborar e aplicar os indicadores de

abrange, além das artes e letras, seus modos de viver, sistemas de valor, tradições e crenças

paisagem cultural nesse lugar, para que se possa desenvolver a análise em outras áreas do

(UNESCO, 2002).

município.

A paisagem, por sua vez, ao ser produzida pela atividade transformadora do homem, reproduz

Santo Antônio de Lisboa localiza-se na porção noroeste da Ilha de Santa Catarina, na orla da

sua concepção de habitar, trabalhar e viver, como fruto de um determinado momento do

Baia Norte e tem como pano de fundo os morros com exuberante massa vegetal. O distrito

desenvolvimento social. Desse modo, seus conteúdos humanos – sociais e econômicos –

possui área de 22,45 km² e população de 6.343 habitantes (IBGE, 2010). Mantém um dos

exprimem funções antigas que, mesmo desaparecidas, podem marcar a paisagem atual

conjuntos arquitetônicos mais representativos da fase de colonização portuguesa do litoral sul

(SANTOS, 1999).

brasileiro, remanescente dos séculos XVIII e XIX, com destaque para a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, construída em 1756.

Além da ação, o homem cria também a paisagem como uma forma intelectual, na qual os grupos sociais percebem, interpretam e constroem marcos significativos e simbólicos,

Nas últimas décadas, Santo Antônio de Lisboa têm vivenciado um expressivo crescimento

segundo sua concepção cultural (SCHIER, 2003; CLAVAL 2007). Desse modo, a concepção

populacional, com ampliação da área residencial, onde predominam edificações unifamiliares.

de paisagem ultrapassa a dimensão visual concreta e passa a incorporar História, relações,

A atividade turística tem se destacado, especialmente pela implantação de lojas de artesanato

valores e símbolos inerentes à cultura dos grupos sociais, podendo mesmo ser permeada

e restaurantes ao longo da orla, transformando o lugar numa referência da gastronomia a

pela subjetividade do observador. Assim, a paisagem não reside somente no objeto e nem

base de frutos do mar, aliando o preparo de pratos tradicionais a novas receitas, que vem

somente no sujeito, mas é engendrada em sua complexa interação (NÓR, 2013).

sofisticando o atendimento a um público de poder aquisitivo cada vez mais elevado.

O patrimônio cultural consiste nas referências consideradas como representativas de

A maricultura, com cultivo de ostras e mariscos, surgiu com a implantação, na década de

diferentes grupos sociais. Os bens culturais expressam os processos de produção e

1980, de um projeto que visou garantir a subsistência das comunidades tradicionais, em

reprodução da vida, bem como os mecanismos que articulam esses processos à formação da

virtude da decadência da pesca artesanal na ilha.

memória social de um povo.

3. PAISAGEM CULTURAL

A noção de patrimônio tem adquirido, ao longo do tempo, novos significados e ampliado sua abrangência, refletindo a incorporação de novas visões a respeito de cultura, com o

Para melhor compreender o conceito de paisagem cultural é oportuna uma breve abordagem

reconhecimento da diversidade cultural e a valorização do vernacular e do contemporâneo

sobre as noções de cultura e de paisagem, associadas ao patrimônio. Para Santos (1985), a

(CHOAY, 2001). Como integrante dessa expansão destaca-se a categoria de patrimônio

paisagem e a cultura transformam-se, vinculadas uma à outra.

imaterial, que reconheceu a existência e a necessidade de salvaguarda do conjunto das

A palavra cultura advém do latim, verbo “colo”, que significa eu moro, eu ocupo a terra e, por extensão, eu cultivo o campo (BOSI, 1992). A partir dessa origem, é possível estabelecer uma especial conexão entre cultura e a dimensão espacial do lugar e da paisagem. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

realizações humanas, em diversas expressões, superando a atuação preservacionista de outrora voltada prioritariamente para o tombamento dos bens materiais, os chamados “de pedra e cal” – igrejas, fortes, pontes, prédios e conjuntos urbanos representativos de estilos arquitetônicos específicos. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro


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Na esfera da ampliação do conceito de patrimônio, a Organização das Nações Unidas para a

processo histórico de produção e de interação com o meio natural. Assim, nas áreas de

Educação, a Ciência e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural

estudo, os pesquisadores devem procurar relacionar a importância da preservação da

Organization) - UNESCO passou a abordar, desde 1990, a ideia de paisagem cultural,

natureza, de edificações e sítios significativos (patrimônio material), na medida em que

combinando aspectos materiais e imateriais, aliados à interação entre o homem e a natureza,

possibilitem e a evocação do passado de forma reflexiva, valorizando a memória urbana de

sendo que a categoria de paisagem cultural foi consolidada pelo Comitê do Patrimônio

modo a manter uma identidade social presente e viva (patrimônio imaterial) (SANTOS,1997;

Mundial, em Santa Fé (EUA), em 1992 (CASTRIOTA, 2009).

CASTRIOTA, 2009).

No documento denominado “Recomendação da Europa” para a conservação das áreas de

4. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

paisagens culturais, elaborado em 1995, a paisagem cultural foi caracterizada pela maneira pela qual é percebida por um indivíduo, ou por uma comunidade, testemunhando, do passado

Está sendo desenvolvido, como parte integrante da presente pesquisa, um procedimento

ao presente, o relacionamento entre o homem e seu meio ambiente. Possibilitando, a partir de

metodológico para identificação e mapeamento das áreas de interesse e valor paisagístico em

sua observação, especificar culturas e locais, sensibilidades, práticas, crenças e tradições.

Florianópolis. Para tanto, estão sendo elaborados critérios de análise, que buscam identificar qualidades consideradas inerentes às paisagens culturais. Além disto, Para consolidar os

A UNESCO apresentou, em 1999, nas diretrizes operacionais para a Convenção do Patrimônio Mundial, a ideia de paisagem cultural da seguinte maneira: Paisagens culturais representam o trabalho combinado da natureza e do homem [...] são ilustrativas da evolução da sociedade e dos assentamentos humanos ao longo do tempo, sob a influência das determinantes físicas e/ou oportunidades apresentadas por seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto internas, quanto externas. Elas deveriam ser selecionadas com base tanto em seu extraordinário valor universal e sua representatividade em termos de região geocultural claramente definida, quanto por sua capacidade de ilustrar os elementos culturais essenciais e distintos daquelas regiões (UNESCO, 1999). No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em 2009, definiu como paisagem cultural brasileira a “porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas, ou atribuíram valores” (IPHAN, 2009). Nessas concepções sobre paisagem cultural, como categoria de patrimônio, estão sendo consideradas as formas de viver e de se relacionar com o meio ambiente, evidenciando os sítios históricos, os sistemas de uso da terra e o conhecimento tradicional, que se entrelaçam

resultados obtidos, elaborou-se questionários com o intuito de analisar a relação dos usuários com as áreas de estudo. Inicialmente, selecionou-se uma área piloto no meio urbano de Florianópolis, considerada peculiar, ou seja, a paisagem que se diferencia, se ressalta ou se particulariza (IPHAN, 2011) – o Distrito de Santo Antonio de Lisboa. Estudou-se, por meio de pesquisa bibliográfica, o contexto histórico de seu desenvolvimento e procurou-se compreender sua conformação atual. Após, realizaram-se análises em campo a fim de qualificar essa área como pertencente, ou não, à classificação de paisagem cultural, bem como para aferição dos instrumentos de avaliação. A primeira parte do trabalho de campo consistiu na exploração livre, com caráter intuitivo, focada na percepção dos elementos desta paisagem pelos pesquisadores e por pessoas entrevistadas no local. Esta percepção é em grande parte subjetiva e pode ser explorada pelos diversos sentidos (visão, audição, olfato, etc.). Na segunda parte, aplicaram-se os critérios de análise estabelecidos, sintetizados em uma planilha (Quadro 1), na qual se registraram os aspectos pertinentes, a partir dos conceitos teóricos que embasam a pesquisa. As impressões e análises foram também registradas por fotografias, croquis e desenhos.

na conformação dos lugares e seu tecido social, revelando aspectos estéticos, simbólicos,

Assim, a planilha divide-se em três etapas do levantamento, a primeira explora questões mais

espirituais, funcionais e ecológicos.

concretas e aspectos imediatamente perceptíveis na paisagem; a segunda, questões mais

No processo de identificação e avaliação da paisagem cultural consideram-se os modos de conceber a vida das populações locais, com atenção para os marcos e as permanências do 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

subjetivas e, na terceira etapa, realiza-se a junção de todo o material registrado, conformando a caracterização da área analisada. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro


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Cada momento da análise é realizado por meio de subdivisões, que objetivam facilitar o

Neste item deve-se avaliar o grau de

trabalho em campo. Lembrando que essa separação não existe na prática, é apenas uma

autenticidade histórica, comprovando se o

estratégia metodológica para facilitar a melhor compreensão do objeto de estudo, que

que homem construiu é produto de uma

consiste numa totalidade.

experiência vivida, de um valor cultural

A primeira etapa momento é subdividida em quatro aspectos a serem identificados: limites e

próprio e autêntico, distinguindo de eventuais

vistas; marcos na paisagem, dinâmica socioespacial e impactos negativos na paisagem. Na

simulacros, pastiches, imitações recentes de

segunda etapa de análise há a avaliação de dois aspectos relativos ao patrimônio imaterial,

estilos arquitetônicos históricos.

como observação de vivências e afetos e existência de indícios de práticas tradicionais e

Ilustrar com fotografias e croquis.

simbólicas. Na terceira etapa, realiza-se a junção dos momentos precedentes, comparam-se os resultados, e a partir da reflexão em equipe, pode haver complementações e

Considerar a dinamicidade da cultura e a

recomendações sobre os aspectos avaliados. Fotografias e desenhos também são instrumentos de registro da percepção do por parte do observador/analista.

c) Dinâmica socioespacial

contínua evolução da sociedade impressa no local de estudo, reconhecendo e admitindo as mudanças inerentes à evolução humana e de seus assentamentos.

O quadro de “Planilha de análise da paisagem cultural”, apresentado a seguir, foi concebido e aprimorado ao longo do estudo, no sentido de orientar os pesquisadores em relação ao que

Verificar como o homem imprimiu marcas de

deve ser observado durante a análise, sendo sempre possível realizar ampliações,

suas

modificações e adaptações durante a pesquisa, de modo a aperfeiçoar a avaliação.

associados aos diferentes tempos e como se

ações

e

formas

de

expressão,

deu sua interação com o espaço natural, ao Quadro 1: Critérios de análise de paisagem cultural.

longo dessa trajetória.

Critérios de Análise

Analisar as interferências de novos elementos

1ª Etapa

d) Impactos negativos Identificar os limites e vistas da paisagem em

a) Limites e vistas

estudo,

levando

em

consideração,

na paisagem

meio urbano resultantes das atividades, que

exemplo, a presença ou a ausência de

direta, ou indiretamente, afetem as atividades

destaques na topografia, massas vegetais,

sociais, culturais e econômicas, bem como as

corpos d’água, vistas panorâmicas, etc.

condições estéticas e paisagísticas deste

Ilustrar com fotografias e croquis.

b) Marcos na paisagem

meio (NÓR, 2010). 2ª Etapa

ou significativas existentes, bem como os

Considerar se o local de estudo apresenta

demais marcos físicos que dão identidade ao lugar,

como

praças,

monumentos,

equipamentos, mobiliário urbano, etc. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

visual, sonoro, olfativo na paisagem. Consideram-se impacto as alterações no

por

Registrar as edificações históricas, tombadas,

urbanos e seu potencial de causar impacto

a) Vivências e afetos

relações sociais e afetivas integradas com o ambiente e que se demonstrem como

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respostas peculiares ao meio natural e à

Segundo o IPHAN (2011, p.3) “Nos sítios onde são constatadas as singularidades materiais

história, os quais interfiram nos modos de vida

de determinada área, somadas à sua relação intrínseca com a natureza e ao caráter dinâmico

locais, definindo-os. Identificar se existe um

no convívio com o elemento humano, aí então caberá a chancela da Paisagem Cultural”.

processo

histórico

compartilhado

na

conformação do lugar.

Os questionários sobre Santo Antonio de Lisboa foram realisados pela internet, porém direcionado aos moradores e visitantes do lugar. As questões exploram os mesmos pontos da

As pessoas que moram naquele espaço têm

planilha de análises a fim de complementar a análise de campo e obter resultados mais

relação

consistentes. Com os questionários é possível identificar os marcos considerados referenciais

relacionados

de

afeto/respeito/orgulho

ao

lugar?

Existem

ainda

para os entrevistados, impactos negativos na paisagem, perceber como as pessoas

vivências peculiares naquele espaço? Quão

entendem a dinâmica dos espaços ao longo do tempo, a relação de afeto dos usuários com o

significantes são elas?

lugar, entre outros, adicionando ao relatório a percepção das pessoas que usufruem e vivem

O local analisado evidencia relações entre o

na área de estudo.

ambiente natural, o trabalho e a moradia de seus habitantes? Qual o grau de interação entre estes fatores e o quão são dependentes entre si? Verificar se ocorrem festas, cultos, crenças, b) Práticas tradicionais e simbólicas

rituais, ofícios tradicionais ou simbólicos do local de estudo. Estas práticas contribuem para a identidade e memória coletiva da população local?

3ª Etapa Realizar a correspondência entre os aspectos a) Relacionar

os

aspectos materiais e imateriais

analisados,

identificando

complementaridade.

Possibilitar

sua o

entendimento das relações entre homem, sua cultura e o ambiente natural. Avaliar a existência de potenciais impactos

b) Considerações

negativos e a vulnerabilidade da paisagem cultural analisada. opor medidas ou recomendações, se pertinente.

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5. RESULTADOS PRELIMINARES DA ÁREA ESTUDADA

A maricultura garantiu a permanência da relação do homem com o mar, como meio de

Seguindo a metodologia adotada, iniciou-se pela exploração com base na primeira etapa da

encontrava-se em decadência. A implantação do projeto de cultivo, além de atender questões

planilia dos critérios de análise. Identificou-se o mar como elemento natural de maior destaque

socioeconômicas da comunidade, criou um novo atrativo turístico propiciando a instalação de

que demarca a paisagem, delimitando as construções e o traçado das ruas, as quais

restaurantes, que vem sofisticando o atendimento a um público de poder aquisitivo cada vez

contornam a orla suave de águas calmas da baia. Os limites e vistas são também marcados

mais elevado.

por grande presença de massas vegetais, a Mata Atlântica encobre boa parte das elevações que conformam o espaço de estudo.

subsistência das comunidades tradicionais do distrito, visto que a atividade pesqueira

Entretanto, pode-se também observar que essa rota gastronômica está fazendo com que os restaurantes ocupem gradativamente a orla, praticamente privatizando-a e obstruindo a visão

A brisa marinha, o barulho das pequenas ondas, as embarcações oscilando e as estruturas

do mar a partir da via que o margeia, constituindo um impacto negativo. Os restaurantes

das “fazendas” de ostras e mariscos, que submergem em alguns pontos, configuram a

promovem-se a partir da valorização da bela paisagem natural, que passa a ser vista, em

paisagem local.

muitos trechos, apenas do interior dos recintos. Para quem caminha pela praia têm-se, muitas

Na orla, em direção ao horizonte, avista-se o perfil das distantes edificações da área central e tem-se uma visão privilegiada da silhueta da Ponte Hercílio Luz, que faz ligação da Ilha com o continente e consiste num dos mais importantes símbolos de Florianópolis. O casario de arquitetura luso-brasileira, a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades implantada em uma elevação, alinhada com a Praça Getúlio Vargas e com o mar, configuram uma instalação urbana típica da colonização portuguesa. Há ainda um trecho remanescente da primeira rua calçada do Estado, na Praça Roldão da Rocha Pires, e a fachada da casa onde se hospedou o imperador D. Pedro II, elementos que compõem o patrimônio histórico do distrito. A Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, o casario luso-açoriano e a orla aparecem

vezes, a visão dos fundos dos estabelecimentos e os odores das cozinhas, descaracterizando o ambiente. Além do aumento constante de transito de veículos, que vem dificultando a circulação pelas ruas antigas e estreitas do local. Com base nos questionários, 58% dos entrevistados observaram poucas mudanças em Santo Antônio de Lisboa, contudo, quando dirigimos a pergunta aos moradores do distrito, muitos consideram que as mudanças foram muitas e também prejudiciais a toda dinâmica e modo de vida do lugar. Mesmo assim, 60% dos entrevistados acredita que Santo Antônio de Lisboa pode vir a perder suas memórias, edificações e identidade, em virtude das mudanças que vem ocorrendo no distrito. Figura 2: Restaurantes na orla de Santo Antônio de Lisboa .

como os primeiros marcos de referência a serem lembrados pelos entrevistados, representando, respectivamente, 28%, 24% e 16% das respostas, além de muitos deles serem citados também como importantes ancoradouros de memória, que permitem uma evocação ao passado, mostrando o desenvolvimento do distrito ao longo do tempo. Pode se observar também a evolução da sociedade impressa em Santo Antônio de Lisboa, por meio da nova pavimentação das vias que dão acesso ao distrito, bem como por edificações de arquitetura mais recente que surgem em meio aos prédios históricos, mas que ainda mantêm os gabaritos baixos, preservando a relação volumétrica. Mobiliário urbano, como decks de madeira, instalados nos últimos anos ao longo da orla, criam espaços de convívio em meio à rota gastronômica.

Foto: dos autores, 2014.

Na segunda etapa de análise, observou-se que as vivências e os afetos são bem fortes em Santo Antônio de Lisboa. De acordo com o questionário aplicado, 92% dos entrevistados considera o distrito um lugar especial, ou seja, possui uma carga simbólica que o diferencia e

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identifica dentro do contexto de Florianópolis. Veem-se pessoas saindo para o trabalho no

Estas atividades são vivenciadas não apenas por moradores do distrito, mas sim por demais

mar em pequenos barcos, mantendo a tradição da pesca, associada ao mais recente cultivo

moradores de Florianópolis e turistas, fazendo as festividades responderem por 17% das

de ostras e mariscos. Pequenas embarcações estão sempre se movimentando em frente à

atividades realizadas em Santo Antônio de Lisboa. É importante destacar que, boa parte dos

orla, numa relação estreita entre o homem e o meio ambiente. As marés, correntes marítimas,

entrevistados não mora em Santo Antônio de Lisboa: 82% afirma frequentar o distrito

fases da lua e regime dos ventos fazem parte do conhecimento, das conversas e do cotidiano

raramente, visto que a maioria o procura para momentos de lazer, respondendo por 69% das

dos habitantes.

demais atividades citadas no questionário.

Observa-se também, ao longo da orla, a importância do convívio e da contemplação do mar,

A linguagem é também um importante bem imaterial que representa a tradição, por meio do

entre os moradores e visitantes, numa relação de afeto com o lugar e ambiente natural. Nas

sotaque, expressões e denominações peculiares, que continuam bem presentes e marcantes

ruas, bares, escadarias da igreja, deck da orla e praças é possível notar rodas de amigos,

em Santo Antônio de Lisboa. Percebe-se também que existem rivalidades discretas e

encontros, pessoas sentadas de frente para o mar, pintores e fotógrafos retratando a

comparações com os demais distritos de Florianópolis, as quais são resultado de um

paisagem. Vivencia-se uma espécie de volta no tempo, propiciada pela calma e ritmo tranquilo

sentimento de pertencimento ao lugar, de identidade e, de certa forma, fortalecem os laços na

da vida local.

comunidade.

A igreja é ainda amplamente vivenciada, uma vez que possui uma carga de identidade com a

Na terceira etapa da análise, os dados coletados na medida em que proporcionam relações

população local muito forte, evidenciada na manutenção das práticas religiosas, com missas

entre o homem, sua cultura e o ambiente natural, a fim de, finalmente, classificar a área como

semanais, com grande envolvimento dos moradores em preparativos e participação de

paisagem cultural. Pois, segundo o IPHAN (2011, p.3) “Nos sítios onde são constatadas as

almoços e jantares da paroquia, bem como nas festas tradicionais, como a Festa do Divino

singularidades materiais de determinada área, somadas à sua relação intrínseca com a

Espírito Santo, que movimenta a comunidade durante o ano, continuando uma antiga tradição

natureza e ao caráter dinâmico no convívio com o elemento humano, aí então caberá a

dos Açores.

chancela da Paisagem Cultural”.

Marcos importantes da paisagem também concentram um valor simbólico e possuem

Constatou-se que o patrimônio material e imaterial, como elementos de alusão à história local,

relações de afeto com as pessoas que dele usufruem. O casario de arquitetura luso-brasileira,

permanecem vivos e valorizados. Mesmo no fluxo da contínua evolução do distrito, em sua

a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades e o artesanato local, além de serem elementos

dinamicidade, estão mantidas as características essenciais do lugar, sua relação com o

marcantes da paisagem de Santo Antônio de Lisboa, são considerados pelos entrevistados,

espaço natural, com as tradições, seus modos de produzir e conceber a vida. Assim, o estudo

como possuidores da identidade e memória do distrito, uma vez que quase metade das

realizado nos induz a caracterizar Santo Antônio de Lisboa como uma das áreas que abriga a

respostas demonstram o desejo de que perdurem para as gerações futuras.

“paisagem cultural” de Florianópolis, merecendo cuidados por parte da gestão urbana, com

Constatou-se, também, que o mar, caracterizado pelas águas calmas da Baía Norte, ainda é

necessária participação da população local, para sua manutenção e conservação.

muito citado pelos entrevistados e condiz com um forte marco do distrito, responsável pelo

Ao mesmo tempo, identificou-se a tendência de verticalização das edificações no distrito, que

modo de vida, trabalho e conformação da ocupação humana em Santo Antônio de Lisboa.

já se avizinha do núcleo histórico de Santo Antônio de Lisboa, ameaçando a relação de escala

A comunidade participa e perpetua as lendas e tradições herdadas dos seus antepassados, fazendo com que cada data comemorativa se torne uma rica experiência para os moradores, que confirmam e estreitam as relações sociais, atraindo visitantes. Existem representações e danças típicas do folclore local, como o “Boi-de-Mamão, Maricota, Bernunça, Pau de Fita”,

volumétrica do lugar, bem como a crescente presença de empreendimentos imobiliários que constroem condomínios residenciais unifamiliares, fechados por grandes muros, que interrompem e segmentam a malha, rompendo as relações com os espaços públicos, segregando e elitizando a ocupação urbana.

que costumam ser exibidos nas festas populares.

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Visando delimitar a abrangência espacial do distrito, tendo como base a percepção, vivência e

figura 3 - mapa com poligonais

afetos que os usuários de Santo Antônio de Lisboa possuem, foram levantados os limites do distrito. A partir dos resultados, foi possível identificar três poligonais. A primeira poligonal (laranja) representa o núcleo do distrito, que contém a maior parte do conjunto arquitetônico luso-brasileiro, a Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, a orla e os restaurantes à beira mar, que fazem parte da rota gastronômica de Santo Antônio. 62% dos entrevistados considera que Santo Antônio de Lisboa se encontra nesta poligonal, citando como referências a Igreja, a Praça Getúlio Vargas e, em frente à mesma, o conjunto de casarios açorianos, a orla e seus restaurantes. A segunda poligonal (rocha) representa uma área maior do distrito e possui como referências o Terminal de Integração de Santo Antônio de Lisboa (TISAN), a orla e os restaurantes, que além de englobarem o polígono nuclear, considera também a Rua Padre Lourenço Rodrigues de Andrade, principal via de acesso ao distrito a partir da rodovia SC-401. Esta poligonal representa 19% das respostas. A terceira (azul) é a mais abrangente, pois engloba todas as demais e tem como referências o início do caminho que leva até o bairro vizinho, Sambaqui, um estabelecimento comercial na Rua Caminho dos Açores e o TISAN. 19% dos entrevistados consideram estas referências como sendo o território de Santo Antônio de Lisboa. Conclui-se, a partir dos resultados apresentados pelos questionários, que para a maioria dos entrevistados o lugar considerado como Santo Antônio de Lisboa é o núcleo do distrito, o qual abriga boa parte dos marcos edificados e a orla marinha.

Fonte: elaborado pelos autores

6. CONSIDERAÇÕES Considera-se importante que o poder público possa prevenir eventuais impactos nas paisagens

culturais,

avaliando

previamente

interferências

capazes

de

causar

descaracterização da ambiência urbana, obstrução visual, bloqueio de ângulos de visão, , efeitos nocivos na rotina e no padrão de vida da população, perda de referências históricas/culturais e comprometimento de renda e produção (NÓR, 2010). Para tanto, recomenda-se que novas propostas de intervenção em áreas classificadas como Paisagem Cultural devam ser submetidas a estudos específicos, que possam limitar ou indicar adequações a projetos, propondo medidas mitigadoras compensatórias ou preventivas. Desse modo, como contribuição da presente pesquisa, considera-se pertinente indicar ao poder publico que o Distrito de Santo Antônio de Lisboa deva configurar no mapeamento de Florianópolis como área caracterizada de “paisagem cultural”, o que implica em adotar medidas de conservação cultural e na exigência de estudos prévios de impacto paisagístico para novos empreendimentos, ou intervenções no espaço urbano.

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Em tempos de globalização e pasteurização das culturas, é saudável que se possam

UNESCO. Convenção do Patrimônio Mundial. (1999). Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br>.

resguardar e valorizar contextos de vida singulares, que se estabelecem na relação

(Consulta: 23/03/2012).

harmônica do homem com a natureza (IPHAN, 2011). Santo Antonio de Lisboa, em Florianópolis, é ainda um desses lugares especiais, expresso em sua paisagem.

REFERÊNCIAS

______

Declaração

universal

sobre

a

diversidade

cultural

(2002).

Disponível

em:

http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf. (Consulta: 05/12/2013). VEIGA, E. Análise histórico-cultural do município de Florianópolis. Em: Atlas de Florianópolis (79-85). Florianópolis: IPUF, 2004.

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7.3.3. Resumo estendido - Corpocidade 4 O resumo estendido a seguir foi aceito para apresentação e publicação no Corpocidade 4, sediado em Salvador, Bahia, entre os dias 04 e 06 de dezembro de 2014. de Iniciação Científica para Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, realizado durante o evento.

PAISAGEM CULTURAL DE FLORIANÓPOLIS O presente artigo apresenta aspectos da pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Programa de Educação Tutorial - PET do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, a qual destina-se a promover a identificação de paisagens culturais na cidade de Florianópolis - SC, visando sua preservação. No contexto do planejamento e da gestão urbana, pressionados pelos interesses econômicos, tem-se observado baixa prioridade à manutenção do patrimônio cultural, gerando um contínuo processo de degradação da natureza, perda dos vestígios culturais e descaracterização de populações tradicionais (NÓR, 2010). O município de Florianópolis, com população de 421.240 habitantes (IBGE, 2010), é formado pela Ilha de Santa Catarina (439 km²) e por uma parte continental (12 km²), banhadas pelo Oceano Atlântico e separadas por um estreito canal de cerca de 500 metros de largura, que conforma duas baias de águas calmas, uma ao norte e outra ao sul. Florianópolis possui ambiente natural bastante diversificado, resultante do contraste entre planícies e elevações montanhosas (IPUF, 2002). Os núcleos populacionais de fundação açoriana têm como base o modelo colonial lusobrasileiro, evidenciado em sua arquitetura e traçado urbano. A população mais antiga desses núcleos conserva hábitos e tradições da cultura açoriana, expressos na pesca, culinária, religiosidade, artesanato e festas populares (VEIGA, 2004). A intensificação da urbanização e da atividade turística em Florianópolis, com a crescente pressão do capital imobiliário, têm acarretado transformações socioespaciais que passaram a ameaçar a manutenção da memória e identidade cultural do lugar (NÓR, 2010). A paisagem cultural apresenta-se como um instrumento revelador dos modos de viver e conceber a vida, ancorados no processo histórico de produção e interação com o meio natural, que possibilita a preservação de marcos edificados (patrimônio material) e a evocação do passado de forma reflexiva, ao valorizar a memória urbana como forma de manutenção de uma identidade social presente e viva (patrimônio imaterial) (SANTOS,1997; CASTRIOTA, 2009). Considera-se, portanto, importante identificar a paisagem cultural no âmbito de estudo do espaço urbano, alavancando novas formas de planejamento e gestão da cidade, no sentido de promoverem a conservação dessas áreas relevantes. A análise, no âmbito da pesquisa, é composta pela exploração livre, com caráter intuitivo, focada na percepção dos elementos desta paisagem pelos pesquisadores. Esta percepção é em grande parte subjetiva e pode ser explorada pelos diversos sentidos (visão, audição, olfato, etc.). A análise é complementada pela verificação de adequação quanto aos conceitos e critérios que embasam a pesquisa. As impressões e análises são registradas por fotografias, croquis e desenhos.

1. INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta aspectos da pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Programa de Educação Tutorial - PET do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, a referida pesquisa destina-se a traçar possíveis caminhos e sugestões que visam a identificação e conservação de paisagens culturais na cidade de Florianópolis - SC, localizada na região sul do Brasil. No contexto do planejamento e da gestão urbana de cidades turísticas brasileiras, como é o caso de Florianópolis, o poder público tem sido fortemente pressionado pelos interesses econômicos, como resultado verifica-se baixa prioridade à manutenção do patrimônio histórico e da paisagem, gerando um contínuo processo de degradação da natureza, perda dos vestígios culturais e descaracterização de populações tradicionais (NÓR, 2010).


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7.4.

APRESENTAÇÃO DE PÔSTER INVENTÁRIO DE PAISAGEM CULTURAL ESTUDO DE CASO EM SANTO ANTÔNIO DE LISBOA

TEMÁTICA

Vista de Santo Antônio da Av. Beiramar Norte e Ponte Hercílio Luz.

A intensi�cação da urbanização e da atividade turística, acompanhada da crescente pressão do capital imobiliário, especialmente a partir do �nal do século XX, têm acarretado transformações socioespaciais em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, no sul do Brasil, que passaram a ameaçar a manutenção de sua identidade cultural.

DISTRITO DE SANTO ANTÔNIO DE LISBOA

BRASIL

FLORIANÓPOLIS

SANTA CATARINA

A paisagem cultural apresenta-se como um instrumento revelador dos modos de viver e conceber a vida, ancorados no processo histórico de produção e interação com o meio natural, que possibilita a preservação de marcos edi�cados, patrimônio material, e a evocação do passado de forma re�exiva, ao valorizar a memória urbana como forma de manutenção de uma identidade social presente e viva, o patrimônio imaterial (SANTOS,1997; CASTRIOTA, 2009.)

Pôr do sol à beira mar em Santo Antônio de Lisboa.

DESENVOLVIMENTO

A presente pesquisa objetiva inventariar a paisagem cultural de Florianópolis. Selecionou-se uma área piloto no meio urbano de Florianópolis, considerada peculiar, ou seja, que se diferencia, se ressalta ou se particulariza (IPHAN, 2011) � o Distrito de Santo Antônio de Lisboa como estudo de caso.

A partir da abordagem conceitual, criou-se um procedimento metodológico para identi�cação e mapeamento das áreas de interesse e valor paisagístico. Para tanto, foram elaborados critérios de análise, capazes de identi�car qualidades consideradas inerentes a paisagens culturais. Elaborou-se uma planilha que auxilia o trabalho em campo para identi�cação de paisagens culturais. Esta planilha divide-se em três momentos, o primeiro explora questões mais concretas e aspectos imediatamente perceptíveis na paisagem; o segundo, questões mais subjetivas e, no terceiro momento, realiza-se a junção de todo o m a t e r i a l re g i st r a d o, co nfo r m a nd o a caracterização da área analisada.

REFERÊNCIAS

7.3.1. Pôster para o VI Seminario

Internacional de Investigacíon en Urbanismo

Igreja de Nossa Senhora das Necessidades e casario histórico.

O ofício da maricultura.

Embarcações de pescadores na orla de Santo Antônio de Lisboa.

CONCLUSÕES Após análise dos resultados coletados em campo, constatou-se que o patrimônio material e imaterial, como elementos de alusão à história local, permanecem vivos e valorizados no distrito de Santo Antônio de Lisboa. Mesmo no �uxo da contínua evolução do distrito, em sua dinamicidade, estão mantidas as características essenciais do lugar, sua relação com o espaço natural, com as tradições, seus modos de produzir e conceber a vida. Assim, o estudo realizado nos induz a caracterizar Santo Antônio de Lisboa como uma das áreas que abriga a �paisagem cultural� de Florianópolis, merecendo cuidados por parte da gestão urbana, com necessária participação da população local, para sua manutenção e conservação. Espera-se ainda, que este estudo sirva de parâmetro para identi�cação de paisagens culturais em outros contextos urbanos.

O pôster ao lado foi aceito para apresentação e publicação no VI Seminario Internacional de Investigación en Urbanismo, sediado em Barcelona, Espanha, entre os dias 16 e 17 de junho de 2014.


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