Bloqueios criativos e Design | MSpínola

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e Design

Bloqueios Criativos

| Mariana Spínola | Mestrado Design Gráfico | Atelier de Design Gráfico II


Survived the toilet paper crisis of

2020


Para este trabalho criei um livro em formato papel higiénico, para fazer referência à crise de papel higiénico que houve em 2020 no início da pandemia de Covid-19, que se deu assim que o estado decretou o encerramento das escolas e superfícies comerciais, devido ao fenómeno FOMO. Esta mesma situação, repetiu-se no mundo inteiro, causada por medos e incertezas que afetam todos os seres humanos e que podem, muitas das vezes, na nossa área, criar bloqueios criativos e/ou doenças do foro psicológico.


Criatividade e Pandemia Assim como o coronavírus e a economia são globais, o mesmo acontece com o comportamento humano. Na Espanha, um dos produtos que primeiro desapareceu das prateleiras dos supermercados foi o papel higiênico. Quando o Governo suspendeu as aulas nas escolas, imediatamente as redes sociais encheram-se de imagens de clientes lotando compulsivamente os carrinhos. A Espanha não foi único país em que isso aconteceu, sucessivamente os restantes países repetiram a situação. Entre os motivos alegados por David Coral (presidente da agência BBDO), está o fator psicológico, pois ser um produto higiênico dá uma sensação de segurança. Mas ele também acrescenta que tudo tem a ver com um conceito que nasceu com as redes sociais e telemóveis, o FOMO (acrônimo de fear of missing out), ou seja, o medo de perder alguma coisa, de ficar de fora.

Com o surgimento de uma pandemia, onde não se tem uma previsão exata de quanto tempo irá durar, qualquer plano, projeto ou até mesmo sonho se torna incerto. Pouco mais de 1 ano é o tempo no qual nos encontramos neste limbo e, mesmo assim, não podemos afirmar quanto mais tempo ficaremos nesta situação. Com isso, surgiu uma dúvida voltada à concretização do estudo e da criatividade: mesmo estando num período de privações, de mortes, de explosão de sentimentos, como é que os ilustradores estão a canalizar esses sentidos e a aplicar nas suas obras? Este texto busca reconhecer situações nos quais ilustradores se encontram, além de traçar estratégias, para podermos quebrar o bloqueio criativo.


A justificação pelo interesse nesta área dá-se, uma vez que a autora que vos escreve, não é a melhor ilustradora do mundo — apesar do grande esforço para tal tarefa! E com as aulas em formato remoto, percebeu que algumas das tarefas careciam de grafismos, para assim completar um raciocínio ou opinião. E voilà (“aí está, em francês”), bateu o bloqueio criativo! Não sabia muitas vezes combinar o que a cabeça pensava, junto a uma ideia gráfica e assim executá-la. O número de mortes no mundo externo e a necessidade de higienizar os alimentos antes de consumi-los era (e de certa forma, ainda é) algo que consome muito o raciocínio desta futura designer e que, em muitos momentos, tem dificuldades de se “desligar” dessas preocupações.

Então, esse era o momento no qual a visita à cozinha se fez necessária, a fim de procurar algo para comer, e posteriormente, assistir algo sobre processos criativos na Netflix e então voltar a criar estratégias e esboços. Nisso, muitas vezes surgia o sentimento de insegurança com os resultados e a incerteza nas potencialidades. Com isso, é percetível que a autora teve dificuldade no processo, tanto na projeção quanto à segurança no resultado final. Mas será que todo designer passa por mesmo?


Refletindo o significado da palavra emoção De acordo com o site Dicio — Dicionário Online de Português (2019), a definição da palavra emoção se dá por: Reação moral, psíquica ou física, geralmente causada por uma confusão de sentimentos que, diante de algum fato, situação, notícia etc., faz com que o corpo se comporte ter em conta essa reação, expressando alterações respiratórias, circulatórias; comoção.

De acordo com estudos de Christov (2012), a palavra emoção já se encontrou documentada no século XVI, e então foi designada como "agitação popular, desordem"; já no século XVIII, foi usada como "agitação da mente ou do espírito". Nisso, a aplicação da palavra sofre uma mudança de contextualização, saído do social e partindo para o pessoal. Christov (2012, p. 35) diz ainda que "[...] Aristóteles (384 a.C — 322 a.C.) admite o que ele chama de afeção da alma acompanhada pelo prazer ou pela dor. São associados a valores que cada afeição tem para a vida de cada um [...]”; e quando se refere à afeção, pode-se ler emoções! Aristóteles diz ainda que o emocional está ligado ao cognitivo (CHRISTOV, 2012); a relação direta do corpo com os sentimentos dá-se, uma vez que, a pessoa em questão precisa sentir o efeito dos sentimentos.


Segundo RABELLO (2014): Um campo da ciência que depende da estrutura básica do processo cognitivo, e também é muito importante na Neurociência, é o estudo da linguagem. Se conceitos são a expressão da forma, essa expressão é feita com o uso da linguagem. Portanto, a natureza da linguagem, ou pelo menos de alguns tipos de linguagem (especificamente, mas não necessariamente apenas, a linguagem humana) deve estar intimamente relacionada com a capacidade de extrair a forma das coisas e gerar conceitos (RABELLO, 2004, p. 38)

Isso tudo pra poder dizer que sim, ilustradores podem (reforçando, não é nenhuma regra) usar de suas emoções/sentimentos para projetar, de alguma forma, a conceção dos seus trabalhos!


Noção de criatividade Não existe uma definição universal e precisa de criatividade. Do ponto de vista etimológico, a palavra provém do vocábulo latino creare, que significa “gerar” ou “produzir”. Segundo Tschimmel, o termo criatividade surge igualada aos especialistas, inovadores da criatividade e cientistas da cognição. Uma pessoa criativa dá origem a algo de novo, desconhecido até ser apresentado. Hans welling, refere que existe três conceitos principais que definem criatividade: novidade, adaptabilidade e o facto de alguns produtos serem mais criativos que outros. Os primeiros estudos acerca da criatividade surgiram nas ciências humanas, como a psicologia ou psicanálise. A partir de 1950 nos EUA, foi aprofundada essa investigação.


Motivos dos bloqueios criativos Primeiramente, vamos entender um pouco o que é um bloqueio criativo. Quando estás simplesmente sem nenhuma ideia, a tua mente parece ter parado de funcionar, não consegues evoluir absolutamente nada do que começas e até um passarinho a passar lá fora é mais interessante que o trabalho que precisa ser desenvolvido, parabéns, estás a passar por um bloqueio criativo. Existem muitas pessoas que defendem que eles não existem, mas para mim, existem e são bem cruéis. Geralmente, eles são causados por:

_busca pela perfeição; _falta de planejamento; _medo de rejeição; _stress; _indecisão; _Noites mal dormidas; _Saúde e má alimentação; _Preocupações financeiras; _Ocupação com atividades não relacionadas ao trabalho; _Falta de conhecimento de um assunto, e logo insegurança pessoal; _Desorientação no trabalho a desenvolver; _E por aí…


Formas de inspiração Existe diversas formas de se inspirar, e a meu ver, cada pessoa tem as suas formas e maneiras, no entanto, fica aqui um pequeno esquema de algumas ideias para que a criatividade seja abundante e, logo, o trabalho corra como desejado. Cria um ambiente de trabalho divertido: Dá vida ao teu ambiente de trabalho, assim a inspiração vai estar por toda a parte; Apontamentos: Anda sempre com um sketchbook, uma boa ideia pode surgir a qualquer hora e momento; Ler livros: Uma excelente maneira de te inspirar é ler. Conhecer novas palavras, culturas, histórias e ao ler cada individuo cria mentalmente as personagens e cenários;

Brainstorming: Constrói um mapa mental, causas do bloqueio, ideias e soluções. Depois tenta organizar essa lista de forma lógica. Procura formas de te inspirar: Viaja com amigxs ou soxinhx, tira fotografias, ouve música, vê filmes; Conversa com pessoas de outras áreas profissionais: Procura estar com pessoas de diversas áreas profissionais. Por vezes na conversa mais banal surgem ideias; Desporto: Faz algum desporto físico. Ajuda a relaxar e a desligar por completo do trabalho, e que quando retomares dás 100%. Segundo um estudo publicado na Neurobiology of Aging a saúde mental está intimamente relacionada com a prática de exercício físico.


Saúde mental Falemos agora de saúde mental, o que é e de que forma pode ser afetada? A saúde mental e física são duas vertentes fundamentais e indissociáveis da saúde. Podemos dizes que: É sentirmo-nos bem connosco próprios e na relação com os outros; É sermos capazes de lidar de forma positiva com as adversidades; Termos confiança e não temermos o futuro.

A o longo da vida, todos nós podemos ser afectados por problemas de saúde mental, de maior ou menor gravidade. Estima-se que em cada 100 pessoas 30 sofram, ou venham a sofrer, num ou noutro momento da vida, de problemas de saúde mental e que cerca de 12 tenham uma doença mental grave. A depressão é a doença mental mais frequente, sendo uma causa importante de incapacidade. Em cada 100 pessoas, aproximadamente, 1 sofre de esquizofrenia.


Sabemos que um bloqueio criativo no design pode causar depressões graves que se não forem resolvidas poderão causar doenças mais graves do foro psicológico como a esquizofrenia. Posto isto sabemos que devemos de ter o máximo de cuidado com os nossos bloqueios, sejam criativos como emocionais, pois, na nossa área estes tipos de situações são recorrentes. Na escola, no trabalho ou em qualquer outro local estamos em constante contacto com a critica e com o julgamento, por isso temos de ser muito fortes psicologicamente para não nos deixarmos afetar e desistir. Como colegas temos o dever de estar atentos aos bloqueios dos outros e tentar oferecer a ajuda possível e necessária para não permitir que o outrx caia nesta espiral que por vezes leva à loucura.

A saúde mental é um assunto sério e que todos devíamos de ter em conta dado que toda e qualquer critica ou comentário pode e vai afetar a outra pessoa, tanto da forma positiva como negativa. Neste momento com a situação pandémica este assunto foi muito posto em causa, porque todos vivemos privações e todos tivemos de colocar a saúde mental de lado para salvaguardar a física, o que para muita gente foi prejudicial e a causa para bloqueios.


Entendendo os processos de ilustradores

- Como o isolamento social afetou a sua rotina de trabalho?

Com o intuito de conhecer um pouco dos processos de ilustradores e enriquecer com emoções reais, coloco aqui entrevistas (online) realizadas a alunos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ambos do curso de Design Gráfico: Amanda Paccanaro (@amandapaccanaro) e Felipe Muller (@artfsmuller)! (Amanda) Com o isolamento, veio o home office, que flexibilizou bastante o horário de trabalho. Isso não foi algo bom, porque parece que eu só vivo pra trabalhar: acordo vou trabalhar, almoço e vou trabalhar, janto e vou trabalhar, até ir dormir e repetir o ciclo. Antes do isolamento, intercalava o trabalho com as aulas e a maioria do meu tempo de lazer era fora de casa, então tem sido difícil balancear um tempo de trabalho com o de lazer.

descomplicar...

(Felipe) No meu caso prejudicou bastante, costumo a otimizar bem o meu tempo quando estou na minha rotina diária, sair de casa, assistir aula etc. Sem isso, comecei a ter muitos problemas pra me organizar, até fiz cronogramas, mas não consegui seguir os mesmos. Não consigo ter muitas motivações durante o isolamento social e acabo demorando muito mais para fazer coisas simples.


-O grafismo do seu trabalho sofreu modificações por causa das questões emocionais? Se sim, é possível falar um pouco sobre?

(Amanda) Acho que sim, eu comecei a desenhar bem menos com os materiais “físicos”, (lápis papel e aquarela — técnica que eu mais dominava) e passar a utilizar mais os meios digitais. Além disso, sinto que transicionei de um estilo mais realistas para mais cartoon, é mais simples, mais rápido de se fazer e mais efêmero, talvez o ideal para esses tempos.

(Felipe) Nos primeiros meses quando nada estava decidido sobre as práticas EAD, eu aproveitei para estudar algumas técnicas de desenho e pintura, o que acredito que tenha alterado um pouco o meu trabalho, mas não sei se posso colocar a causa dessa mudança como emocional.


(Amanda) Acho que a saúde mental é o que mais interfere na criação, é bom manter ela bem. Então seguir alguns hábitos saudáveis como boa alimentação e tempo de descanso e lazer talvez ajude. é difícil criar quando estamos esgotados.

(Felipe) Procuro sempre trabalhar com as coisas que eu gosto e que me representam, ajuda muito a aliviar a pressão. Cheguei a criar projetos pessoais que não abordavam diretamente as questões políticas atuais, mas em pequenos detalhes eu me expressava a cerca do que estava acontecendo. Todo processo é bem intuitivo, e às vezes carregam referências daquilo que estamos vivendo no momento também…

(Felipe) Buscar referências sempre ajuda bastante, horas no Pinterest, Behance, ArtStation etc. Caso seja um projeto pessoal sem tanta interferência de terceiros, é sempre bom tentar fazer aquilo que gostamos pois, é muito mais fácil ser criativo quando dominamos e temos afeição pelo assunto.

- Que dica poderia dar para ajudar a quebrar o bloqueio criativo nesse período?

- Como têm aplicado os sentimentos, levando em consideração o cenário político, dentro dos seus trabalhos?

(Amanda) Os focos das minhas ilustrações desde o ano passado são movimentos sociais e políticos. durante o isolamento não foi diferente, insisti mais ainda em estudar e aplicar a minha subjetividade do contexto social nas ilustrações. Os sentimentos que envolvem mais minha vida pessoal, tento passar através de autorretratos, durante o isolamento fiz uns 4 e cada um deles tem um estilo diferente!


Como ficam os próximos capítulos? É necessário reforçar que o estudo seria mais eficiente com amostra tanto qualitativa, quanto quantitativa, para assim se ter real noção da realidade da maioria dos designers ilustradores. Contudo, precisamos de nos entender antes de refletir sobre os processos aos quais podemos estar a passar. É normal ter bloqueios, mudanças ou até mesmo o surgimento de uma nova estética. O importante é que o ilustrador esteja bem consigo mesmo e com as coisas ao seu redor (se no fim das contas não estiver, também está tudo bem!)! É uma matemática simples: ilustrador + sentimentos = obra de arte. E neste ponto, não devemos pensar em um senso estético especificamente, ou movimento artístico, ou traçado, para dizer se é bonito ou feio; interessa se veio do coração (quase uma frase motivacional, de uma senhora de 75 anos).

Quem sabe daqui a alguns anos, se estudarmos este período pelo qual estamos a passar, podemos traçar evidências estéticas e o como o ato de ilustrar e suas significações se mudaram? :) E fica como dever de casa: não sejas tão duro contigo mesmo! Descobre-te, permite-te, experimenta e as coisas fluirão naturalmente!


RABELLO, Guilherme Malzoni da Motta. Aristóteles para Neurociência: Proposta de um modelo conceitual para o estudo da cognição. 2014. 128 f.

CHRISTOV, Luiza Helena da Silva. Emoção, percepção e criatividade: a contribuição da psicologia para Artes e ensino de Artes — Unesp/Redefor — 2a Edição 2011/2012 — especialização em Artes

OBRIGADA

Dicio — Dicionário Online de Português <Disponível em: https://www.dicio.com.br/emocao/>.

Tese (Doutorado em Ciências) — Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2014.

E de onde saiu o fundamento científico disto tudo?




| Mariana Spínola | Mestrado Design Gráfico | Atelier de Design Gráfico II

2020/2021


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