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entre o maior dos sucessos... e um eventual retrocesso

A província de Cabo Delgado tem sido, nos últimos anos, palco de uma situação crítica. Ataques armados e, mais recentemente, uma devastadora catástrofe natural. O El Dorado do gás transforma-se em lugar de incertezas

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por um lado, Cabo Delgado é uma província tão rica em recursos naturais capazes de catapultar toda a economia do país, visto que é ali que está uma das maiores reservas de hidrocarbonetos do mundo, o que, por sua vez, começou a atrair, nesta última década, as grandes multinacionais do gás natural. No entanto, no último ano e meio, o sonho de desenvolvimento foi ensombrado pelos ataques perpetrados por um grupo de insurgentes armados sem rosto. Até hoje, não se sabe quais as suas reais pretensões, mas a verdade é que desde

província Cabo delgado

capital pemba área 82,661 km² habitantes 2,3 milhões região Norte

2017, Cabo Delgado vive num clima de insegurança, incerteza e temor. De lá para cá várias casas foram destruídas pelas chamas, e dados não confirmados pelo Governo Provincial apontam para mais de 150 pessoas assassinadas pelos grupos radicais.

a paz perdida Até 5 de Outubro de 2017, a província vivia tranquila, pelo menos aparentemente, e ansiava pelo início dos grandes projectos de exploração de hidrocarbonetos. Mas desde essa data tudo mudou quando

cerca de 30 homens armados atacaram três postos da polícia, no distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoase e ferindo mais de dez. Mais tarde, depois de Mocímboa da Praia, os ataques alastraram a outros três distritos, designadamente Meluco, Palma e Macomia, mas sempre longe do asfalto e fora da zona da implantação da fábrica e outras infra-estruturas das empresas petrolíferas que vão explorar o gás natural, na península de Afungi, no distrito de Palma. A verdade é que até aqui esses ataques ainda não têm solução à vista. Porém, quando tudo indicava que Cabo Delgado já se encontrava a braços com uma situação grave, uma outra veio colocar mais um enorme desafio à região. Desta vez foi uma catástrofe natural. À semelhança do ciclone Idai, que atingiu as províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia, o Kenneth também não poupou o que apanhou pelo caminho. Várias infra-estruturas socioeconómicas foram destruídas, ceifando 41 vidas e deixando desalojadas cerca de 241 mil pessoas, segundo o mais recente levantamento provisório do Governo central. Tal como a catástrofe que varreu o Centro do país, o Kenneth também levou consigo a dignidade de muitas pessoas, condicionando o seu direito à educação, saúde, e amputou o privilégio de progredirem na vida. Na verdade, milhares de famílias ficaram sem tecto, chão, parede, e viram perigar as suas vidas. Segundo dados oficiais, mais de 31 mil casas ficaram parcialmente destruídas e mais de 3 800 foram-no na totalidade. O retrato da desgraça ficou desenhado não só em Macomia, onde o ciclone causou mais estragos, por sinal um dos epicentros dos ataques armados, mas também, desde o dia 24 de Abril, em locais como Ibo, Quissanga, Mocímboa da Praia, só para citar alguns exemplos. Entretanto, a cidade de Pemba, a capital da província, também não escapou dos resquícios da funesta ocorrência. Conquistas obtidas ao longo de vários anos foram também deitadas por terra, tendo o esforço de centenas de famílias abnegadas sido transformado em enormes montanhas de entulho. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), o ciclone tropical Kenneth atingiu uma área onde nenhum outro foi observado desde a era do satélite. E mais: a agência da ONU revela não haver registo de duas tempestades com tamanha intensidade que tenham

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Mil Milhões de Meticais É o valor apontado pelo Governo provincial de cabo delGado como necessário para se reconstruir tudo o que foi destruído com o Keneth

atingido o território moçambicano na mesma temporada. Os dados do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) aferem-no: “a chuva que caiu em Cabo Delgado foi o dobro da quantidade da que a cidade da Beira recebeu em período similar após a passagem do ciclone Idai”.

dezenas de estabelecimentos turísticos transformados em ruínas A província de Cabo Delgado não só é conhecida por dispor de uma das maiores reservas de gás e rubis no mundo, como também é uma província turística por excelência. É em Cabo Delgado que se encontra a Baía de Pemba, a terceira maior do mundo, e que em 2008 passou a desfilar entre as mais belas, numa eleição feita pelo Clube das Baías Mais Belas do Mundo. E por ser uma província localizada junto à costa, Cabo Delgado tem vários empreendimentos turísticos que anualmente atraem milhares de turistas de todo o mundo. Só que, após o ciclone Kenneth, muitos deles foram transformados em ruínas. À E&M, o Governo Provincial de Cabo Delgado explicou que a maior parte dos danos causados pela catástrofe foram “registados no sector turístico, pois a província encontra-se ao longo do litoral, e, consequentemente, foi aí que se registaram mais estragos.” De acordo com Dário Passo, director Provincial de Economia e Finanças de Cabo Delgado, “dados preliminares apontam para um total de 31 estabelecimentos destruídos, sobretudo na Ilha do Ibo, nos distritos de Quissanga e Macomia”. No entanto, havendo locais que se encontram ainda isolados, devido ao desabamento de algumas pontes, o Governo acredita que pode chegar a 50 o número de estabelecimentos turísticos arrasados pelo ciclone. “Acreditamos que o número de empreendimentos turísticos atingidos pode aumentar porque não conseguimos ainda chegar a todos os pontos afectados pelo ciclone”, explica Dário Passo.

reconstrução por definir Entretanto, não se sabe ainda quanto tempo vai levar para reconstruir tudo o que foi abaixo com esta intempérie. No entanto, recorrendo a esses dados preliminares, a Direcção Provincial da Indústria e Comércio de Cabo Delgado avança que serão necessários cerca de 11 mil milhões de meticais para reconstruir

província

Reconstrução pós Kenneth em curso, mas ainda há muito trabalho pela frente

tudo o que foi destruído pelo ciclone. Segundo Nocifo Magaia, director Provincial da Indústria e Comércio de Cabo Delgado, esse montante será destinado à reconstrução de quilómetros de vias de acesso e outras infra-estruturas básicas para o normal funcionamento da província. “É com estes dados preliminares que vamos abrir em breve uma representação do Gabinete para a Reconstrução, como extensão do que foi criado na cidade da Beira, em Sofala, após o ciclone Idai”, explica Nocifo Magaia. Por sua vez, o sector empresarial de Cabo Delgado não hesita em afirmar que todos os esforços empreendidos ao longo de anos foram engolidos pelo ciclone. O presidente do Conselho Empresarial (CEP) de Cabo Delgado, Gulamo Abubakar, considera que o ciclone Kenneth “não sentenciou a província apenas à miséria, uma vez que a situação já estava amarga para os empresários, devido aos ataques armados que vêm acontecendo desde 2017.” E prossegue: “O sector empresarial está totalmente devastado, visto que o ciclone quase ‘engoliu’ todas as actividades que vinham sendo desenvolvidas”, lamenta Gulamo Abubakar, para depois revelar que “o grande problema agora é levar a cabo um estudo, juntamente com os financiadores sobre como é que vamos reconstruir e reatar os nossos negócios.” Para já, o CEP de Cabo Delgado entende ser uma das saídas para reatar a actividade empresarial naquele ponto do país, a “abertura de uma linha de crédito com uma taxa de juro bonificada para os empresários”, pois sem isso, lamenta, “iremos afundar cada vez mais, uma vez que já estávamos fortemente endividados”.

“O sector empresarial está totalmente devastado, visto que o ciclone quase ‘engoliu’ todas as actividades que vinham sendo desenvolvidas”, lamenta Gulamo Abubakar

Passou o ciclone, mas os ataques continuam Mas não é só esta catástrofe que vem tirando o sono à população de Cabo Delgado. Na verdade este foi um problema recente. Porque há um outro que preocupa a região Norte e o país inteiro há quase dois anos, os ataques armados dos insurgentes. Para o CEP de Cabo Delgado estes têm sido um problema que muito prejudica todas as actividades na província.“Agora nenhum investidor quer vir a Cabo Delgado devido à incerteza gerada pelos insurgentes armados. O turismo tem sido arrasado por estes ataques, sendo poucos os turistas que hoje em dia visitam a nossa província, porque infelizmente Cabo Delgado está transformada num foco de insegurança”, considera Gulamo. Após o ciclone, várias doações foram surgindo de vários cantos do mundo, e, como era de esperar, o grupo armado voltou a aterrorizar a população. E mal chegaram os produtos da ajuda internacional, logo apareceram os terroristas, nomeadamente no distrito de Mocímboa da Praia, o ponto de entrada destes insurgentes, onde incendiaram casas e mataram quatro pessoas, levando consigo os produtos que acabavam de receber. Diga-se que a província de Cabo Delgado quase parece enfeitiçada. Sempre que há investimentos anunciados ou algo de bom prestes a acontecer, surge um retrocesso ou qualquer tipo de instabilidade que se instala por aquelas bandas, nos investidores e na população em geral. Agora, com a venda da Anadarko à Occidental, talvez as coisas mudem. Ou talvez não. Certo é que Cabo Delgado precisa mesmo é de paz e desenvolvimento.

OPINIÃO

Esqueça o digital, dê as boas-vindas ao híbrido

Salvador Aragón • Director de Inovação da IE University - www.ie.edu

o futuro é digital. Sem dúvida, esta é a frase mais repetida em conferências, apresentações e aulas nos últimos cinco anos. A seu favor, encontramos alguns feitos que todos entendemos como inquestionáveis: digitalizamos a fotografia e as cartas; as compras e as transacções financeiras; assim como a reputação de hotéis e restaurantes. E, apesar desta repetição recorrente, e de todos estes feitos, talvez a afirmação de um inevitável futuro digital seja falsa. Afirmava o filósofo Alfred North Withehead que “não há verdades completas; todas são meias verdades, mas o diabo brinca ao fazê-las passar como verdades completas”. No nosso caso, a verdade do futuro digital esconde um paradoxo onde se misturam umas e outras marcadas pelo factor tempo. Comecemos pelas verdades incompletas. Nos últimos 20 anos, assistimos à digitalização imparável de tudo aquilo que pode ser reduzido a bits ou informação. Digitalizámos imagens, textos, sons, vídeos, reputações, recordações e identidades. A “digitalização dos conteúdos”. Contudo, isso não implica o êxito da sua versão digital sobre o seu antecessor analógico. Para que tal aconteça deve dar-se uma condição necessária: a digitalização do dispositivo. Um exemplo pode ajudar-nos a compreender esta sequência: o livro. No início, em meados da década de 90, começaram a estar disponíveis livros digitalizados em formato PDF. Noutras palavras, o conteúdo tinha sido digitalizado. Mas o dispositivo de leitura, o computador, não estava à altura. Convido o leitor a imaginar, ou talvez a testar, a experiência de leitura de um livro digitalizado em PDF fazendo uso de um “laptop”. Sem dúvida, a experiência de leitura na cama, ou na praia, é “um pouco menos” confortável do que a leitura nos mesmos lugares de um livro tradicional em papel. O triunfo do digital ocorre no instante em que o dispositivo digital supera o analógico. No momento em que a câmara digital ou a do nosso telemóvel se torna incómoda, custosa e obsoleta, ou quando um algoritmo de riscos hipotecários mostra que é mais eficiente do que o analista de risco num banco. Continuemos com o exemplo do livro. Depois de descartar a experiência do livro digitalizado sobre um “laptop”, abordemos a experiência de leitura sobre um e-reader ou um tablet. Sem dúvida, esta é muito mais confortável e com vantagens evidentes: mais capacidade de armazenamento, menos peso. Perante todas estas vantagens, os nossos gurus digitais não tardaram em afirmar: o livro físico morreu, longa vida ao livro digital. Não em vão, o mesmo tinha acontecido com as câmaras de vídeo, cassetes musicais e máquinas de fax. A surpresa surgiu no mercado mais digital do mundo: os EUA, com o Kindle da Amazon, o Nook da Barnes & Noble e o iPod da Apple. Depois de vários anos de aumentos ininterruptos, as vendas de livros digitais não apenas estancaram, como começaram a reduzir ligeiramente. À surpresa junta-se o espanto quando se conhecem os dados: o segmento de população que mostra maior entusiasmo pelo livro em papel são os adolescentes, uma geração de nativos digitais. E os utilizadores mais intensivos do livro electrónico são os avós justificando esta decisão com os problemas visuais. Qual é a razão deste comportamento tão pouco ortodoxo para os nossos profetas digitais? Pois, sem dúvida, a complexidade da natureza humana onde convive o racional e o emocional, o individual e o colectivo. Encontramos um exemplo desta complexidade numa tribo urbana muito interessante: os hipsters. Utilizadores intensivos do telemóvel, usam aplicações como o Telegram, menos populares do que o WhatsApp. Mas, por sua vez, ressuscitaram as velhinhas barbershop como ponto de encontro. Outros exemplos que ilustram esta resposta complexa: voltaram as câmaras fotográficas instantâneas herdeiras da velha Polariod, e os jornais mais prestigiados do mundo têm visto como as suas tiragens em papel estabilizaram nos últimos anos, algo que se atribui a um fenómeno que ninguém poderia prever, o cansaço digital. Tudo isto aponta numa direcção surpreendente: o futuro não é digital, é híbrido. Uma evolução na qual veremos combinar o digital e o físico. E onde as empresas que sejam capazes de entender essas formas de misturar serão as vencedoras. E os players digitais não serão sempre os que melhor entendem esta realidade.

O futuro não é digital, o futuro é híbrido. Uma evolução na qual veremos combinar de formas cada vez mais ricas e complexas o digital e o físico

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