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Correios de MoçaMbique, uMa enCoMenda que não Chega

Crise, confusão, planos (falhados) de reestruturação e incertezas… Há muito tempo que a Correios de Moçambique clama e reclama por uma acção efectiva. Enquanto isso, um novo plano de intervenção vai servindo de luz ao fundo de um túnel ainda escuro em que quase todo o caminho está por percorrer

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os correios de moçambique

têm problemas tão antigos quanto persistentes, que chegam a inspirar artigos anónimos (e quiçá especulativos) na comunicação social e nas redes sociais, sobre a (alegada) má gestão da empresa. Mais do que procurar abordar os fundamentos da crise em si, a E&M foi em busca dos aspectos mais críticos da já anunciada reestruturação (mais uma de várias tentadas ao longo dos anos). Infelizmente, há informação importante que ainda não pode ser tornada pública, devendo ser “partilhada com a imprensa em momento oportuno, já que as entidades responsáveis pelo processo de reestabilização da empresa ainda fazem o apuramento da situação”, argumenta o PCA, Valdemar Jessen. Mas há também dados importantes avançados pelo responsável dos Correios de Moçambique, que vale a pena apresentar. A mais recente manifestação das dificuldades da empresa teve lugar no início de Abril, quando cerca de 50 trabalhadores paralisaram actividades reivindicando salários em atraso. Planos de reestruturação que vieram a ser divulgados dias depois fazem menção à redução de quase metade da força de trabalho, isto é, o despedimento de 362 trabalhadores, de um total de 650, numa medida que incluirá a antecipação da reforma de parte desta mão-de-obra. A alienação de imóveis e a abertura do capital da empresa são outras soluções que devem avançar em breve.

redução da força de trabalho À E&M, Valdemar Jessen revelou que já decorrem movimentações internas para a redução do número de trabalhadores, o que será concretizado em breve. Por agora, fica em segredo o volume global das indemnizações aos despedidos e reformados por antecipação, bem como a ginástica financeira necessária para o efeito. O PCA da Correios de Moçambique refere que a redução de mão-de-obra não terá efeitos significativos na eficiência das operações, por haver “funcionários em excesso” que impactam negativamente nos custos, daí que a medida é um dos mais importantes requisitos para trazer a empresa à sustentabilidade, já que “poderá reduzir pela metade os custos com salários, que absorvem cerca de 75% da receita total (cuja quantia não nos foi revelada), com resultado capaz de resolver em definitivo os atrasos na remuneração (salários,

50

Milhões de Meticais É o montante da dívida acumulada da correios de moçambique só com os salários dos funcionários

13º mês e subsídios de férias)”. Trata-se de uma medida que vem sendo equacionada pelo anterior conselho de administração, mas que ainda não se concretizou, pelo que o número de trabalhadores da empresa continua o mesmo, desde 2015, ano em que a aquela administração anunciou a pretensão de reduzir metade a força de trabalho. Será pelas dificuldades de indemnizar? “Também. Mas estavam em carteira outras medidas que poderiam dispensar a redução de funcionários caso avançassem (alienação de imóveis, bancarização rural e venda de acções). Foi uma ideia que naquela altura não estava tão amadurecida quanto está agora”, explica Valdemar Jessen, dando a entender que desta vez é “irreversível e está para breve.”

abertura do capital Os Correios de Moçambique também decidiram vender quase metade do capital social, num plano de reestruturação já aprovado pelo Governo. A este propósito, a E&M ouviu a Bolsa de Valores de Moçambique, instituição executora das operações do mercado de capitais. Salim Valá, PCA da BVM, explica que as duas instituições não estabeleceram qualquer contacto

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nos dias que correm. Nem com a entidade que tutela os Correios de Moçambique – o Ministério dos Transportes e Comunicações – houve contactos para tratar do assunto. A ausência de comunicação recente entre as entidades que devem dar corpo à intenção dá a entender que a ideia não passa disso mesmo, e que pode estar no pacote das “medidas ainda em estudo”, podendo não avançar tão já. À E&M Salim Valá explica que tem conhecimento sobre o interesse dos Correios de Moçambique, através de contactos de concertação mantidos com o PCA da empresa, há quase dois anos, “numa altura em que a empresa pretendia aprofundar a sua posição e ver se reunia os pré-requisitos. De lá para cá, não voltámos a conversar”, sublinhou o presidente da Bolsa de Valores de Moçambique, revelando não saber em que medida a empresa estaria, agora, preparada para avançar com a Oferta Pública de Venda de 50% das acções.

Capital apetecível? Um dos factores de sucesso na venda de participações das empresas é o histórico favorável, a todos os níveis, e no qual a saúde financeira assume peso substancial. Mas todos estes requisitos escasseiam nos Correios de Moçambique. Salim Valá desdramatiza a condição da empresa, ainda assim. “Há empresas que podem gozar de boa saúde económico-financeira, que alcançam bons resultados nas operações em bolsa por terem boas referências no mercado. Também há outro tipo de empresas que não são antigas e nem têm grande prestígio no mercado, mas que representam um bom negócio (bom estudo de viabilidade e bom plano de negócio), e que actualmente podem não ser lucrativas, mas têm perspectivas de se tornarem pela própria natureza do negócio em que

Correios de Moçambique têm de fazer face a operadores privados que estão a entrar fortemente no mercado

Há pouca informação que possa esclarecer a real dimensão da crise e o verdadeiro contexto das necessidades de resgate. Tudo o que se sabe é que a situação é difícil e os dirigentes da empresa garantem que vão pôr em prática as ideias já desenhadas

actuam”, explica, apontando ser “eventualmente” este último o caso da Correios de Moçambique.

Falhanços por concretizar A complexa agenda de recuperação da empresa está dentro do chamado ‘Plano Estratégico de Desenvolvimento e de Reestruturação’, também antigo, dentro do qual estão em carteira outros projectos que já foram antes desenhados, e cuja maior parte fica por concretizar. Um deles é o Banco Postal de Moçambique, anunciado em 2013 como parte do esforço para “desapertar” a situação financeira da empresa. Não tendo avançado naquela altura, esta ideia “está a ser reavaliada por uma equipa multi-sectorial que integra, além do Ministério dos Transportes e Comunicações, o Banco de Moçambique e o Ministério da Economia e Finanças”. Daí que, pela complexidade do próprio processo, levará tempo a retomar, “mas não está descartada”, esclarece o PCA da Correios de Moçambique. Pretende-se que o Banco Postal seja estabelecido em vários pontos do país com destaque para as zonas rurais, de modo a apoiar o desenvolvimento local através da prestação de serviços financeiros. Surgiu da constatação de que “o aparecimento de novas tecnologias inviabilizou o envio de cartas”, segundo admitiu, há quatro anos, o anterior PCA da empresa, José Rego, que adiantou, na altura, que iria beneficiar da vantagem de ter já instalada uma vasta rede de infra-estruturas nos distritos espalhados pelo país para flexibilizar o estabelecimento do banco, o que não chegou a acontecer até hoje, também em resultado da crise financeira (ocasionada pelas dívidas ilegais) de que a economia nacional ainda se tenta refazer. Havia também planos da área do imobiliário. Além do arrendamento da vasta rede de imóveis pelo país, que tem trazido “importantes receitas para a empresa”, o plano mais recente fala da necessidade de venda de cinco imóveis por um montante que “não pode ser divulgado ainda”, segundo o Conselho de Administração. Há também iniciativas que não resistiram ao tempo, sobretudo devido à crise económica nacional. É o caso do edifício multiusos com cerca de 30 andares, que comportaria lojas, restaurantes, cafés e serviços afins, e que tinha sido avaliado em 70 milhões de dólares.

afinal, qual é o défice financeiro? Seria importante saber em que medida a concretização das iniciativas dos Correios

de Moçambique ajudaria a resolver a crise prevalecente. Mas não se conhece o valor necessário para acabar com a instabilidade, o que passa por saber o montante a encaixar em cada uma das soluções em carteira (área imobiliária, corte de postos de trabalho, entre outros), e principalmente o conhecimento das demonstrações financeiras da empresa (sobretudo o total da dívida, receita e custos). Informação actual a este respeito ainda não é pública. Tudo o que se sabe é que a dívida, só com salários, está na ordem de 50 milhões de meticais. Em 2013, o total da dívida estava avaliado em cerca de 150 milhões de meticais. Dois anos depois havia reduzido para 100 milhões. Parte dela está relacionada com o pagamento de quotas em instituições internacionais do ramo, nas quais os Correios de Moçambique estão filiados. Já em 2015, a empresa falava de uma necessidade de 15 milhões de dólares para implementar os projectos que poderiam melhorar a sua situação financeira. Por agora não são conhecidos os números reais, mas sabe-se que a estatal enfrenta um “momento difícil”, admite o presidente da empresa, Valdemar Jessen.

Má gestão ou especulação? Voltando ao princípio: os relatos anónimos que dão conta de más práticas de gestão da empresa Correios de Moçambique, e que responsabilizam tais actos pela difícil situação que esta atravessa. No início de Abril, um funcionário da empresa, falando sob anonimato ao jornal “O País”, teria denunciado uma prática no mínimo desonesta, por parte dos dirigentes da empresa. “O Conselho de Administração já recebeu o seu salário faz uma semana”, revelou a fonte, dando a entender que os dirigentes fingiram estar a enfrentar os atrasos. “Não percebemos porquê é que estão a fazer isso, nós temos família e precisamos desse dinheiro para pagar as contas”, reclamava a fonte. Outro artigo com o título “SELO: Gestão danosa nos Correios de Moçambique”, publicado a 24 de Outubro de 2017 pelo jornal “@ Verdade”, sem assinatura, relata uma série de irregularidades alegadamente praticadas pela administração dos Correios de Moçambique. Numa das passagens, o texto revela que “a primeira preocupação do actual Conselho de Administração após a tomada de posse foi a compra de viaturas Ford Ranger para todos administradores e, para variar, uma Toyota Fortuner para o presidente, todas elas últimos modelos. E isto acontece numa empresa deficitária, sendo que parte dos membros do Conselho de Administração, incluindo o presidente, vêm de mandato anterior no qual também beneficiaram de viaturas zero quilómetros”. Noutro trecho, o articulista avança que, “actualmente, os salários são pagos obedecendo a critérios absurdos e obscuros, dando prioridade a grupos propensos a fazer distúrbios como forma de lhes calar a boca. Do mesmo modo, são também bafejados pela sorte os protegidos do PCA, já que o nepotismo também tomou conta da empresa”, pode ler-se. Confrontado com estas acusações, o Conselho de Administração não reconhece a sua legitimidade e refere que “a crise na empresa não tem qualquer relação com má gestão ou outras práticas fora da ética empresarial”. Verdade ou não, certo é que fica ainda muita coisa por dar a conhecer à sociedade.

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