5 minute read

Paulo Ribeiro de Melo, médico dentista e coordenador

ponto de vista

Paulo Ribeiro de Melo

Advertisement

Médico dentista. Coordenador da Comissão de Acompanhamento COVID-19 da Ordem dos Médicos Dentistas.

COVID-19 e a Medicina Dentária: um desafio do outro mundo

Desde o início de março que estamos a viver uma realidade completamente impensável há uns meses.

No seguimento dos desenvolvimentos relacionados com a disseminação mundial das infeções originadas pelo coronavírus SARS-COV-2, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente que estávamos perante uma pandemia a 12 de março de 2020. De acordo com a OMS, uma pandemia é a disseminação mundial de um vírus, sobre o qual a maior parte das pessoas não tem imunidade.

Estamos, por isso, num tempo de vivências únicas, em que fomos obrigados a ficar confinados à nossa habitação e, para a grande maioria da população, parando o seu trabalho e meio de subsistência. Todos podemos observar que as medidas foram sendo uniformes e bastante semelhantes em vários pontos do globo.

Portugal e a Medicina Dentária não foram uma exceção. Portugal tem seguido as recomendações da OMS e gerido a pandemia, do ponto de vista de saúde pública, de uma forma que tem permitido, até ao momento, limitar as repercussões negativas desta ameaça.

Também a Medicina Dentária foi fustigada de forma implacável por esta pandemia, ao ser obrigada a encerrar as suas clínicas e consultórios, atendendo apenas situações urgentes e inadiáveis durante cerca de sete semanas.

A Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), através da Comissão de Acompanhamento da COVID-19 criada, seguiu atentamente os desenvolvimentos da pandemia e foi emanando um conjunto de recomendações/ informações baseadas em dados provenientes da OMS, Centro Europeu das Doenças (ECDC), Direção-Geral da Saúde (DGS) e em artigos científicos e documentos institucionais disponíveis sobre a experiência dos médicos dentistas de outros países que vivenciaram a situação antes de Portugal.

Numa outra vertente da COVID-19, a OMD tem apresentado as suas reivindicações e preocupações à tutela, relativamente à necessidade de contemplar a Medicina Dentária com o apoio necessário para minimizar as repercussões desta crise no setor. Ao mesmo tempo, tem acompanhado as medidas de apoio económico à crise que o Governo tem lançado e que vão sendo alteradas e adequadas em conformidade com o que vai sendo necessário.

Voltando à análise do que se está a passar em termos de saúde pública, nós não temos informação epidemiológica sobre o comportamento do vírus e esse conhecimento está a ser adquirido à medida que os países vão sendo confrontados com ele. É a análise epidemiológica dos dados que estão a ser recolhidos que permite a definição das estratégias a adotar.

O principal objetivo em termos de saúde pública, nesta primeira vaga do vírus, foi tentar limitar a sua disseminação maciça e, assim, evitar a saturação do sistema hospitalar com casos que necessitariam de cuidados intensivos.

Mas, como se trata de uma ameaça de saúde pública, houve também a necessidade, desde o primeiro momento, de adequar os procedimentos realizados aos riscos inerentes à atividade de Medicina Dentária. Por isso, todas as formas de

contágio deveriam ser evitadas, o que originou a necessidade de encerramento das clínicas e consultórios de Medicina Dentária durante o estado de emergência decretado pelo Governo.

É essencialmente o facto de lidarmos com a cavidade oral do paciente em proximidade, que faz desta profissão uma atividade especialmente de risco. Estamos mais expostos às gotículas de saliva e existe ainda a possibilidade da aerossolização de gotículas de saliva que podem ser inaladas, entrar em contacto com a pele ou mucosas. Outra questão relevante é que essas gotículas, ou aerossóis, podem alojar-se nas superfícies do consultório onde são colocadas as mãos, ou alojar-se noutros materiais utilizados durante a consulta.

No entanto, durante todo este tempo, a evidência de que esses aerossóis, contendo o vírus, se consigam manter no ar por períodos de tempo significativos e que possuam uma carga virulenta importante, continua a ser muito fraca ou inexistente.

Apesar da sensibilidade da situação, até ao momento, todas as recomendações da OMD têm saído atempadamente e de forma sensata. As recomendações têm sido adequadas às fases epidemiológicas identificadas pela DGS e à medida que alterava a fase, as recomendações iam sendo ajustadas, tendo em conta a escassez de equipamentos de proteção individual (EPI) existentes, o grau de risco e o que se sabia da experiência dos outros países.

Também a escassez de EPI não foi uma situação exclusiva de Portugal. Este foi, e continua a ser, um problema mundial que fustigou todos os países e obrigou os profissionais de saúde a trabalhar com doentes COVID sem as proteções adequadas.

Ao sairmos do estado de emergência em Portugal, as clínicas e consultórios de medicina

As fases seguintes vão exigir de igual forma um acompanhamento muito de perto da evolução da situação por parte da OMD

podem agora, gradualmente, retomar a atividade até chegar a uma situação de funcionamento quase normal.

Para esta nova fase, a OMD divulgou atempadamente as recomendações para a retoma da atividade, em perfeita sintonia com a Orientação Técnica publicada pela DGS. A este propósito, convém recordar que, apesar do despacho ministerial ligar a suspensão da atividade de Medicina Dentária ao estado de emergência, existiram algumas incertezas quanto à data da reabertura das clínicas e consultórios, uma vez que esta estava condicionada à publicação da orientação técnica da DGS.

As recomendações da OMD saíram com a informação necessária e suficiente para todos poderem retomar a sua atividade, pois estavam em linha com o recomendado na fase anterior. A única preocupação da OMD foi realizar um documento mais sólido e completo do ponto de vista de informação e de base científica. Por esse motivo, foi criado um segundo grupo de trabalho COVID-19 – fase 2 que, num curtíssimo espaço de tempo, conseguiu publicar um documento de qualidade e com uma perspetiva eminentemente prática.

Estas recomendações têm como grande objetivo de saúde pública garantir a assistência médico-dentária, preservando a saúde dos pacientes, especialmente aqueles em maior risco, protegendo a saúde do pessoal auxiliar que trabalha nos consultórios e clínicas de Medicina Dentária, e a saúde do médico dentista, da sua família e dos seus amigos mais próximos.

Gostaria aqui de dizer que, infelizmente, penso estarmos muito longe de voltar à normalidade dos nossos dias. Ainda muito está para acontecer até surgir um tratamento ou uma vacina eficaz ou chegarmos à imunidade de grupo. E sem isso, não conseguimos controlar esta pandemia. Até lá, as fases seguintes vão exigir de igual forma um acompanhamento muito de perto da evolução da situação por parte da OMD, que continuará a sair com as recomendações adequadas, de forma a que em todo o processo o médico dentista esteja sempre aconselhado com a melhor evidência possível num contexto de uma pandemia.

This article is from: