Funk Instrumentalizado - professores

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OLÁ PROFESSOR, Este é o material educativo do projeto Funk Instrumentalizado, que originou os espetáculos realizados nos dias 29 e 30 de setembro e 27 de outubro de 2015 no Sesc Vila Mariana. Elaboramos para vocês, educadores, um texto de referência e seis pistas educativas a partir de três textos temáticos que têm a intenção de provocar discussões a respeito do contexto social e dos conceitos musicais do funk carioca, da música instrumental brasileira e das possibilidades de criações colaborativas entre gêneros distintos. As pistas educativas foram planejadas para serem usadas pelos estudantes, coletivamente. Elas são fundamentadas nos conteúdos dos textos deste material e promovem questionamentos e ações que ultrapassam o espaço da sala de aula, utilizando-se também da escola, do bairro e da cidade como ambientes do processo de ensino-aprendizagem. O funk é realidade. Popular e socializante, fundado pela cultura da batida e da rima que nasce das periferias. A música instrumental é subversiva. Vanguardista e (re)construtora de melodias. Letras e sons improvisados provocam inovação e combate ao preconceito neste projeto do Sesc Vila Mariana. Afinal, tudo pode ser música universal. Este material é indicado a alunos a partir de 12 anos, permitindo a você, professor, adaptá-lo às suas necessidades. Além disso, também nos colocamos à disposição para conversar sobre suas ideias e gostaríamos de receber eventuais retornos do seu trabalho como educador no que se refere ao desenvolvimento cultural e artístico dos alunos. Pode entrar em contato conosco via email@vilamariana.sescsp.org.br

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1. FUNK CARIOCA O funk carioca é um gênero musical que enfrenta um dos maiores inimigos da arte e da criatividade: o preconceito. “O funk não é modismo, é uma necessidade”, palavras do MC Bob Rum, válidas para provocar uma reflexão (sem acusações) sobre os fatores que levaram esse som originário das favelas cariocas a ser negado enquanto fenômeno cultural, e, ao longo dos anos, ser tratado como caso de polícia. O termo funk possui origem estadunidense e era associado a dois significados: no jazz dos anos 1930 era uma maneira de apimentar a base musical; e pelos negros norte-americanos foi uma forma de denotar o odor do corpo nas relações sexuais. A base rítmica do funk também tem raízes nos Estados Unidos, herdeira do soul, do rhythm’n and blues e do jazz. O músico James Brown é apontado como seu criador oficial em 1960, ao mudar a tradicional rítmica 2:4 para 1:3 e acrescentar instrumentos de metal à melodia. O funk norte-americano chega ao Brasil em 1970 e para alguns pesquisadores como Viana (1988, p.24-25 apud PALOMBINI, 2009, p. 52), o Baile da Pesada organizado pelos DJs Big Boy e Ademir Lemos na cervejaria Canecão (localizada na Zona Sul do Rio, principal espaço da MPB) desempenhou o papel de evento fundador da cena de bailes black cariocas. Esses bailes passaram a predominar nos clubes e quadras esportivas dos subúrbios do Rio onde se tocava principalmente soul. O funk era conhecido neste período como shaft ou soul-funk. As equipes de som eram as principais responsáveis por realizar os bailes e as festas. Em 1978 ocorre a ascensão de duas equipes que dominariam este cenário nos anos 1980: a Furacão 2000 e a Cashbox. Na época, as equipes de som caçavam vinis recém-lançados nos Estados Unidos, dependendo deste disputado esquema para fazer o diferencial nas festas. Foi nesse contexto que chegou no Brasil o Miami Bass: uma vertente do hip-hop, estilo dance americano, cujo conteúdo das letras era predominantemente de palavrões e sexo. Os bailes black cariocas dos anos 1970, movidos a soul e funk norte-americanos, passam a ser gradativamente substituídos pelos bailes funks nos anos 1980, com o predomínio do Miami Bass e do electro.

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Apesar de a grande maioria das pessoas saberem do que se tratavam as letras das músicas do gênero Miami Bass, este conteúdo era dificilmente assimilado, pois poucos falavam inglês, e não demorou para que os brasileiros criassem suas próprias versões em português com palavras que soassem similarmente ao original: era o início do que ficou conhecido como a “Era das Melôs”. O funk carioca é o resultado da apropriação de tecnologia, acessível e barata, por grupos de não músicos que se dirigem aos setores marginalizados da população a partir da década de 1980: jovens habitantes de regiões urbanas menos favorecidas do Rio de Janeiro. Ele pode ser considerado o primeiro gênero de música eletrônica dançante legitimamente brasileiro: a nossa música house, assim como o house criado em Chicago, que era direcionado aos jovens negros gays há três décadas. Inicialmente, a influência sonora do Miami Bass era predominante nas composições de funk, sobre o qual uma tumbadora aguda gritava o ritmo do maculelê. Durante os anos 1990, as gravadoras passaram a dar mais valor ao ritmo do maculelê, criando a característica sonora do funk brasileiro que conhecemos atualmente. O maculelê é um folguedo popular nascido em torno de 1757, em Santo Amaro das Purificações (Bahia). Não há indícios oficiais de sua criação, apenas lendas da época do Brasil Colônia que contam a história de Maculelê (um índio ou um negro), que lutou bravamente com apenas dois pedaços de pau para resistir à invasão de um ataque rival durante a ausência dos guerreiros da sua tribo. O principal responsável por manter sua tradição viva foi Mestre Popó, que, em 1943, reuniu parentes e amigos para ensinar a dança baseado em suas antigas lembranças, formando o Conjunto de Maculelê de Santo Amaro. As apresentações de maculelê são constituídas por componentes que representam a tribo rival, fazendo um círculo em volta de uma pessoa, que representa o herói. Todos sustentam um par de bastões nas mãos que são batidos no ritmo do atabaque, e a história é contada através de cânticos que são respondidos em coro. Descendente do Miami Bass e do maculelê, como o próprio nome diz, o funk carioca é uma relação entre a cultura afrodescendente musical do Rio de Janeiro e a música negra norte-americana. O primeiro lançamento comercial de funk Sesc Vila Mariana

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carioca é atribuído ao DJ Marlboro em 1989, com o LP D.J. Marlboro apresenta funk Brasil. Esse LP é resultado de uma viagem que Marlboro fez a Londres no mesmo ano e o possibilitou entrar em contato com as produções mais recentes de dance, electro e black. Ao regressar ao Brasil, ele deu início à produção da música eletrônica brasileira, utilizando-se das batidas Volt Mix e Hassan, acrescidas de letras irreverentes em português. Foram criadas músicas como “Melô do Bêbado”, “Feira de Acari”, “Rap do Arrastão”, dentre outras. Desde sua criação o funk tem se desenvolvido em diversos subgêneros: funk consciente, funk proibido, funk sensual, gospel funk, funk melody, funk de raiz e montagem (explorando a repetição rítmica de fragmentos vocais), um retrato da multifacetada realidade sociocultural de seus compositores. Os bailes também são múltiplos: bailes de comunidade (dentro da favela), bailes de asfalto (fora dela), bailes de rua, bailes do bicho, e os hoje em dia extintos bailes de briga, bailes de corredor, lado A e lado B e quinze minutos de alegria. Assim como o samba, o pagode, a capoeira e outras manifestações originadas nas periferias das cidades, o funk encontrou resistência da opinião pública (e até da polícia) quando começou a ganhar notoriedade. Esse estilo de música tem resistido aos diversos fatores de intolerância cultural que tentam reduzir o seu valor artístico e cultural. O funk carioca precisa ser pensado, criticado e discutido, nunca censurado ou rejeitado do processo cultural.

#funkcariocaécultura

Segundo o pesquisador Micael Herschmann, que analisou cerca de 125 artigos da mídia impressa no período de 1990 a 1991, o funk era tratado por 100% dos cadernos culturais. A partir de 1992 o ritmo passa a ocupar 94,8% dos cadernos locais e policiais contra apenas 5,2% dos cadernos culturais. Durante 1993 e 1996 essa diferença foi diminuindo até atingir um equilíbrio entre as duas seções (MEDEIROS, 2006, P. 53).

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1992

Para a jornalista Janaína Medeiros (2006), o divisor de águas que teria feito o funk virar caso de polícia foi o mês de outubro de 1992, quando facções rivais de jovens funkeiros se encontraram na Praia do Arpoador e reproduziram em pleno asfalto e luz do dia, os rituais de luta que aconteciam nos bailes de briga, até então conhecidos principalmente apenas por quem morava no morro. Apesar de Nilo Batista, na época vice-governador do Rio e secretário de Justiça e de Polícia Civil, possuir um levantamento completo do acontecimento e afirmar que “não teve uma vítima, não teve uma pessoa ferida, só teve um furto de uma toalha ou um par de havaianas”, o episódio foi interpretado pelas manchetes dos jornais do país e do mundo como um levante de assaltantes e associou o termo arrastão ao universo funk, agregando ao termo funkeiro uma conotação de violência.

2000

A Lei nº 3410 é aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro sentenciando a proibição da “execução de músicas e procedimentos de apologia ao crime nos locais em que se realizam eventos sociais e esportivos de quaisquer natureza” (Cláusula 6 da Lei 3410 de 29 de maio de 2000), sentenciando os bailes funks a terem sua música regida por uma legislação específica e mais tarde, em 2008, houve a substituição dessa lei por uma que reprimia também as raves.

2009

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou por unanimidade a Lei nº 5544 assinada pelos deputados Marcelo Freixo e Paulo Melo, na qual os bailes funks e raves deixavam de estar sujeitos à legislação discriminatória. Neste mesmo dia, também foi aprovada a Lei nº 5543, de Marcelo Freixo e Wagner Montes, determinando que: “(I) o funk [carioca] é um movimento cultural e musical de caráter popular; (2) o poder público deve garantir a realização de seus eventos – festas, bailes e encontros – sem quaisquer regras discriminatórias diferentes daquelas que regem outros eventos da mesma natureza; (3) as questões relativas ao funk devem ser tratadas preferencialmente no âmbito das organizações públicas de cultura; (4) fica proibido todo o tipo de preconceito, seja de natureza social, racial, cultural ou administrativa, contra o movimento funk e seus integrantes; (5) os artistas do funk são agentes da cultura popular e, como tal, seus direitos devem ser respeitados” (PALOMBINI, 2009, pg. 51). Sesc Vila Mariana

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2. MÚSICA INSTRUMENTAL BRASILEIRA Primeiramente, o conceito de música instrumental isolado não diz muito sobre as características musicais presentes neste estilo. Podemos dizer que a música instrumental é aquela feita somente por instrumentos, excluindo voz e diferenciando-se assim da canção. Mas seria a voz um instrumento? Partindo do pressuposto de que todo material produz som e que todo som pode ser utilizado dentro de uma música (assunto bastante discutido por Murray Schafer e por compositores de música contemporânea erudita), a voz pode ser, portanto, utilizada como um instrumento musical. Assim, música instrumental brasileira é toda música que utilizamos instrumentos e que é produzida no Brasil? Se sim, toda música produzida no Brasil é instrumental? A sigla MPB (Música Popular Brasileira) começa a ser utilizada na década de 1960, fazendo referência principalmente às músicas dos festivais que eram transmitidos pela televisão, sobretudo os da TV Record. Contudo, se analisarmos em profundidade estas músicas, encontraremos vários outros estilos musicais dentro da MPB, como o samba, o baião, o frevo, o jazz, o rock, entre muitos outros. Hoje o rótulo MPB é corriqueiro e é utilizado quase que para qualquer música produzida no Brasil. Entender de forma detalhada peculiaridades musicais a partir do rótulo é algo difícil e muitas vezes uma denominação não é capaz de definir todas as particularidades apresentadas. Para isso é preciso entender o contexto em que esses rótulos foram criados e também sua funcionalidade comercial. Os nomes que representam estilos musicais criam identidade a partir do contexto que eles se inserem. Voltando à voz como instrumento, uma maneira possível de entender a questão é pela capacidade de produzir sons e pela diferenciação da canção, pois a poesia/ letra não aparece como elemento protagonista da música, mas, sim, o conteúdo melódico realizado pela voz. Esta forma de utilizar a voz como instrumento é muito recorrente na música instrumental brasileira em obras de Airto Moreira como “Tombo em 7”, na atuação vocal da cantora Mônica Salmaso na Orquestra Popular de Câmara, ou na música “Voz e Vento”, de Hermeto Pascoal. Sesc Vila Mariana

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Vamos tentar compreender um pouco sobre a música instrumental brasileira (ou “jazz brasileira”, como prefere chamar Piedade) e em que contexto esse rótulo é utilizado. Segundo as pesquisas realizadas por Piedade por meio de entrevistas com praticantes de música instrumental brasileira, esse estilo tem como base o chorinho. Segundo Tinhorão, a cultura estadunidense começa a penetrar no Brasil com muito furor depois da Primeira Guerra Mundial fazendo com que muitos músicos chorões desistissem de seu exercício e outros a se adaptarem à situação. Durante seu tempo de atuação, o grupo Oito Batutas, de Pixinguinha, foi muito criticado por apresentarem em suas composições influências da música norteamericana. O jazz (entre outros estilos musicais norte-americanos) cada vez mais passa a fazer parte das práticas musicais dos grandes centros urbanos e da classe média brasileira. Um marco desta fusão de culturas e que melhor a exemplifica foi o álbum Chega de Saudade, de João Gilberto, lançado em 1959, considerado também o álbum que melhor representa a bossa nova. Apesar de Chega de Saudade não ser um álbum instrumental, mas de canção, ele enfatiza elementos musicais importantes e que passam a caracterizar bastante a música instrumental brasileira, principalmente nas formações instrumentais, nos arranjos e na improvisação. No mesmo período de Chega de Saudade, muito trios instrumentais de piano, baixo e bateria foram formados. Eles tocavam jazz, bossa nova, samba, baião, entre outros estilos musicais de compositores e cancioneiros deste período. As músicas do estilo canção eram executadas sem suas respectivas letras, delegando as funções das melodias feitas inicialmente por cantores para os instrumentos usados. Então, tocava-se a melodia e, em seguida, improvisava-se sobre a forma da música e retornava-se à melodia inicial. Essa estrutura musical que se organiza como exposição da melodia da música (tema principal), improvisação sobre a forma que esta melodia foi composta e reexposição da melodia é uma estrutura bastante tradicional utilizada no jazz e que começa a ser recorrente neste cenário musical. O Quarteto Novo, formado por Airto Moreira, Heraldo do Monte, Hermeto Pascoal e Theo de Barros, começa a fazer uma música instrumental utilizando-se, o máximo possível, de recursos da música brasileira procurando distanciar-se Sesc Vila Mariana

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do jazz. Todos os ritmos presentes em suas composições são da cultura brasileira, principalmente nordestina. Como a maioria dos músicos desse período estavam muito concentrados no aprendizado da cultura musical do jazz norte-americano, tudo que eles tocavam soava de certa forma parecido com o jazz, principalmente quando improvisavam. Já o Quarteto Novo procurava inserir na improvisação peculiaridades da música brasileira para que suas composições não soassem jazz. Era quase um movimento anti-jazz. Muitos grupos de música instrumental brasileira foram surgindo, uns bastante influenciados pelo jazz, alguns mais brasileiros nos detalhes rítmicos, melódicos e harmônicos, outros ainda pela música clássica/erudita. Nomes como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Airto Moreira, Cesar Camargo Mariano, Hélio Delmiro, Paulo Moura, Hamilton de Holanda e muitos outros constroem o cenário desse estilo musical e apresentam características em comum. Ao mesmo tempo em que cada um deles segue uma linha, ora muito influenciados pelo jazz, ora por gêneros musicais brasileiros. Até o rock e o funk estão entre eles. Observamos que, da mesma forma que a MPB é bastante heterogênea em suas características musicais, entender as especificidades da música instrumental brasileira depende muito de cada compositor ou instrumentista, do período, enfim, do contexto de produção de cada álbum ou música.

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3. CRIAÇÃO COLABORATIVA A realização de um trabalho colaborativo entre estilos e linguagens musicais diversos influencia muitas práticas musicais e sonoras que resultam em composições, performances, instalações, entre outros, possibilitando a aproximação e a troca de conhecimentos entre culturas que muitas vezes se encontram distantes. Por exemplo, em 1966 o guitarrista dos Beatles, George Harrison, iniciou uma amizade com o indiano tocador de cítara Ravi Shankar. Este encontro trouxe para a música pop ocidental a filosofia e sonoridade musical praticada na Índia, assim como as práticas musicais ocidentais influenciaram as músicas produzidas no oriente. Podemos citar exemplos de outras trocas de gêneros musicais que não se encontram tão distantes fisicamente, porém sonoramente e socialmente possuem características distintas: a banda de heavy metal Metallica que gravou um disco com a Orquestra Sinfônica de São Francisco; ou o encontro do saxofonista Wayne Shorter com Milton Nascimento na década de 1970, uma fusão entre o jazz e os sons brasileiros. O funk carioca é um gênero musical que tem facilidade de utilizar de características sonoras diversas. Nele os músicos misturam um sample da Madonna, um berimbau e atabaque com a mais nova expressão popular e dão origem a um novo hit musical. Além disso, o funk também foi apropriado por músicos de outros gêneros musicais em suas composições. É o caso da música Bucky Done Gun, da cantora M.I.A., que sampleou a música Injeção, da MC Deise Tigrona; na música Hollaback Girl, da cantora Gwen Stefani, sampleada de Feira de Acari, do DJ Marlboro; ou na música intitulada PopoZão, encontrada no primeiro trabalho musical de Kevin Federline, modelo e marido da cantora Britney Spears, em uma experiência de cantar funk em português mesmo sem entender a língua. Para a dupla de paulistas radicados em Londres, Tetine, a descoberta do funk carioca foi uma “sensação de que existia um capítulo novo na música brasileira. Uma música que não era comportadinha para inglês ver” (MEDEIROS, 2006, pg. 116). Foi a essência de muitos de seus trabalhos musicais que misturam o electro ao batidão do funk e estão presentes na cena underground londrina. Recentemente o músico Edu Krieger incorporou a batida do funk no seu violão sete cordas. E por aí vai a mistura de sonoridades...

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Na música instrumental brasileira, podemos observar o mesmo movimento de colaborações. O compositor Egberto Gismonti gravou em 1985 o disco Trenzinho Caipira, reinterpretando a obra de Villa Lobos a partir de várias experimentações com sintetizadores e com muita improvisação. Características musicais dos anos 1980 estão muito presentes nesse álbum, como, por exemplo, a sonoridade provinda das novas tecnologias de elaboração de instrumentos. É um álbum que une essa atmosfera sonora dos anos 1980 com a criatividade do músico Egberto Gismonti e a obra composicional de Villa-Lobos. E o que poderemos encontrar musicalmente através da colaboração entre o funk carioca e a música instrumental brasileira? Muitos aspectos podem ser desenvolvidos nesta via de duas mãos onde, a música instrumental contribui para o funk tanto quanto este pode contribuir para a música instrumental. Na essência podemos destacar que a música instrumental protagonista o seu sentido musical através da melodia, enquanto funk valoriza o sentido poético, através da letra, porém, vale ressaltar que isso não quer dizer que a música instrumental não carregue conteúdo poético e nem que o funk não possua sentido musical, é apenas uma questão de ênfase do material utilizado na composição, e que identificam as singularidades de ambos os gêneros. A música instrumental brasileira tem características como harmonias complexas, melodias que exploram a sonoridade de diversas escalas, ritmos não convencionais. Utiliza diversos gêneros como baião, frevo e samba como matéria-prima para ser experimentada e transformada, traz uma sonoridade acústica devido ao uso de instrumentos ao invés do som das pick-ups do DJ, entre outros elementos que a diferem do material musical utilizado na grande maioria dos funks. O funk carioca construiu o seu repertório de ritmos, timbres e convenções originalmente brasileiros no vocabulário musical. Ele tem o potencial de agir sobre o corpo, vibrar o peito e o ventre, sendo que muito disso se deve ao seu DNA africano, que enfatiza as frequências graves (assim como o reggae, o soul, o samba, etc.). O funk cria “um entendimento corporal da música, não só auditivo – que passa pelo sexo e pelo conceito religioso de transe, como nos tambores de candomblé. (...) A sofisticação nesse contexto é medida não pela complexidade matemática do Sesc Vila Mariana

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ritmo, mas pela eficácia com que se consegue esse efeito de quase conduzir o ouvinte agarrando-o pela cintura. Isso se dá pela economia de elementos, pelo uso das batidas certas nos lugares exatos” (LICHOTE, 2013). A construção de um projeto colaborativo entre o funk carioca e a música instrumental abre caminhos para novas experiências estéticas, uma sonoridade que mescla as harmonias e melodias ao potencial rítmico poético do funk, regados de muito improviso (literário e musical) criando uma atmosfera sonora complexa e sedutora, tanto para os ouvidos quanto para o corpo. E que quando toca ninguém fica parado.

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REPERTÓRIO DO ESPETÁCULO FUNK INSTRUMENTALIZADO,COM MC GARDEN E QN QUARTETO Gol do adversário (MC Garden e Dj Cuco) Funk Carioca I (Caio Chiarini) Ré Bemol (Caio Chiarini) Mulher é mais do que você pensa (MC Garden) Namorado Ausente (MC Garden) Funk Carioca II (Caio Chiarini) Encostei no Baile Funk (Mc Garden) Isso é Brasil (Mc Garden) Não tenha vergonha de dizer (Mc Garden) Só o meu salário não (MC Garden e Fabio Brazza)

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REFERÊNCIAS LICHOTE, Leonardo. A potência do funk. Revista Cult, n. 183, set. 2013. MEDEIROS, Janaína. Funk carioca: crime ou cultura? O som dá medo. E prazer. 124 p. Editora Terceiro Nome, 2006. MONTE, HERALDO do. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=sErOPOQRRRk>. PALOMBINI, Carlos. Soul brasileiro e funk carioca. Opus, Goiânia, v. 15, n. I, p. 3761, jun. 2009. PIEDADE, Acácio Tadeu de C. Disponível em: <https://www.academia. edu/5253225/Jazz_Brasileiro_e_Fric%C3%A7%C3%A3o_de_ Musicalidades_2003_-_vers%C3%A3o_em_portugu%C3%AAs_n%C3%A3o_ publicada_>. TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1998.

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PISTAS EDUCATIVAS

#1 SENTIDO LITERÁRIO E SENTIDO MUSICAL Uma das principais diferenças entre a canção e a música instrumental é a ênfase no uso da poesia ou dos instrumentos musicais, respectivamente. A música instrumental normalmente está fundamentada nas frases dos instrumentos musicais e dos arranjos sonoros que criam um sentido musical, enquanto a canção valoriza o sentido poético encontrado em suas letras. Escolham em conjunto uma canção que todos saibam a letra de memória, e cante com os seus alunos. Agora substituam o texto do refrão pelo som da sílaba “ti”, e cantem novamente. O que acontece quando a letra é retirada? Isso ainda é música? Qual o significado que prevalece ao cantar a música apenas com o som da sílaba?

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#2 OSTENTAÇÃO MUSICAL O funk denominado ostentação retrata a vontade de ascensão social, de agregação de poder de consumo, dos desejos de aquisições materiais onde carros, roupas, entre outros, são os principais elementos atrativos das letras. Criaremos uma música utilizando o termo ostentação como uma forma de agregar valor musical à composição. Escolham uma letra de funk ostentação, separem as palavras que são substantivos comuns e próprios (ex: nomes de marcas, carro, boné, relógio, etc.) e cada um deverá escolher apenas uma palavra para si. Explore o máximo possível a sonoridade dessa palavra pronunciando-a, de maneira lenta e rápida, utilizando sons graves e agudos, alternando a dinâmica entre fraco e intenso, entre outras maneiras. Após essa exploração, cada um escolhe uma das formas de pronunciar que lhe agrade e, em círculo, todos cantam juntos repetidamente a sua palavra, criando uma composição sonora coletiva.

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#3 MASHUP É um termo que se refere à mistura de duas ou mais músicas resultando numa outra original. Uma das principais características musicais do funk é a mistura de influências sonoras. O DJ pode utilizar em sua base desde um sample da Madonna até uma frase de guitarra do James Brown. Escute a música “We’ll Rock You”, do grupo Queen, escute a sua batida até conseguir imitá-la e reproduzi-la com a voz (“tum-tum-tá”) e com o corpo (duas batidas de pé no chão e uma palma). Agora divida a classe em dois grupos, e enquanto um grupo imita a batida da música do Queen, o outro grupo canta o refrão da música “Rap da Felicidade”: ‘Eu só quero é ser feliz/ Andar tranquilamente na favela onde eu nasci/ E poder me orgulhar/E ter a consciência que o pobre tem seu lugar’. Pensem em outras músicas que têm batidas diferentes para acompanhar o refrão do “Rap da Felicidade”.

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#4 FREE JAZZ É um estilo jazzístico que leva ao ápice da criação espontânea na década de 1960 tendo seu maior representante John Coltrane, e como característica bastante recorrente neste estilo musical norte americano, a improvisação. Descubra com seus colegas possíveis materiais sonoros presentes na sala de aula ou no local de realização dessa atividade. Nesta etapa qualquer material é válido, desde um molho de chave, uma cadeira, o próprio corpo e até instrumentos mais tradicionais como um violão ou um pandeiro. Será um momento de exploração desses materiais sonoros. Após a exploração, façam um círculo para a realização da improvisação coletiva, onde cada participante colocará seu som anteriormente experimentado nesta criação. Neste momento, sugerimos que todos fechem os olhos para abrir os ouvidos, pois a sua improvisação precisa buscar um diálogo com o todo. Outra possibilidade é trabalhar com um condutor que, por meio da regência, irá criar dinâmicas de intensidade, misturar timbres e indicar uma estrutura de início, meio e fim para a improvisação.

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#5 IMPRESSIONISMO É nome dado ao período da história da música ocidental entre meados do século 19 até meados do século 20. Alguns compositores desse período como os franceses Claude Debussy e Maurice Ravel, foram influências importantes para os músicos de jazz, da bossa-nova, e, consequentemente, da música instrumental brasileira. As obras impressionistas se propõem a descrever imagens, não mais sentimentos ou questões existenciais, como no romantismo. Para explorar uma das características desse movimento, a criação a partir de impressões, iremos utilizar como matéria-prima os nomes dos “passinhos” (passos de funk, frevo, break, samba e kuduro com toques de Michael Jackson). Escrevam em um papel nomes de passinhos e de adjetivos que retratam a vida de um paulistano (pressa, ansiedade, etc.), recortem todas as palavras individualmente e façam dois montes de papéis de sorteio, um com nomes de passinhos, outra com adjetivos. Um de cada vez irá retirar um papel do monte com o nome de um passinho e um papel com o adjetivo. Por exemplo: tesoura (passo de frevo) + ansiedade. Após todos retirarem seus papéis, irão andar pela sala explorando corporalmente as possibilidades de dar ao seu passo a impressão que o adjetivo sugere.

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#6 “MIAMI MACULELÊ” É o nome de uma música de Caetano Veloso, gravada no álbum Recanto (2011), de Gal Costa. A música nos remete às origens do funk carioca e cita os personagens Robin Hood, São Dimas, Anjo 45 e Paulinho da Viola como referências da resistência dos marginalizados. As lendas que conhecemos sobre o maculelê também tratam da resistência, narrando a história de Maculelê (um índio ou um negro), que lutou bravamente com apenas dois pedaços de pau para resistir à invasão de um ataque rival durante a ausência dos guerreiros da sua tribo. Escolham em grupo um personagem que represente a resistência de alguma cultura ou ideologia. Em círculo, escolham uma pessoa para ir ao centro da roda iniciar a história desse personagem. Ela irá contar uma parte de sua história e escolher outra pessoa para ir ao centro e continuar a história de onde parou, e assim sucessivamente até todo o grupo ter feito a sua criação na narrativa. Os integrantes do círculo podem acrescentar elementos sonoros à fala do colega que está no centro, criando uma paisagem sonora que dialoga com a narrativa que está sendo feita.

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