1
2
Expediente Editores-chefes Max Valarezo , Mateus Vidigal Editores de fotografa Marianna Nascimento, Pedro de Azevedo, Terra Thaís Editores de Arte Jéssica Gotilib, Johnatan Reis Editores Augusto Berto, Douglas Amorelli Gabriel Goes, Jhésycka Vasconcelos Julia Lugon, Luiza Facchina Marianna Holanda, Nathalia Zôrzo Repórteres: Alexandre de Paula, Augusto Berto Brunna Ribeiro, Douglas Amorelli, Guilherme Vargas, Igor Caldas, Isabella Calzolari, João Gabriel Julia Lugon, Letícia Carvalho Luiza Facchina, Marianna Holanda Marianna Nascimento, Mateus Vidigal, Max Valarezo, Nathalia Zôrzo, Patrícia Cruz, Terra Thaís. Fotógrafos Alexandre de Paula, Guilherme Vargas, Isabella Calzolari, João Gabriel, Julia Lugon, Letícia Carvalho, Luiza Facchina, Marianna Holanda, Mateus Vidigal, Max Valarezo, Patrícia Cruz, Terra Thaís, Vinícius Alves Diagramadores Igor Caldas, Jéssica Gotilib Johnatan Reis, Marianna Nascimento, Max Valarezo, Walter Carlos Professores David Renault, Susana Dobal Esta revista foi produzida no 1° semestre de 2012 pelos estudantes de Jornalismo da Universidade de Brasília matriculados nas discilinas Fotojornalismo e Técnicas de Jornalismo.
Atrás de grandes histórias Não seria engano dizer que, para muitos alunos de Técnicas de Jornalismo, a disciplina traz as primeiras experiências de apuração verdadeira. Depois de ouvir falar tanto no famoso “gastar a sola do sapato”, pudemos sair, achar fontes, entrevistar pessoas e observar os fatos se desenrolarem. Tudo para podermos contar depois o que vimos. Mais tarde, todas essas habilidades foram postas à prova com a viagem da turma à cidade de Pires do Rio, no interior do Goiás. Como esperado, lá estavam dificuldades aguardando por nós. Quantas vezes fomos abordados por gente desconfiada? “Quem são vocês? Trabalham pra qual jornal? Vocês estão é trabalhando pro candidato lá que eu sei!”. Adicione a isso os eventuais atrasos, as fontes que não localizávamos e a cara de perdido ao perceber que você não conhece os caminhos da cidade. No total, tivemos três dias de entrevistas, fotografias, canetas em bloco de papel e alguns moto-táxis. Cada um de nós, sempre, à procura da grande história. O resultado de tanto movimento são estas matérias. Com o passar das páginas, surgem personagens e situações das mais cativantes: os dois políticos rivais em disputa pelo cargo de prefeito; o bar que não admite a entrada de solteiras desacompanhadas; o lutador de taekwondo que nunca mais poderia lutar após um acidente e, mesmo assim, se tornou campeão; o museu em risco de desabar e acabar enterrando a memória da cidade. Tramas dignas de ficção? Sem dúvida. Mas o melhor é perceber como a vida real conseguiu nos fornecer histórias tão incríveis. No fim, resta a impressão de que gastar a sola do sapato nunca foi tão gratificante. Mateus Vidigal e Max Valarezo, editores-chefes.
3
Índice
Cidade Memória sob trilhos 06 Valor piresino em ascensão 12 Por todos os lados, bares de esquinas 16 Responsabilidade de todos 20 Que prédio é esse? 24
A gente é do interior, mas não é bobo não 28
Política
Cidade pequena Grande rivalidade 32
4
Coluna Social
Piresinos 44
Esporte Exercício coletivo 48 O campeão está de pé 52
Cultura As vozes de pires do rio 56 Reivindicações virtuais 60 Sabor piresino 62 Uma festa que promove a união 66 5
Memória sob trilhos
As marias-fumaça são as principais atrações do museu
Do suporte para produção cafeeira ao movimento comunista, Pires do Rio luta para preservar sua história Reportagem por Augusto Berto; Fotos por Alexandre de Paula
6
Um pouco antes de Brasília nascer, outra cidade
os antigos moradores piresinos, uma cidade
planejada já encantava o presidente Juscelino
organizada foi ideia de Juscelino, copiando Pires
Kubitschek. Durante a campanha presidencial para
do Rio. Para entender como surgiu um município
as eleições de 1955, ele esteve nas principais cidades
planejado no meio do Centro-Oeste brasileiro, é
do Estado de Goiás. Em Pires do Rio, o então
necessário voltar no tempo, contar outras histórias.
candidato pernoitou. Segundo o folclore piresino,
a idealização de construir um centro planejado
Brasil tinha o café como principal produto de
foi copiada de lá, que, apesar de ter um plano
sua economia. As produções batiam recordes
arquitetônico mais simples e menos ousado, deu
a cada ano. Em 1920, foram exportadas 22
o estalo para Juscelino também preparar Brasília.
milhões de sacas. Para atender toda a demanda,
O plano de trazer a capital para o centro
os produtores destinavam quase a totalidade
do país é antigo, remonta o texto-constituinte
de suas terras cultiváveis para a produção de
da República, ainda no século XIX. Mas, para
café. O cultivo era concentrado no sudeste,
Nas primeiras décadas do século XX, o
principalmente em São Paulo. A aridez do
continentais, uma malha ferroviária bem articulada
Centro-Oeste goiano parecia não ter ligação
era indispensável, sem contar que a indústria
com o desenvolvimento da economia brasileira.
automobilística e as rodovias ainda eram incipientes.
uma
O Centro-Oeste era, aos poucos, incorporado
rede para suprir as necessidades cafeeiras. O
ao capitalismo para abastecer São Paulo. A
“ouro verde” não poderia alimentar a imensa
inclusão do campo à produção capitalista
mão-de-obra
latifúndios,
precisava de uma base de crescimento de cidades
ocupados pela monocultura. Era necessária
e o surgimento de outras. Pires do Rio nasce
uma estrutura para levar cereais, bois e outros
assim: entre uma estação ferroviária e outra,
alimentos para abastecer as regiões produtoras.
crescem cidades para acolher os trabalhadores.
A política de implantação de ferrovias criada
Esse importante capítulo na história do país é
pelo presidente Campos Salles, em 1907, dá
preservado pelo Museu Ferroviário de Pires do
início a um processo de extrema importância na
Rio, uma das quatro instituições que se dedicam
economia brasileira: para um país de dimensões
a preservar a memória das ferrovias brasileiras.
Contudo,
tornara-se
empregada
indispensável
nos
Fachada do Museu Ferroviário de Pires do Rio, prédio reformado em 2007
7
Cláudia Maria de Paula, diretora do museu, dedica sua vida a preservar a história piresina
História Ameaçada
8
atrações do museu são duas marias-
Fundado em 1988, o Museu Fer roviário
fumaça estacionadas dentro do prédio. Os
abriga um acer vo que ajuda a manter
trens foram usados na década de 1940 e
viva a história piresina. Fotos da época
doados depois que ficaram sucateados.
da constr ução da cidade, iniciada em
1922, documentos impor tantes, móveis
de outras cidades e até mesmo documentos
e fer ramentas usadas pelos primeiros
que não são relacionadas à fer rovia vão
trabalhadores:
tudo
para
para os arquivos da instituição. Segundo
preser var
identidade
e
Cláudia Maria de Paula, diretora do museu,
relembrar o valor que a fer rovia tem
esse fato só aumenta a impor tância do
para o crescimento da região. As g randes
lugar. “Acabou virando um museu eclético.
a
é
guardado cultural
Por ser o único museu da região, peças
Guardamos tudo que ajuda a preser var a
perceber claros problemas estruturais ainda
história da cidade e de seus habitantes. É
com a obra em andamento, como rachaduras
impor tante mostrar para as gerações futuras
no piso e paredes tremulando. Os engenheiros
como era a sociedade há algum tempo”.
responsáveis, com ironia, perguntavam: “Por
Mas toda essa história está ameaçada. O
acaso você é formada em Arquitetura?”.
museu que representa parte importante da memória
Além disso, o museu sofre com cupins que
do país pode desabar a qualquer momento. Por
deterioram o telhado, os trilhos e até a fiação
estar ao lado da ferrovia, o museu sofre com os
elétrica. Esse conjunto de problemas resultou
abalos provocados pela passagem das locomotivas
no fechamento do prédio pela Defesa Civil.
e vagões. Mesmo com a reforma recente, financiada
pelo Governo Federal em 2007, toda a estrutura do
madeira, que vai do chão ao telhado. “Esse pedaço
prédio está comprometida. A diretora reclama dos
de pau está sustentando o telhado. Se ele cair,
engenheiros que realizaram a obra. “Os trens
nós ficaremos soterrados”. Avisa Cláudia. Com
lotados de carga passam aqui ao lado. O prédio
calma assustadora, completa: “Não podemos
precisa ser reforçado para aguentar os tremores”.
ficar muito tempo. O prédio pode cair a
qualquer momento e eu não avisei aos bombeiros
Por ser o único museu da região, peças de outras cidades e até mesmo documentos que não são relacionadas à ferrovia vão para os arquivos da instituição.
que estaríamos aqui hoje. Caso o prédio
“
“
O descaso continuou mesmo após Cláudia
A diretora aponta, ainda, uma tora de
desabe, ficariam dias sem nos encontrarem”.
Uma nova reforma já foi aprovada pelo
governo e está orçada em R$ 250 mil. A verba será destinada à troca da fiação e reforma do telhado. De acordo com o contrato, as obras serão iniciadas em dezembro deste ano. A diretora se preocupa com a data, pois as chuvas podem impossibilitar a conclusão da reforma. O local que preserva a memória da cidade, um dos únicos dedicado às ferrovias no país, está sustentado por uma tora de madeira. É muita história para um tronco segurar.
9
Resto de esperança Outras iniciativas estão sendo tomadas para preservar a memória da ferrovia. No campus da Universidade Estadual de Goiás (UEG), situado em Pires do Rio, alunos são estimulados a produzir documentos que relatem a sociedade piresina no início do século, até os tempos atuais.
Ubiratan Galli, diretor do curso de
História, destaca a importância do museu nesse processo. “A ferrovia traz muito assunto interessante, que necessita de aprofundamento. Quando estuda a história de um lugar, é um retorno que o aluno dá para a sociedade. E, sem o museu, esses trabalhos seriam imprecisos”.
Galli diz que há muito mais no nascimento
de Pires do Rio do que a construção da ferrovia. A cidade goiana não ficou à margem dos fatos ocorridos no início do século XX. Em 1922, quando a cidade surgiu, muitos movimentos políticos e sociais ocorriam. A revolução bolchevique de 1917 disseminava ideais políticos revolucionários. No Brasil, a Semana de Arte Moderna e o movimento tenentista repercutiam nas rodas de conversa. Assim, não poderia deixar de repercutir em uma grande concentração de trabalhadores, como a que estava em Pires do Rio, as transformações sociais da época.
10
Muitos
trabalhadores
italianos
que
buscavam oportunidades nas ferrovias da região tinham
conhecimento
emergentes.
desses
Reivindicações
movimentos
trabalhistas
não
demoraram a surgir ao longo dos trilhos. Ideais anarquistas espalharam-se na mesma velocidade com que avançavam os trens.
Uma das primeiras células comunistas do
Brasil originou-se em Pires do Rio. A importância do movimento no local cresceu e, tempos depois,
Telhado do museu é sustentado por frágil tronco de madeira
perseguido no litoral, o secretário-geral do partido comunista, Luis Carlos Prestes, ficou escondido
a história local, ou a diretora do museu que implora
durante três meses em Goiás, período em que se
por verbas, e quem sabe, até a fina tora de madeira
passou por pedreiro na construção de um sanatório
que luta contra os cupins para manter o prédio
na região, segundo conta o diretor da faculdade.
em pé. Todo esse esforço dá vida a uma cidade
esquecida, entre tantas outras no interior goiano.
Apesar da importância histórica, Pires do
Rio sofre para preservar sua memória. Aos poucos,
Contudo, não resta dúvida: após tantos
pessoas vão dedicando a sua vida para a causa. Seja
anos, os trens, mesmo repousando no museu,
o professor que tenta estimular os alunos a estudar
nunca deixaram Pires do Rio sem movimento.
11
Valor piresino em ascensão Abate de aves e agroindústria estruturada dão destaque à economia de Pires do Rio dentro do estado de Goiás Por Mateus Vidigal
12
Quem visita Pires do Rio pela primeira vez conhece
Ao se analisar diferentes estudos recentes,
uma cidade pequena com ares de tradicional
percebe-se que Pires do Rio ainda está longe de
município do interior goiano. Lá estão a praça central,
ser uma grande potência socioeconômica dentro
as igrejas e o mercado de frutas que se encontram
do estado. É o caso da pesquisa feita em 2011
em diversas cidades do país. Contudo, por trás dessas
pela Superintendência de Estatísticas, Pesquisas e
singelas características, esconde-se uma crescente
Informações Socioeconômicas (SEPIN) em conjunto
produção industrial que tem impulsionado Pires
com a Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado
do Rio, classificando-a cada vez mais como um dos
de Goiás (SEGPLAN). Nela, todos os municípios de
pontos importantes dentro da economia de Goiás.
Goiás foram classificados dentro de seis grupos, de
O município está localizado na região
acordo com o desenvolvimento social e econômico.
no Sudeste Goiano, mais especificamente na
Nesse ranking, Pires do Rio foi colocado no quarto
microrregião que também leva o nome de Pires do
grupo, o de cidades que possuem relativo dinamismo
Rio, formada ainda por Cristianópolis, Gameleira
econômico e processo de industrialização presente.
de Goiás, Orizona, Palmelo, Santa Cruz de Goiás,
São Miguel do Passa Quatro, Silvânia, Urutal
força em outros estudos. É o caso, por exemplo, da
e Vianópolis. A cerca de 140 quilômetros de
pesquisa também feita pela SEGPLAN que separa
Goiânia, capital do estado, e a aproximadamente
Goiás em dez Regiões de Planejamento, tendo em
250 quilômetros de Brasília, o município tem por
vista o desenvolvimento e diagnóstico das deficiências,
volta de 30.000 habitantes distribuídos em um
condições e qualidades das regiões do estado.
território de 1.073 km², de acordo com o Instituto
A análise mostra que a Região de Planejamento do
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Sudeste Goiano, na qual Pires do Rio se encontra,
Entretanto, o município tem demonstrado
Isto é Pires do Rio População
29.145
*
habitantes
*Censo Demográfico 2010
Área
1.073 km² Fonte: IBGE
0.2%
Frota municipal de veículos 7.9%
Automóveis Caminhões Caminhões-Trator Caminhonetes Micro-ônibus Motocicletas Motonetas Ônibus Tratores
25.1% 49%
0.2%
12.2%
0.5%
3.6%
Fonte: IBGE
13
6º
maior produtor de aves do estado de Goiás
2.774.500 cabeças* (5,03% do total)
14
obteve papel de destaque no cenário econômico,
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB), em
segundo o levantamento do Produto Interno Bruto
pesquisa de 2010, o município é o sexto principal
(PIB) dos municípios goianos em 2009. A região,
produtor de aves de Goiás (ver acima). Outro
de forma geral, teve saldo positivo na contribuição
ponto relevante para o município é a 10ª posição
para o PIB do estado: foi o segundo bloco com
em um estudo de 2009 do IMB sobre qualidade de
maior aumento de participação (de 7% a 7,5%),
vida, que envolveu todos as 246 cidades de Goiás.
perdendo apenas para o Centro Goiano – em
que estão, por exemplo, Anápolis e Goianésia,
estado surgiu com o Grupo Tomazini, comandado,
consagrados por suas indústrias e comércio.
atualmente, pelo casal Francisco Tomazini e Cida
Dentro de sua Região de Planejamento,
Tomazini, candidata à prefeitura de Pires do Rio
Pires do Rio sobressaiu-se pela agroindústria
nas eleições deste ano. Tendo chegado à cidade por
relevante, pela produção de óleos vegetais e pelo
precisarem de um ponto estratégico de distribuição
abate de aves, que é a principal atividade econômica
e armazenamento da produção, o grupo se insere
da cidade. Segundo o Instituto Mauro Borges de
no município principalmente com três vertentes
Esse papel de destaque econômico dentro do
*Dados de 2010. Fonte: IBGE/SEGPLAN-GO/IMB
Pires do Rio é o
PIB a preços correntes de Pires do Rio entre 2007 e 2009 (em milhões de R$)
356.490 352.015
280.352
2007
2008
2009
empresariais: a Olvego, empresa de armazenamento do Goiás é também reflexo do aumento individual de soja, fabricação de óleos vegetais e transporte que Pires do Rio tem demonstrado nos últimos do grão; a Nutriza, que consiste em um complexo anos. O PIB a preços correntes (que avalia as agroindustrial de produção integrada, desde o plantio mercadorias segundo o preço do ano de produção de grãos para o processamento de rações até o abate e de comercialização) da cidade aumentou mais das aves criadas em suas granjas; e a Friato, que aliada de 27% entre 2007 e 2009 (ver infográfico). à Nutriza, abastece mercados nacionais - Centro
Pires do Rio pode ainda não ser uma potência
Oeste, Norte, Nordeste e Sudeste- e internacionais na economia goiana, mantendo-se atrás de outros – Europa, Ásia e África. Juntas, as três empresas municípios. Mas a expectativa, segundo os estudos impulsionam a economia de Pires do Rio, atribuindo apresentados, é de que a cidade siga evoluindo e que ao PIB do município destaque a nível estadual. se consolide cada vez mais como um polo econômico,
O crescente papel da cidade na economia seguindo a vertente vista nos últimos anos. . 15
Sem programação cultural, a saída para diversão em Pires do Rio é limitada aos bares da cidade. A grande variedade de cachaça é atrativo dos locais
Por todos os lados, bares de esquinas Moradores acham que falta de incentivo à cultura na cidade torna botecos a principal forma de entretenimento Por Isabella Calzolari; Fotos por Julia Lugon
Com as tradicionais mesas e cadeiras de plásticos, os bares de Pires do Rio, quase todos de infraestr utura simples e espalhados, principalmente, por diversas esquinas, são baratos ao se comparar com os de Brasília.
16
Os preços são acessíveis e a variedade
“Infelizmente, os pais não têm onde
de bebidas é g rande: desde aquelas
deixar seus filhos quando querem
sem álcool até a cachaça mais for te.
sair com os amigos. Não tem nenhum
Para acompa n h a r , v á r i o s t i p o s d e
p a rq u i n h o p a r a b r i n c a r. E n t ã o a c a b a
espetinhos. Há também a opção
que o menino acompanha os pais
de pedir as
“jantinhas”, pratos
n o b o t e c o e fi c a a c o s t u m a d o à q u e l e
feitos com ar roz, feijão tropeiro,
a m b i e n t e ” , a p o n t a R a q u e l To m a z i n i ,
mandioca e tor resmo, além, é claro,
m ã e d e u m a c r i a n ç a d e n ov e a n o s e
do espetinho que o cliente desejar.
frequentadora de um dos bares mais
Sem deixar de lado também a música
m ov i m e n t o s d a p r a ç a . “A l é m d i s s o,
sertaneja, que embala a cidade.
o fi l h o v ê o s p a i s b eb e r e m e d i z e r e m
Extremamente populares, os
que uma boa cer veja gelada é o que
botecos da cidade ser vem como
mata a sede. Ela acaba crescendo
o principal entretenimento para
com
muitos piresinos. Sem teatros ou
cinemas
restam
b eb i d a a l c o ó l i c a a m e n o r e s d e i d a d e
quem
é g rande entre os donos dos botecos.
deseja sair e se diver tir. “Cada lugar
C o m u m C o n s e l h o Tu t e l a r m u n i c i p a l
tem que se adequar aos padrões da
considerado
própria cidade. Já que aqui não
cobranças de que não se infrinja
tem nenhum atrativo, as pessoas
essa lei, os flag rantes de menores
acabam indo sempre para os bares
comprando
mesmo”, afir ma Sebastião Gomes,
58 anos, dono do Bar do Seu
p o l ê m i c a , c o n t u d o, p o d e s e r v i s t o
Gomes, localizado na praça central.
em Pires do Rio: um dos bares mais
Essa falta de opções de lazer
conhecidos da cidade, o Bar do
também faz com que menores de
Dinho, não per mite que mulheres
i d a d e p a s s e m a f r e q u e n t a r c edo os
solteiras
bares, de acordo com os moradores.
e s t a b e l e c i m e n t o, ch a m a d o p o r a l g u n s
poucas
no
município,
alter nativas
para
essas
ideias”,
conclui.
A preocupação em não vender
rígido
b eb i d a
e
constantes
são
b a i xo s .
Outro tipo mais insólito de
sentem-se
sozinhas
no
17
frequentadores
de
Clube
do
Bolinha.
“Solteira
desacompanhada em bar só dá problema”, defende o dono do boteco, Seu Dinho, 58 anos. A regra, porém, não é inflexível. “Se eu não conheço a moça, ela não precisa nem perder tempo tentando entrar aqui. Mas, se for uma conhecida, eu até vendo uma ou duas cervejinhas. Mas dar pinga, aí não, jamais”.
Geralmente visto como uma pessoa brava,
Seu Dinho se mostra calmo quando o assunto é o próprio bar e o time do coração, o Santos. A paixão pelo clube é tanta que o estabelecimento é completamente decorado com títulos e camisas da equipe – uma delas, inclusive, autografada pelo próprio Pelé.
Muito católico, Seu Dinho não abre o bar aos
domingos antes de ir à igreja. Em dia de jogo do Santos, quem não gosta de assistir à partida que vá embora. “Um dia o Santos estava jogando e todo mundo combinou de sair do bar e me deixar sozinho, só de implicância. Acharam que eu ia me incomodar, mas quebraram a cara, nem dei bola”, brinca o dono do boteco. No bar, os fregueses são seus amigos e Dinho os deixa à vontade. Não há comanda para anotar quantas bebidas foram consumidas e, se o cliente quiser um churrasquinho, tem a liberdade de pegar um e colocar para assar por conta própria.
Em meio a personagens caricatos e polêmicas
diferentes, os bares de Pires do Rio continuam apinhados de gente. A aparente falta de alternativas de lazer na cidade contribui para que esses estabelecimentos se mantenham sempre movimentados, com todas as vantagens e problemas que isso pode acarretar. 18
As jantinhas são parte do cardápio, com churrasquinho
o, arroz e feij達o tropeiro
Fachada do famoso Bar do Dinho
Sebasti達o e sua esposa s達o propriet叩rios e atendentes do bar Seu Gomes
19
Fundado há mais de 40 anos, o 11º Batalhão da Polícia Militar de Pires do Rio surgiu da necessidade de fornecer maior segurança aos moradores de sua cidade sede e de outras 12 que a cercam. O serviço prestado pela unidade é o de policiamento ostensivo, previsto na Constituição Federal, artigo 144, e, para isso, o Batalhão conta com três viaturas especializadas. 20
O comandante da unidade, o Tenente Coronel Elton Ferreira, explica que a atuação da Polícia Militar na região se concentra em casos de furtos praticados por usuários de drogas, que precisam de um meio de pagamento para alimentar o seu vício. Ocorrências de homicídios, por exemplo, são bem menos frequentes na região. Segundo informações da unidade, houve apenas oito casos desse crime no ano de 2011 em toda a região atendida pelo Batalhão. Para o Coronel Elton Ferreira, um dos principais problemas enfrentados hoje pela unidade é a falta de confiança que sentem os habitantes da região em relação ao trabalho desenvolvido pela Polícia. “As pessoas têm muito medo de denunciar os crimes que presenciam, acham que vão ser descobertas”, expli-
Responsabilidade de todos Policiamento comunitário em Pires do Rio difunde idéia de que segurança pública é responsabilidade de todos
Por Nathalia Zôrzo Fotos João Gabriel
ca o comandante. Para ele, esse problema é decorrente de uma cultura imposta aos cidadãos, desde pequenos, na qual o serviço realizado pela polícia é essencialmente rígido e perigoso. “A instituição que deve representar a defesa da sociedade não pode ser apresentada a uma criança como sendo um monstro”, defende. Diante do cenário de insegurança e falta de colaboração por parte dos habitantes da região, o estado de Goiás tem implantado em suas cidades o serviço de Policiamento Comunitário. O projeto é voltado para esclarecer dúvidas, acolher sugestões e aproximar a atividade da Polícia Militar à comunidade. Baseia-se na ideia de que a segurança pública não é apenas dever do Estado e direito do cidadão, mas responsabilidade de todos. O serviço tenta se aprimorar no Brasil ao
longo dos últimos 18 anos e o estado de Goiás é um dos pioneiros nessa atividade. Em Pires do Rio, por exemplo, são realizadas reuniões mensais em cada bairro da cidade, nas quais os moradores podem entender melhor como funciona o serviço prestado pelo Batalhão e como é possível ajudar no aperfeiçoamento desse trabalho. Além disso, o comando da polícia ensina à comunidade dicas importantes de segurança, como forma de prevenção a possíveis delitos. Em casos especiais, a polícia pode realizar, também, algumas visitas aos locais que carecem de atenção: residências, comércios ou mesmo entidades públicas. Tal medida tem a intenção de identificar focos de crimes e solucionar os problemas de forma mais dirigida.
21
Apesar dos esforços do 11º Ba talhão, divulgar e ter uma boa participação da comunidade no projeto não é tarefa fácil. “O Policiamento Comunitário é uma quebra de paradigma. Tanto para a população que, por apatia ou medo, não confia na PM, quanto para os nossos policiais, que foram formados dentro do quartel e tem na cabeça aquele negócio de militarismo”, defende o Coronel Elton. Por outro lado, mesmo que de forma indireta, a presença de veículos de comunicação serve como uma ponte de informação para que a PM possa atuar de forma mais ágil. Uydson Wlisses, dono da rádio Líder FM, um dos principais veículos de Pires do Rio, acredita que os piresinos têm receio de denunciar crimes para a polícia porque existem meios mais rápidos e cômodos de fazê-lo. “Quando as pessoas têm qualquer problema ou informação, elas ligam aqui na rádio, todos ouvem e colaboram. Temos um programa com mais de 50 mil participações desse tipo. A rádio talvez seja a coisa mais importante da cidade e as pessoas confiam muito nela”, acredita Uydson. A comerciante Geane Correia, 35 anos, nunca ouviu falar sobre o projeto, mas acredita que, quanto à ocorrência de crimes, as pessoas têm receio de denunciar por medo da reação dos delinquentes e também por uma questão de costume. “Por a gente ser de cidade do interior, preferi22
mos resolver as coisas em família, até por respeito, para não expor as pessoas.” Já Suzan Queiroz, 42 anos, também comerciante, participa e conhece bem o projeto. “A gente está sempre vendo o serviço que eles fazem para comunidade. É uma relação bem próxima, eles deixam até o número do celular deles para a gente entrar em contato de forma mais rápida, caso precise.” Suzan relata que já evitou furto em sua loja duas vezes, ao ligar para o Batalhão. Apesar de exigir uma quebra de paradigmas e levar anos para ser totalmente integrada pelas forças policiais, como acredita o comandante Elias, a adoção da prática de Policiamento Comunitário é uma tática que tem tudo para dar certo. O sucesso do projeto ocorrerá na medida em que receber a devida atenção por parte dos órgãos competentes e conseguir identificar, de forma estratégica, qual é o tipo de segurança e polícia que se deseja ter em cada região.
O 11º Batalhão de Polícia Militar de Pires do Rio atende 12 municípios e conta com três viaturas especializadas para realizar o policiamento
23
Que prédio é esse? A história do maior – e inacabado- prédio de Pires do Rio Por Marianna Holanda Fotos Guilherme Vargas
Como uma típica cidade de interior, Pires do Rio tem praça central, bares de esquina e pequenas igrejas. No entanto, no meio a tantas casas e construções baixas, um prédio chama a atenção. Não apenas por ser muito alto para os padrões piresinos, mas por estar em construção há mais de 15 anos, sem previsão de término. Situado na Rua Francisco Coutinho, nº 56, a obra é mais conhecida como “o prédio do Uydson [Wlces]”, jornalista da cidade.
Por mais que a edificação destoe do cenário em volta, a comunidade mais próxima a ele não parece se incomodar, ou por conhecerem a família de Uydson ou por estarem familia24
rizados com a presença do prédio. Poucos parecem saber, contudo, há quanto tempo a obra está em andamento. Com o nome oficial de “Condomínio Residencial Boomerang”, o projeto de edifício existe há 16 anos e, mesmo assim, ainda não teve a construção finalizada. O prédio poderia parecer abandonado se não fosse pelas pequenas reformas em curtos intervalos de tempo, como a pintura feita na fachada um ano e meio atrás. A história do prédio começou nos anos 1990, quando os seis filhos de um comerciante local se juntaram para decidir o que fazer com um terreno vazio da família. Segundo Gláucio Correia de Souza, irmão de Uydson e caçula dos seis filhos, “a ideia, desde o começo, foi construir o primeiro grande prédio de Pires do Rio. Mas nunca tivemos a intenção de expandir para um condomínio de prédios, porque uma construção desse porte requer muitos fundos”. Logo, a solução encontrada foi criar uma “carteira mensal”: todos os meses, cada irmão depositava uma quantia proporcional à sua renda. De acordo com Gláucio, o plano era que o prédio ficasse pronto em cinco anos e que cada irmão tivesse um andar para si e sua família. Os pavimentos restantes seriam vendidos. Hoje, quem se aproxima do Condomínio Residencial Boomerang pode ver que apenas o esqueleto da obra está de pé. Contudo, por mais estranho que pareça um edifício com tantos andares em uma cidade majoritariamente horizontal estar em construção há tantos anos, a situação não repre-
senta nenhum tipo de irregularidade. Luis Antonio Oliveira Almeida, engenheiro civil e inspetor da prefeitura, afirma que “se trata de um lote privado, sem nenhum vínculo público e sem necessidade de licitação, ou seja, está tudo na legalidade”.
Rumores Com o passar do tempo, surgiram entre os moradores de Pires do Rio diversos boatos para explicar a demora da conclusão das obras. A hipótese mais comentada e tida como verdade por muitos piresinos afirma que as obras foram interrompidas por não conseguirem aval da prefeitura, devido à falta de Corpo de Bombeiros na cidade até 2011. Não é o caso, porém, uma vez que é comum outras cidades pequenas construírem edifícios mesmo sem a presença dos bombeiros na cidade.
Gláucio explica que, apesar dos fortes boatos, esse nunca foi o motivo. Segundo ele, o problema foi a falta de recursos. “Ao longo dos anos, cada irmão foi se envolvendo com projetos pessoais e o sonho de fazer o primeiro grande prédio de Pires foi ficando para trás”, relata o engenheiro civil. Ele próprio abriu uma empresa de construção de pré-moldados, a Pré-Forte, por exemplo. No entanto, o que marcou a estagnação das obras foi a retirada dos recursos do maior investidor-irmão, o médico Wagner Ulyces, que resolveu construir seu próprio prédio na cidade onde mora, São Luis de Montes Belos, também Goiás. No total, ao somar-se mezanino, cobertura e demais pavimentos, o prédio atingiu a marca de 16 andares, cinco vezes o padrão piresino. Contudo, apenas o primeiro andar foi devidamente concluído há alguns anos. Gláucio afirma que uma de suas tias irá viver ali em breve.
Desenvolvimento versus Provincianismo
Por mais que os vizinhos do edifício estejam acostumados com ele, outros piresinos ainda têm opiniões divididas quanto à obra. O inspetor Luis Antonio afirma não existir demanda na cidade para prédios enormes. Em vez disso, aponta outra tendência habitacional: as moradias populares, como as fornecidas
pelo programa federal “Minha Casa, Minha Vida”. “O povo sempre morou em casa e não tem interesse de se mudar para prédio, essa é uma necessidade que ainda não existe no município”, explica o funcionário da prefeitura. “É um provincianismo saudável”.
25
Eurípedes de Araújo, dono de uma sorveteria vizinha à construção, por sua vez, comenta que prédios são sinal de status e desenvolvimento. No entanto, quando questionado se gostaria de morar lá, afirma categoricamente que nunca trocaria sua casa para morar “no alto”. Gláucio concorda que estejam faltando moradias populares e que ainda existem muitos lotes vazios pelo município. No entanto, ele defende que é tudo uma questão de cultura e que “onde tem prédio, tem desenvolvimento”. Partilhando sua opinião, está Lorivaldo Sestari, pastor e agente imobiliário. Ele complementa que Pires do Rio tem muito potencial de expansão, por estar localizada entre Brasília, Goiânia e Uberlândia. Segundo ele, a demanda é muito grande na cidade, “a cada meia hora, aparece alguém querendo alugar”. Portanto, afirma Sestari, se os apartamentos fossem postos à venda hoje, acabariam em 15 dias.
26
Em 2011, depois de anos tramitando, foi aprovado o Plano Diretor de Pires do Rio, que consiste em um conjunto de regras e objetivos que concernem à urbanização do município. No caso da cidade, as porcentagens permitidas para construção privada em um lote diminuíram. “Isso causa uma supervalorização do lote e uma consequente possibilidade de verticalização na cidade”, opina Lorivaldo.
O Destino do Prédio O futuro do edifício inacabado permanece incerto. Lorivaldo e sua imobiliária, a Freire, fizeram uma proposta para a família dona do prédio: formar uma parceira com uma empreiteira de Goiânia (ainda não definida) para acabar o prédio em seis meses. A imobiliária se responsabilizaria por vender os apartamentos e ficaria com parte do lucro. Segundo Lorivaldo, “está tudo certo, só falta os irmãos assinarem o contrato”.
Contudo, o documento já está nas mãos da família há quatro meses, com os irmãos ainda sem saberem se seguirão adiante com a proposta. Gláucio, porém, ressalta a intenção dos irmãos de finalizar as obras. “Quanto mais tempo demorar, pior. O prédio vira motivo de chacota”, lamenta o engenheiro. Ainda de acordo com ele, a família pretende analisar todas as opções e vender o edifício o mais rápido possível. Até lá, a construção solitária e inacabada permanecerá como um dos personagens peculiares de Pires do Rio.
27
A gente é do interior, mas não é bobo não Por Douglas Amorelli | Fotos: Luiza Facchina
O movimento Eu pratico rally em Pires do Rio é a forma bem humorada e de crítica que a população inventou para protestar contra os buracos na rua 28
Quem passa hoje pelas ruas centrais de Pires do Rio, em Goiás, não percebe nenhuma falha no asfalto. Porém, basta ir a regiões mais distantes, que as dificuldades para trafegar nas ruas da cidade começam a aparecer. O prefeito culpa a gestão passada. O investimento municipal é escasso e, por isso, a população resolveu protestar criando o movimento Eu pratico rally nas ruas de Pires do
Rio.
Para protestar contra o descaso do asfalto piresino que perdura por mais de oito anos, o morador Eduardo Torres apelou para uma forma bem humorada e criou o movimento, em que foram elaborados adesivos com a frase para serem colados nos carros. Segundo Eduardo, isso mostra que a população da cidade não tem memória fraca e sabe reivindicar os seus direitos. Diz que o problema do asfalto não é coisa recente. “A prefeita anterior colocou um asfalto ruim e com o prazo de validade curto, que começou a dar problema na atual gestão, que por sua vez, também não fez nada para resolver o assunto”. Ele garante que sua preferência política não influencia na hora de protestar, tanto que, como a cidade se encontra atualmente em período eleitoral, resolveu abrir mão das críticas para não demonstrar apoio a nenhum dos lados.
Buraco disfarçado: cidadãos colocam folhas para sinalizar os perigos que estão por vir
Quem sofre é a população. Segundo relato de Eduardo, um morador piresino teve que gastar mais de R$1.200 para trocar a suspensão do carro danificada pelos vários buracos da cidade. Uma cifra sonora quando se trata apenas desse acessório. Para Diego Henrique, amigo de Eduardo e “praticante de rally”, o movimento soou como uma forma bem humorada de crítica à prefeitura. “Eu sempre quis reclamar da situação, mas nunca tive a iniciativa. Quando vi esse protesto cômico e com forte cunho político, fiz questão de colar o adesivo no meu carro”, disse. O movimento começou somente com Eduardo e seu amigo Diego, que, após idealizarem o protesto, resolveram agir. Hoje, o Eu pratico rally nas ruas de Pires do Rio está estampado em mais de 170 carros na cidade. “Era um movimento nosso, eu esperava colar no máximo uns dez adesivos em carros de amigos, não esperava que tomasse essa proporção”, conta Eduardo, satisfeito com a repercussão.
29
O que o povo diz Perto do período eleitoral, todas as ruas do centro da cidade estão bem asfaltadas, mas, segundo o morador Tiago Tas, isso serve somente como maquiagem política. “Eles fizeram isso para enganar o povo. Quem mora aqui sabe que há seis meses, qualquer rua de Pires do Rio estava esburacada”, alertou Tas, que é também blogueiro e mora na cidade há 14 anos. Já para Henrique da Silva, o prejuízo foi no bolso. A sua mãe tem problema de saúde e uma vez precisou levá-la às pressas ao hospital. “Quando passei em alta velocidade pela avenida, meu carro sofreu um solavanco tão forte que furou o pneu na hora. Quando desci do carro para ver o que tinha acontecido, me deparei com um buraco gigante”, conta o morador, que gastou aproximadamente R$170 para comprar um pneu novo, já que o antigo não tinha mais condições de ser remendado.
“
Eu já cansei de matar rato e cobra dentro de casa. Isso é tão perigoso que um senhor que morava aqui perto morreu com picada de cobra
mora em uma área de risco. A casa dele fica ao lado de um lote com a vegetação alta e mal cuidada, mas o lote, na verdade, é uma rua que consta no mapa da cidade. “Isso aqui não é lote, não. É uma rua. Entra governo, sai governo, e a situação continua a mesma. Cansamos de promessas”, disse o morador, que mora com mais sete familiares. A rua fantasma gera vários problemas para os moradores. Desde a senhora Iraci Lopes, que sai às cinco horas da manhã para trabalhar e é obrigada a passar por lá, até as crianças que a utilizam duas vezes ao dia para ir estudar. Segundo Hamilton, a rua serve também como foco para a proliferação de animais peçonhentos e animais de esgoto. “Eu já cansei de matar rato e cobra dentro de casa. Isso é tão perigoso que um senhor que morava aqui perto morreu com picada de cobra”, contou ele, que pôs a casa à venda por acreditar que não tem mais condições de viver ali.
“ ”
O problema do asfalto não se resume somente aos buracos. Em campanha eleitoral, o atual prefeito Luiz Eduardo Pitaluga (PSD-GO), mais conhecido como Gude, declarou que todas as ruas do bairro Santana (abaixo do centro) estavam asfaltadas. Mas, segundo o morador Hamilton Rosa, isso não condiz com a realidade. “Ele tapou tudo com barro e, na primeira chuva que deu, boa parte do asfalto foi embora”, revelou o piresino, que 30
Seu Hamilton comenta sobre os problemas que existem de ser vizinho de uma rua esquecida
Isso aqui não é lote, não. É uma rua. Entra governo, sai governo, e a situação continua a mesma. Cansamos de promessas
”
Para a sua filha, Flávia Rosa, o local serve também para depósito de lixo. “Sempre passam alguns caminhões e deixam entulho de obra aqui. A única coisa que a gente pede é para que coloque em cima dos buracos”, contou.
O que eles dizem Quando o tema chega à mesa dos atuais candidatos à prefeito, a culpa é jogada para o opositor. Segundo dados da prefeitura, o governo gastou cerca de R$ 330 mil para a manutenção no asfalto da cidade. O prefeito Gude diz que o problema surgiu no mandato passado, mas eclodiu em seu governo. Porém, em comício, ele prometeu que, se for eleito, em sua próxima gestão, todos os problemas das ruas em Pires do Rio serão sanados. Já a candidata à prefeitura, Cida Tomazini (PSDB-GO), que governou a cidade por oito
“
Segundo dados da prefeitura, o governo gastou cerca de R$ 330 mil para a manutenção no asfalto da cidade.
”
anos antes da gestão atual, diz que todos os problemas são culpa do prefeito em atividade. Em seu comício, Cida disse que não sabia se tudo estava realmente bom com o asfalto de Pires do Rio, fazendo alusão ao slogan do atual prefeito, ‘tá tudo bom, tá tudo Gude’. Ela prometeu asfaltar regiões em que as ruas estão em terra batida e tapar todos os buracos do município. Independentemente do resultado das eleições de 7 de outubro, com Gude ou com Cida, a população quer a rua com asfalto. 31
Cidade pequena Grande rivalidade Por Jo達o Gabriel Amador e Max Valarezo Fotos Matheus Vidigal
Gude comanda a Caminhada da Paz pelas ruas de Pires do Rio para divulgar campanha 32
A “onda azul e amarelo” avança pelas ruas sob atrás de Cida Tomazini
No domingo, 7 de outubro, os cerca de 22 mil eleitores de Pires do Rio reelegeram Luiz Eduardo Pitaluga da Cunha (PSD-GO), mais conhecido como Gude, para ocupar o cargo de prefeito da cidade entre janeiro de 2013 e janeiro de 2016, além de escolherem 13 vereadores. Durante as eleições, o candidato teve como única rival CidaTomazini (PSDB-GO), que já comandou a prefeitura da cidade por dois mandatos consecutivos entre 2001 e 2008. Assim, os piresinos terão, por 16 anos consecutivos, a administração do município ocupada por apenas dois políticos. Em setembro, durante o período eleitoral, nossa reportagem acompanhou por três dias as campanhas dos dois candidatos. Relatamos quem são eles e revelamos como a polarização política na cidade afetou o clima eleitoral
33
Uma aglomeração de aproximadamente 100 pessoas
a candidata para cada pessoa que cumprimentava.
caminhava acompanhada de dois carros de som em
A receptividade dos cidadãos era inconstante,
uma das ruas próximas à praça central de Pires do Rio
porém. Alguns estabelecimentos recebiam Cida
na manhã daquele sábado, 15 de setembro. À frente
prontamente para conversar, enquanto atendentes
do grupo, Cida Tomazini, candidata à prefeitura nas
de outras lojas apenas a saudavam brevemente.
eleições de outubro deste ano pelo PSDB-GO, liderava
Enquanto isso, na rua, um dos carros de som
a caminhada para promover sua campanha pela cidade.
levava Rogério Prado, locutor de rádio e a “voz” da
Não havia estabelecimento na rota de Cida em que
campanha de Cida. “Olá, amigos da Boticário, colegas
ela não entrasse para pedir pessoalmente o voto dos
aí do armazém, olha que a onda azul e amarelo chegou!”
comerciantes ali. “Bom dia! Olha, vim aqui hoje pedir
anunciava efusivamente Rogério pelos alto-falantes,
a sua confiança e o seu voto nestas eleições. Porque
referindo-se às cores oficiais da campanha. “Olha, galera,
nós vamos mudar as coisas para melhor”, afirmava
chega de salários atrasados para o servidor público,
Enquanto a passeata avançava,
“Olha que a onda amarelo e azul chegou! Em 2012, Pires do Rio que Cida Tomazini!” Por volta das 8h30 da manhã do sábado, 15 de
de branco e empunhando bandeiras com o número
setembro, todos os participantes da Caminhada da
55, começaram a passeata na tentativa de promover
Paz, promovida por Gude, atual prefeito de Pires
a paz e também de conquistar votos para Gude.
do Rio, já estavam reunidos na praça em frente ao
Mercado Municipal. Candidato à reeleição em 2012,
anunciava para moradores e comerciantes a passagem
o político havia escolhido o lugar não apenas por
da multidão, exaltando o próprio prefeito, que seguia
ter sido reformado em sua gestão, mas também por
sempre na dianteira da passeata. “Alô, moradores!
abrigar a Pedra Fundamental de criação do município.
Alô, galera da lanchonete! É a caminhada do
Assim, cerca de 150 pessoas, em sua totalidade
prefeito Gude, o prefeito do povão!”, anunciava
militantes da coligação partidária do prefeito, vestidos
o carro de som, que sempre repetia o slogan
À frente dos pedestres, um carro de som
da campanha: “Tá tudo bem, tá tudo Gude!”.
34
chega de reformas que não acabam! Em 2012, Pires do
do grupo de Cida, um dos assessores da candidata chega
Rio quer é Cida!”, prosseguia o locutor. Os integrantes
prontamente para reprimir a atitude. Enquanto isso, um
da passeata, com suas bandeiras estampadas com o
garoto de oito anos finge ter uma granada em mãos e
rosto da candidata, caminhavam calmamente, soltando
lança a bomba imaginária em direção à passeata de Gude.
ocasionais gritos de empolgação e cantando as canções
As “alfinetadas”, porém, não param. Mais tarde,
oficiais da campanha que tocavam nos carros de som.
quem provoca é o próprio Rogério em seu carro de
Em certo momento, a passeata azul e amarela vê,
som. “Olha, gente, chega desse outro candidato, né?
em uma rua vizinha, que outra aglomeração caminha.
Só sabe chorar e chorar! Não passa de um chorão!”,
Essa, porém, é composta por pessoas vestidas de branco
provoca o locutor, em referência à suposta técnica
e apoia o candidato adversário, Luiz Eduardo Pitaluga
de Gude para comover seus eleitores em comícios.
da Cunha, mais conhecido como Gude, do PSD-GO.
Por mais que se tente, é difícil manter discreta
Ao primeiro sinal de vaias e provocações de integrantes
a rivalidade que divide Pires do Rio nestas eleições.
o carro de som anunciava:
“É a caminhada do prefeito Gude, o prefeito do povão! Tá tudo bom, tá tudo Gude!” Os presentes se mostravam bastante animados por
E, desse modo, a caminhada seguiu por uma
poderem ajudar seu candidato. Em nenhum momento
hora, passando por diversas regiões da cidade para
foram ouvidas críticas à adversária, Cida Tomazini.
enfim chegar à Praça Central, onde se encontra a sede
Mas, em compensação, os feitos da atual gestão, como
da coligação partidária. Curiosamente, a caminhada
construção de creches e a instalação do Corpo de
de Cida Tomazini, que acontecia simultaneamente
Bombeiros, eram exaltados o tempo todo pelos alto-
à de Gude, fez o caminho inverso: começou perto
falantes. As propostas para o próximo mandato, como a
da Praça Central e terminou próximo ao Mercado
criação de um centro odontológico e o asfaltamento em
Municipal, com críticas ao atual prefeito. A
regiões localizadas em pontos mais distantes do centro
impressão que fica é que, por mais que se fizessem
da cidade. também eram ressaltados para o público, que
caminhadas pela paz, a verdadeira prioridade dos
acompanhava a passeata de suas casas ou do trabalho..
candidatos nestas eleições era vencer o adversário. 35
Disputa em evidência “Antes do Palmeiras, duas coisas têm que cair: o Flamengo e o Gude”. Quem brinca é um eleitor de Cida Tomazini, ao encontrála em frente à casa da candidata, referindose ao eventual rebaixamento da equipe paulista para a 2ª divisão do campeonato brasileiro. O comentário parece uma simples piada, mas demonstra bem o clima de antagonismo que se instalou em Pires do Rio nas eleições deste ano, tanto entre Cida e Gude como entre seus votantes. A rivalidade entre os dois políticos não se dá apenas devido à concorrência natural do período de eleições, mas também a desavenças políticas mais antigas. Cida conta que, quando se elegeu prefeita pela primeira vez, em 2001, Gude a havia procurado para pedir apoio quando ele se candidatasse a deputado estadual nas eleições seguintes. “A
36
Cida Tomazini discursa em comício em frente à Lanchon
gente conversou e eu me comprometi a dar
impediu que Gude, nascido em Pires do Rio, ao
meu apoio à candidatura dele. Mas, com o
contrário da adversária, seguisse com seus antigos
passar do tempo, fui conhecendo-o melhor
planos de atuar na política de sua cidade. Antes, nas
e comecei a ter dúvidas”, relata a candidata.
eleições de 1976, coordenou a campanha política
De acordo com ela, Cida percebeu que
de Édio de Gregório, conhecido como Dr. Edinho,
Gude era “muito inconstante e indeciso, e
que viria a se tornar prefeito três vezes: de 1977 a
não dá para fazer política assim”. Quando
1981, de 1989 a 1992 e de 1997 a 2000. Após não
chegaram as eleições seguintes, portanto, a
conseguir se eleger como deputado estadual em 2002,
então prefeita optou por apoiar outra pessoa
Gude tentou a primeira candidatura para prefeito em
ao invés de Gude. “Ele ficou muito irritado,
2004. Sobre o período, o político relembra que não
saiu do meu escritório batendo a porta”.
venceu por pouco. “Acabei perdendo para a Cida,
A desavença com Cida, porém, não
porém com uma diferença de apenas 2%. Mas, em
nete Brasil, ao lado do candidato a vice-prefeito, Paulinho do Cartório (à esquerda, de camisa listrada)
2008, na minha segunda candidatura, venci com
produtos alimentícios de avicultura, e da Olvego,
mais de 70% dos votos”, relata Gude, que concorreu
esmagadora de soja, ambas situadas em Pires do Rio.
contra o candidato apoiado pela então prefeita.
“Eu trabalhava exclusivamente com as empresas, até
Antes de começar a almejar cargos políticos, contudo,
que meus quatro filhos ficaram adultos e começaram
o atual prefeito atuava como empresário. Além de
a cuidar de si mesmos. Foi então que eu e meu
ser dono do supermercado Boca de Lobo, Gude
marido decidimos entrar na política”, relata Cida.
chegou a ser o 12º presidente da Associação Goiana
de Supermercados (AGOS) entre 2000 e 2002.
uma família de políticos, a candidata conquistou
A atividade empresarial também era a
um mandato em 2001 como a primeira prefeita
principal ocupação de Cida antes que ela ingressasse
mulher de Pires do Rio e outro nas eleições de
na política. Juntamente com o marido, Francisco
2004. Apesar de não ocupar cargo político nos
Tomazini, ela é dona da Nutriza, processadora de
últimos quatro anos, Cida afirma que procurou
Natural de Jardinópolis (SP) e nascida em
37
manter suas relações na sociedade. “Tenho tido
diferentes reuniões com lojas maçônicas e com o
cidadãos parece ser a mesma dos dois lados. Para
Rotary Club [grupo internacional de clubes a serviço
começar, na quinta-feira, dia 13 de setembro, foi
de comunidades locais], além de participar de
realizado o comício da candidata Cida Tomazini
projetos beneficentes na cidade, como, por exemplo,
em frente à Lanchonete Brasil, no centro da
arrecadação de mantimentos básicos para doação”.
cidade. Falaram os vereadores de sua coligação,
A fórmula para buscar os votos dos
a “União e Responsabilidade”, aliados políticos e, por fim, a própria candidata. No dia seguinte, no mesmo horário, no mesmo local, aconteceu o
Estratégias diferentes?
Apesar
da
disputa
entre
comício do candidato à reeleição, Gude. O roteiro candidatos
evidenciar suas divergências, o que chama atenção na eleição para a prefeitura é a série de semelhanças nas campanhas de ambos.
foi o mesmo: vereadores, aliados e candidato.Ao longe, não fosse pelas cores das bandeiras, poderia se dizer que era o mesmo comício, uma vez que até o número de cidadãos presentes parecia igual. Na sexta-feira, dia 14 de setembro, por
Cida Tomazini, em frente à própria casa, escuta eleitor relatar problemas no sistema de saúde municipal
38
Gude (centro) comanda a Caminhada da Paz pelas ruas de Pires do Rio com eleitores para divulgar campanha
coincidência, ambos deram entrevista para esta
55”, por exemplo, é formada por apoiadores do atual
reportagem no mesmo horário, próximo ao almoço,
prefeito e busca os votos dos eleitores mais jovens.
em suas respectivas casas. Em suas respostas,
Cida, por sua vez, possui uma equipe com o mesmo
puderam-se verificar certos pontos em comum (ver
objetivo, além de outras responsáveis por conquistar
entrevistas nas páginas 40 e 41). Os dois candidatos
a confiança de grupos religiosos e de mulheres.
consideram, por exemplo, a saúde e a vinda de novas
Por fim, no sábado, 15 de setembro, novamente,
indústrias como prioridades para o desenvolvimento
a atividade de campanha dos dois foi a mesma e teve
de Pires do Rio. Além disso, críticas e acusações
início no mesmo horário. Dessa vez, ambos realizaram
mútuas também foram comuns dos dois lados.
uma caminhada pela cidade. Assim, com métodos e
Outra estratégia utilizada em ambas as campanhas é
ações de campanha tão semelhantes, coube ao eleitor
a utilização de grupos de divulgação eleitoral voltados
analisar com atenção as propostas e as gestões dos
para segmentos específicos da sociedade. A “Juventude
candidatos para então fazer a diferença nas eleições.
39
Confira a seguir as entrevistas que Gude e Cida concederam à nossa reportagem Na sexta-feira, dia 14 de setembro, o candidato à reeleição, Luiz Pitaluga, o Gude, recebeu nossa equipe para responder a algumas questões sobre a campanha e sobre sua atual gestão, além de apresentar planos para um possível novo mandato. Reportagem:
oito
ocorreu é que, quando começamos a reforma do
meses de mandato, quais foram as maiores
hospital, pensávamos que gastaríamos R$ 220 mil.
dificuldades
enfrentou?
Porém, ao fazermos a avaliação do local, percebemos
Gude: Em primeiro lugar, foi a crise econômica
que havia uma série de problemas na estrutura, como os
de 2009, vinda da Europa. Só com ela deixamos
encanamentos e o refeitório, que apresentavam graves
de receber R$ 3 milhões do Governo Federal.
riscos aos usuários. Assim, tivemos que gastar R$ 460
O outro problema foi a dívida de R$ 5 milhões
mil na reforma, mais do dobro do valor original. Mas,
herdada da gestão anterior. Tive vários problemas
em breve, toda a estrutura estará à disposição do povo.
Nesses
que
o
três
anos
senhor
e
que só foram resolvidos quando parcelei essa dívida. R: Outra reclamação que apuramos é o atraso no
40
R: A oposição acusa o senhor de inaugurar um
salário de servidores municipais. O que aconteceu?
hospital sem medicamentos. Isso é verdade?
G: Como disse anteriormente, herdamos uma grande
G: A obra realmente não está concluída. Mas o que
dívida da gestão anterior e tivemos que nos virar para
“Herdamos uma grande dívida da gestão anterior e tivemos que nos virar para pagá-la.” - Gude
essas obras porque faz bagunça e as pessoas não veem. Mas, pela primeira vez na história de Pires do Rio, fizemos esgoto que chega a 15%da população. A outra coisa é a liberdade. Todos os funcionários da prefeitura têm liberdade comigo. Minha casa e meu gabinete estão sempre abertos para todos. R: O senhor teria um elogio a fazer sobre a gestão de Cida Tomazini entre 2001 e 2008? G:
Acho
foi
uma
que
o
obra
velório
que
importante.
ela Mas
criou só.
R: Quais são as prioridades para a melhoria da cidade? G: A prioridade é a saúde. Pretendo firmar parcerias com o Governo Federal para trazer mais
pagá-la, ao mesmo tempo em que fazíamos obras
especialistas para a saúde pública. Outra questão é
necessárias. Acabou que atrasamos alguns salários
a zona rural de Pires do Rio, que está abandonada,
por três meses, mas essa situação já foi normalizada.
com equipamentos sucateados. É preciso asfaltar
E já pagamos R$ 3 milhões e meio da dívida anterior.
e dar condições de estrutura na região para que os produtores rurais possam se desenvolver.
R: Para o senhor, quais foram os aspectos mais positivos de sua gestão até o momento?
R: E quais são suas principais propostas
G: Bem, houve diversas obras importantes. A reforma
para
do hospital, a construção de creches que atenderão
G: Como disse, a saúde é prioridade e queremos
crianças em tempo integral, a criação do Serviço
trazer especialistas para a cidade. Começaríamos
de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) na
pela construção do CEO, Centro de Especialidade
cidade. Também instalamos o Corpo de Bombeiros,
Odontológica, para oferecer saúde odontológica de
que era uma exigência de empresas e indústrias
graça a todos piresinos. E há um decreto do Governo
que queriam abrir negócio aqui. Mas tenho duas
Federal obrigando que todas as cidades tenham 100%
coisas de que me orgulho muito. Uma é a obra de
de esgoto até 2014, portanto devemos concluir essas
instalação de esgoto na cidade. Ninguém quer fazer
obras, que já comecei, ainda no próximo mandato.
o
possível
próximo
mandato?
41
Na casa de Cida Tomazini não se pronuncia o nome de Gude. Lá, ele é apenas “o opositor”. Nesta entrevista, ela avalia a gestão do atual prefeito, relembra seus mandatos passados, fala de suas propostas e dá explicações quanto à acusação de ter deixado dívida pública na prefeitura em 2008. Reportagem:No seu planodecampanha,quaisvocê
prefeitura aos setores habitacionais) sem pavimentação.
diria que são suas prioridades em saúde e economia?
No fim da minha segunda gestão, 18 deles já estavam
Cida: Na saúde, é conseguir mais médicos
não apenas asfaltados, mas também com a devida
que atendam nas diversas especialidades, como
manutenção que vem junto, como o serviço de limpeza.
ginecologista, ortopedista, cardiologista e pediatra.
Além disso, eu listaria a criação do velório municipal,
Isso para desafogar o hospital municipal e para ter mais
já que a cidade não possuía um, e a construção
plantonistas no atendimento. Mas a área que acho mais
do nosso centro poliesportivo, o maior da região.
importante desenvolver no município é a indústria. Por isso, queremos trazer mais indústrias para cá, pois
R: Como você avalia a gestão do atual prefeito?
assim gera-se mais emprego e renda para o município.
C: Eu acredito que ele não serve nem para administrar
R: E quanto a ações sociais? Quais os planos? C: Eu já tenho o projeto de 500 casas populares. Mas queremos construir mais do que isso, também queremos que seja implantado aqui o “Minha Casa, Minha Vida” [programa federal para construção de moradia para famílias de baixa renda], por exemplo. Também queremos criar um centro de atenção à terceira idade, com cuidados médicos e um clube voltado para essa parcela da população. R: Para a senhora, quais foram as principais conquistas que você obteve nos seus dois mandatos? C: Certamente, o asfaltamento. Quando assumi, Pires do Rio tinha cerca de 25 bairros (nome dado pela 42
“Ele [Gude] tem se preocupado mais em fazer canteiros de obras e reformar rua que não precisa de reforma alguma. ” - Cida Tomazini
a própria casa, que dirá administrar uma cidade. O
R: O prefeito afirma que tem tido problemas com a
problema é que ele está trocando as prioridades. Temos
gestão do dinheiro público por conta de uma dívida de
um hospital com falta de medicamentos, além de
R$5 milhões que a senhora teria deixado para a prefeitura
servidores públicos sem receber salários há três meses.
após seu último mandato. Existe mesmo tal dívida?
Isso sem contar que o valor descontado do pagamento
C: Não deixei dívida alguma. O que acontece é que
desses trabalhadores que deveria ir para a previdência e
eu tinha um problema com o INSS. Então, quando
para o plano de saúde deles não está sendo destinado
assumi a prefeitura em 2001, eu fui à Receita e
para esses fundos. O que ele tem feito com esse dinheiro?
arrumei o INSS. Então ficou estabelecido que aquela
Não sei, ele precisa esclarecer. Em vez de cuidar disso,
dívida deveria ser paga em 198 parcelas mensais de
ele tem se preocupado mais em fazer canteiros de
aproximadamente R$ 300 mil pela prefeitura. Eu
obras, reformar rua que não precisa de reforma alguma,
paguei as partes que eu deveria quando era prefeita
enfeitar a praça, coisas assim. Não que eu seja contra
e agora ele tem que seguir pagando essas parcelas,
deixar a cidade bonita, isso é importante, sim. Mas há
assim como terá de fazer o vencedor das eleições
coisas mais importantes de serem resolvidas antes, como
deste ano. Quando saí da administração, só deixei
ter remédio no hospital e pagar servidores públicos.
esse problema. Que não é problema, é parcela!
43
1
2
44
Piresinos Como toda cidade de interior, Pires do Rio tem suas notáveis personagens. Não por serem pessoas de poder, de dinheiro ou celebridades, mas por conta de suas histórias pessoais, por seus hábitos e pelo papel que desempenham na cotidiano da cidade. Desde o fotógrafo aposentado ao locutor de rádio, conheça na nossa coluna social a seguir alguns dos personagens que se podem encontrar ao caminhar pelas ruas de Pires do Rio. 1- José Carlos, conhecido em Pires do Rio como “Q-beleza”, além de trabalhar como locutor na Rádio Gospel AM, também é cronista nas horas vagas. Seu apelido surgiu com a repetição do jargão “que beleza” em suas locuções. Foto Letícia Carvalho
2- Há 45 anos trabalhando no mercado municipal de Pires do Rio, José Amir é o mais antigo dos vendedores do local. Foto Alexandre de Paula
45
4
1
2 5
46
3
3- “Meu nome é Dito Claro de Assis: alegre, apaixonado e feliz. Trazendo emoções para espaçode muitos corações” – assim se apresenta Seu Dito, morador de Pires do Rio há 50 anos. Foto Izabella Calzolari
4- Liberio de Queiroz, "da época que era falta de educação perguntar a idade do outro". Fotografo há mais de 20 anos aposentado pelo "Jornal do Sudeste". Foto Marianna Holanda 5- O comerciante Marcos Pereira (esquerda), 45, gosta de passar o tempo jogando damas com Antônio Moreira. “Eu quase sempre venço, mas vira e mexe o Antônio consegue me derrotar”, brinca o vendedor. Foto Max Valarezo
6- Joana Siqueira dos Santos mora em Pires do Rio a mais de trinta anos e veio de Orizona- GO. Quando se mudou para a cidade já era aposentada. Foto Terra Thaís 6
47
Por Guilherme Rafael Alves Vargas Fotos Mariana Holanda
48
ExercĂcio coletivo
Centro poliesportivo é ambiente de lazer e ocupação para moradores locais, além de importante na formação de valores para jovens A necessidade de tirar crianças das ruas e proporcionar lazer à população de uma cidade pode ser resolvida por meio da criação de locais para a prática desportiva. Sabendo disso, o município de Pires do Rio inaugurou, em 2007, o Centro Poliesportivo Reynaldo Silva, com cerca de 35 mil metros quadrados. O complexo conta com campos de futebol, pista de atletismo, quadras cobertas e piscina semiolímpica. São dez funcionários e mais de 500 alunos matriculados. O ambiente esportivo que é encontrado em Pires do Rio tem nas atividades uma forma de proporcionar ocupação para os moradores da cidade. O centro fica aberto para todos que quiserem participar dos eventos ou desfrutar das instalações. Dentre os funcionários do local, encontrase a professora Neibe Ribeiro Bastos, responsável pela organização das tarefas e atual secretária de esportes de Pires do Rio. Ela trabalha no centro desde 2008 e ministra as aulas de hidroginástica para a terceira idade. Neibe explica como é feito o controle das atividades. “Os alunos preenchem formulários para a inscrição nos esportes que têm interesse e só precisam renová-los se tiverem que atualizar os dados. Na hora das aulas, são realizadas chamadas para ter um controle sobre o número de participantes e de frequência nas atividades”. O controle diário é repassado à prefeitura pela própria secretária. Pessoas de várias faixas etárias se beneficiam da prática dos esportes oferecidos: futebol de campo e de salão, vôlei, natação e hidroginástica. Com dimensões amplas, o centro é também um bom espaço para os moradores que quiserem praticar caminhada em seus arredores. Os pais podem acompanhar seus filhos e conviver com a calmaria do lugar. As práticas, porém, tendem a sofrer paralisações nos meses de dezembro e julho, quando normalmente as famílias viajam. Além das atividades diárias, são promovidos no centro campeonatos entre várias cidades do estado de Goiás. As competições ajudam na socialização das crianças e adolescentes que participam.
Neibe Ribeiro Bastos, professora de educação física e Secretária de Esportes do município
Turma feminina de terceira idade de Hidroginástica, enquanto a piscina não é reformada, fazem aula de alongamento
49
50
Os pais dos alunos aprovam a realização dos campeonatos e salientam a importância dos filhos praticarem esportes. Antônio Carlos de Freitas, 44 anos, costuma acompanhar o filho João Pedro durante todo o dia de atividade. Quando está no centro poliesportivo, aproveita para vender lanches e conversar com os outros pais presentes. “Meu filho faz aula aqui há um ano e gosta muito do lugar. Nós temos uma boa convivência. Com o tempo eu acabei conhecendo todo mundo”.
Cleumar Luís Vieira, 32 anos, esteve presente no dia 15 de setembro, durante a realização do jogo de futebol de um campeonato sub-11 contra o time do Cruzeiro, de Catalão, em que seu filho, Marcos Paulo, de 11 anos, estava participando. O pai ressalta a importância do esporte para as crianças. “É importante manter a cabeça dos jovens ocupada, para evitar que eles não se desviem para o uso de drogas”. O centro também trabalha com o Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (PETI), cujo objetivo é tirar as crianças da rua, oferecendo-lhes formas de lazer e de educação. O programa é nacional e trabalha em várias vertentes para cumprir a meta com jovens. No Centro Poliesportivo de Pires do Rio, são realizadas atividades físicas e aliadas a uma boa base alimentar. Segundo o professor Sérgio Antônio Pereira, mais conhecido como Serjão, a importância do local para comunidade e para o desenvolvimento dos alunos é fundamental.
“Aqui os alunos têm muita opção, sempre praticando algum esporte. É bom que façam exercícios que são importantes para o desenvolvimento físico e social”. Mas, atualmente, o centro poliesportivo precisa de reformas. A estrutura apresenta falhas, a iluminação não atende aos alunos durante o período noturno e até a piscina está interditada. Os alunos, no entanto, praticam alongamentos e outros esportes oferecidos para não ficarem parados, de acordo com os professores.
O Centro Poliesportivo pode precisar de reparos, mas sua presença no município já é uma oportunidade para os moradores fugirem da vida sedentária. Com a prática desportiva, alunos podem aprender diferentes atitudes, como trabalho em equipe, disciplina e determinação, enquanto se mantêm longe de problemas como drogas e crimes. Além, é claro, de se tratar de ambiente amigável, onde alunos, funcionários e pais convivem juntos e ajudam a construir os valores que guiam os atletas piresinos.
Final do campeonato sub-11, disputam pela bola o adversário de Catalão e o jogador piresino
51
O campeão está de pé Os desvios e reencontros da trajetória de José Ricardo Favorito, piresino campeão brasileiro de Taekwondo Por Alexandre de Paula Fotos Isabella Calzolari
O campeão tombou. O ano é 2000, José Ricardo Favorito, um dos principais nomes do Taekwondo no Brasil, está com pneumonia. Ele sua, passa a noite em claro. Ricardo e a família moram em Pires do Rio, interior de Goiás. A mãe de Ricardo, Magna, enfrenta uma crise de depressão e se trata em Goiânia. A cada fim de semana, ele e a irmã se revezam para visitá-la. Da última vez, Ricardo foi vê-la. Mas irá novamente, a irmã não poderá. Em Goiânia, o médico avisa que Magna precisa continuar o tratamento em casa. Ricardo, em sua moto, leva a mãe até a rodoviária. O ônibus já partiu, mas se levar a mãe até Bela Vista, cerca de 50 km de Goiânia, poderá alcançá-lo. O caminho não é muito longo, o calor é intenso. A 100 metros antes da entrada da cidade, Ricardo perde os sentidos. A moto desliza até encontrar a cerca de arame farpado que há à margem da pista. Quando consegue abrir os olhos de novo, Ricardo está no chão e muito ferido. Policiais levam-no com a mãe ao hospital.
52
Depois de quase dez horas, Ricardo está na mesa de cirurgia. Em outra parte da sala, pode ver a mãe, também esperando para ser operada. Ricardo vê a chegada do mestre e amigo Vanderly. Sente muita dor. Quando Vanderly se aproxima, Ricardo lhe faz um pedido: - Cuida da minha mãe? - Cuido. Ricardo apaga. Horas depois, acorda sem dor e vê os médicos retirando terra de dentro de sua perna. Mais de duzentos pontos. “Esse escapou por sorte.” Os médicos dizem que Ricardo precisará de mais de seis meses para se recuperar e talvez nunca mais possa voltar a lutar. Não haveria mais a medalha de bronze no mundial da Coreia do Sul em 2006, nem os vários títulos brasileiros dos anos seguintes. Eles se enganaram, pouco tempo depois Ricardo estaria recuperado. Por outro erro deles, a mãe de Ricardo ficou sem os movimentos do braço direito. * Ricardo perdeu a conta dos títulos brasileiros que ganhou no Taekwondo. O primeiro foi em 1998. Na sua academia em que dá aulas de Taekwondo, Jiu-jitsu e Tae-fight,
em Pires do Rio, conta doze medalhas de ouro em campeonatos brasileiros. “Acho que está bom, né?”, ri. Os troféus se acumulam. Quem entra na academia pode ver, logo de cara, dezenas de troféus. No teto, num dos lados do tatame, estão penduradas centenas de medalhas. Há 16 anos, Ricardo ensina crianças e adultos. A rotina é pesada, aulas o dia todo. Na maior parte da semana, das sete da manhã às dez da noite. Com as crianças, Ricardo se diverte. Dança, apanha, ri. Mas cobra. Numa das aulas, pede que elas se sentem enfileiradas no tatame, pergunta se gostariam de falar o que acham de estar ali. A timidez é quase geral. Poucas mãozinhas se levantam e os meninos e meninas esboçam algumas palavras. Do pouco que ousam dizer, pode-se perceber que não há ninguém ali simplesmente por obrigação e que estão contentes. Ricardo pergunta a elas como vai o colégio. Pega o seu histórico da graduação em Educação Física, que concluiu em 2011, e pede
que algumas das crianças leiam em voz alta suas notas. A menor delas é um 8,5. “A partir de hoje, a menor nota que vocês podem tirar é essa”, Ricardo diz à plateia atenta. Eva é mãe de uma das alunas que está sentada ouvindo Ricardo. Ela conta que sua filha, após perder o pai, passou a apresentar problemas sérios de indisciplina. Uma psicóloga sugeriu que a menina praticasse algum esporte para que conseguisse exprimir a dor que a ausência paterna lhe causava. Eva, a princípio, não viu com bons olhos a ideia de a filha praticar Taekwondo, mas acabou cedendo. A mãe diz que, pouco depois de começar as aulas, já podia perceber mudanças na filha e que o comportamento agressivo, indisciplinado, com o tempo, praticamente desapareceu. José Ricardo Favorito nasceu em 1972. Aos oito anos, já trabalhava com o pai,
Com as crianças, Ricardo se diverte, dança, apanha, ri, mas cobra. A turma tem 26 alunos com idades entre 3 e 14 anos.
53
pedreiro, José Favorito Filho. Ricardo carregava ferramentas, massa. Aprendeu o ofício. “Se hoje precisar deixar tudo e trabalhar na profissão, consigo”, conta. Aos 16 anos, viu o pai, alcóolatra, bater na mãe e não se conteve. Foi expulso de casa. Junto com quatro amigos, seguiu até Caldas Novas só com o dinheiro da passagem de ida. Não conseguiram trabalho, ninguém queria empregar menores. “Tivemos que dormir de favor, comemos porque nos deram comida. Todo nós na faixa de 15, 16 anos”, diz. Sem dinheiro para voltar, enfrentaram os 70 km da estrada que liga Caldas Novas a Pires do Rio, à época ainda de terra batida, a pé. “Hoje, o relacionamento que eu tenho com meu pai e minha mãe é espetacular”, afirma. “Na nossa época de infância era assim: ou você batia ou apanhava”, recorda Ricardo. Foi para não apanhar que entrou nas aulas de capoeira dadas em uma das praças da cidade. O pai não queria que Ricardo praticasse lutas, “não era coisa de homem” e recusou-se a pagar as aulas de Karatê. Ricardo foi trabalhar em uma lanchonete, passou de garçom a gerente em pouco tempo. O patrão lhe pagou as primeiras aulas de Kung-fu. Na academia em que treinava, começou a ajudar na limpeza e na manutenção. Tornou-se assistente. Ricardo abandonou as aulas ao entrar para o exército em 1991 54
Favorito dá aula de Jiu Jitsu aos alunos Ernivaldo da Silva Júnior (à esquerda) e Bruno da Silva Martins
na cidade goiana de Ipameri, voltava para Pires do Rio apenas aos finais de semana. Em 1992, Ricardo foi para Brasília e começou a treinar Taekwondo oficialmente. Em 1995, tornou-se faixa preta e foi vicecampeão brasileiro e professor. Na capital, Ricardo sofreu um acidente e passou 15 dias em observação. Tinha 150 alunos, ninguém o visitou. Decidiu voltar, bateu à porta dos pais às cinco da manhã e perguntou se poderia ficar. Dormiu no sofá, não tinha mais cama na casa. Todos choraram. “Então, comecei a dar aula aqui, gostaram, quando vi tinha 300 alunos”, recorda. * Em 2006, Ricardo conseguiu vaga para o campeonato mundial na Coreia do Sul. “Foi a realização de dois sonhos, visitar a Coreia (país onde surgiu o Taekwondo) e representar o Brasil”. Com patrocínio da Agência Goiana de Esporte e Lazer (AGEL), da prefeitura, de empresas da cidade e vendendo alguns bens que tinha, Ricardo comprou a passagem. O contato com os outros atletas que representariam o Brasil era feito por telefone. Três dias antes da partida, ligou avisando que não poderia ir no mesmo voo. Descobriu que todos haviam desistido.
Ricardo Favorito treina Taekwondo com seu aluno Rafael de Oliveira, que já foi campeão goiano e atualmente está em primeiro lugar no ranking do estado
Foi mesmo assim. Sofreu com a comida apimentada, as dificuldades do idioma, a solidão. “Passei 12 dias lá, não entrei em depressão porque tinha internet, eu deixava de dormir à noite para conversar com as pessoas no Brasil”, lembra. Ricardo voltou realizado. * Paulo Sérgio é aluno de Ricardo há 20 anos. “O Ricardo não é só professor, é amigo.”, afirma. Quando Paulo fez exame para mudar de faixa, não tinha dinheiro para pagar as taxas exigidas para se fazer o exame, Ricardo pagou. “Se, algum dia o Ricardo parar de dar aulas, eu paro de praticar também.”, continua. Antônio Carlos tem 47 anos e é um dos alunos mais velhos de Ricardo. “A relação dele com os alunos é quase familiar, ele acompanha, cobra. Tem um tra-
balho muito importante, principalmente com os jovens”. Não há um aluno que, perguntado sobre Ricardo, deixe de falar sobre a proximidade da relação entre eles. Ao contar sua história, Ricardo não deixa transparecer resquícios de ressentimento e nem mesmo de dor. A fala eloquente parece querer, a todo instante, retirar de cada dificuldade alguma espécie de ensinamento. O conhecimento pessoal, o domínio dos medos, a conquista da segurança são princípios do Taekwondo e Ricardo faz tudo para que eles sejam também princípios da sua vida. Quando, na mesa de cirurgia, fechou os olhos e acreditou que fosse morrer, Ricardo não esperava que a vida ainda lhe reservasse tanto. O campeão está de pé. 55
As vozes de pires do rio Jornais e emissoras de rádios locais ajudam a entender sociedade de Pires do Rio ao retratar o cotidiano. Por meio deles, a população busca informação e entretenimento. Por Letícia Carvalho e Marianna Nascimento Fotos Max Valarezo
O poder transformador da comunicação se faz presente até mesmo em uma pequena cidade do interior do Brasil. Com muito esforço e movidos por interesses diversos, o cenário do entretenimento e da informação local em Pires do Rio, Goiás, é criado. Fazem parte desse resultado pequenos jornais, com tiragens de 5 a 10 mil exemplares, nem sempre mensais, e algumas rádios, detentoras de maior repercussão social.
56
Com cerca de 30 mil habitantes, a população, predominantemente urbana, dispõe de quatro emissoras de rádio: Líder FM, Corumbá FM, Legal FM e Rádio Gospel AM, além da presença de veículos impressos de comunicação. As rádios, quase todas comerciais e com alcance regional, desenvolvem programação popular e contam também com a presença de programas jornalísticos em suas grades. Os jornais, ainda que não sejam tão atuantes como as rádios, desempenham seu papel na sociedade piresina. Os que mais se destacam são o Jornal do Sudeste e o jornal O Liberal, apesar de existirem outras circulações: Jornal Correio Informativo, Jornal Manchete de Goiás, Jornal A Tribuna de Goiás, Jornal da Comunidade e o Pires Web. O Jornal do Sudeste e o Jornal O Liberal, embora objetivem a circulação mensal, nem sempre alcançam essa meta em suas publicações.
Por falta de recursos financeiros, as edições se restringem a exemplares quase trimestrais. Apesar das dificuldades, estes veículos se esforçam para tornar real a difusão da informação. Eles contam casos de moradores de Pires do Rio, mostram aspectos culturais, políticos, econômicos e sociais da cidade e da região. Os demais jornais não contam com periodicidade regular. Há ainda em Pires do Rio um núcleo de comunicação administrativo: o Departamento de Comunicação da Prefeitura. Desde o primeiro semestre de 2012, o órgão age no intuito de suprir a necessidade de um diálogo, antes inexistente, entre prefeitura e população. Trabalha como assessoria do prefeito, ao divulgar suas obras, o cumprimento ou não de planos de governo e outras atividades do cargo. Para isso, a repartição criou um programa de rádio de cinco minutos, diariamente atualizado e transmitido pelas emissoras da cidade. Josué Martins, chefe do departamento e servidor da prefeitura há quatro anos, afirma que “a população já oferece respostas à iniciativa, entra em contato diretamente com a seção, por telefone, para sanar dúvidas ou fazer reclamações”. O projeto da prefeitura é de que o núcleo se desenvolva até o ano que vem e se torne uma secretaria de comunicação para melhor atender às necessidades da comunidade. A seguir, um panorama detalhado sobre os veículos de comunicação de Pires do Rio e suas características principais:
Jornal O Liberal
Pertencente também a Uydson Wlices, O Liberal existe desde o ano 2000. Planejado para ser mensal, porém com periodicidade variável (a última edição foi publicada em maio de 2012), o objetivo maior do jornal é, além de publicar notícias, resgatar a história da cidade. Sua tiragem varia entre três e cinco mil exemplares, geralmente compostos por matérias curtas.
Rádio Gospel AM Em 1º de maio de 1980, fundou-se a primeira rádio de Pires do Rio, a Gospel FM, rádio cristã educativa. Ela operou até 2005 e foi fechada pelos quatro anos seguintes, por problemas estruturais. Em 2009, a rádio voltou ao ar, agora em frequência AM, e segue em plena atividade almejando reativar seu funcionamento em FM. A programação é organizada, sobretudo, por conteúdo musical religioso, com vários estilos distribuídos na grade. Além disso, às quartas e aos domingos é transmitido um culto evangélico. Há participação de ouvintes de outras cidades e até de outros países, que telefonam ou entram em contato com a equipe da rádio pelo site (www.gospelam. com.br), para fazer agradecimentos, pedir doações ou oferecer músicas a alguém.
57
Rádio Corumbá FM
Em 07 de outubro de 1994 foi criada a Rádio Corumbá FM, de natureza comercial. Juntamente com outras quatro emissoras, faz parte da Fundação Paulo Chagas, iniciativa que possui como propósito adquirir a outorga de concessões de rádio pelo Ministério da Cultura. Sua programação musical inclui programas líderes de audiência, como o “Show da Manhã”, de segunda a sexta, das 8h às 11h, com música sertaneja universitária, e o “Caipirão Universitário”, aos sábados pela manhã. Esses programas costumam receber cerca de 90 ligações dos ouvintes a cada transmissão. Entre as pessoas que mantém o funcionamento da rádio, está o Frei Edgar Alves Pereira, reconhecido na cidade por seu trabalho como locutor. Trabalha com rádio desde jovem e morou em lugares como Curitiba, São Paulo e até mesmo em Bogotá, na Colômbia, e Jerusalém, em Israel. Foi diretor de três rádios religiosas em Catalão, Porangatu e Anápolis (uma AM e duas FM), todas em Goiás. Na Colôm
bia, fez pós-graduação em Comunicação. A importância que ele dá as rádios pode ser constatada em sua fala. “Eu acredito no rádio como o veículo de maior potencial de comunicação”. Ao chegar a Pires do Rio, em 2009, Frei Edgar foi convidado por Jack Fidelis, diretor-geral da rádio, a ajudar na elaboração de um programa jornalístico, até então inexistente na grade. Assim foi criado o “Dia-a-Dia Cidade”, transmitido de segunda a sexta após o “Show da Manhã”, que trata de assuntos como política, economia, cultura e, sobretudo, esportes. Às terças-feiras, há participação de autoridades públicas que são entrevistadas com a intenção de atualizar a comunidade sobre notícias policiais e jurídicas. Frei Edgar também apresenta um programa religioso na rádio, atualmente transmitido de segunda a sexta, logo após o “Dia-a-Dia da Cidade”, com meia-hora de duração.
Após chegar para o início do seu turno das 16h na Rádio Corumbá, Edgar Andrade apresenta as próximas atrações da programação.
58
Rádio Legal FM
A Legal FM é uma rádio comercial que existe há apenas três anos e está entre as líderes de audiência na cidade. Foi criada a partir de uma rádio que funcionava na mesma frequência e que foi desativada, a Rádio Sucesso. A programação é voltada inteiramente ao entretenimento, com 90% da grade formada por programas musicais sertanejos. Não transmite conteúdo jornalístico ou educativo. Nove pessoas mantém a rádio em funcionamento. Entre elas há um jornalista, Wanderson José Silva, diretor sócio-administrativo da rádio, formado em Jornalismo pela Faculdade Araguaia de Goiânia.
Rádio Líder FM
Luis Fernando, locutor da Rádio Líder, transmite ao vivo tradução da música “Baby, I Love Your Way”, de Peter Frampton.
Segundo Uydson Wlices, também proprietário do jornal O Liberal, a Rádio Líder FM surgiu como “fruto de uma perseguição à rádio comunitária de Pires do Rio”, que, devido ao seu caráter de denúncia, sofreu golpe por parte dos políticos de Goiás e foi fechada, apesar da sua concessão de oito anos ainda estar valendo na época. Em resposta, por meio de contatos no Ministério das Comunicações, Uydson conseguiu a outorga para que a nova rádio operasse. Assim foi criada a Rádio Líder FM, definida por seus idealizadores como educativa. Segundo a Associação de Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, a rádio opera com a frequência de 580 kHz e sua abrangência chega a cidades vizinhas, como Orizona e Caldas Novas, além de algumas ao sul de Minas Gerais. A Líder possui um programa jornalístico, chamado “A Hora do Povo”, que publica diversas notícias de interesse público. Também faz parte da grade um programa chamado “Bairro Contra Bairro”, no qual ouvintes de localidades distintas competem por brindes e prêmios, em jogo de perguntas e respostas. Ainda segundo Uydson, embora a Líder possua a postura de prezar por opiniões de pessoas dispostas a cooperar socialmente e não em benefício próprio, a rádio responde a vários processos abertos pela ex-prefeita e atual candidata à prefeitura Cida Tomazini.
Jornal do Sudeste
O Jornal do Sudeste tem Divina Neusa de Queiroz como dona, editora e fundadora. Jornalista formada pela Universidade Federal de Goiás, ela trabalhou no Correio Braziliense e Jornal de Brasília, no Distrito Federal, antes de fundar o primeiro jornal impresso da região, em 16 de agosto de 1986. A publicação foi idealizada primeiramente para ter tiragem mensal de 10 mil exemplares. Porém, a periodicidade não é fixa. Como o jornal não recebe investimentos nem anúncios regulares, não possui verba suficiente que financie sua atividade ininterrupta. Segundo Divina, o objetivo do jornal é defender os interesses das classes menos poderosas ao realizar denúncias contra a prefeitura e publicar reivindicações dos moradores, por uma comunidade melhor. Ela ainda ressalta que “qualquer iniciativa de comunicação é boa”. Mais antigo que os demais, o jornal tem registrado parte da história de Pires do Rio e possui um site (www.jornaldosudeste. com.br), no qual realiza enquetes que promovem a participação popular.
59
Reivindicações virtuais Piresinos engajados, como o blogueiro Tiago Tas, utilizam Internet como ferramenta para exigir melhorias no município. Por Luiza Facchina Foto Letícia Carvalho
Tiago Tas já declarou, em seu blog, o descontentamento dos piresinos com o lago artificial construído na cidade, que não tem água.
"Tás brincando". O jargão usado por Uydson Wlices, uma das vozes mais populares de Pires do Rio e dono de uma das emissoras de rádio mais ouvidas da cidade, a Líder FM, foi uma inspiração para Tiago Tas, 28 anos, ao nomear o seu blog. Segundo o analista de sistemas, "foi um jeito criativo e barato de conseguir propaganda para a minha página". Além disso, as letras iniciais de seu nome e sobrenome, Tiago Alves Souza, 60
soletram TAS, garantindo maior personalidade à sua página. A ideia de criar a página TAS brincando surgiu em 2009, a partir de uma demanda recorrente: informação produzida de forma independente e não partidarizada. Os veículos que possuem maior relevância e audiência permanecem, na maioria das vezes, polarizados em apoiar de-
terminadas ações partidárias. Ao mesmo tempo, a parcela da população mais carente de informação, sem se dar conta de tal processo, acabaria sustentando esse sistema de interesses. Foi diante desse cenário que Tiago pensou em usar a internet como meio de divulgar denúncias feitas pelos próprios cidadãos. “O TAS Brincando tem o intuito de expor diferentes opiniões do cotidiano, sérias ou bem humoradas. Queremos levar aos leitores informações, entretenimento, assuntos polêmicos e variados, sem deixar de lado a participação do leitor”, defende Tiago. A indignação com problemas como obras inacabadas, promessas políticas não cumpridas e salários atrasados levou o blogueiro a procurar líderes locais e funcionários públicos que pudessem afirmar com propriedade o que não era falado nos veículos tradicionais de comunicação. Contudo, o medo de serem reconhecidos na rua, de perderem o emprego ou de serem taxados de “dedo-duro” fez com que a maioria das denúncias fossem anônimas, o que afetava a credibilidade das notícias passadas pelo site. Seguindo uma linha bem humorada e, muitas vezes, irônica, Tiago conseguiu visibilidade com os assuntos tratados, ao aliar a divulgação “boca a boca” com o uso eficiente das mídias sociais. Mas foi a postagem, em julho de 2011, de uma carta aberta do professor Jesrrael Fonseca Santos para o prefeito, Gude, que atingiu o maior número de visualizações até hoje, quase três mil pessoas, segundo Tiago. “Essa postagem provocou um sentimento de identificação em grande parte dos piresinos que a leram”, afirma o blogueiro. O texto reconhecia todas as melhorias que o prefeito trouxera para a cidade, mas não deixava de apresentar as críticas da população. “Talvez tenha sido esse o momento em que o blog tenha atingido maior credibilidade e aceitação entre os moradores de Pires do Rio”, pondera Tiago. Aproveitando o sucesso, o blogueiro procurou outras maneiras de fazer a diferença na cidade. É o caso das campanhas que promoveu para arrecadar alimentos, ideia que, por muitas vezes, deu certo. “Foi outra maneira que eu achei
de ajudar algumas pessoas da minha cidade. Essa era a intenção do blog, atender algumas das necessidades dos moradores, que muitas vezes foram negligenciadas ou esquecidas.” Entretanto, Tiago tem sofrido as consequências da exposição que adquiriu com seu trabalho no blog. De acordo com ele, além de sua esposa ter sido demitida da prefeitura sem justa causa, amigos se afastaram, com medo de sofrerem represálias devido à proximidade com o blogueiro. “Isso sem contar algumas ameaças que têm chegado a mim. Já viraram rotina”, relata Tiago, sem entrar em detalhes sobre as intimidações que tem recebido. Desde agosto deste ano, o blog está parado, principalmente devido ao período eleitoral. “As denúncias políticas ganham outra dimensão durante essa época. Os ânimos ficam exaltados e muitos acabam por levar as críticas para o lado pessoal”, justifica. “Um passo de cada vez”.
Cibercidadania Com os veículos de comunicação tradicionais não atendendo mais a todas as demandas de informação dos piresinos, os habitantes da cidade começam a utilizar outras ferramentas à disposição, como a internet. As mídias sociais, por exemplo, têm servido para ampliar diálogos e debates em Pires do Rio. É o caso de dois grupos de discussão criados no Facebook: Os miozim de Pires do Rio, com quase 3500 membros, e Déspota Esclarecido, com 1.386 participantes. Dentre os temas abordados nesses fóruns virtuais, a eleição municipal é o que tem maior destaque atualmente, com constantes denúncias e ataques aos candidatos. Pires do Rio tem seguido, portanto, uma tendência crescente no resto do mundo: buscar mudanças na sociedade ao se utilizar a internet como meio de expressão. Nesse contexto, cidadãos comuns passam a ser personalidades, ao defender suas opiniões, como frequentadores assíduos de debates virtuais e internautas abertos ao diálogo. São pessoas que desejam uma democratização mais eficiente, que tire os piresinos da posição de “cidadãos anestesiados” e que faça as melhorias no município acontecerem no ritmo correto.
61
Sabor piresino Comidas preparadas de forma caseira fazem sucesso entre moradores e dão vida ao cardápio da cidade Por Julia Lugon Foto Patrícia Cruz
As empadas de Madalena são carro-chefe de sua loja e fazem sucesso entre clientes
Sem grandes restaurantes, a culinária de Pires do Rio é tradicionalmente caseira e com alimentos típicos do estado de Goiás. A maioria dos locais – sejam eles de lanches, guloseimas ou para refeições do dia-a-dia – possuem clientes fiéis e poucos funcionários. Apesar de simples, não se pode negar: a comida é deliciosa. O cardápio da cidade pode ser facilmente 62
representado por três opções: os famosos salgados de Madalena, os doces de frutas de Dona Terezilda e o tradicional restaurante Cheiro Verde. Para chegar a qualquer um desses locais não é necessário endereço completo – basta perguntar para alguém na rua. Os moradores sabem muito bem onde encontrar cada uma dessas casas e restaurantes.
Empadas de Madalena
Aniversários, casamentos e coquetéis. O que todos esses eventos têm em comum? Os quitutes de Madalena. Ela possui sua própria mini fábrica de salgados e é responsável por abastecer muitas das festas da cidade. São mais de dez tipos diferentes, entre rissoles, coxinhas, pastéis, croquetes, enroladinhos e as famosas empadas, carro chefe da loja. Com seis funcionários registrados, dois para o atendimento e quatro para a produção, tudo é feito no local. Há a área da cozinha, destinada ao preparo, e a lanchonete, para venda, consumo e entrega de encomendas. Os clientes podem escolher três tamanhos de salgados. O coquetel é o menor de todos, vendido a R$ 0,50 a unidade. Em seguida, vem o médio, por R$ 0,80, e o grande, a R$ 2,00. Apesar do sucesso, nem tudo foi sempre assim. Nascida em fazenda nos arredores de Pires do Rio, Madalena de Bastos Barbosa, hoje com 57 anos, mudou-se para a cidade na adolescência. Começou a trabalhar em um clube como auxiliar de cozinha, para ajudar a mãe viúva e as quatro irmãs. Lá, aprendeu a fazer os salgados que hoje são populares entre moradores e visitantes da região. Madalena decidiu trabalhar por conta própria quando soube que estava grávida de Adriano, seu primeiro filho. No início, o preparo e a venda dos salgados aconteciam dentro de casa e apenas empadas eram assadas. Tudo era realizado com ajuda das irmãs, responsáveis tanto pelo atendimento quanto pela produção. “A gente ficava dentro de casa mesmo, fazendo tudo. Como a cidade é pequena, os moradores souberam bem rápido das nossas vendas. Um foi contando pro outro e fui crescendo”, conta Madalena. E cresceu mesmo. Em 2008, com o sucesso das vendas, Madalena comprou a lanchonete em que hoje trabalha. Com batedeiras, fogões e panelas capazes de produzir em grande quantidade, dezenas de salgadinhos são feitos de uma só vez. Apesar da alta demanda, ela nunca fez o controle do estoque: “Sei que produzo muito, faço diversas encomendas e passo meu dia inteiro aqui. Mas não sei dizer o
quanto é produzido no mês”, conta. Quando questionada se pretende aumentar ainda mais a loja e a produção, Madalena nega: “Tenho muita dificuldade com a mão de obra qualificada em Pires do Rio. É raro encontrar alguém que saiba cozinhar, que tenha experiência. Se contrato um funcionário que sabe pouco, eu tento ensinar tudo, mas acabo trabalhando o dobro por conta disso”, diz. Apesar da dificuldade em crescer ainda mais, Madalena está muito feliz com seu trabalho. Diz-se apaixonada por ele e que é sempre bom fazer salgados e complementar as receitas.
Cheiro Verde
Há dez anos no mercado, o restaurante Cheiro Verde é o mais tradicional da cidade. O self-service, que funciona de 11 às 14h, tem capacidade para cerca de 40 pessoas. O cardápio, de inspiração goiana e mineira, serve pratos como galinha caipira, feijão tropeiro, churrasco e saladas diversas. Sílvia Cristina, proprietária do restaurante, orgulha-se ao contar a história do local: “Eu sempre gostei de mexer com comida. Fazia o almoço lá em casa e adorava. Então, percebi que a maior oportunidade que eu teria seria continuar seguindo com isso”. Foi então que Cristina alugou um espaço e montou o restaurante. No início, quem trabalhava era sua própria família. Ela cozinhava, o marido cuidava das contas e os dois filhos eram garçons. “Hoje eu tenho nove funcionários”, diz Sílvia, ao exibir o restaurante recém-reformado. “Juntei dinheiro, comprei o terreno que alugava e fiz uma boa reforma. Aumentei o espaço e coloquei mais pessoas para trabalharem comigo”. Com a reforma, o restaurante atraiu mais gente. Carlos Henrique Shimano, que mora em Orizona, cidade próxima de Pires do Rio, gostou do local e comeu lá pela primeira vez. “Achei o restaurante bonito, limpo, fiquei curioso e resolvi entrar. Adorei. A comida é muito boa e com certeza virei aqui de novo”, elogia Carlos 63
Dona Terezilda fabrica o doce de leite com ajuda de sua filha, Aline. Os doces variam no sabor e no modo de preparo. Doces de abóbora, leite, laranja e figo são encontrados tanto na forma cristalizada quanto em calda.
Não é só o sabor que atrai os clientes. O preço, de R$ 19,90 o quilo, é convidativo. Por não ser muito caro, há piresinos que comem lá todos os dias, sem precisar cozinhar em casa. O casal Alberto Alves e Carla Rodrigues é exemplo de clientes que se fidelizaram. Casados há 31 anos e moradores da cidade há mais de 20, eles almoçam no Cheiro Verde todos os dias. “Eu não sei cozinhar e moramos aqui do lado. Pra quê perder tempo fazendo comida ruim se podemos simplesmente vir pra cá?”, indaga Carla. Alberto complementa: “Almoçamos uma boa refeição. Conhecemos todos os funcionários e ficamos amigos até de pessoas que também comem aqui todos os dias”. Devido ao tamanho do restaurante, a proprietária Sílvia não cozinha mais. Apesar de adorar preparar os pratos, falta tempo para ela. A função principal que exerce agora é a de coordenar o local. Sempre que possível, ela caminha entre as mesas, pergunta se está tudo bem e fica de olho em qualquer problema que possa acontecer. Dessa maneira, garante que agrada a todos e mantém os clientes satisfeitos.
Amor em calda
Maria Terezilda, de 57 anos “muito bem vividos”, como costuma dizer, é doceira. As delícias, preparadas em sua própria casa, são feitas com frutas diversas: melancia, mamão, banana, goiaba, laranja, figo, caju e coco são apenas alguns dos sabores mais populares. Ela também produz doces de abóbora, leite e queijo. 64
Na casa de dona Terezilda não falta açúcar. Ela já fez encomendas até para o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, em jantar feito para 300 pessoas em Goiânia. Sua geladeira possui aproximadamente 40 quilos dos mais variados doces. Quando os coloca na mesa, a vontade de provar é certa. Cristalizados, em calda ou massa, os doces ganharam fama por sua cor, textura e sabor. Aposentada como professora, Terezilda trabalha há dez anos com a venda. “Não é nem tanto para ajudar com as contas da casa, mas porque eu comecei a me entediar e procurei alguma atividade para fazer”, conta ela, ao explicar o motivo da produção. “Pretendo trabalhar o resto da minha vida, não quero morrer caduca. Isso daqui é uma terapia para mim”, afirma. A atual ocupação serve também como ajuda para a filha, Aline, de 41 anos. Divorciada e com um filho de 16, ela aprende a fazer os doces para se sustentar. Mudou-se para a casa da mãe logo após o divórcio e agora faz parte da mão de obra para a produção. Além de preparar, embalar e entregar as encomendas, Aline também é responsável por vender os doces em festas e eventos da cidade. Os doces são vendidos por quilo. Os feitos em calda custam R$15,00 e os cristalizados, R$20,00. Com ajuda de uma balança antiga, tudo é pesado e conferido, averiguando possíveis falhas. Para Terezilda, o mais sagrado está no tempo de produção. Os doces são preparados sempre o mais perto possível da data de entrega, para que fiquem frescos e mantenham a alta qualidade. “Tudo o que produzo é feito com muito carinho, muito amor. Fico horas preparando meus doces, sou muito cuidadosa em meu trabalho. Quero sempre o doce mais fresco possível”, conclui a doceira.
Receita de Doce de Banana Por Dona Terezilda
Ingredientes • Duas dúzias de banana madura • ½ copo de suco de limão • Açúcar na mesma quantidade da massa de banana Modo de preparo 1. Passe as bananas em uma peneira de taquara para construir a massa. O objetivo é separar as sementes e pedaços da casca que ficam na fruta. 2. Meça a quantidade da massa. O número total será o mesmo que deverá ser usado em açúcar. 3. Em uma panela de cobre, junte a massa de banana, o açúcar e o suco de limão. Misture em fogo médio até aparecer o fundo do recipiente. 4. Finalizada a produção, transfira o doce para um recipiente que aguente o calor. Dicas • Por aguentar bem a alta temperatura, coloque o doce em potes de margarina. • Para um doce bem avermelhado, acrescente mais bananas e deixe-o mais tempo no fogo.
65
Uma festa que promove a união Por Brunna Ribeiro e Terra Thaís Fotos Terra Thaís
Uma Festa Capela São Francisco, organizada pela festa que promove famíliaPolizel, celebra a 13ª união edição e homenageia a criadora da festividade
Com fogos e música alta, a carreata chama o povo para uma das festas mais esperadas em Pires do Rio, a Festa Capela São Francisco. A celebração é calorosa, assim como a cidade. É uma região quente, com picos rotineiros de 38°C. Tal fervor traduz-se também na religião da povo. Não é à toa que as festas mais famosas do calendário local são católicas.
66
A festa acontece na rua ao lado da capela.
O festejo tem por objetivos agregar os piresinos e arrecadar fundos para a Paróquia Sagrado Coração. O evento torna-se realidade um mês antes de acontecer, começando com a doação dos alimentos. Os demais gastos ficam por conta dos patrocinadores, que, nesta edição, foram mais de cinqüenta. Nem a Igreja ou a Prefeitura contribuem na organização. A comemoração acontece, tradicionalmente, na Avenida Cristófaro de Paula Resende, rua ao lado da Capela. A festa começa ao término da missa, mas neste ano, o primeiro dia começou após o comício do atual prefeito de Pires do Rio e candidato à reeleição, Gude. A festa é ordenada pela família Polizel, geração de origem italiana, que se estabeleceu em Pires do Rio há mais de 20 anos. Tudo começou quando Genol Polizel conheceu em Birigui, São Paulo, Thereza Mascotte, por quem se apaixonou. Os dois foram com suas famílias para o Paraná tentar a sorte numa plantação de café. O negócio não deu certo, mas o casamento, sim. Arrendaram terra para o plantio de soja, mas, depois que vieram os oito filhos, decidiram ir para um terreno maior, em Goiás.
Mudaram-se para Pires do Rio em 1985. Chegando lá, ficaram insatisfeitos com o abandono da capela da região e começaram a reformá-la. Em 1999, a primeira festa aconteceu, sob o teto de lonas. Sua data original era em outubro (mês de São Francisco de Assis), contudo, em função das chuvas no período, a festa foi adiantada para setembro. Em 2008, a família se abalou. Numa noite, Therezinha passou mal e foi levada à Goiânia. Faleceu no dia 28 de outubro, vítima de diverticulite, deixando os Polizel e a capela órfãos. “A festa para ela era uma coisa de sangue, ela adorava”, se emociona Laércio Polizel ao falar da mãe. Adriana Mazon Polizel, que hoje coordena a festa, deve à sogra seu posto no leilão realizado durante a celebração. Num dia em que o leiloeiro se atrasou, Therezinha pôs a nora para apregoar as prendas. “Ela era uma bênção de pessoa. Inclusive, a união da família se deu graças a ela”, afirma Adriana. Laércio e Adriana pegaram para si a responsabilidade de unir os parentes. E um dos maiores desafios foi incluir nos almoços de domingo a madrasta Divina, que se casou com Genol. Ela tardou a ser aceita e este ano é a primeira vez que participa da organização da Festa da Capela.
67
Preparativos A família não permitiu que tudo acabasse. E, há treze anos, o quintal da capela São Francisco, na véspera da festa, fica lotado de cozinheiras a fritar batatas, irmãs cortando frango, Adriana e Laércio recheando o leitão, amigas a fazer croquetes, mulheres que só param quando seu Genol chega com sorvete de coco. Tudo ao som de sertanejo. A união dos Polizel é comprovada na correria dos acontecimentos. Embora não seja parente, Alice é tratada como se pertencesse à família. Mudou-se com os Polizel do Sul para o Centro-Oeste. De jeito simples e sorriso encantador, não para na arrumação das prendas e supervisiona o preparo da comida. Tamanho é o respeito por ela que já até representa Therezinha nas fotos de família. As netas de Genol se divertem somente depois de organizar o dinheiro do caixa. Os irmãos só bebem quando o bar esvazia e Adriana só consegue sentar quando o leilão acaba. Todos descansam apenas na segundafeira. Karyton Santos fez participação especial na festa. Abriu as noites e cantou o leilão com Adriana. Menino novo, mas com voz de gente grande, é locutor desde os 14 anos. Hoje, aos 19, trabalha na rádio Líder FM, na apresentação e sonoplastia de dois piresino, que já fez curso de narração de rodeios em Barretos, ficando entre os cinco melhores do país, também narra competições em cidades próximas.
A festa da Capela São Francisco é daquelas que você coloca a melhor roupa para ir. Jovens andam de um lado ao outro, conversando e paquerando. Crianças se divertem na cama elástica, escorregador e com balões de gás coloridos.Famílias quem saem da missa são as primeiras a chegar. Quando o leilão começa, o burburinho aumenta e a música silencia. Apesar do desgaste de Adriana, ela pega o microfone e anuncia a primeira prenda da noite. Norberto Tomazini consegue comprar sua segunda leitoa assada por R$ 210, um dos maiores valores da noite. Com adesivo do PSDB, partido político de sua mulher no peito, ele diz que vai devolver a aquisição à festa. Quando questionada pela compra de valor tão alto, Cida Tomazini, candidata a prefeitura de Pires do Rio nas eleições deste ano pelo PSDB, diz: “É pra ajudar a igreja”. As famílias têm o costume de arrematar as prendas e consumi-las na hora. Depois de quatro ou cinco itens leiloados, a música volta. A cantora Kamilla Maria foi escalada para animar a festa. Quem vê não acredita que a dona da voz grave é uma menina de 16 anos. Apesar de já tocar violão aos nove anos e cantar desde os 13, Kamilla só foi reconhecida há apenas um ano. Ela tem músicas próprias, porém, demonstra maturidade na hora de agradar ao público. O repertório tocado na festa da igreja englobou o sertanejo, estilo preferido da cidade, além de músicas que tocam em novelas.
GALINHADA BENEFICENTE Os organizadores da Festa Capela São Francisco realizaram no domingo (16), uma galinhada beneficente. Todos os alimentos para a preparação do almoço – este ano, preparado por uma voluntária– foram doados pela população. O sucesso da galinhada foi grande, e os organizadores tiveram que fazer mais comida, ao custo de R$ 7,00 o prato. A atração principal do 68
evento foi o bingo de uma bezerra doada à festa. Para as crianças, teve pula-pula, pescaria e escorregador.no domingo (16), Segundo a organização do evento, a renda atingiu o esperado, com arrecadação de aproximadamente R$2100,00 e participação de 300 pessoas no almoço. Todo o dinheiro arrecadado será doado a duas senhoras doentes que estão sem condições de se sustentarem.
União e fé A Igreja Católica de Pires do Rio é comandada por três freis. Frei Donizete coordena as missas da região
e estava de férias no período da festa deste ano. Frei Edgar é um homem jovial e carismático, que tem mais de cinco mil amigos no Facebook. O radialista e professor de comunicação se divide entre a batina e sala de aula. Para ele, o ponto alto da festa é a confraternização entre a comunidade, fazendo de tudo isso um lazer sadio. Edgar conta que 10% dos lucros arrecadados no festejo vão para a Diocese, e o resto fica para a paróquia da região. Enquanto isso, frei Sebastião não anda dois passos sem cumprimentar alguém. No ano passado, ele ficou conhecido no país por dar uma penitência inusitada a toda cidade (ver Box sobre curiosidades). E sobre a festa, ressalta: “se a igreja não reunir as pessoas fora do ambiente da oração, como nessas festas, ela não vai ter futuro”. A festa começa e termina com oração. Adriana, em nome da família, agradece à população piresina por fazer a comemoração possível. “É uma coisa abençoada, de Deus.” A fé e a união dos Polizel fazem da Capela São Francisco a mais frequentada da cidade. Esta edição foi dedicada a sua idealizadora, Dona Therezinha.
• A festa religiosa mais tradicional de Pires do Rio é a de Santo Antônio, em homenagem ao padroeiro da cidade. Tradicionalmente, acontece dia 13 de junho e conta com um especial leilão de gado. • Pires do Rio tem 10 capelas. Estima-se que na cidade 70% dos seus habitantes sejam católicos e que, a cada final de semana, cerca de 4 mil pessoas compareçam nas atividades das igrejas.
O leilão é umas das atrações mais esperadas da festa. Leitoas e frangos assados servem como prenda. Enquanto Adriana é a leiloeira, seu marido mostra a prenda ao público.
Há 13 anos a família Polizel organiza a festa e hoje 3 gerações trabalham na produção, organização Da esquerda para direita em pé: Alice Marin Peloza, Bernadete Aparecida Polizel,Vera Lúcia Polizel,Genol Polizel,Afonso Maria,Alex Alexandre (neto),Pedro Laércio, Adriana Mazon,Roseli Maria Polizel. Agachado: Karina Polizel,Rafael,Arielly Mazon Polizel,Patrícia Polizel e José Carlos.
• Frei Sebastião foi entrevistado pela Rede Globo e apareceu no Fantástico. E ficou conhecido por dar a mesma penitência a todos: plantar a semente de árvore nativa da região em área degradada da cidade. • Segundo ele, a idéia surgiu a partir do tema da campanha da Fraternidade daquele ano. Após ter aparecido em vários jornais, o frei recebeu ligações com elogios do mundo inteiro. • Este ano, depois de ler um artigo sobre lixo, sua próxima ideia para contrição é entregar sacolas plásticas aos fiéis, para que recolham o lixo nas ruas.
69
MANGABAS SEIOS Seus seios são saborosos como as mangabas que amadurecem no fundo das latas de arroz. *** Não quero a poesia que reprima em expectativa o homem para o homem. Não sofro por ser poeta. O que dói é ter a compreensão exata da humanidade. Eu que convivo com os sentimentos ainda não aprendi Ubirajara Galli Poeta Piresino
70