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Ricardo Faria e Almeida, médico dentista e Professor Catedrático

ponto de vista

Ricardo Faria e Almeida

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Médico dentista. Prática privada de Periodontologia e Implantes. Professor Catedrático da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto. Professor convidado de Periodontologia na Faculdade de Odontologia da Universidade Complutense de Madrid (Espanha).

COVID-19: e agora?

Parece um pesadelo, mas infelizmente não é. Desde o princípio do ano que o mundo parou, entrou em stand by. Argumento de um filme futurista e de terror, cuja imaginação fomos alimentando em diversas longas metragens, mas sem nunca acreditar que algum dia seria realidade. E agora?

A causa, todos a conhecemos, o risco de contaminação e, ao que parece, também as vias de transmissão. Mas muito falta ainda saber e, pior, sem um prazo definido para as ansiadas respostas definitivas, cientificamente fundamentadas e que nos permitam, não somente entender melhor o vírus, mas também encontrar uma vacina e/ou tratamento, no fundo, uma solução.

Em Portugal, como no mundo, tudo isto infundiu receio e medo que facilmente se propagou. A primeira reação foi acreditar que se tratava de mais um vírus e que com o tempo chegaríamos a um tratamento, uma vacina e/ou à chamada “imunidade de grupo”. Ora, a rapidez de transmissão e a célere sobrelotação dos sistemas de saúde, que afetou diversos países, fez as autoridades recuarem nesta abordagem, propondo e executando o chamado lockdown. Uma vez implementado, aparentemente reduziu o óbvio, ou seja, a rapidez de transmissão e de contágio, mas não a sua erradicação e, por consequência, o problema que vivemos.

Assim sendo, a questão agora é o que fazer? Mantermo-nos em casa com graves prejuízos para a economia e a médio/longo prazo, indiretamente para a saúde de cada um? Levantar o lockdown? E se assim for, de que forma e baseado em quê? Que resultados terá? Não deitará tudo a perder?

Passados alguns meses dos primeiros casos em Portugal, várias dúvidas me assaltam o espírito no que diz respeito à nossa atividade. Foi o caminho que seguimos o mais correto? Uma vez seguido esse caminho, qual a abordagem que devemos ter depois de terminado o estado de emergência? Como conseguiremos trabalhar a partir de agora? Entre muitas outras questões.

Em Portugal, o Governo entendeu, desde do dia 15 de março (e bem a meu ver), que as clínicas de Medicina Dentária deveriam suspender a sua atividade, apenas efetuando tratamentos de situações comprovadamente urgentes e inadiáveis. Convém referir que, logo após esta decisão prévia ainda ao estado de emergência, outras atividades foram também suspensas.

Os consultórios de Medicina Dentária foram dos primeiros a cumprir com um conjunto de regras de licenciamento, o que nos coloca na linha da frente na eficácia e adaptação a novas realidades

Enquanto médico dentista, com quase 25 anos de prática clínica, docente universitário e sócio-gerente da minha própria clínica, este foi e será talvez o maior desafio que tenho pela frente. É um desafio que inclui pelo menos dois aspetos fundamentais, um de saúde pública, com toda a responsabilidade daí inerente, e outro de natureza económica.

Do ponto de vista da saúde pública, parece-me óbvio que a nossa atividade é de alto risco pela curta distância a que trabalhamos dos doentes, associada também a uma grande produção de aerossóis. É, portanto, uma atividade com elevado risco de contágio, razão que motivou a suspensão da mesma. Sabemos hoje que os cuidados que deveremos ter para reduzir esse risco são vários, obrigando-nos a reinventar protocolos e procedimentos, algo que enquanto médicos dentistas faremos seguramente de forma consciente e eficaz. Aliás, convém lembrar que os consultórios de Medicina Dentária foram dos primeiros a cumprir com um conjunto de regras de licenciamento, o que nos coloca na linha da frente na eficácia e adaptação a novas realidades, em especial no cumprimento das normas de assepsia e biossegurança. Relativamente a este ponto, como referi, acredito que o faremos de forma capaz e exemplar, devendo também cada um de nós assumir a responsabilidade de saber transmitir isso à população, de forma séria e consciente, sem aproveitamentos pessoais ou de outro tipo.

Risco e responsabilidade

No entanto, outros problemas e riscos estarão presentes e com os quais teremos que lidar.

Um dos mais importantes, será seguramente o medo, o receio que todos nós, enquanto profissionais de saúde oral e conscientes do risco que teremos pela frente, certamente sentiremos. E refiro-me não somente aos médicos dentistas, mas a todos os que connosco trabalham. E aqui, gostaria de dizer que nós, enquanto líderes dessas equipas, temos também responsabilidade acrescida. Refiro-me à necessidade de assumirmos, todos, uma consciência coletiva que enquanto profissionais de saúde não devemos nunca facilitar e devemos dar o primeiro exemplo, ao adequar os protocolos e as condições das nossas clínicas às recomendações vigentes. Para bem das nossas equipas e dos pacientes. É nossa a responsabilidade!

Outro desafio é, sem dúvida, o desafio económico. Não podemos dissociar este fator da saúde pública. Como atrás referi, foi a atividade da Medicina Dentária a primeira a ser suspensa. Fomos nós os primeiros a assumir a nossa responsabilidade enquanto agentes de saúde pública. No entanto, e apesar de algumas medidas governamentais, tentando reduzir o impacto de natureza económica que diretamente nos afeta, está claro, que são escassas e em nenhum momento permitirão de forma cabal suprimir o esforço que todos fizemos/ fazemos. Acresce ainda que com o reinício da atividade, algo que se avizinha, e com a necessidade de adequação aos novos protocolos, tal exigirá um esforço financeiro considerável, não somente agora devido aos preços especulativos, mas para sempre. Está claro que sofreremos, e muito, com tudo isto.

Todos estamos conscientes das responsabilidades que recaem sobre nós, mas não tenho dúvidas que saberemos estar à altura das mesmas. Enquanto classe profissional saberemos honrar os nossos compromissos e responsabilidades. Quisera eu, não ter dúvidas sobre os demais agentes...

Nota: o presente artigo foi escrito no mês de abril de 2020.

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