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Gonçalo Assis, médico dentista especialista em Periodontologia

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Gonçalo Assis médico dentista especialista em Periodontologia

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Vejo a implantologia a evoluir num sentido de resultados mais previsíveis e com menos complicações”

O médico dentista Gonçalo Assis considera que mais do que integrar novas soluções do foro implantológico, “o futuro imediato passa por consolidar transversalmente na nossa prática as que já existem”. Em entrevista à MAXILLARIS, este especialista em Periodontologia, que exerce a sua atividade na zona de Lisboa, faz o ponto da situação desta vertente da Medicina Dentária, recordando que os implantes não são necessariamente tratamentos vitalícios e essa informação “tem que ser passada de forma sistemática aos doentes”. Constata, por outro lado, que a previsibilidade dos tratamentos periimplantares tem aumentado bastante nos últimos anos, “mas isso não tem sido acompanhado de uma maior adesão por parte dos colegas a esses tratamentos”. A propósito da pandemia gerada pelo novo coronavírus, vaticina que nada será como dantes, se a classe não se unir em torno de políticas novas para a saúde oral.

Como comenta a atual prática implantológica ao nível global. Acha que existe um excessivo recurso aos implantes no contexto da Medicina Dentária?

Depende da perspetiva. Eu, como periodontologista e com uma prática de Medicina Dentária conservadora, posso achar que não temos levado, tanto quanto seria desejável, os tratamentos conducentes à manutenção das peças dentárias a toda a sua extensão possível. E podemos não estar ainda tão despertos para identifi car o prognóstico dentário e periodontal de um dente comprometido e assim considerar que o melhor tratamento é a extração e a reabilitação com implantes dentários. Por outro lado, continuamos a ter uma população com um alto nível de edentulismo e que benefi ciaria muito de tornarmos os implantes num tratamento mais transversal. Para isso, precisamos de políticas de acesso a tratamentos de saúde oral diferentes.

Na sua opinião, como irá evoluir a reabilitação com implantes?

A evidência científi ca na implantologia tem evoluído bastante. Há mais e melhores estudos e aquelas que eram as controvérsias clássicas, que colocavam dilemas na nossa área, existem cada vez menos. O melhor exemplo é que há 10 anos não existia um congresso onde não existisse uma controvérsia entre prótese cimentada e prótese aparafusada e hoje é quase consensual que a prótese aparafusada é uma modalidade de tratamento melhor para a maior parte dos casos. Há mais informação relativamente à necessidade de otimização dos tecidos moles e duros circunjacentes aos implantes, mais informação sobre a macrogeometria e sobre as superfícies dos implantes. Vejo a implantologia a evoluir num sentido de resultados mais previsíveis e com menos

Felizmente, deixámos de ver a colocação cirúrgica do implante como o alfa e o ómega da reabilitação com implantes em que, de forma quase ingénua, acreditávamos que um implante muito estável em osso denso era garantia de sucesso

complicações, com menos mas melhores opções à medida que temos menos dúvidas, e privilegiando fases de tratamento cirúrgicas e prostodônticas mais conservadoras: com menos consultas, menos intervenções e mais rápidas até ao resultado fi nal.

Numa perspetiva de novas soluções no âmbito implantológico, a curto ou médio prazo, que vertentes lhe parecem ser mais cruciais: regeneração de tecidos, biomateriais, superfícies dos implantes ou técnicas cirúrgicas?

Todas são importantes. Felizmente, deixámos de ver a colocação cirúrgica do implante como o alfa e o ómega da reabilitação com implantes em que, de forma quase ingénua, acreditávamos que um implante muito estável em osso denso era garantia de sucesso. Hoje sabemos que o sucesso em implantologia é multifatorial e envolve muito mais fatores do que aqueles que pensávamos. Sabemos que os tratamentos prévios como a estabilização de doença periodontal ativa é fundamental; sabemos que perioperatoriamente há uma gestão de tecidos moles e duros a realizar e que não é indiferente se temos boa ou má disponibilidade de osso, boa ou má disponibilidade de tecidos moles com adequada quantidade e qualidade; sabemos mais sobre as superfícies que funcionam a médio prazo e quais causam complicações. Mais do que integrar novas inovações, o futuro imediato passa por consolidar transversalmente na nossa prática as que já existem. Implantes curtos e estreitos mas mais resistentes, com conexões estáveis que minimizem a infi ltração bacteriana, e com métodos de colocação assistidos como a cirurgia guiada, apoiada em workfl ows digitais, será a realidade transversal a curto prazo. O futuro a médio prazo poderá reservar-nos o aparecimento e afi rmação de novos materiais ou até da integração e comercialização das fases iniciais de inovações que já existem na área da biotecnologia, primeiro na reconstrução de tecidos moles e duros e numa segunda fase explorando engenharia de tecidos dentários.

Qual é o retrato atual do implantólogo em Portugal e, do seu ponto de vista, que perfi l seria o ideal ou mais desejável?

É difícil traçar o perfi l do implantologista porque não é uma especialidade em si, mas antes uma área científi ca e uma

Gonçalo Assis tem formação nacional e internacional nas áreas de especialidade da Periodontologia e da Cirurgia Oral, que pratica em exclusividade.

tecnologia de reabilitação que é usada no contexto de várias especialidades. As áreas da periodontologia, cirurgia oral, prostodontia e endodontia - que usam esta tecnologia - todas têm valores de base, correspondentes aos princípios de tratamento de cada uma delas. Umas serão mais ou menos conservadoras, mais ou menos interventivas, mais ou menos ambiciosas do ponto de vista da extensão do tratamento. Esses valores são aportados à implantologia que cada uma delas pratica, correspondendo também a perfi s de implantologistas diferentes, com fi losofi as de tratamento com pequenas variações entre si. É difícil identifi car um perfi l mais desejável em valor absoluto, mas acredito que existem perfi s de doentes que se adaptarão melhor a diferentes perfi s clínicos e de tratamento.

Partilha da opinião de que a periimplantite é um forte entrave à reabilitação com implantes?

Prefi ro acreditar que é mais um dos desafi os. Existem muitos fatores que podemos controlar e que podemos mudar para minimizar a incidência de periimplantite nos nossos casos. A começar pela seleção do doente candidato a uma reabilitação de implantes e dando a conhecer os riscos envolvidos e as necessidades futuras de manutenção através de um programa de monitorização da saúde periodontal e periimplantar, realizada por um médico dentista ou higienista oral, previamente ao início do tratamento. A otimização da escolha dos materiais usados, da técnica cirúrgica e prostodôntica envolvidas, poderão resultar em níveis de casos de periimplantite fáceis de gerir; principalmente se também tivermos feito uma adequada gestão das expectativas dos doentes. Os implantes não são necessariamente tratamentos vitalícios e essa informação tem que ser passada de forma sistemática aos doentes.

Que requisitos fundamentais deve ter em mente o profi ssional no tratamento da periimplantite?

Toda a fi losofi a de tratamento atual da periimplantite baseia-se muito nos valores de tratamento da periodontite. E esses são os de tratar as causas da doença antes ou enquanto tratamos as consequências. É fundamental identifi car os fatores locais e sistémicos predisponentes e precipitantes da periimplantite. Hoje em dia, tendo a achar que, tal como temos extraído demasiados dentes tratáveis, também temos explantado implantes com condições tratáveis, tanto biológicas, como a periimplantite, como com defeitos dos tecidos moles. Portanto, há um caminho a percorrer na identifi cação dos implantes nos quais vale a pena esse esforço terapêutico e isso ainda não é consensual entre nós e tem que ser mais discutido. A previsibilidade dos tratamentos periimplantares tem aumentado bastante nos últimos anos – não só porque há tratamentos novos mas também porque os que já existem têm reports de follow-ups mais longos e com sucesso –, mas isso não tem sido acompa

O médico dentista considera que existem muitos fatores que se podem controlar e mudar para minimizar a incidência de periimplantite.

nhado de uma maior adesão por parte dos colegas a esses tratamentos. Pode ser tentador explantar um implante com periimplantite ou com défi ces de tecidos moles, mas essa opção corresponde a um esforço de tempo, maior número de tratamentos e maior investimento fi nanceiro tanto do doente como do médico dentista. Por isso, essa pode não ser a opção de tratamento mais conservadora.

O paciente deve assumir um papel mais preponderante na prevenção dos problemas do foro periimplantário?

Sem dúvida. O doente deve ser colocado no centro do tratamento e deve ser um verdadeiro facilitador e promotor da sua própria saúde oral. Os médicos dentistas podem promover os meios do tratamento, mas não poderão prometer os fi ns. A otimização das taxas de sucesso dos nossos tratamentos dependem de uma participação ativa do doente e isso deve ser informado. Por exemplo, ajudando no controlo de doenças sistémicas do próprio, aderindo às indicações de tratamento, cuidados pós-operatórios e consultas propostas, e cumprindo um programa rigoroso de controlo e manutenção, que previna a ocorrência de complicações periimplantares. É arriscado para o médico dentista comprometer-se com resultados dos seus tratamentos sem a colaboração do doente.

Que importância assumem as novas tecnologias na sua prática clínica?

O princípio de poder esclarecer o doente de todos os passos que envolvem o tratamento antes de o começar, para que este possa tomar uma decisão informada, é para mim fundamental.

O planeamento reverso digital assente em imagiologia tridimensional permite fazê-lo de forma rápida e precisa; assim sendo as novas tecnologias também são ferramentas de comunicação com os pacientes. Neste momento, para mim é impensável colocar qualquer implante, mesmo em casos teoricamente simples, sem pelo menos um CBCT. Desta forma estas tecnologias são cada vez mais centrais e são um excelente aliado para, conhecendo e planeando de antemão, possamos realizar uma cirurgia o mais rápida e precisa possível, e também por isso mais conservadora. Os processos de produção de componentes de prostodontia digitalmente também vieram tornar o processo mais ágil e corresponder às expectativas de celeridade dos doentes em casos específi cos.

Numa época em que o exercício da profi ssão cada vez mais se associa a fatores multidisciplinares, é a favor de uma permanente formação e/ou reciclagem dos médicos dentistas?

Considero que a crescente especialização dos médicos dentistas tem a grande vantagem de melhorar a qualidade dos tratamentos oferecidos nas respetivas áreas de especialidade, mas pode desviar o foco da perspetiva geral do doente e do interesse de conhecer o doente e a sua saúde oral como um todo. É importante que apostemos em formação interdisciplinar para, pelo menos, conhecermos como é que a nossa área de especialidade se relaciona do ponto de vista do diagnóstico e da terapêutica com outras áreas da Medicina Dentária, mas também é preciso uma verdadeira formação multidisciplinar. No geral, os médicos dentistas têm correspondido, através do esforço e investimento no seu desenvolvimento pessoal e profi ssional, às necessidades de saúde oral da população e temos hoje dos médicos dentistas mais qualifi cados do mundo.

Gonçalo Assis encara as novas tecnologias também como ferramentas de comunicação com os pacientes.

A otimização da escolha dos materiais usados, da técnica cirúrgica e prostodôntica envolvidas, poderão resultar em níveis de casos de periimplantite fáceis de gerir

Como antevê o panorama da classe dos médicos dentistas no rescaldo da pandemia de COVID-19?

Neste momento, as clínicas deixaram de estar encerradas por despacho ministerial e estamos sob alçada de uma norma de reabertura e de orientações por parte da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD). Da mesma forma que os médicos dentistas foram responsáveis,o sufi ciente para fechar as suas clínicas antes das diretrizes destas entidades no início desta crise, também serão responsáveis o sufi ciente para não retomar a sua atividade clínica até que as condições mínimas de biossegurança para eles próprios e os seus doentes estejam asseguradas. Seria expectável que fossem divulgadas as normas para a reabertura com o tempo sufi ciente para a classe se preparar antes desta se efetivar e que fosse garantida a disponibilidade de equipamento necessário ao seu cumprimento. A forma como este assunto foi gerido pela OMD coloca uma pressão enorme em todos os colegas que queiram cumprir escrupulosamente as normas emanadas. Simultaneamente foi dado o estímulo para retomar a atividade clínica e criada essa expectativa na população e, ainda num contexto de falta de material de proteção obrigatório ou de prática de preços especulativos, são retirados alguns apoios como o lay-off ou várias obrigações fi nanceiras. Na ausência total de regulação do mercado da Medicina Dentária em Portugal por demissão de responsabilidades das entidades que tinham essa competência, é preocupante como dois grupos em particular irão sobreviver: os jovens médicos dentistas que optaram por não emigrar e já tinham vínculos precários – muitos auferiam menos retribuição que o salário mínimo nacional – e os pequenos empresários, que têm sido fustigados com muitas taxas e impostos inúteis, e têm visto a tesouraria das suas empresas piorar ano após ano. Nada será certamente como dantes, principalmente se não nos unirmos todos em torno de políticas novas para a saúde oral.

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