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Maria Grego Esteves, médica dentista: “Impacto da pandemia
Maria Grego Esteves
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Médica dentista. Licenciada pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Diretora clínica da clínica Évora Saúde.
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Introdução
Em dezembro de 2019 surgiu em Wuhan (China) o novo coronavírus, responsável pelo aparecimento da doença COVID-19, que rapidamente se espalhou por todo o mundo e se tornou numa situação de emergência internacional, estabelecendo-se como pandemia (Gupta et al., 2020; Xiang et al., 2020).
Segundo o New York Times, os profissionais de saúde oral são os profissionais mais expostos à COVID-19 devido à produção de aerossóis (Gamio, 2020).
Devido a este risco elevado de propagação, decretou-se em Portugal a suspensão temporária de toda e qualquer atividade de Medicina Dentária, com exceção de situações comprovadamente urgentes e inadiáveis, estabelecida no Despacho nº 3301 - A/2020 e prorrogada pelo Despacho nº 3903 - E/2020.
O novo coronavírus não trouxe apenas consequências na saúde das pessoas. Este vírus terá repercussões severas na economia a curto, médio e longo prazo (Laing, 2020).
Estabeleceu-se assim como objetivo deste estudo avaliar o impacto da COVID-19 na atividade dos profissionais de saúde oral.
Materiais e métodos
Para atingir os objetivos propostos desenvolveu-se um estudo descritivo transversal. A população-alvo do estudo foram todos os profissionais de saúde portugueses, nomeadamente médicos dentistas, higienistas orais, assistentes dentários e protésicos.
A recolha de dados realizou-se entre 26 de março e 13 de abril de 2020. Os dados foram recolhidos através da aplicação de um questionário online*, após ser enviado a alguns colegas via email e divulgado através das redes sociais.
O questionário foi desenvolvido especificamente para este estudo e permitiu obter informação acerca do perfil dos profissionais de saúde oral e do impacto da COVID-19 nestes profissionais, sendo constituído exclusivamente por questões de escolha múltipla.
Para a análise dos dados foi utilizado o Microsoft® Excel® para Office 365 MSO. A autora do estudo introduziu neste programa a informação recolhida através do questionário. Realizou-se a análise descritiva de todas as variáveis, sendo calculadas as frequências absolutas e relativas.
Resultados
Caracterização da amostra
A maioria dos profissionais da amostra eram médicos dentistas (57%), sendo os restantes assistentes dentários (32%), higienistas orais (7%) e protésicos (4%), (fig. 1), sendo a maioria do sexo feminino (86%), (fig. 2).
Foram ainda identificados alguns profissionais que contabilizavam mais do que uma profissão.
*Disponível em: https://forms.office.com/Pages/ResponsePage.aspx?id=DQSIkWdsW0yxEjajBLZtrQAAAAAAAAAAAANAAdGjuIFUQ0dLQUhYQlk2MUtPU0dCTFpKRU5OWENEQS4u
Qual é a sua profi ssão? (n=1.016)
Figura 1.
Apesar da grande maioria da amostra não trabalhar em clínica própria ou laboratório próprio (65%), é de salientar a elevada percentagem de profissionais de saúde oral a trabalhar na sua própria clínica ou laboratório (35%), (fig. 3).
A maioria dos profissionais de saúde oral trabalha na região de Lisboa e Vale do Tejo (39%) e na região Norte (36%), (fig. 4).
Género (n=1.016)
Figura 2.
Trabalho em clínica própria/laboratório de prótese próprio? (n=1.016)
Figura 3.
Qual é a região em que exerce a sua atividade? (n=1.016)
Impacto na atividade dos profi ssionais de saúde oral
Quando questionados sobre a disponibilidade de equipamentos de proteção individual que consideram necessários (fig. 5), tendo em conta a situação atual da COVID-19, a grande maioria dos
Figura 4.
Tem disponível no seu local de trabalho todos os equipamentos de proteção individual que considera necessários, tendo em conta a situação atual de COVID-19? (n=1.016)
Figura 5.
Neste momento como está a realizar a sua atividade? (n=1.016)
Figura 6.
profissionais de saúde oral respondeu que não (78%).
Devido à situação da COVID-19, a maioria dos profissionais de saúde oral não está a exercer neste momento (47%), para além disso 43% está apenas a realizar consultas de urgência (fig. 6).
Figura 7.
Em que regime profi ssional se encontrava? (n=1.016)
A maioria dos profissionais de saúde oral da amostra são empresários em nome individual (33%). No entanto, é de salientar que 24% da amostra está a trabalhar a recibos verdes e apenas 16% tem contrato a tempo incerto e 26% tem contrato a termo certo (fig. 7).
Apenas 17% da amostra refere que não teve nenhum corte no vencimento, tendo a maioria (37%) referido que teve um corte no vencimento, pois este tem por base a comissão de trabalhos realizados. Saliento ainda que 34% desta amostra referiu que entrou em lay-off e 12% da amostra foi totalmente dispensado de funções (fig. 8).
Teve algum corte no seu vencimento devido à COVID-19? (n=1.016)
Figura 8.
Tem receio de perder o seu emprego devido à COVID-19? (n=1.016)
Figura 9.
A maioria da amostra (73%) tem receio de perder o emprego (fig. 9) e 77% dos profissionais de saúde oral que possuem clínica própria ou laboratório próprio tem receio de ter que encerrar a sua empresa devido a esta situação (fig. 10).
A grande maioria da amostra (92%) considera os apoios do governo insuficientes tendo em conta o contexto atual (fig. 11).
A grande maioria dos profissionais de saúde oral (95%) sente-se angustiada ou nervosa nos últimos dias devido ao novo coronavírus (fig. 12), sendo que a maioria se sente assim a maior parte do tempo (48%), (fig. 13).
Discussão de resultados
A nossa responsabilidade enquanto profissionais de saúde é antes de mais proteger os nossos pacientes, a nossa equipa, as nossas famílias e a sociedade, tomando as medidas disponíveis ao nosso alcance para diminuir a propagação do vírus.
A nível governamental foram também tomadas medidas de controlo da pandemia nomeadamente a imposição de isolamento social, a instituição do estado de emergência que levou ao encerramento de algumas empresas ou à redução da sua atividade (Decreto do Presidente da República nº 14 - A/2020; Decreto do Presidente da República nº 17 - A/2020) e ainda à instituição do Despacho nº 3301 - A/2020 e prorrogado pelo Despacho nº 3903 - E/2020 que impôs o encerramento das clínicas dentárias, com exceção para consultas urgentes e inadiáveis.
Foi ainda necessário a adequação dos equipamentos de proteção individual (EPI) necessários à realização de consultas urgentes.
Apesar disto, a grande maioria dos profissionais de saúde oral respondeu não ter disponíveis os EPIs que considera necessários.
Devido à alta virulência, apenas a utilização de máscaras respiratórias N95 ou FFP2, proteção ocular e cobertura capilar e corporal podem reduzir a transmissão, o que irá aumentar os
Tem receio de ter que encerrar a empresa devido à COVID-19? (n=386)
Figura 10.
Sente que os apoios propostos pelo governo são sufi cientes, tendo em conta a situação atual? (n=1.016)
Figura 11.
Nos últimos dias, sentiu-se angustiado ou nervoso devido a esta situação? (n=1.016)
Figura 12.
Se respondeu sim, com que frequência? (n=969)
Figura 13.
custos indiretos na consulta de Medicina Dentária. Esta pandemia irá exigir uma adaptação do ambiente de trabalho, tornando-o mais seguro para os pacientes, funcionários e para os profissionais de saúde oral. Isto conduzirá a um aumento das despesas gerais dos consultórios e reduzirá ainda mais a margem de lucro (Ferneini, 2020).
É importante ainda referir que a propagação desta pandemia gerou maior utilização de EPI, o que conduziu a uma rotura de stocks dificultando a aquisição dos mesmos pelos profissionais de saúde oral, simultaneamente com um aumento exponencial do custo de aquisição destes equipamentos.
Este estudo mostra a necessidade de uma intervenção que permita a aquisição de EPI aos profissionais de saúde oral, aquando da retoma da atividade, de forma a não colocar em causa a assistência em saúde oral.
As medidas tomadas para minimizar a propagação do vírus levaram a que a maioria dos profissionais de saúde não esteja a exercer a sua atividade. Trata-se de uma atividade que requer ser executada em consultório no caso dos médicos dentistas, higienistas orais e assistentes dentários ou em laboratórios no caso dos protésicos, sendo praticamente impossível alterar a atividade para um regime de teletrabalho.
De salientar que a elevada percentagem de médicos dentistas que está neste momento a assegurar as consultas de urgência reforça a importância da Medicina Dentária, bem como a necessidade de uma rede de clínicas dentárias, ao assegurar tratamentos médicos de urgência.
A maioria dos profissionais de saúde oral são empresários em nome individual ou trabalham em regime de prestação de serviços, sendo importante ainda referir que muitos dos profissionais de saúde oral com contrato de
trabalho poderão ser os sócios-gerentes da sua própria empresa.
A saúde oral em Portugal é assegurada essencialmente por profissionais liberais e por uma rede de clínicas privadas que se foi estabelecendo, permitindo assegurar os cuidados de saúde oral à população, graças ao empreendedorismo destas classes profissionais.
As consequências económicas da COVID-19 nos profissionais de saúde oral são trágicas, com a esmagadora maioria destes profissionais a sofrerem cortes salariais, não apenas por entrarem em lay-off, como por terem um vencimento baseado em comissão de trabalhos realizados ou até por terem sido completamente dispensados das suas funções.
Nesta questão é ainda importante referir que os dados poderão ser ainda mais dramáticos, do que aquilo que já demonstram, já que sendo muitos profissionais de saúde oral sócios-gerentes das suas empresas não estão, até à data da realização deste inquérito, abrangidos pelo regime de lay-off ou qualquer outro tipo de apoio, o que faz com que, em teoria e por terem um contrato de trabalho, continuem a receber o mesmo salário [IPSS, 2020]. Esta situação é, no entanto, uma situação completamente irreal, sendo que estes profissionais estão sem trabalhar, sem receber qualquer apoio e com despesas consideráveis relacionadas com as suas empresas.
Esta pandemia poderá ser o evento económico e social mais marcante em décadas (Laing, 2020) e quanto mais o vírus se propaga, mais o desempenho económico é afetado, levantando preocupações sobre a capacidade de sustentação financeira (Gupta et al., 2020).
Verifica-se um enorme receio por parte dos profissionais de saúde oral em perder o emprego e por parte daqueles que possuem clínica própria ou laboratório próprio em ter que encerrar a sua empresa devido a esta situação.
Segundo Ferneini (2020), o novo coronavírus poderá conduzir ao desemprego de alguns médicos dentistas, o que pode inclusive levar a uma escassez aguda destes profissionais. À medida que a pandemia começa a diminuir, muitos médicos dentistas podem não ser capazes de reiniciar a sua prática. Este autor defende ainda que muitos médicos dentistas já estão a enfrentar uma crise financeira e que a situação tende a piorar.
Ainda assim, apesar da limitação significativa das atividades clínicas e cirúrgicas no setor médico e odontológico ter representado uma medida muito impactante na economia do setor, esta intervenção drástica tornou possível proteger a saúde e a segurança dos cidadãos e conter a expansão da pandemia (Spagnuolo et al., 2020).
A grande maioria dos profissionais de saúde oral considera os apoios do governo insuficientes no contexto atual. Eventuais políticas e pacotes de apoio a profissionais de saúde oral deverão permitir uma capacidade económica capaz de assegurar a assistência em saúde oral, já que esta área da saúde dos portugueses é essencialmente assegurada por esta rede de clínicas privadas.
O novo coronavírus terá um impacto negativo na saúde mental da população (Xiang et al., 2020), já que as pessoas tendem a sentir-se ansiosas e inseguras quando o meio se altera (Usher et al., 2020).
A grande maioria dos profissionais de saúde oral sente-se angustiado ou nervoso a maior parte do tempo, o que se verificou também no estudo de Zhang et al. (2020) realizado em populações afetadas pela pandemia, que revelou níveis elevados de ansiedade e angústia nestas pessoas.
Segundo Usher et al. (2020) após recuperarmos dos impactos negativos desta pandemia, devem ser instauradas medidas de saúde pública direcionadas à saúde mental da população em geral e em particular dos profissionais de saúde.
Conclusões
A grande maioria dos profissionais de saúde oral não tem disponíveis os equipamentos de proteção individual que considera necessários para assegurar a proteção dos profissionais e pacientes, tendo em conta o surto de COVID-19.
Apesar de grande parte dos profissionais de saúde oral estar a trabalhar apenas em regime de urgências, a maioria não está a exercer neste momento.
A maioria dos profissionais de saúde oral são empresários em nome individual e grande parte destes profissionais tiveram cortes no vencimento, sobretudo por trabalharem por comissão de trabalhos realizados.
A grande maioria dos profissionais de saúde oral considera os apoios do estado insuficientes, tendo receio de perder o emprego, ao mesmo tempo que a maioria dos profissionais de saúde oral que apresentam clínica ou laboratório próprio também revelam receio de ter que encerrar a própria empresa.
A quase totalidade dos profissionais de saúde oral sente-se angustiada ou nervosa a maior parte do tempo devido à situação do novo coronavírus.
Bibliografi a
1. Presidência da República. Decreto do Presidente da República n.º 14 - A/2020 de 18 de março.
2. Presidência da República. Decreto do Presidente da República n.º 17 - A/2020 de 2 de abril.
3. Presidência da República. Despacho n.º 3301 - A/2020.
4. Presidência da República. Despacho n.º 3903 - E/2020.
5. Ferneini EM. The financial impact of COVID-19 on our practice. J Oral Maxillofac Surg, 2020.
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7. Gupta M, Abdelmaksoud A, Jafferany M et al. COVID-19 and economy. Wiley Periodicals, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1111/ dth.13329.
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