E&M_Edição 19_Outubro 2019 • A banca do futuro

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Na voz de Gulamo Nabi, o homem que lidera o m-pesa Eleições O que muda com a primeira eleição de governadores Sociedade da costa à contra-costa, a viagem do ‘pride of africa’

A banca do futuro

Transformação digital vai mudar o cenário dos serviços financeiros OUTUbrO 2019 • ano 02 • no 19 Preço 200 MZN 00019 9

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moçambique

Aviação A formação de pilotos é um desafio ao sector



Sumário 6

Observação

Visita ‘abençoada’ A imagem forte da visita do Papa Francisco a Moçambique, no início de Setembro

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Radar

Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País

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Macro

Formação de pilotos Um dos grandes desafios que se coloca no sector da aviação em Moçambique

20 nação transformação Digital 20 A nova Banca Como a digitalização é a chave para a evolução do sistema financeiro 26 Conferência E&M Os desafios da transformação digital no país 30 Na voz de... Gulamo Nabi, managing director da Vodacom M-Pesa

48 figura do mÊS FEMATRO Castigo Nhamane aborda o transporte urbano de passageiros e traça metas para o futuro

50 sociedade Pride of Africa A história de uma das mais fascinantes viagens de comboio do mundo. Aqui mesmo em África

54 lÁ fora Angola A qualidade da água distribuída em alguns pontos da cidade de Luanda é preocupante

59 ócio 60 Escape Uma viagem até Parque Nacional de Chitwan, no Nepal 62 Gourmet A descoberta do novo Nom 63 Adega Degustação de limoncellos e outros licores 64 Agenda Música, livros, filmes 65 Arte Maputo Fast Forward começa em Outubro 66 Ao volante O inovador ‘eléctrico’ Porsche Taycan

34 provÍncia Eleições Pela primeira vez realizam-se eleições para o cargo de governador. O que vai mudar?

40 mercado e FinanÇas Financial Times Summit O papel da mulher, a diversificação económica e as novas tecnologias estiveram em debate

44 empresas SolarWorks! Como uma PME na área das renováveis já levou energia a mais de 150 mil moçambicanos

46 Megafone Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

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Editorial foto recorte

As eleições de Outubro Iacumba Ali Aiuba no dia 15 do presente mês de outubro, os cidadãos moçambicanos com a ida-

de eleitoral activa vão eleger o Presidente da República, a Assembleia da República (Parlamento) e Assembleias Provinciais, das quais sairão os futuros governadores provinciais, os cabeças de lista dos partidos, coligações de partidos políticos ou grupos de cidadãos eleitores mais votados. Em representação do governo central, será nomeado no próximo ano pelo Presidente da República, para cada província, um Secretário de Estado. Com a recente aprovação do pacote eleitorial e da revisão pontual da constituição da República no quadro do aprofundamento da descentralização no país, foram introduzidas inovações no ordenamento constitucional moçambicano, como a criação de órgãos descentralizados de governação provincial e distrital. Com estas eleições espera-se que a partir do próximo ano, Moçambique comece a dar saltos significativos na contribuição das iniciativas provinciais para o desenvolvimento económico equilibrado e para a justiça social no país. A província e o distrito passarão a ter um papel mais activo na criação, desenvolvimento e sustentabilidade do bem comum, contribuindo decisivamento para a redução das assimetrias regionais e sociais. Estas eleições acontem após o anúncio recente de que o país vai encaixar cerca de 880 milhões de dólares norte-americanos de mais-valias como resultado da venda de activos da Anadarko à Occidental Petroleum e a entrada da Total na Área 1 da Bacia do Rovuma à norte de Moçambique. Ainda recentemente, o Conselho de Administração da Agência de Créditos oficial do Governo Federal dos Estados Unidos da América ( EXIM, Export-Import Bank of the United States) aprovou um empréstimo de cinco mil milhões de dólares, solicitado pelo Consórcio Mozambique LNG1 Financing Company Ltd, para apoiar a implementação do projecto de gás natural liquifeito (GNL) da Área 1, que cobre aproximadamente, dez mil quilómetros quadrados e que prevê a produção de até 64 triliões de pés cúbicos de gás. As projecções públicas do Consórcio indicam ainda que ao longo dos cinco anos de edificação das infra-estruturas necessárias para o projecto serão criados 51 680 postos de emprego, dos quais 19 500 para os moçambicanos, 16 400 para cidadãos norte-americanos e os restantes para outras nacionalidades. Este é um sinal inequívoco de que Moçambique está cada vez mais apetecível no negócio do petróleo e gás e não só, pelo que nos próximos anos prevê-se que o país registe taxas de crescimento do PIB em torno dos dois dígitos. A realização destas eleições, os investimentos em mega-projectos, em curso e em carteira, num ambiente de paz efectiva, concorrem para a consolidação da democracia, afirmação de Moçambique como um país promissor, e uma oportunidade para a diversificação da economia e o desenvolvimento social e inclusivo que os moçambicanos há muito almejam.

OUTUbro 2019 • Nº 19 PROPRIEDADE Executive Moçambique DIRECTOR Iacumba Ali Aiuba DIRECTORA EDITORIAL DO GRUPO MÊS ano • NºAna 01 Filipa Amaro EXECUTIVE DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos conselho EDITORIAL propriedade Executive Mocambique Alda Salomão; Liquatis nienis António doluptaeSouto; velit et magnis Narciso Matos; Rogério enis necatin nam fuga. Samo HenetGudo exceatem JORNALISTAS Chambisso; seque cus, sum Celso nis nam iu Qui te nullant Hermenegildo Langa; Cristina Freire, adis destiosse iusci re in prae voles Elmano Madaíl, Rui Trindade sant laborendae nihilib uscius sinusam PAGINAÇÃO Mundundodolorep rehentius eos José resti dolumqui FOTOGRAFIA Jay Garrido reprem vendipid que ea et eumque non REVISÃO Manuela nonsent qui officiasiRodrigues dos Santos PRODUÇÃO Executive Moçambique lorem ipsum Executive Mocambique PUBLICIDADE Ana Antunes Liquatis nienis doluptae velit (Gestora et magnis Comercial - Moçambique) ana.antunes@ enis necatin nam fuga. Henet exceatem executive-mozambique.com; iona@iona. seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant pt/contacto@iona.pt (Portugal) adis destiosse iusci re in prae voles REDACÇÃO ADMINISTRAÇÃO, sant laborendae nihilib uscius sinusam E PUBLICIDADE Moçambique; rehentius eos restiExecutive dolumqui dolorep Av. Salvador Allende, Bairro Polana reprem vendipid quenº ea1039, et eumque non Cimento, Maputo – Moçambique; Tel.: nonsent qui officiasi +258 485 652; Tlm.: nienis +258 84 311 9150; lorem21ipsum Liquatis doluptae geral@executive-mozambique.com velit et magnis enis necatin nam fuga. Telheiras, DELEGAÇÃO EM LISBOA Henet exceatem seque cus, sum nis Rua nam Poeta Nºadis 2 – 1º Escritórioiusci D • 1600iu Qui Bocage, te nullant destiosse re in 233 Lisboa • Portugal; Tel. +351 21 381 3566; prae voles sant laborendae nihilib uscius iona@iona.pt sinusam rehentius eos resti dolumqui IMPRESSÃO E ACABAMENTO dolorep reprem vendipid que ea et Minerva - Maputoqui - Moçambique eumquePrint non nonsent officiasi Tiragem 4 500Liquatis exemplares lorem ipsum nienis doluptae Número de Registo velit et magnis enis necatin nam fuga. 01/GABINFO-DEPC/2018 Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi

assinatura digitalizada

Director da revista Economia & Mercado

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observação

Maputo, Setembro de 2019

Papa Francisco em Moçambique

O mês de Setembro ficou marcado pela visita do Papa Francisco a Maputo, a segunda de um Sumo Pontífice ao país, depois de João Paulo II, em 1988. Por coincidir com o período de précampanha eleitoral, esta visita não deixou de ser alvo de algumas críticas de organizações moçambicanas e internacionais de defesa dos Direitos Humanos, que chegaram mesmo a pedir ao Papa que se pronunciasse publicamente contra os atropelos aos Direitos Humanos no país. Não o fez, de forma directa, mas deixou algumas frases e pensamentos que... devem dar que pensar: “A paz não é apenas a ausência de guerra, mas o empenho incansável, especialmente daqueles que ocupam cargos de maior responsabilidade, de reconhecer, garantir e reconstruir concretamente a dignidade, tantas vezes esquecida ou ignorada de irmãos nossos”. fotografia D.R.

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RADAR Reestruturação da dívida é “positiva” para a FITCH A consultora norte-americana Fitch Solutions considera que “o acordo de reestruturação da dívida recentemente alcançado entre Governo e credores é “positivo”, porque “melhora o perfil da dívida e a credibilidade orçamental a longo prazo”, apesar de não resolver, lê-se, “o problema da falta de apoio internacional ao OE, necessário para estimular o crescimento económico a curto prazo”. Na nota que comenta o acordo alcançado em Setembro passado, relativo à reestruturação da dívida soberana no

ECONOMIA

Finanças. O Banco de Moçambique foi eleito para liderar o grupo de trabalho de Serviços Financeiros Digitais (DFS), num mandato de um ano, sob liderança da Directora do Gabinete de Inclusão Financeira, Carla Fernandes. A eleição aconteceu durante o Fórum Anual da Aliança para a Inclusão Financeira (AFI), em Kigali, Ruanda, entre 9 e 13 de Setembro. Trata-se de um grupo com uma participação de 70 instituições-membro, de um total de 64 países, divididos em seis subgrupos, nomeadamente E-money, Inclusão Financeira Digital do Género, Instrumentos Digitais para a Capacitação Financeira, Segurança Ciber-

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nética, Protecção e Privacidade de Dados e Task-force para a Regulamentação da Tecnologia Financeira. PIB. A consultora FocusEconomics prevê um crescimento de 0,4% do PIB de Moçambique e um aumento do rácio da dívida pública face ao PIB para 116,6%, agravando as previsões macroeconómicas e orçamentais feitas no relatório anterior. “O crescimento económico deverá abrandar fortemente este ano, num contexto de destruição desencadeado pelos ciclones tropicais Idai e Kenneth”, escrevem os analistas na mais recente nota sobre a evolução das economias africanas. No relatório, os analistas referem também que “a actividade económica deverá recuperar fortemente no próximo ano (crescimento de 4,3%), em parte, devido aos efeitos dos esforços de reconstrução”. Comércio externo. As exportações de Moçambique caíram 13,8% no segundo trimestre face ao período homólogo com as vendas ao exterior a rondarem 1,1 mil milhões de dólares. Dados provisórios so-

bre o comércio externo indicam que, no segundo trimestre de 2019, o défice da balança comercial de bens em Moçambique fixou-se em cerca de 782,9 milhões de dólares americanos. Já as importações aumentaram em 8%, quando comparadas com as do trimestre homólogo, indicam dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a conjuntura económica. Dos principais produtos exportados no trimestre em referência, destaque para o carvão mineral com 31,6%, barras e perfis de alumínio com 22,5% e a energia eléctrica com 9,3%.

Legislação económica. O Centro de Integridade Pública (CIP) defende que a Lei sobre a recuperação e gestão de activos

valor de 726,5 milhões de dólares, a Fitch considera-o “um marco” para o país e lembra que os anúncios dos acordos preliminares “motivaram sempre reduções significativas nos juros cobrados pelos investidores, o que mostra uma melhoria da confiança”. Os portadores de títulos soberanos de Moçambique acordaram a reestruturação da dívida de 726,5 milhões de dólares, que teve origem na empresa pública Ematum, uma proposta aprovada por meio de uma deliberação escrita dos obrigacionistas. deve ser aprovada com urgência. “Tratando-se de uma lei essencial para o combate à corrupção, num momento em que o Governo reconheceu, através de um relatório produzido em parceria com o FMI, que esta vem ganhando contornos alarmantes, a sua aprovação mostra-se ainda mais importante e urgente”, refere o CIP, que recorda que, em 2016, o Estado foi lesado indiciariamente em mais de 459,2 milhões de meticais, tendo conseguido recuperar apenas 20,6 milhões, um imóvel e oito viaturas. Economia criativa. A União Europeia e Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. lançaram, em Maputo, o programa de Promoção do Emprego nas Actividades Geradoras de Rendimento no Sector Cultural (PROCULTURA), para os PALOP e Timor-Leste. Financiado pela União Europeia e outras entidades, no montante de 19 milhões de euros, o programa pretende formar e subsidiar projectos nacionais e regionais com o objectivo de promover a criação de emprego na economia cultural e criativa. Em concreto, www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


a agenda do PROCULTURA compreenderá duas abordagens complementares: desenvolvimento das capacidades nacionais, a longo prazo, por reforço de competências dos recursos humanos da economia criativa e cultural ao nível artístico, técnico e de gestão (abrangendo a oferta técnico-profissional e superior) e atribuição de subsídios a projectos geradores de emprego nos sectores da música, artes cénicas e literatura infanto-juvenil. Câmara de Comércio. Abriu, em Setembro passado, a Câmara do Comércio e Indústria Moçambique-Japão (CCIMJ), após um processo preparatório e de registo que durou cerca de quatro anos. Actualmente, a câmara é composta por 14 empresas fundadoras, nomeadamente a Agronegócios para Desenvolvimento de Moçambique-Nippon Biodiesel Fuel (ADM/NBF), A-ONE, Chiyoda Mozambique, Dai Nippon Construction, Hitachi Construction Mozambique, IHI, Marubeni, Mitsubishi Coop., Nippon Koei, Oriental Consultants, Penta-Ocean, Sumitomo Coop. e Yahiro Mozambique.

ENERGIA Gás natural. O grupo holandês Smit Lamnalco ganhou o contrato de fornecimento de serviços marítimos integrados na instalação da fábrica flutuante de Gás Natural Liquefeito na Área 4, da Bacia do Rovuma, do consórcio liderado pela petrolífera italiana Eni. Os operadores da Área 4 anunciaram a adjudicação de um contrato de prazo fixo de dez anos à Smit Lamnalco para a prestação de serviços. Presente em mais de 30 países, a multinacional implantará três rebocadores para serviços de escolta, atracagem e desatracagem www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

de navios transportadores de GNL junto ao barco flutuante. Um quarto rebocador será utilizado para assistência às operações marítimas.

Hidrocarbonetos. A província de Cabo Delgado viu abrir um centro de formação e treinamento especializado para indústria de petróleo e gás. Trata -se de uma unidade virtual, instalada na Universidade Lúrio, em Pemba, que numa primeira fase, vai formar engenheiros mecânicos, mas que no futuro poderá alargar o seu âmbito para outras vertentes formativas, de acordo com as necessidades do mercado, sobretudo para capacitar a mão-de-obra que será necessária na exploração do gás da bacia do Rovuma. A infra-estrutura foi inaugurada pelo reitor da Universidade Lúrio, Francisco Noa, que prenunciou a abertura, “num futuro breve”, de novas vagas para licenciaturas em petróleo e gás. Oportunidades. Um conjunto de concursos públicos para o fornecimento de bens e prestação de serviços para a construção da fábrica de exploração de gás onshore na Península de Afungi serão lançados ainda este ano. De acordo com o consórcio que vai liderar todo este processo, designado por CCS JV, os preparativos estão, nesta altura, na fase final. A notícia reanimou os empresários de Cabo Delgado, que já haviam perdido a esperança com a relativa demora do início das obras na bacia do Rovuma.




macro

Formam-se às unidades, perdem-se às dezenas Nos últimos dois anos a LAM terá perdido 14 pilotos para outras companhias, uma questão que inspira uma análise séria sobre os corredores de formação do pessoal da aviação, tema ainda pouco explorado a fuga de quadros qualificados é um assunto sério na aviação nacional. A LAM já assumiu estar a enfrentar o problema, mas prefere não revelar o número de quadros que tem vindo a perder. No entanto, a E&M sabe de fonte da companhia que a situação é mais preocupante do que se tem dado a entender: só nos últimos dois anos, 14 pilotos deixaram a LAM atraídos por operadores regionais e internacionais, alguns de renome, como a Ethiopian Airlines, a Kenya Airlines, a Fly Emirates e a Qatar Airways. “Infelizmente há uma grande sangria de pilotos e outros cérebros”, reconhece João de Abreu (o comandante Abreu, como é tratado), Presidente do Instituto da Aviação Civil de Moçambique (IACM)

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85 Mil dólares Custo estimado para a formação básica de um piloto comercial ao longo de dois anos. Esta é, ainda, Uma das profissões mais bem pagas do mercado

entidade que regula o sector. Numa entrevista em que prefere dar ênfase às questões de regulação de mercado em vez das que respeitam aos operadores, o comandante Abreu acabou por explicar que a redução de pilotos nas companhias aéreas moçambicanas está relacionada com dois factores: “o piloto é um indivíduo com uma formatação que evolui de ponto de vista económico (busca de melhor remuneração). Depois, e mais importante, é um profissional que gosta de ver a sua evolução em termos de equipamentos. Ou seja, um piloto que voa num avião de 3ª geração sonha voar no de 4ª geração e muitas vezes não olha para o dinheiro, mas para a realização individual. Por isso, www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


temos hoje pilotos a voarem pelas mais prestigiadas companhias aéreas do mundo, saídos da LAM”, esclareceu. Só por aqui, fica mais ou menos clara a dificuldade que a incipiente indústria nacional da aviação tem de enfrentar para disputar competências no contexto global. Sem contar que a capacidade técnica dos nacionais goza de um prestígio reconhecido globalmente, o que também joga a desfavor das companhias nacionais. “A nossa escola e a nossa exigência como autoridade da aviação civil são reconhecidas por atrair outros operadores que nos vêm buscar até assistentes de bordo. E nós temos assistentes de bordo certificados pela IACM que voam em grandes companhias (números podem chegar a 60 profissionais)”, anotou o comandante Abreu Melhores voam mais alto É também difícil reter mecânicos e inspectores de segurança de voo, que são também técnicos de elevada importância nas operações do sector, e por isso muito cobiçados no exterior. “Já perdemos tantos... ”, testemunha o comandante. David Muchanga, chefe do Departamento de Operações na Direcção de Segurança de Voo, que funciona dentro da entidade reguladora, o IACM, revela que muitos inspectores de segurança (engenheiros de diferentes especialidades) têm sido contratados por operadores externos. Mas, ao contrário da realização profissional, como acontece no caso dos pilotos, a razão central é a busca de melhor remuneração. “Formar quadros é difícil, retê-los é ainda mais complicado, porque requer a manutenção da satisfação desse quadro”, secundou Paulo Teimizira, Director Nacional de Segurança de Voo, sem revelar o nível de salários dos técnicos do seu departamento. Teimizira entende que mesmo os que ingressam na Direcção de Segurança de Voo por amor à profissão (e não em busca de bons salários) acabam por não resistir a propostas vantajosas do exterior. Daí que “o grande objectivo” seja agora criar meios necessários para “recrutar e manter através do melhoramento do quadro salarial”, defende Paulo Teimizira, que garante que o Governo “já está a estudar a questão”, em resposta ao apelo da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO). A perda de quadros no sector da aviação não é exclusiva de Moçambique. É global. João Abreu entende que “o segredo para colmatar a situação está em www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

Mundo precisará de 617 mil pilotos até 2035 África está relativamente menos pressionada, mas nem por isso com menos desafios, já que terá de se preparar para disputar os profissionais disponíveis com as companhias mais poderosas Em unidades ásia e pacífico

248 000 américa do norte

112 000 europa

104 000 médio oriente

58 000 américa latina

51 000 commonwealth

22 000 África 22 000 FONTE Boeing

formar continuamente, e não apenas para o nível da necessidade”. Mas é justamente na formação que está outro dos grandes problemas do sector: da insuficiência de academias (só o Aeroclube está a formar porque a Escola Nacional de Aeronáutica está em processo de revitalização), ao alto custo da formação. O curso básico de um piloto não custa menos de 85 mil dólares, e só na parte prática, a que exige a utilização do avião para que o profissional atinja a proficiência. A operação de um avião, por hora, é cara já que envolve o preço do combustível e o desgaste de outros equipamentos. O país ainda não conseguiu estancar a fuga de quadros mas, pelos cálculos do IACM, a dinâmica da actividade económica vai exigir, nos próximos cinco anos, que mais de 40 novos pilotos possam ingressar nas companhias em operação, e nas que se prevê que entrem no mercado nacional num futuro próximo. Por tudo isto, as companhias aéreas estão a investir na formação de pilotos fora para minimizar o défice. A LAM, por exemplo, está a formar 11 na África do Sul. Perante a insuficiência de pessoal, as autoridades aeroportuárias têm de realizar exercícios difíceis para pôr as coisas a funcionar. A Direcção de Segurança

de Voo é um dos sectores fundamentais do sector com vocação para responder a questões específicas dos seus três departamentos, nomeadamente o de Licenciamento (de pilotos e pessoal de bordo), o das Operações (averiguação do tipo das licenças de voo, condições atmosféricas, etc.) e da Aeronavegabilidade (registo dos aviões e todos os aspectos relativos à sua manutenção). Pela sua especificidade, a maior parte dos quadros da direcção de segurança são engenheiros. Com a já conhecida fraca disponibilidade de quadros que o país enfrenta, há “enormes dificuldades” para contratar recursos humanos competentes, segundo o director nacional de segurança de voo, Paulo Teimizira. “É um desafio muito grande. Não tendo universidade vocacionada para a área de engenharia aeronáutica, temos de recrutar o engenheiro formado nas várias vertentes (electrotécnico, mecânico, etc.), e treiná-lo na área da aviação”, explica o responsável. Ou seja, são formados nas escolas e academias técnicas em Moçambique e depois submetidos a treinamento (com custos suportados pelo IACM, não revelados, mas considerados “elevados”) em centros recomendados pelo ICAO na região (África do Sul, Quénia, Etiópia, etc). O curso de inspector de segurança de voo leva apenas 21 dias para obter a licença, mas é necessário depois que este quadro seja submetido a um acompanhamento de um perito no exercício da actividade durante vários anos. Um dos caminhos para minimizar custos e massificar a formação é a utilização de pessoal experiente que a indústria já formou para treinar novos profissionais. Por exemplo, há cerca de 15 quadros da Força Aérea a formarem técnicos do sector de segurança de voo. Outra forma de dar a volta à insuficiência de quadros, prevista no regulamento interno, é que a entidade que vier a introduzir no mercado aviões de modelos mais recentes seja obrigada a formar pelo menos dois inspectores na área de operações e de aeronavegabilidade. Estrangeiros e Força Aérea e na LAM A LAM não esteve disponível para falar dos números quanto ao défice de pilotos e outros técnicos. Ainda assim, sabe-se que esta é uma das grandes preocupações da companhia. Durante a Conferência Internacional sobre Transporte Aéreo, Turismo e Carga Aérea, que aconteceu de 15 a 17 de Julho, o

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Macro

Comandante João Abreu diz que os novos requisitos da aviação “são desafiantes” para a formação de pilotos

“Pilotos, mecânicos de avião são profissões quase de sacerdócio. Tem de se gostar. Não é fácil estar dentro de um cubículo fechado durante dez horas só a olhar para botões e interruptores. Tem de se sentir uma vontade forte” director-geral da LAM, João Carlos Pó Jorge, assumiu que “o capital humano é um dos grandes desafios da companhia”. Na entrevista à E&M (publicada na edição de Agosto), o responsável admitia que a companhia se ressente de uma grande falta de pilotos, mecânicos e técnicos, e que a situação tem sido ultrapassada por haver “pessoal jovem motivado, com alguma formação básica e que se pode facilmente formar para os desafios”. Na altura, também revelou que há quadros estrangeiros a trabalharem na LAM, e que o plano passa por substituí-los gradualmente, à medida que o país for criando condições para massificar a

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formação, já que “o Ministério dos Transportes e Comunicações mandatou um grupo de especialistas para repensar a formação no sector da aviação”. Para minimizar o défice de pilotos, a LAM “tem recorrido aos formados pela Força Aérea”, confidenciou-nos Armando Matarage, jovem piloto e chefe do Departamento de Licenciamento de pilotos na Direcção de Segurança de Voo. Enquanto muitas profissões têm os requisitos expostos, a de piloto tem os corredores ainda fechados. É uma profissão de certa forma elitizada, basta olhar para o custo da formação que é paga pelo candidato (só a formação pela Força Aérea é custeada pelo Estado).

Logo, não bastará o sonho para se ser piloto. E os passos para lá chegar são-nos explicados pelo comandante Abreu. Segundo as regras do ICAO, alguém que pretende ser piloto tem de observar rigorosamente os seguintes requisitos: não ter menos de 17 anos, nível de escolaridade superior ao 12º ano, de preferência com cursos de engenharia electrotécnica ou de um ramo de ciências. Uma vez com estes requisitos, o candidato a piloto apresenta-se numa organização de treino da aviação designada ATO (Aviation Training Organization) onde será efectivamente formado. A licença dos que querem fazer da aviação uma carreira é a PLAA (Piloto de Linha Aérea de Aeroplanos), que permite trabalhar em companhias aéreas de todo o mundo, podendo tornar-se piloto profissional por excelência e vir a ser comandante de aviões de grande porte (acima de 19 toneladas até ao Airbus A380, o maior avião comercial do mundo, com mais de 500 toneladas). Em Moçambique, muitos jovens iniciam a aviação a partir do Aeroclube de Moçambique cuja formação começa em aviões ligeiros e pode levar até aos de grande porte. Essa formação é da responsabilidade da Escola Nacional de Aeronáutica (fundada há 39 anos e que hoje procura parcerias no Canadá e EUA para se revitalizar), e dos próprios operadores (companhias aéreas), que atribuem aos jovens pilotos a chamada ‘qualificação tipo’ (aquela em que apesar de o piloto já ter formação, tem de ser submetido para voar no avião em que irá trabalhar). “É já aqui que as pessoas devem ter uma formação académica que sustente poder falar na linguagem dos aviões da 3ª e 4ª geração”, sublinha o comandante. Mas este problema da escassez de pilotos não é exclusivo de Moçambique. A companhia brasileira Azul, por exemplo, reduziu de 1 500 horas de voo para apenas 200, o requisito para contratar co-pilotos; nos Estados Unidos, o número de pilotos caiu 30% em 30 anos, apesar do forte crescimento das viagens de avião. As Forças Armadas americanas — que sempre foram fonte de profissionais para o sector — procuram hoje menos pilotos devido aos veículos aéreos não tripulados. É por isso que a Boeing estima que, até 2035, o mundo irá precisar de mais 617 mil pilotos. texto Celso Chambisso fotografia D.R.

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Números em conta

Portos a crescer os portos moçambicanos estão a registar um aumento do número de navios face aos primeiros nove meses do ano passado, sendo que também o volume de carga manuseada nos grandes portos nacionais (cerca de 32,4 milhões de toneladas métricas)

está a registar uma evolução positiva. O porto de Maputo continua a ser o principal do país ao nível da carga processada, o que reflecte o investimento efectuado pela concessionária, a Companhia de Desenvolvimento do Porto de Maputo (MPDC).

32 400 000

2 173

toneladas métricas

navios

... Os navios também Quantidade de carga manuseada nos portos nacionais poderá, no final do ano, bater o recorde de 46 milhões de 2018

Os navios que atracaram em portos moçambicanos este ano já ultrapassam substancialmente os 1 947 de há dois anos e poderão também atingir novo máximo histórico

Em milhões de toneladas métricas

Em unidades

A carga aumenta...

847

14

589 8,2

438

7,4

70 Porto Porto de Porto de Maputo Nacala-a-Velha da Beira

Porto de Maputo

Porto da Beira

Porto de Nacala

Pemba

Dados relativos aos primeiros nove meses do ano FONTE Portos e Caminhos-de-ferro de Moçambique

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OPINIÃO

Banco Digital: Mais cognitivo e tecnológico para responder às necessidades dos clientes Denise Cruz • Head of Digital & Remote Channels do Barclays Bank Moçambique o mercado de serviços financeiros, em Moçambique e

no Mundo, tem sido impulsionado por diferentes factores sociais e económicos, entre eles a massificação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), o que tem resultado em serviços mais convenientes e acessíveis para os clientes. Em países com um baixo nível de bancarização, caso de Moçambique, a adopção de TIC tem tido como resultado um forte crescimento dos níveis de inclusão financeira. Este cenário irá, provavelmente, manter-se nos próximos anos, com a banca a acompanhar o ritmo contínuo de desenvolvimento das novas tecnologias, respondendo a uma crescente demanda por serviços bancários disponíveis em qualquer lugar, a qualquer momento, por qualquer canal digital. Esta evolução terá como resultado uma melhoria contínua da experiência do “cliente-bancário”. Actualmente, se olharmos para o quadro do mercado financeiro nacional, não temos só as instituições financeiras tradicionais, mas também um movimento de novas empresas baseadas em tecnologia e comunicações, trazendo deste modo mais e potenciais clientes ao sistema financeiro, e levando a bancarização a locais remotos. Com o surgimento e diversificação de novas tecnologias, o sector bancário tem desenvolvido inúmeras soluções que visam melhorar e satisfazer as necessidades dos seus clientes, tomando em consideração as suas preferências e necessidades. Deste modo, está a formar-se uma nova tendência, onde o sistema financeiro se adapta às necessidades de cada cliente, garantindo a sua melhor experiência de “conectividade financeira”. Hoje, os bancos pretendem, de forma urgente, disponibilizar a maioria dos serviços que antes só estavam disponíveis de forma física, por meio de agências bancárias, nas suas plataformas digitais, que estão cada vez mais sofisticadas e seguras, casos do Internet Banking, Mobile Banking, Contas Móveis, Moeda Electrónica, App’s Bancárias, entre outros canais digitais. Durante muitos anos, o sector bancário contou apenas com os “players” tradicionais, com uma oferta de produtos e serviços muito estandardizada. A evolução tecnológica dos últimos anos criou oportunidade para um novo tipo de negócio, as FinTechs, pequenas empresas de tecnologia viradas para o sector

financeiro, que aparecem a “concorrer” com os gigantes do mercado por oferecerem flexibilidade, serviços modernos, de qualidade e a preços baixos. São parceiras e não concorrentes. De forma geral, os bancos beneficiam da interacção com estas empresas disruptivas pela facilidade e agilidade na criação e aprimoramento de produtos e serviços, enquanto as FinTechs encontram na parceria com os bancos uma maneira de validar o seu modelo de negócio, receber investimentos e ganhar experiência. Esta evolução Digital no Sector Financeiro tem trazido benefícios não só para os bancos, seus clientes e os parceiros das FinTechs, mas também, e de forma significativa, para toda a economia, uma vez que os pagamentos digitais são uma realidade nos mercados informais e nas empresas. Por outro lado, nos últimos anos, as empresas do sector financeiro começaram a ter acesso e a fazer uso de um volume crescente de dados, dos quais anteriormente extraíam pouco valor. Até então, os dados estavam apenas relacionados com informações transaccionais, limitando o potencial ali existente. Actualmente, com o auxílio de “Big Data Analytics”, bancos e outras instituições do sector financeiro conseguem compreender e prever o comportamento dos clientes, ajudando na tomada de decisões mais eficazes, baseadas não só nos dados demográficos dos clientes, mas também no seu padrão de comportamento. Devemos destacar também os chatbots, que se têm tornado relevantes na banca e, no futuro, serão cada vez mais intuitivos, com o uso crescente da “Inteligência Artificial” e de técnicas de “Deep Learning”. Como se pode ver, a evolução digital no sector financeiro é um processo dinâmico e contínuo, abrindo espaço para o surgimento de mais empresas empreendedoras e maior expansão dos serviços e produtos bancários. É responsabilidade de todos nós, profissionais da banca, investirmos num trabalho minucioso que resulte em transacções cada vez mais seguras, rápidas e simplificadas – essencialmente oferecidas através de dispositivos móveis e, muito em breve, de outros tipos de wearable devices. O futuro das instituições financeiras no ambiente digital, especialmente de bancos e seguradoras, já está trilhado e o seu impacto vai fazer-se sentir na vida das comunidades e famílias.

Os bancos fazem uso dos dados não só para calcular melhor os riscos na hora de conceder um empréstimo, mas também para compreender e antecipar as necessidades dos clientes

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Novos tempos, nova banca O Governo aprovou, em 2016, a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira que estabelece um conjunto de acções prioritárias para a construção de uma sociedade financeiramente incluída por forma a elevar a taxa de bancarização até aos 35% da população adulta. O desafio é enorme, até porque estará, hoje, abaixo dos 20%, e é aqui que inovação tecnológica terá o papel principal de potenciar a expansão e a promoção do acesso aos serviços financeiros os estudos mais recentes do Banco

Mundial apontam para uma realidade preocupante: seis em cada dez adultos africanos não têm conta bancária. Em Moçambique, o rácio é ainda mais crítico, chegando aos oito em cada dez. Ou seja, menos de 20% da população tem, efectivamente, acesso ao sistema financeiro, com tudo o que isso implica. As ondas de impacto são incalculáveis no desenvolvimento do tecido socioeconómico e na saúde financeira do país, e fazem atrasar a sustentabilidade do crescimento e o amadurecimento do próprio sistema financeiro com um impacto assinalável na (reduzida) produtividade global da economia. É por isso que ouvimos falar, quase diariamente ao longo dos últimos anos, de inclusão financeira, um conceito fundamental para a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida da população. Foi por isso que o Governo aprovou, a 28 de Março de 2016, a ENIF 2016-2022 (Estratégia Nacional de Inclusão Financeira), com vista a fornecer uma abordagem estruturada para o “estabelecimento

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65% Apenas cerca de uma centena de distritos dos 154 de Moçambique tem, de alguma forma, pontos de acesso ao sistema financeiro

de políticas e acções prioritárias, mecanismos de monitoria, avaliação e coordenação entre os diversos intervenientes, visando avançar significativamente na construção de uma sociedade financeiramente incluída em Moçambique e melhorar os níveis de inclusão financeira.” Assim, as principais metas passam por assegurar que 75% da população venha a ter um ponto de acesso aos serviços financeiros formais a menos de cinco quilómetros da sua residência, bem como garantir que 35% da população adulta tenha acesso a uma conta numa instituição financeira formal. Apesar do esforço de todos os players neste sentido com a abertura de balcões ao abrigo do programa “Um Distrito, Um Banco”, lançado pelo Mitader, e da própria diversificação das suas abordagens ao mercado (os principais bancos têm investido fortemente em meios digitais) o nível de inclusão financeira no país continua relativamente baixo. Dos 15 milhões de habitantes da população adulta, apenas cerca de 20% tinha uma

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conta bancária, sendo que apenas 4,9% estavam abrangidos por algum tipo de cobertura de seguro. Ainda longe da meta A meio deste trajecto de seis anos, no final de 2018, o sistema financeiro contava com 41 instituições de crédito, 18 bancos, 11 microbancos, duas sociedades de investimentos, três instituições de moeda electrónica e sete cooperativas de crédito; 15 sociedades financeiras, uma sociedade emitente ou gestora de cartões de crédito e 13 casas de câmbio; 802 sociedades financeiras, das quais 12 organizações de poupança e empréstimo, e 790 operadores de microcrédito, 22 seguradoras e 13 operadores de bolsa. Já a taxa de bancarização, medida em termos do número de contas bancárias por mil adultos, mostrava existirem cerca de 327 contas bancárias face às 325 de 2017, ilustrando um aumento ligeiro da bancarização do país, para 5,093 milhões de contas bancárias existentes. Assim, em pouco mais de uma década, se em 2005 existiam cerca de 65 contas bancárias por cada mil adultos, a taxa de bancarização registou um incremento de 263 contas entre 2005 a 2018. Mas há ainda muito por fazer. Nomeadamente ao nível da cobertura de serviços financeiros pelo território. Se o sistema financeiro nacional tem registado um crescimento e expansão através da melhoria e ampliação da sua infra-estrutura contribuindo, deste modo, para maior inclusão da população, de um total de 154 distritos, apenas 100 deles estão abrangidos por agências de bancos, microbancos ou cooperativas de crédito, representando um nível de cobertura de 65%. Tecnologia ao serviço da expansão Estudos que o comprovem não faltam. A era digital já nos entrou pela porta dentro, todos o sabemos, e o seu papel no sector financeiro é uma realidade indesmentível, algo mostrado pelo sucesso de sistemas como o M-Pesa, no Quénia, por exemplo, e que vieram trazer novos ingredientes ao sistema financeiro, antes apenas ‘habitado’ por bancos, assim vistos de maneira mais convencional. Hoje, e fruto da tecnologia, o sistema financeiro, especialmente em África, é composto por bancos que apostam cada vez mais em canais digitais para chegar aos seus clientes, em instituições de moeda electrónica (M-Pesa, m-Kesh, e-Mola em Moçambique) e fintechs.

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É desta forma que a banca móvel, associada à expansão de ATM e POS dos bancos comerciais, estão a levar os cheques à extinção, firmando-se como meio de pagamento alternativo ao numerário. Será por pouco tempo porque, em breve, será... o dinheiro uma alternativa cada vez menos usada. Os bancos comerciais e o próprio Banco Central têm atribuído relevância à digitalização nas suas estratégias de “bancarização”: quase tudo o que se faz no banco como depósitos, transferências, compras e pagamentos de electricidade, água, televisão e outros tornou-se possível realizar no telemóvel, em tempo real, sem o tempo de espera das agências. Resultado disso é a rápida expansão da utilização dessas facilidades. Em 2019, há quase 7 milhões de subscritores de serviços financeiros móveis (entre banca e moeda electrónica), 16 vezes mais do que em 2010. Claro que há desafios. E não são pequenos. A questão das infra-estruturas, de uma legislação mais compreensiva (especialmente no que

Dos 15 milhões de habitantes da população adulta, apenas cerca de 20% tinha uma conta bancária, sendo que apenas 4,9% estavam abrangidos por algum tipo de cobertura de seguro

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Pontos de acesso mostram desequilíbrio territorial Maputo, Inhambane e Sofala são as regiões com maior número de pontos de acesso por cada 100 mil adultos. Os dados mais preocupantes ao nível da inacessibilidade ao sistema financeiro estão nas províncias de Niassa, Zambézia e Cabo Delgado maputo cidade

2 941 maputo província

1 190 inhambane

578 sofala

525 gaza

423 manica

303 tete

274 nampula

260 cabo delgado

245 zambézia

155 niassa

132 fonte Banco de Moçambique

concerne ao papel das fintech) e a interoperabilidade serão dos principais. A este respeito, a interoperabilidade teve a sua formalização quando o Banco Central criou o SIMO, em 2011, que iniciaria a operação em 2015, veio facilitar a interoperabilidade entre bancos (realização de transacções bancárias pelos clientes de qualquer banco, sem custos adicionais). Claro que, nos últimos meses, esta é uma questão que conheceu, como se sabe, um obstáculo, com a mudança de provedor de sistema que o BdM escolheu (o mesmo do Millennium bim que nunca chegou a aderir por completo à rede SIMO), que tem colocado a maior parte dos bancos que já estavam inseridos no sistema ‘em estado de alerta’, uma vez que, fruto da mudança em curso, não conseguem inserir actualizações aos seus serviços. Móvel... mobiliza-se Em África, o número de subscritores de serviços móveis andou na casa dos dois dígitos na primeira metade da década www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

e, mesmo com essa tendência de crescimento a registar um abrandamento nos últimos anos, deverá manter-se numa cadência de crescimento anual de 4,8% até 2022, chegando aos 50% da população africana por essa altura. A este nível, Moçambique até está acima média, com cerca de 16 milhões de moçambicanos afiliados numa das três operadoras de rede móvel existentes no mercado nacional. Claro que, bem próximo do crescimento móvel, surgiu a agregação dos serviços financeiros por parte de instituições de moeda electrónica (IME), e uma série de avanços digitais que revolucionaram a prestação de serviços financeiros e ‘contagiaram’ até a própria banca mais convencional que, ou adoptou soluções similares, ou se aliou a eles, alargando a sua rede. “A primeira carteira de moeda electrónica, ou emissor electrónico – que é o termo correcto –, apareceu em 2011, e foi o Mkesh. Depois, em 2012, apareceu logo o M-Pesa e agora, mais recentemente, o e-Mola.

E é interessante ver que já hoje existirão tantas contas de carteiras móveis como o total do número de contas bancárias (cerca de 5 milhões de cada). Criou-se aqui uma nova indústria nos serviços financeiros trazida por esses operadores de rede de telecomunicações na realidade” diz João Gaspar, consultor de Serviços Financeiros e CEO da PAYTEK, uma fintech moçambicana. Game changer: moeda electrónica No último ano, houve um incremento de 24% do total dos pontos de acesso face a 2017, facto que, de acordo com o Banco de Moçambique, é atribuído maioritariamente ao aumento dos agentes de IME (cresceram em 45,6%, para 43 103 agentes). Ainda assim, os agentes bancários mais do que duplicaram em 2018 face a 2017 o que mostra a forma como também a banca está a encarar este desafio. A verdade, no entanto, é que os meios digitais vieram mudar a banca. “Sem dúvida, mas de uma maneira positiva. Dou como exemplo a integração que há entre banca e moeda electrónica, e como tem vindo a evoluir. No caso do BCI, desde 2017 que já permitimos a transferência entre contas bancárias e o M-Pesa e vice-versa. Também fomos pioneiros em desenvolver uma solução única no mercado mundial que é a partir de uma conta de moeda electrónica, neste caso o M-Pesa, fazer compras em POS.”, diz Rogério Lam, director-central das Direcções de Marketing e de Canais Electrónicos do BCI. O outro grande player do mercado bancário, o Millennium bim, concorda. “As IME mudaram um pouco a paisagem porque representam novas formas de chegar a um conjunto de clientes que, por várias razões, estavam distantes do sistema financeiro. Mas a verdade é que a banca abraçou todo este novo mundo. Mais do que ter uma atitude de eu guardar os meus clientes só para mim é preciso perceber que o mundo hoje mudou e há muitas e diferentes formas de os nossos clientes serem servidos, portanto, é preciso abraçar essas novas soluções de uma forma racional. E, sobretudo, pensar nessas parcerias que acabam por ter benefícios mútuos. A associação que temos com o M-Pesa é claramente um dos melhores exemplos dessa realidade”, diz Jorge Octávio administrador na área do Risco, Informática e Inovação do Millennium bim. Os serviços financeiros digitais mudaram por completo a abordagem estratégica dos bancos. No Millennium

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O peso da moeda electrónica A maior concentração dos pontos de acesso verificou-se ao nível dos agentes de IME, com 53,7% agentes

43 103 pos

32 652 atm

1 761 agências bancárias

725

Contas cresceram... Desde 2005 a bancarização mais do que duplicou com um incremento de 263 contas por cada mil habitantes Número de contas por cada 1 000 adultos

Avanços da tecnologia revolucionaram sistema financeiro

327

325

2018

2017

Em milhões de contas bancárias

5,093

4,896

2018

2019

...Representatividade também Número de agências, agentes e demais representações financeiras também tem aumentado operadores de microcrédito

790 seguradoras

19 bancos

18 microbancos

11 cooperativas de crédito

7 instituições de moeda electrónica

3 fonte banco de Moçambique

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bim, o peso dos canais digitais tem vindo a tomar relevância cada vez maior nos serviços que presta. Mais de 40% dos clientes deste banco utilizam activamente os serviços digitais. O BCI também reporta “impacto muito positivo” da digitalização porque o volume de transacções e a adesão dos clientes a estes canais cresceu de forma expressiva, de tal maneira que hoje tem a maior rede de ATM, a maior rede de cartões, de POS e de clientes não bancários. Também ligado aos serviços de operadoras móveis, o Standard Bank tem perto de 91% do seu core business directamente ligado à oferta de produtos e serviços digitais. As fintechs — startups que criam e optimizam serviços financeiros digitais — são outro dos parceiros do banco nesse capítulo. Também o Moza, outro dos maiores bancos, tem aumentado substancialmente o número de transacções realizadas em canais digitais. Nos últimos dois anos, o crescimento foi de cerca de 70%. Fintech ligam mercado “Uma fintech pode ser uma empresa que presta serviços de pagamentos, ou pode ser criadora de serviços disruptivos, que depois fornece a emissores de meios electrónicos ou bancos convencionais” explica João Gaspar. E é no coração do sistema financeiro, no Banco de Moçambique, que, desde Maio de 2017, e com o

apoio da FSD Moç (um programa financiado pelo DFID - Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido), foi lançada a Sandbox, uma incubadora de fintech onde a ideia é juntar os criadores de soluções inovadoras aos reguladores e players nacionais, do governo aos bancos e seguradoras. O programa do BdM conta com quatro Fintech mas, por questões legais, estas ainda não podem funcionar na plenitude do seu potencial. “É uma iniciativa positiva, um primeiro passo para agir sobre a lei dos prestadores de serviços de pagamentos que está ainda a aguardar aprovação. Actualmente, no nosso sistema, há os bancos e emissores de moeda electrónica, mas pelo meio não há nada. E é nesse vazio que as fintech podem ser importantes”, explica à E&M, João Gaspar. Ainda longe dos objectivos da ENIF, mas com um quadro geral do sistema financeiro, de facto, mais inclusivo, o futuro só pode ser evolutivo. E digital, claro. Até lá, “haverá um sistema financeiro diferente do de hoje que será profundamente digital e seguro. Vamos combinar a impressão digital com a retina, o formato da cara com a assinatura, enfim... é inevitável pensar numa universalização dos serviços financeiros”, diz Jorge Octávio. texto Pedro Cativelos fotografia Jay Garrido & D.R.

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Futuro do sector financeiro (e da economia) passa pela Digitalização A Conferência E&M-Deloitte sobre Transformação Digital e Inovação no Sector Financeiro lançou o debate sobre os grandes desafios que se colocam a Moçambique, fruto do avanço da era digital a e&m em parceria com a deloitte moçambique organizou, a 26 de Setembro,

a Conferência ‘Transformação Digital e Inovação no Sector Financeiro’. Juntando os principais intervenientes do sector, no sentido de debater aquele que é um dos grandes desígnios do país, em termos do seu desenvolvimento — a inclusão financeira, que apesar do crescimento substancial que tem vindo a conhecer graças às soluções móveis ainda é fraca, com apenas 20% dos adultos com acesso aos serviços bancários e 40% aos serviços financeiros não bancários promovidos por instituições de moeda electrónica,

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segundo dados da FSDMoç, de 2017. Estamos ainda longe de poder responder à meta de cobertura de 35% da população adulta até 2022, conforme o preconizado na Estratégia de Inclusão Financeira em vigor deste 2016, mas os avanços têm sido assinaláveis, ainda assim. Questões estruturais Na conferência, marcada pela adesão dos principais players do mercado, várias questões mereceram atenção nos três painéis de debate em que a questão das infra-estruturas, segurança cibernética e maior interacção entre os

diferentes provedores de serviços financeiros dominaram as conversas. Foi esta, de resto, a primeira preocupação apresentada por Rogério Lam, director-central das direcções de marketing e de canais electrónicos do BCI, logo no primeiro painel (moderado pelo líder da área digital da Deloitte África, Valter Adão). Lam reconhece que, “com a deficiente disponibilidade de infra-estruturas, muito do que foi conseguido até hoje em termos de crescimento nas zonas rurais, urbanas e peri-urbanas, foi graças aos operadores de telefonia móvel”. Só que nem estes estão isentos das limitawww.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


ções impostas pela falta de estradas e de energia. “O desafio começa aí, nas infra-estrutras. E quando passamos para a fase seguinte, que é a digital, encontramos desafios ainda maiores: o custo de dados é extremamente elevado e a disponibilidade da rede de dados, mesmo em zonas urbanas, ainda é um enorme desafio”, revelou, sugerindo mais investimentos em meios que facilitem a expansão tecnológica, a exemplo do que se passa em mercados mais amadurecidos. Transformar competências A questão dos dados dominou, naturalmente, as conversas, porque pensar em digitalização dos serviços financeiros sem internet não é possível. E essa evolução tem-se feito sentir no aumento da capacidade da banca chegar a um cada vez maior número de moçambicanos. Assim, serviços que antes eram acessíveis no contacto com o agente, ou num balcão, hoje realizam-se em tempo real via telemóvel. Mas há desafios. “Como assegurar que a tecnologia dá a segurança aos colaboradores de que o seu emprego não está ameaçado?”, questiona o administrador-executivo do Millennium bim, Jorge Octávio, que garante, a seguir, não haver riscos de que a inovação venha a desempregar profissionais da área: “se automatizamos tarefas repetitivas, passamos a ser controladores dos sistemas, acrescentando-lhes valor. Temos é de ter a capacidade de explicar às pessoas que a transformação digital não extingue o trabalho, mas irá por certo mudá-lo”. Jorge Octávio também se mostra preocupado em relação à segurança na utilização de dados (tema que viria a ser aprofundado na segunda parte da conferência). “Não são apenas as infra-estruturas que têm de ser protegidas mas é preciso mais cuidado… Temos de assegurar que os nossos clientes compreendem estes aspectos de segurança das suas contas e saibam defender-se de assaltos de entidades que queiram assumir a sua identidade digital”, defendeu. Concorrência: boa ou má? Ainda no primeiro painel, Gulamo Nabi, director-geral da M-Pesa, deu a entender que há objectivos comuns que ficam difíceis de concretizar pela necessidade de salvaguarda de vantagens concorrenciais. Explicou que o M-Pesa, por exemplo, “poderia ser expandido” para clientes de outras operadoras de telefonia móvel (Tmcel e Movitel), mas enfrenta www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

5,093 milhões Número de contas bancárias tem aumentado todos os anos, a que se somam perto de 5 milhões de subscritores de serviços de moeda electrónica. Apesar de toda esta evolução, ainda há muitos milhões de moçambicanos que estão distantes do sistema financeiro

“barreiras” por parte destes provedores. “Temos tido apoio das autoridades reguladoras, temos acesso a um código USSD universal, mas conseguir a ligação física é um problema porque os provedores dos serviços das telecomunicações têm produtos concorrentes” explicou. Se o M-Pesa não vê qualquer problema ao nível da relação aos aspectos regulatórios, o mesmo não se pode dizer em relação aos operadores da banca tradicional. A este nível, e para acelerar a expansão da inclusão financeira, Rogério Lam defende a redução dos procedimentos para abertura de contas em bancos tradicionais para os equivaler aos requisitos bastante mais simplificados requeridos pelas instituições de moeda electrónica (Bilhete de Identidade e NUIT geralmente são suficientes). Além disso, assumiu que “é preciso adequar o regulamento face aos requisitos do agenciamento bancário, mais flexível do lado das instituições de moeda electrónica do que do lado da banca tradicional, pelos requisitos exigidos para ser agente bancário”, completou. Denise Cruz, que lidera a área digital do Barclays Moçambique, direccionou a sua abordagem para uma análise mais abrangente, e falou da necessidade de criar o que chamou de ‘cultura digital’. “No caso de Moçambique, o Governo, como maior empregador, tem um elevado número de transacções mas nota-se que, na sua maioria, ainda não são digitais. A adesão das instituições do Estado às plataformas digitais seria importante na difusão desta cultura digital, acabando por contribuir para uma maior inclusão financeira”, anotou. Um olhar sobre os crimes cibernéticos Para novos desafios, novas soluções. Porque é impensável imaginar todo este mundo de desenvolvimento do sistema financeiro sem o devido acompanhamento da ciber-segurança, no segundo painel, os crimes cibernéticos no sector financeiro foram analisados, através de uma apresentação do especialista da Deloite, Frederico Macias. Recorrendo a um estudo do World Economic Forum de 2015, explicou que “os ciber-crimes aumentam mais que os de narcotráfico, chegando a representar 1% do PIB global”. E isso acontece porque a capacidade de resposta não evolui ao mesmo ritmo da transformação digital, mas não só. Frederico Macias destaca “a urgente necessidade” de formar pessoas que

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transformação digital inserção de dados em mais de 200 campos dos quais 60-70% são inseridos pelo menos mais de uma vez e, em alguns casos, o custo do cumprimento das formalidades aduaneiras é superior ao custo das imposições a pagar”. Um mapa de formalizações complexas que tem custos na performance operacional de centenas de empresas. Ou tinha, porque com a JUE, “os sistemas geram 37 080 transacções por hora e mais de 900 000 por dia; 600 relatórios automatizados são distribuídos mensalmente; 14 bancos comercias e 500 agências de todo o país processam agora o pagamento de imposições aduaneiras ao Estado, número acrescido de mais de 30 instituições financeiras (bancos e seguradoras) que emitem garantias para o processo de desembaraço, num total de cerca de 4 200 utilizadores registados. Com tudo isto, o tempo de desembaraço aduaneiro de mais de 60% das mercadorias caiu de mais de 30 dias para apenas um dia”, enunciou.

Conferência E&M contou com a parceria estratégica da Deloitte Moçambique e juntou os principais players do mercado. Da banca à moeda electrónica passando pela colecta de impostos acompanhem a evolução do sector bem como de uma “cada vez maior aposta” por parte das organizações nesta matéria. “Temos de começar a tomar as medidas necessárias de modo a combater ou reduzir a incidência dos ciber-crimes”, referindo-se, por exemplo, ao investimento, por parte das organizações, “na contabilização dos seus activos tangíveis para depois definir quais serão as métricas de investimento na segurança”. Para Macias, “investir neste aspecto é um imperativo a todos os níveis. Mesmo para poder competir no sector da banca, é preciso investir na segurança cibernética”, defende o especialista. Na sua visão, “sozinhas, as organizações nunca vão conseguir tratar os problemas de ciber-segurança. A complexidade tecnológica e o desenvolvimento acelerado deste tipo de crimes exige que sejam tratados em conjunto. Portanto, há

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necessidade de o Governo ser mais estratégico para lidar com estas situações. Mas também temos de ser treinados para responder a estes incidentes”. Avanços no comércio externo Par além do sector financeiro, a transformação digital é um dos ingredientes indispensáveis para a competitividade económica, já para não falar do desenvolvimento humano. No terceiro painel da conferência E&M, um conjunto de “Casos Práticos” a ilustrar esta realidade. Guilherme Mambo, membro do Conselho de Administração da MCNet, empresa que gere a Janela Única Electrónica (JUE), fez uma radiografia do “antes e depois”, da implementação da JUE, em 2010. Explicou então que “uma transacção regular de importação ou exportação envolve em média cerca de 30 indivíduos e/ou instituições, mais de 40 documentos,

Mercado mais dinâmico que o de Angola Outro dos casos práticos apresentados na conferência da E&M foi o da Empresa Interbancária de Serviços de Angola (EMIS), representada por José Gualberto de Matos. A ideia era trazer um exemplo externo enquanto forma de olhar o próprio sistema interbancário nacional, sob outras perspectivas e experiências. A apresentação referiu os números do crescimento de pontos de acesso e de agências bancárias num mercado naturalmente diferente, ao nível da evolução, do moçambicano. No entanto, José de Matos mostrou um conjunto de indicadores que ilustram uma taxa de bancarização em crescendo nos últimos anos (ao nível das agências e transacções bancárias de uma forma geral). No entanto, muito ainda há por fazer, disse: “Devo dizer que estou bastante impressionado com a dinâmica que, aqui em Moçambique, estão a imprimir no sistema de pagamentos. Nós, em Angola, temos pena de não termos o M-Pesa. Claro que há um preço a pagar por essa dinâmica, que é o problema da interoperabilidade, mas é melhor ter um sistema que não tem interoperabilidade do que ter interoperabilidade e não ter sistema”, disse. texto Hermenegildo Langa & Celso Chambisso fotografia Jay Garrido

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“M-Pesa não se deve limitar aos clientes da Vodacom” Gulamo Nabi Director-geral da Vodacom M-Pesa o sentido prático de expansão financeira ganhou

um contexto expressivo com a entrada do M-Pesa em Moçambique, particularmente por ser acessível a todos os segmentos da sociedade, algo que se reflecte, hoje, nos mais de 34 mil milhões de meticais que movimenta por mês. Com cerca de 4,1 milhões de clientes activos (a totalidade das carteiras móveis é de 5 milhões) pretende estar disponível para o uso de qualquer cidadão independentemente da rede de telefonia móvel de que seja subscritor. Em exclusivo à E&M, Gulamo Nabi, director-geral do M-Pesa, alerta para o muito que há ainda a fazer neste segmento e, apesar da liderança de mercado alcançada, não esquece barreiras que considera “desonestas e prejudiciais”, ao crescimento da inclusão financeira no país. Há alguns meses falou na possibilidade de o M-Pesa passar a ser acessível a clientes de outros provedores de serviço. Como é que se chega a esta ideia? Na nossa perspectiva é uma progressão natural. O serviço

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foi criado utilizando aquela definição tradicional de moeda electrónica, oferecido por um operador de telefonia móvel. Inicialmente, quando este produto chegou ao mercado, era visto como meio de aquisição e fidelização do cliente para a operadora. Em Moçambique, o lançamento do M-Pesa seguiu um caminho diferente do que aconteceu noutros países em que a operadora é que lançou o novo produto. O Banco de Moçambique (BdM) insistiu para que fosse criada uma entidade independente, que é na essência uma instituição financeira – a Vodafone M-Pesa – 100% regulada pelo BdM. Portanto, é uma instituição financeira como qualquer outra do mercado, com as limitações de operação que a licença emitida impõe. É certo que o nosso accionista maioritário é a Vodacom Moçambique e obviamente que trazemos benefícios a esta ao trazermos a aquisição e fidelização de novos clientes. Mas temos de nos manter fiéis ao nosso objectivo no mercado, que é o de trazer um produto financeiro acessível a todos os moçambicanos.

ouvimos cada vez mais moçambicanos, que têm acesso a outros serviços de telefonia móvel, a pedir cobertura da Vodacom nas áreas onde residem para acederem ao M-Pesa

Quer isso dizer que há uma fronteira a ser considerada entre a vocação da Vodacom enquanto operador de telecomunicações e a do M-Pesa como instituição financeira? É por aqui que se pode criar autonomia de expansão do M-Pesa para qualquer rede, tal como ocorre com as plataformas da banca digital? Sim. Neste momento que temos 4,1 milhões de clientes a usarem o M-Pesa todos os meses, e a Vodacom Moçambique a já ter ultrapassado a fasquia dos 7 milhões de clientes activos, começa a ver-se que estamos num ponto em que, se calhar, já servimos a todos os que têm cartão da Vodacom que querem ter acesso ao M-Pesa. Mas ouvimos cada vez mais moçambicanos, que têm acesso a outros serviços de telefonia móvel, a pedir cobertura da Vodacom nas áreas onde residem só para acederem ao M-Pesa. Olhamos para este pedido e questionamo-nos: porque é que aquelas pessoas têm de depender da cobertura de um operador de telefonia móvel para ter acesso a um serviço financeiro, quando a tecnologia permite que este serviço pode estar disponível imediatamente (por via de outra rede)? Da mesma maneira que estas pessoas têm acesso às contas IZI do Millennium bim, ou à conta móvel do BCI, também podem ter acesso ao M-Pesa. Ou seja, do mesmo modo que se usa o código USSD *181# que dá acesso à conta IZI, o *124# que dá www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


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acesso à conta móvel do BCI, poder-se-ia usar o *300# para dar acesso ao M-Pesa. Está a ser pacífica a negociação com as outras operadoras? A negociação está em curso... É uma intenção, por enquanto. Já mantivemos várias conversas com a indústria e, infelizmente, estamos a ter alguma resistência por parte de alguns operadores de telefonia móvel em conceder-nos acesso a um serviço de telecomunicações que devia ser universal para qualquer instituição financeira. Da mesma maneira que qualquer banco pode ir a qualquer operadora móvel pedir acesso a um código USSD, qualquer outra instituição financeira, que não um banco, também deveria poder fazer o mesmo. Quando um operador móvel discrimina entre provedores de serviços financeiros que podem ou não ter acesso à sua infra-estrutra de comunicações, temos um problema. E é este o problema que estamos a tentar resolver. É expectável que, apesar da resistência dos outros operadores, esta expansão do M-Pesa vá acontecer? Esperamos que sim. Queremos que suceda o mais depressa possível. O consumidor também anseia que seja rápido, tal como também o impõe a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira do Governo. Recentemente, tivemos uma reunião de avaliação do progresso desse processo com o BdM, a comunidade de doadores e a indústria no geral, tendo ficado claro que já houve muitos progressos desde 2016. Mas se quisermos alcançar o objectivo de termos 60% da população com acesso aos serviços financeiros até 2022, significa que teremos de ligar estes serviços a mais 4,5 milhões de moçambicanos. E os últimos dois anos e meio

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“O argumento que estas operadoras usam para não dar acesso USSD ao M-Pesa é de que este é concorrente dos seus produtos. Isso é algo que, na minha opinião, não faz qualquer tipo de sentido” mostram que a solução que tem tido maior adesão é a carteira móvel. Por isso, o alcance desta meta implica a abertura do acesso agora, para que qualquer provedor do serviço de carteira móvel possa servir todos os moçambicanos. Não tem de haver exclusividade de acesso à infra-estrutura de telecomunicações. . Se estivesse numa das outras duas operadoras, o que diria ao representante do M-Pesa que lhe viesse propor a abertura do seu sistema ao M-Pesa, tomando em consideração a grande vantagem de mercado que este serviço já leva sobre os outros? Esta é uma pergunta mais para as outras operadoras de telefonia móvel do que para o M-Pesa. Acredito que o veria mais como oportunidade do

que como ameaça, porque se até agora não houve investimento sério nas suas carteiras móveis, com um mercado três vezes maior, os argumentos para o investimento são ainda maiores e isso não é uma ameaça. Creio que todos ganhariam — consumidor, provedores, o país e o próprio Governo. O argumento que estas operadoras usam para não dar acesso USSD ao M-Pesa é de que este é concorrente aos produtos que estas mesmas operadoras têm. Isto não acontece com os bancos, por exemplo. Os provedores dos serviços de comunicações móveis não podem discriminar. Se têm uma regra, esta tem de ser aplicável a todos os players do mercado. Neste momento nega-se acesso ao M-Pesa, daí que tenhamos de ver junto dos reguladores se esta é uma postura correcta ou legal. Se assim for, deve

ser aplicada de uma maneira uniforme na indústria. Temos entidades a operar no mercado que se estão a comportar como juízes, concedendo benefícios comerciais a uns e negando-os a outros. É uma questão de concorrência que tem de ser leal e também de perceber o real objectivo que todos temos em relação ao ecossistema de serviços financeiros no país. Como se contorna esta questão? Nós lançámos o nosso aplicativo M-Pesa para smartphones para minimizar as barreiras que actualmente existem. Qualquer pessoa com acesso à internet pode baixar a app e também poderá conseguir ter acesso ao M-Pesa. Então, se não conseguirmos o acesso ao USSD, de certeza que o aplicativo vai dar essa funcionalidade. www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


Como é que este mercado funciona noutros países, sobretudo no Quénia, onde o M-Pesa teve, e continua a ter, níveis de adesão reconhecidos internacionalmente? Moçambique é um caso mais ou menos único na região porque, como dizia, as carteiras móveis não são disponibilizadas pelos operadores de telecomunicações móveis, mas sim por entidades separadas, reguladas pelo Banco de Moçambique. Noutros países é um pouco mais fácil de perceber esta questão. Por exemplo, a Safaricom é um provedor de serviços de telecomunicações que também tem um serviço que é o M-Pesa e que, por isso mesmo não é regulado pelo Banco Central do Quénia, mas pela entidade reguladora das telecomunicações. Então, no contexto de países como o Quénia, por exemplo, não chegou nunca a colocar-se essa questão, que aponta aqui em Moçambique, de ter o M-Pesa disponibilizado por outra operadora, visto que os serviços financeiros são prestados pelas empresas de telefonia móvel, é isso? Comercialmente devia fazer sentido, mas estes países ainda não decidiram ir por este caminho. Talvez um dia possam chegar a este ponto, mas, nesta altura, o caso deles é diferente do nosso. Provavelmente não têm pela frente os desafios de inclusão financeira tão desafiantes como os de Moçambique… Sim, sem dúvida. Por exemplo, quase todos os quenianos têm uma linha da Safaricom. Então, não se coloca o facto de haver pessoas excluídas do M-Pesa por não terem acesso à cobertura da operadora. Na Tanzânia, os três operadores móveis têm cobertura equivalente e grande parte www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

do país tem cobertura móvel, mas há regiões onde um operador tem melhor cobertura que o outro. Cada um dos operadores lançou a sua carteira móvel com sucesso. Assim sempre que alguém tem acesso à cobertura de um operador também tem acesso à carteira móvel desse operador. O mesmo não acontece em Moçambique. Aqui, quem não tem a cobertura da Vodacom não tem acesso a uma carteira móvel com a mesma disponibilidade de agentes e de serviços que o M-Pesa dá aos seus clientes. Uma das necessidades bastante equacionadas é a da interoperabilidade entre todos os provedores de serviços financeiros (carteiras móveis, banca e outros). Há avanços, mas não parecem suficientes… Existe há vários anos um diálogo com o BdM sobre este assunto. Nós lançámos os produtos de interoperabilidade que os nossos clientes e os de outras instituições estavam a pedir (Standard Bank, BCI e Millennium bim). O que falta fazer a este nível é ligarmos a todas as outras instituições financeiras do país. Mas temos recursos limitados e há que aplicá-los onde existe retorno e uma maior produtividade que vá ao encontro do pedido do nosso cliente. Uma pessoa que hoje usa o M-Pesa não é capaz de transferir dinheiro para o MKesh ou para o e-Mola… Ainda não, mas a esse nível, entre as carteiras móveis, já acordámos os princípios de interoperabilidade e quando as condições do mercado forem certas, e houver uma maior demanda, iremos certamente implementar esse serviço. texto Pedro Cativelos & Celso Chambisso fotografia Jay Garrido


província

eleições

Eleições provinciais, em território de poucas certezas e muitas dúvidas Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer, mas não devem ser esperadas grandes mudanças na estrutura de gestão dos recursos provinciais, apesar da grande novidade do governador provincial passar a ser eleito dúvidas e mais dúvidas têm assolado

economistas e analistas políticos que não conseguem fazer projecções exactas sobre o futuro das economias locais após as eleições de dia 15 de Outubro que, pela primeira vez na História, irão determinar os nomes dos governadores de cada uma das 11 províncias de Moçambique. A este respeito, até o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), sempre atento a estes fenómenos, tem dificuldade em prever as consequências da nova

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país Moçambique

CAPITAL Maputo área 799 380 km² POPULAÇÃO 28 milhões região Austral

ordem política prestes a entrar em vigor, o que sugere estar-se perante uma questão mais complexa do que aparentava há alguns meses: “A grande dúvida tem que ver com a gestão, não sei como vai ser feita... O que estamos a assistir é aquilo a que antigamente chamávamos de ‘assuntos dos quais as pessoas têm medo de falar’. Não tenho qualquer ideia do que vai acontecer”, enuncia o economista e membro-fundador do IESE, Carlos Nuno Castel-Branco à E&M. www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


Já o também economista Elcídio Bachita, docente universitário, demonstra igualmente um posicionamento céptico perante este assunto. No entanto, começa por dizer que, numa visão mais macro, vê com “bons olhos” esta iniciativa de eleição de governos provinciais, por entender que, “mais do que a confiança política, vai vingar a competência, o saber fazer, a transparência na governação e na gestão das economias localmente”. No entanto, não deixa de chamar a atenção para a “necessidade” de uma coordenação mais estreita entre os governos provinciais e municipais, porque a “guerra partidária tem desfocado os dirigentes em relação às prioridades das populações.” Orçamento insuficiente A primeira grande dúvida é a já bem conhecida insuficiência orçamental, a que se sobrepõe a fraca descentralização da gestão dos dinheiros públicos. Fátima Mimbire, pesquisadora do Centro de Integridade Pública (CIP, uma das mais interventivas organizações da sociedade civil do país) considera que, do ponto de vista do que um processo de descentralização permite, “deveria haver espaço para que os governos provinciais pudessem ser mais activos e indispensáveis para o desenvolvimento de cada uma das províncias, sem dependerem em demasia dos planos que o Governo central estabelece”, explica. No entanto, prossegue, “pela forma ou figurino das assembleias provinciais, não me parece que isso vá mudar muito porque não se pode pensar em mudanças num contexto em que não existem, de facto, os recursos disponíveis para as levar a cabo”, assinala. Exemplo disso, segundo a pesquisadora, é o facto de as autarquias “lidarem mais com processos de gestão de resíduos sólidos ou manutenção das estradas mas, em relação às questões estruturais do desenvolvimento do município, poucas terem efectivamente autonomia para fazer grandes alterações porque isso requer recursos que, muitas vezes, estão dependentes das dotações vindas do Governo Central.” É por isso que, continua, “não havendo finanças descentralizadas, continuará a haver um processo de orçamentação provincial completamente dependente das dotações do futuro Executivo”, prevê Mimbire, pedindo por isso mesmo “maior clareza dentro dos instrumentos governamentais sobre como é que as províncias se vão financiar”. www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

11 É o número de províncias do país. Os desafios de cada uma serão, decerto, muitos mais e serão precisos alguns anos para ‘acertar o passo’ do novo poder local

Mais do que isso, a pesquisadora do CIP questiona-se sobre o papel dos governos provinciais na gestão dos recursos naturais: “vamos olhar para uma província como Tete que tem carvão mineral, um recurso que é dos maiores contribuintes para as receitas do Estado. Nesse sentido, seria expectável que fosse receber uma verba equivalente ao seu contributo para a economia. Mas creio que isso não irá suceder dessa forma.” Uma certeza num mar de dúvidas... Na verdade, a única certeza inequívoca é a de que, no dia 15 de Outubro, os moçambicanos irão escolher o Presidente do país e os governadores locais, numa votação histórica porque, até agora, estes eram nomeados pelo Executivo. O que seria, à partida, uma boa medida elogiada até pelos principais parceiros de cooperação enquanto reveladora de um esforço de descentralização política e económica, numa análise mais prática coloca um conjunto de questões ainda sem resposta à vista. E é por isso que Fátima Mimbire entende que o país “tem pela frente uma discussão profunda” para perceber como é que se garante que os governos provinciais estarão munidos de recursos financeiros e, sobretudo, humanos. “É preciso pensar em como é que os governos provinciais estão estruturados, saber se as decisões serão tomadas pelo governador ou pela Assembleia Provincial e ainda sobre o tipo de direcções provinciais que serão estabelecidas e se estas continuarão a depender do Governo central ou não”, sugeriu. Uma visão não muito diferente é perfilhada por Calton Cadeado, docente universitário e analista político, que considera que, ao nível de gestão de orçamentos locais, a figura de governador eleito “não irá mudar assim tanta coisa”. Ou seja, “os governadores eleitos terão pouca autonomia do ponto de vista de programas próprios de governação como também sob a perspectiva da gestão de recursos financeiros”, antevê. “Há mais optimismo em relação ao facto de esta eleição abrir as portas dos governos provinciais a outras forças políticas, do que ao desenvolvimento económico que possa ser gerado com estas eleições da figura do governador. Tudo vai depender do Governo central que for eleito”, repisou. Para resolver esse problema, os analistas ouvidos pela E&M sugerem ser necessário que se definam “os critérios

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província

Eleições

Uma nova eleição A eleição dos governadores provinciais é fruto da revisão pontual da Constituição da República no quadro do aprofundamento da descentralização no país, na qual foram introduzidas inovações no ordenamento constitucional moçambicano, como a criação de órgãos descentralizados de governação local, provincial e distrital. Com estas medidas, os governadores das 11 províncias do país deixam de ser indicados pelo Presidente da República e passam a ser eleitos por sufrágio. Trata-se de um dos consensos alcançados nas negociações entre o Governo e o falecido líder da Renamo, Afonso Dhlakama. Os novos governadores serão agora indicados pelo partido político que obtiver a maioria em cada província, cabendo ao Presidente eleito a sua homologação. Eleições gerais de 15 de Outubro serão, pela primeira vez, também para o cargo de governador provincial

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mb

Fátima M i

de alocação do Orçamento do Estado para as províncias, de acordo com o número da população, integração infra-estrutural, nível de desenvolvimento, e até de acordo com a sua contribuição para as contas gerais do Estado. E é também urgente que este estabeleça um quadro de regras fiscais claras sobre quanto é que cada província pode reter para si em termos de receitas fiscais dos mega-projectos”. Mas nem tudo são dúvidas. Para Calton Cadeado, de ponto de vista político, o aspecto positivo é que quando dois ou três partidos dividirem o mesmo espaço político no município, na província ou no Governo central “haverá uma tendência natural crescente da negociação e do diálogo político.” Assumindo que todos estão a trabalhar em prol do desenvolvimento da província, claro. E o mesmo pode também esperar-se do lado económico. Mas, também aí, detecta um problema: “Podemos também esperar que estes partidos, ao invés de co-habitarem, possam entrar num ciclo de sabotagem mútua. Não me custa imaginar que, quando alguns partidos assumam o poder, sobretudo nas províncias ricas em recursos naturais, a primeira coisa que façam seja ir aos contratos da exploração para os analisar e, sabendo como alguns deles estão estabelecidos, isso possa ser um

ire Analista e Investigadora do CIP defende: “Há ainda muita coisa que não está muito clara neste processo. Antevejo que os primeiros cinco ou dez anos serão de adaptação a este novo sistema”

elemento perturbador deste novo modelo que está prestes a ser implementado”, alerta. Fiscalização orçamental mais rigorosa Entretanto, entre os vários cenários que estão em cima da mesa desta primeira eleição de governadores provinciais, um dos aspectos positivos que os analistas apontam tem que ver com a fiscalização dos fundos públicos. Algo que Fátima Mimbire justifica por uma questão de proximidade entre os eleitores e os representantes eleitos. “A partir de agora, a população que elegeu aquele governador e os membros das assembleias provinciais vai poder exigir responsabilidades em casos de má gestão. Portanto, neste ponto da gestão dos gastos públicos, esta medida pode ser muito eficaz”, antevê Num mar de dúvidas ainda por esclarecer, os analistas ouvidos pela E&M defendem a necessidade de olhar com “bastante flexibilidade para os próximos cincos”, e falam de um tempo que consideram de “aprendizagem” do próprio sistema, mas que vai exigir “atenção redobrada” por parte da sociedade civil. texto Hermenegildo Langa fotografia D.R.

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OPINIÃO

A Importância de Ser Importante Denise Branco • Investigadora e Consultora em Comunicação Intercultural e Tradução para Fins Empresariais, Técnicos e Científicos

o estudo da frequência de palavras é a prática mais comum

e mais básica na análise quantitativa de uma língua. Quanto mais uma palavra ocorre, maior a importância dos conceitos com ela relacionados, maior a importância do assunto para o interlocutor. Com esses dados, é possível analisar e antever tendências, identificar áreas relevantes e importantes para os interlocutores, antever zonas de potencial conflito e, no caso dos contextos multilingues onde se recorre a diferentes línguas de trabalho, prever os desafios resultantes da maior ou menor permeabilidade do sistema conceptual de uma outra língua. Com esta consciência, é possível desenvolver e preparar mais eficazmente mecanismos de comunicação que respondam às necessidades dos participantes. Usando a lente da frequência de distribuição, e aplicando o Princípio de Pareto (ou a regra 80/20) à realidade da comunicação, observa-se que a dinâmica das línguas reflecte a dinâmica das economias. E as economias reflectem os momentos do desenvolvimento humano. A investigação levada a cabo por organizações como a DiploFoundation, por exemplo, ilustra os resultados da aplicabilidade do estudo de frequência de palavras na análise do discurso diplomático. Para além de ajudar no refinamento de estratégias de cortesia, necessárias à credibilidade negocial do orador e do país que representa, contribui para definir a linguagem diplomática emergente que precisa de ser capaz de dialogar com redes sociais e com o mundo cibernético. Muitos governos estão agora activamente a rever os seus protocolos de comunicação digital como ferramenta de apoio às missões diplomáticas. O mundo diplomático requer novos comportamentos comunicativos que respondam a novas agendas políticas geradas por movimentos sociais e fenómenos como #MeToo, #AmInext e #Covfefe. A importância de dar visibilidade aos utilizadores levou a que, em 2017, o Twitter aumentasse o limite de carac-

teres de 140 para 280 por hashtag, dando maior liberdade de expressão aos seus utilizadores. E qual é a relevância destes dados para o gestor? Será o leitor naturalmente a fazer essa avaliação, mas convido-o a aceitar um desafio que tem produzido dados interessantes no estudo da comunicação por via da lente da frequência de palavras, especificamente na exploração de inferências aquando do alinhamento de valores pessoais e empresariais. Experimente ouvir-se activamente. Tome notas. Leia os emails – preferencialmente aqueles onde a sua acção como decisor está presente – e registe as palavras mais frequentes. Analise as respostas a esses emails e a respectiva frequência de palavras dos seus interlocutores. Se ainda tiver tempo e curiosidade, pense naquilo que as suas palavras poderão levar o seu interlocutor a inferir a seu respeito e se aquilo que é importante para si vai ao encontro daquilo que poderá ser importante para o outro. Analise as potenciais armadilhas de comunicação se estiver a interagir com alguém avesso ao risco e para quem o importante será assegurar a certeza no processo. Será que a sua escolha de palavras está a potenciar resistência ao consenso? Se o leitor, por exemplo, é avesso ao risco, o seu interlocutor usa um discurso que desencadeia atitudes defensivas ou gera ansiedade? Porquê? De que forma poderá estar a comunicar em resposta a essas emoções? Se descobrir algo de novo, experimente alargar o exercício aos seus colaboradores e, posteriormente, à sua comunicação externa. Estou certa de que este exercício simples trará algum dado novo. Como irá usar essa informação dependerá daquilo que é importante para si. Tão importante como saber ler estatísticas, tabelas e projecções é ler intenções. E ler intenções passa por ler aquilo que é importante para o outro e dar-lhe a visibilidade que torna o importante individual, no relevante colectivo.

Analise as potenciais armadilhas de comunicação se estiver a interagir com alguém avesso ao risco e para quem o importante será assegurar a certeza no processo. Será que a sua escolha de palavras está a potenciar resistência ao consenso?

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mercado e finanças

diversificação e tecnologia, os motores do crescimento na quarta edição da Cimeira Financial Times realizada em Moçambique, no Hotel Polana, a cerimónia de abertura foi dirigida pelo ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, para quem o evento serve de “montra para as oportunidades” do país: “Esta cimeira é uma plataforma que nos permite trocar informações sobre todas as nossas potencialidades. Temos e fazemos muitas coisas boas, mas não tem havido a capacidade de as fazer transmitir ao mundo. Pelo que, fóruns como

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adriano

A IV Cimeira Financial Times realizada em Maputo, levou a debate as reformas e soluções para um crescimento sustentável da economia, transformando os actuais desafios em oportunidades

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leane

“Esta cimeira é uma plataforma que nos permite trocar informações sobre todas as nossas potencialidades”, Adriano Maleiane, Ministro da Economia e Finanças

este servem exactamente para que as pessoas que não conhecem Moçambique comecem, pelo menos, a ter informações do que se vai fazendo por aqui”, disse Adriano Maleiane. A tónica das apresentações e dos debates esteve centrada na diversificação da economia e na necessária introdução de reformas com vista ao crescimento sustentável, numa altura em que a economia nacional se depara com uma janela de oportunidade única, no que à entrada de grandes volumes de investimento www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


diz respeito, associados à exploração do gás na bacia do Rovuma, em Cabo Delgado. E Chuma Nwokocha, administrador delegado do Standard Bank colocava precisamente o foco da sua intervenção neste ponto: “perante as boas perspectivas que se avizinham, será de facto urgente a capacitação das PME para que estas tenham alguma possibilidade de ter acesso às grandes oportunidades existentes, não só nos grandes projectos, mas também nos mercados regional, continental e mundial”. Também apontou prioridade: “ajudar as empresas moçambicanas, em particular as pequenas e médias, a adquirirem capacidade e conhecimento”, disse. Mulher no centro da agenda O empoderamento da mulher é, de resto, um tema que tem vindo a ser abordado nos últimos anos face à desigualdade de oportunidades e enquadramento social e económico a que a mulher foi votada ao longo dos anos, uma iniquidade que urge resolver, e um factor considerado fulcral para corrigir as assimetrias do desenvolvimento socio-económico do país. Foi este, de resto, um dos destaques da conferência FInancial TImes, pelo entendimento de que a diferença de oportunidades relacionadas com o género “se traduz em importantes perdas para a economia”. Danilo Momade, Secretário Permanente do Ministério do Género, Criança e Acção Social, que fez a sua apresentação na qualidade de orador principal, destacou no entanto, um conjunto de “importantes avanços”, em resultado das políticas de empoderamento da mulher levadas a cabo nos últimos anos. “Hoje temos mais mulheres que contribuem em pé de igualdade com o homem para o crescimento e desenvolvimento económico”, assinalou, deixando no entanto. claro que, apesar de tudo, ainda é pouco. “Temos toda a ambição de remover as barreiras que ainda dificultam o progresso das mulheres nas diferentes esferas económicas e sociais”, assumiu. Helena Chiquele, da OXFAM secundou: “quando falamos de economia e finanças, temos muito mais homens do que mulheres, porque estas são geralmente relegadas a tarefas de reprodução e estamos a lutar para que haja igualdade de oportunidades” anuiu. E prosseguiu, falando da disparidade entre o quadro legal e a situação real do país, falando de “Leis que têm sido criadas mas que, no entanto, só demonstram que ainda há trawww.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

O empoderamento económico da mulher, tema que tem vindo a ser muito abordado nos últimos anos, foi um dos destaques, pelo entendimento de que a diferença de oportunidades entre homens e mulheres se traduz em importantes perdas à economia.

balho que temos de fazer, especialmente ao nível das normas sociais que ‘secundarizam’ a mulher no processo produtivo”. Por isso, sublinhou o papel da Oxfam, através de sessões de formação e esclarecimento, e como esta “está a empoderar mulheres no sentido de eliminar estas formulações socio-culturais que tornam a grande maioria das decisões dependentes do homem no campo de trabalho.” Sara Fakir, co-fundadora da IdeiaLab, fez, igualmente, menção à necessidade de “agregar conhecimentos tecnológicos à mulher” e elogiou os avanços que as plataformas de banca móvel vieram introduzir neste campo, ao permitir aquisição do saber pelas mulheres com mais baixos níveis académicos. É por isso que defende “o contínuo aprimoramento e difusão do mobile money”, enquanto fórmula propulsora da igualdede de género. A este respeito, um bom exemplo de evolução foi trazido pela South African Airways. Thobi Duma, country manager da companhia, fez saber que “há rotas e aviões específicos pilotados por mulheres, assim como há mulheres mecânicas de aviões que realizam trabalhos impecáveis” uma mudança que, a nível interno, também a LAM tem vindo a desenvolver nos últimos anos. Diversificação: criar o saber fazer José Pacheco, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, foi o orador principal do painel que se debruçou sobre o tema: “Promover uma Economia Diversificada e Competitiva”. Na sua intervenção, revelou que o Executivo já “adoptou medidas macroeconómicas consistentes e com resultados que começam a tornar-se visíveis, com reflexos na crescente melhoria da qualidade de vida das pessoas”. Em relação aos factores impulsionadores de mudanças no campo da competitividade, o governante apontou ao “contínuo investimento em mão-de-obra competitiva; aprovação de projectos de mão-de-obra intensiva; criação de um ambiente que facilita o empreendedorismo jovem”. Já em relação à diversificação económica propriamente dita, “o potencial está lá”, considerou José Pacheco. “Diversidade turística e socio-cultural aliadas a um potencial energético de dimensão global” – listou Pacheco, reconhecendo que a construção e manutenção de infra-estruturas modernas e resilientes às

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mercado e finanças

IV conferência do Financial Times Summit realizou-se no Hotel Polana, em Maputo

mudanças climáticas são, no presente, “o grande desafio que Moçambique tem de ultrapassar a breve prazo, para poder enfrentar com optimismo os próximos anos com optimismo”, disse. Ainda com este tema em pano de fundo, um outro ingrediente foi chamado incluído na receita do debate: a produção de competências enquanto fonte de inclusão da população em toda esta dinâmica de crescimento económico que se antevê para o país, na próxima década. Misan Rewane, uma jovem nigeriana, co-fundadora e CEO da West Africa Vocational Education (WAVE) focou, precisamente, a sua intervenção nesta questão: “É tempo de os governos, sociedade civil, empregadores e todos os intervenientes do meio económico se sentarem à mesma mesa para debaterem, e delinearem os caminhos que pretendem trilhar a este respeito porque ele é decisivo” sugeriu a jovem empreendedora, para quem “a aposta na formação é a chave para o sucesso da luta que os países pobres e subdesenvolvidos travam.”

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4ª Revolução Industrial Já a fechar, um interessante debate sobre o “Impacto da 4ª Revolução Industrial na Transformação dos Negócios”, foi apresentado pelo representante da Microsoft em África, Ryno Rijnsburger. O lema sugere, desde logo, uma questão pertinente: Qual será o verdadeiro sentido de se debater uma hipotética 4ª Revolução Industrial em África, quando metade da população africana nem sequer tem acesso à energia eléctrica, de acordo com o Banco Mundial? No entanto, e apesar dessa e de outras realidades do subdesenvolvimento do continente a vários níveis, a verdade é que este se move a vários ritmos e há sinais de mudança. Para Rijnsburger, “basta olhar para o rápido progresso de uma tecnologia produzida aqui em África, que é o sistema de pagamento por telemóveis M-Pesa, para perceber que a 4ª revolução industrial deve estar presente nas discussões e debates sobre verdadeiro desenvolvimento, mesmo com o ainda

preocupante défice de infra-estruturas na energia, ensino ou saúde”, assinalou. E para “abraçar” esse desenvolvimento que considera “inadiável”, defende o apoio “ao aprimoramento e introdução de startups e fintechs inovadoras que atribuam impulsos firmes à actividade económica, contribuindo para fazer aumentar o emprego e as desigualdades incluindo e não o contrário”, Olhando mais ao caso de Moçambique, Rijnsburger acredita mesmo que o país “está no caminho certo”, mas não deixou de lançar um apelo, pedindo um crescente apoio por parte do Governo e de todos os parceiros de cooperação, isto porque, continuou, “a médio e longo prazo será isso que vai fazer toda a diferença no crescimento económico e desenvolvimento social de um país que tem tudo para dar certo”. texto Pedro Cativelos & Celso Chambisso fotografia Jay Garrido

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empresas

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SOLARWORKS! Quando a luz se acende, ‘it works’ Empresa de renováveis cresceu apoiada pela GIZ e viu recentemente a EDP entrar com 2 milhões de euros no capital social. Já tem mais de 150 mil clientes A SolarWorks! está em Moçambique desde 2015. Parte de um grupo de ori-

gem holandesa (recentemente a EDP comprou uma participação de 2 milhões de euros na empresa), está vocacionada para o fornecimento de energia solar a milhares de famílias de baixo rendimento de zonas rurais de Moçambique através do sistema PAYGO (pay-as-you-go), o primeiro do género no país. Com o apoio da GIZ e da EnDev (Energising Development), um programa dirigido pelo German Federal Ministry of Economic Cooperation and Development, presente em 25 países e alinhado com os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, a ideia é que, até ao final de 2021, 20 milhões de pessoas tenham acesso a energia sustentável. Actualmente, em Moçambique, e apesar dos planos de expansão da rede eléctrica nacional (até 2030 preconiza-se um aumento para os 50% de cobertura), menos de 30% da população está ligada à rede. É isso que justifica o crescimento de uma empresa que actua num mercado por explorar, e que desenvolveu um programa-piloto que permite “levar soluções de energia renovável num modelo de ‘pay-as-you-go’ às zonas onde não existe cobertura da rede, empoderando-as financeiramente. Desta forma podem trabalhar em casa ou levar os kits de energia para as suas bancas de comércio. Ao mesmo tempo, com o sistema de pagamento por via móvel, estas pessoas deixam de estar excluídas do meio financeiro e passam a beneficiar de outros serviços. De uma forma geral, esta energia traz luz a estas vidas”, revela Miguel Sottomayor, director-geral da SolarWorks!. “Mostrar a pessoas de áreas tão remotas como funciona e quais os benefícios de um sistema de pagamento para consumo da energia solar via telemóvel (através do M-Pesa e e-Mola) foi, de facto, um desafio que seria impensável sem o apoio da GIZ

que acreditou no potencial de mudança deste projecto desde o início”, recorda. Quando iniciou actividade, a SolarWorks! contava com apenas seis funcionários. Hoje, são 240 espalhados por seis províncias, o que revela, também, a adesão massiva que o serviço tem tido por todo o país. “Há dois anos tínhamos cerca de 1 800 clientes. Agora estamos a chegar a 30 mil famílias, perto de 150 mil beneficiários de energia solar”, quer seja com o kit básico (de três lâmpadas e uma tomada) que custa perto de 500 meticais por mês, ou médio (de três lâmpadas, tomadas e televisor) que pode chegar aos 1 500 meticais mensais durante 36 meses. Um exemplo perfeito de um negócio sustentável. Porque permite a inclusão financeira de centenas de milhares de mulheres e jovens que passam a usufruir de um serviço a um preço justo, e com o potencial de alavancar e potenciar novos rendimentos para o agregado familiar. E também está a ser desenvolvido o ‘Kit Empreendedor’, em que a empresa fornece máquinas de costura ou de barbear, que funcionam alimentadas por um painel solar portátil, uma bateria e cabos amovíveis que os beneficiários podem transportar para os mercados e pontos de venda informais e desta forma potenciar os seus pequenos negócios. Ainda assim, e apesar de todo o crescimento, Sottomayor assume que falta ainda muito para que a energia seja um bem universal no país, mas é precisamente esse o desafio que lhe ilumina o caminho: “o trabalho não vai acabar nunca, mas é isso que nos leva para a frente por estradas de terra batida e terras esquecidas para lá do tempo. Levar luz é isso, uma missão. É levar o futuro a estas pessoas”.

B Empresa SolarWorks Director-geral Miguel Sottomayor Funcionários 240

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mil clientes Em pouco mais de cinco anos de funcionamento a empresa chega hoje a 30 mil famílias fornecendo luz a cerca de 150 mil pessoas.

texto Pedro Cativelos fotografia D.R.

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megafone CDM lança campanha consumo responsável do álcool Reduzir o consumo de bebidas alcoólicas por menores de 18 anos é o objectivo

FNB lança solução de financiamento para compra do novo VW Touareg A nova versão do Volkwagen Touareg chega ao mercado nacional com soluções de financiamento exclusivas para clientes do FNB. A Caetano Drive e o FNB Moçambique, membro do FirstRand, maior grupo financeiro africano em capitalização bolsista, assinalaram o momento com a assinatura de um memorando visando disponibilizar soluções de financiamento exclusivas. A parceria entre a Caetano Drive e o FNB enquadra-se na estratégia de diferenciação da VW em Moçambique, assim como no reposicionamento da instituição bancária.

Millennium bim inaugura biblioteca escolar em Gaza A Escola Primária do Siaia, na província de Gaza, conta, desde o passado mês de Setembro, com uma biblioteca que vai servir cerca de três mil crianças. A iniciativa resulta de uma acção promovida no âmbito da 10ª edição das Olimpíadas Bancárias do Millennium bim. Segundo Fernando Carvalho, administrador do banco, a biblioteca vai permitir o acesso a novas ferramentas de aprendizagem. “Ao apostarmos em projectos ligados à educação não estamos apenas a apostar na transformação e na capacitação das camadas mais jovens, estamos a apostar também no futuro do país”, referiu.

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a campanha de sensibilização sobre consumo responsável, lançada pela Cervejas de Moçambique (CDM), subsidiária do Grupo AB InBev, surge inserida nos festejos do Dia Mundial do Consumo Responsável de Cerveja, que se assinala, anualmente, em Setembro. Este ano, a campanha teve como lema: “Beba responsavelmente hoje, celebre amanhã”. Para o administrador da CDM, Hugo Gomes, a acção, que teve o seu arranque no distrito de Marracuene, mas que será estendida ao longo de todo o país, surge do “profundo anseio que todas as experiências relacionadas com o consumo de cervejas sejam positivas, daí que seja promovida a cultura do consumo moderado”, afirma. A acção contou com a participação de mais de 200 voluntários da CDM, que encorajaram as comunidades, associações e chefes de quarteirão para desenvolverem um trabalho profundo de mudança comportamental, especialmente junto dos mais jovens.

A CDM produz referências emblemáticas como a 2M, Laurentina, Manica, Dourada, Impala, e comercializa marcas globais como a Corona, Stella Artois e Budweiser. Tem três fábricas localizadas em Maputo, Beira e Nampula, e emprega mais de 1 000 colaboradores.

Fenix International lança Sistemas Solares Off-Grid em Moçambique “Facultar energia não poluente e serviços financeiros inclusivos a mais de 200 mil residências”, é o objectivo do projecto da Fenix International. Em comunicado, a multinacional anuncia ainda a sua parceria com a Vodacom e com o M-Pesa que irá permitir “atender aos desafios de distribuição, conectividade e pagamentos móveis que, no passado, deixavam os moçambicanos de zonas rurais excluídos do mercado energético.” A Fenix já conectou 500 mil clientes à rede no Uganda, Zâmbia, Costa do Marfim e Nigéria.

Tmcel e ACIS firmam parceria Colocar à disposição da Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS) um conjunto de equipamentos de voz e dados, enquanto mecanismo de melhoria do ambiente de trabalho dos seus colaboradores e associados, é o objectivo do acordo rubricado, recentemente, pela Moçambique Telecom (Tmcel) e a ACIS. De acordo com o director-executivo da telefónica estatal, Augusto Fé, esta parceria surge “com benefícios recíprocos para ambas as empresas”, reiterando que o acordo se insere no “âmbito da responsabilidade social da empresa, que decidiu abraçar o desenvolvimento empresarial através do apoio às associações económicas”, destacou. www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019



figura do mês “Ainda não atingimos os níveis que desejamos” Castigo Nhamane Presidente da FEMATRO há anos que a questão da

provisão do transporte urbano vem sendo um dos grandes problemas na capital do país e, ao que vamos vendo diariamente, ainda está longe de estar resolvida. No entanto, nos últimos tempos registaram-se melhorias substanciais, desde que o sector privado decidiu criar cooperativas para poderem beneficiar dos autocarros fornecidos pelo Fundo do Desenvolvimento dos Transportes (FTC), antes apenas alocados às entidades municipais. Castigo Nhamane, presidente da Federação Moçambicana das Associações dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO), dá mais detalhes à E&M. Qual é o real cenário dos transportes públicos de passageiros nas cidades de Maputo e Matola desde que estes passaram também a ser geridos ao nível das associações e cooperativas? A criação das cooperativas veio melhorar, de forma geral, o sistema do transporte urbano na medida em que as associações têm crescido gradualmente e vêm ganhando, por sua vez, cada vez mais experiência. E também temos vindo a debater com o Governo no sentido de encontrar formas de melhorar os transportes. Estamos cientes das dificuldades financeiras como operadores e como país, mas

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sabemos que podemos ultrapassar esses problemas. O que mudou em concreto? Houve uma grande mudança apesar de ainda não termos atingido o nosso objectivo: chegar ao ponto em que o nosso munícipe deixe o seu automóvel em casa e comece a beneficiar dos transportes públicos, a qualquer hora que precisar, para chegar ao seu posto de trabalho ou escola. E quando chegarmos aí poderemos dizer que a nossa missão já está totalmente cumprida. Como avalia a gestão desses autocarros por parte das associações? É satisfatória, mas também ainda não atingimos os níveis desejáveis. Assistimos ainda a

cv

curriculum vitae

Castigo Nhamane é presidente da FEMATRO, a Federação dos Transportes Rodoviários sendo ainda, actualmente, vicepresidente da CTA desde 2018.

FEMATRO

alguns carros a circular com pára-choques empenados ou outros problemas, o que não é do nosso agrado. No entanto, sabemos que os custos de operação são muito elevados em relação àquilo que é o rendimento dos operadores. Só que esta questão também tem que ver com o nível de vida dos nossos cidadãos. Sabemos que o que cobramos hoje em dia não é o que as contas ditam... Mas também estamos cientes de que é o que o nosso povo pode pagar, daí termos levado este ponto ao Governo. Pedimos alguma reflexão sobre o assunto e esperamos que um dia venhamos a ter uma resposta positiva naquilo que é a procura de solução para que ultrapassemos esses problemas. Quantas associações estão filiadas à FEMATRO em Maputo e Matola? Ao todo, no país, contamos com 33 associações. Depois, temos também oito cooperativas que estão a gerir estes novos autocarros. E quantos autocarros lhes estão adjudicados ? Nas cidades de Maputo e Matola temos cerca de 300 autocarros. Este número inclui também os distritos de Boane e Marracuene. Recentemente, as autoridades municipais da ci-

dade de Maputo baniram os carros de caixa aberta, vulgarmente chamados de “My Love”. Estaria a FEMATRO preparada para atender à demanda caso a decisão não tivesse sido revogada? Nós, enquanto FEMATRO, sabemos que as carrinhas “My Love” até nos tiram o negócio, mas nunca foi nossa posição serem banidas do ponto de vista da obrigatoriedade face à Lei. Aquilo que é o nosso ponto de vista é que os “My Love” têm de ter ‘uma morte natural’, digamos assim. Mas isso só será possível se oferecermos melhores transportes aos nossos munícipes. Então, os utentes e o Governo, juntamente com os transportadores privados, devem encontrar uma forma de o “My Love” desaparecer da mesma maneira que nasceu. Neste momento, a Agência Metropolitana de Transportes de Maputo (AMT), está a trabalhar com a FEMATRO na procura de uma solução para a introdução de um transporte misto que irá, asseguramos, resolver os problemas dos passageiros. E assim pensamos que, com todo esse sistema a funcionar bem, poderemos ver os “My Love” a desaparecer gradualmente. texto Hermenegildo Langa fotografia Jay Garrido

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Melhores transportes “O nosso objectivo é chegar a uma altura em que o munícipe deixe o seu automóvel em casa” www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

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‘Pouca-terra’ na grande viagem pela terra infinita Andar para trás no tempo e, ainda assim, viver o presente em África. Uma experiência única, só possível de realizar de comboio. Ao serviço de luxo acrescem safaris pela savana, passeios de barco e visitas às típicas aldeias de adobe e colmo. O novo turismo de luxo faz-se pela via férrea e pode ser a alavanca que o turismo africano necessita a rovos rail é uma empresa sul-africana que começou a operar caminhos-de-ferro quando o empresário e fundador Rohan Vos, apaixonado por comboios, um dia decidiu comprar, em leilão, carruagens antigas para restauro. Tudo teria de ser rigoroso e mantendo o estilo de época, para que o esplendor da magia africana viajasse de comboio pela savana e floresta tropical. Em pouco tempo o hobby passou a negócio. Em 1989 é fundada a empresa e um comboio com quatro pessoas a bordo realiza a primeira viagem de luxo de Pretória à província de Transvaal que nos dias de hoje é conhecida por Gauteng. Mas, para que tudo fosse tal como as narrações dos livros ou as imagens que perduram nos filmes de Hollywood, a antiga estação de Capital Park, na capital administrativa da África do Sul, teve de ser restaurada para que não faltasse o som antigo anunciando a partida e a chegada dos comboios. Agora, só a ausência do vapor da locomotiva nos diz que estamos no século XXI. A bordo dos comboios de Rohan Vos vive-se o ambienwww.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

te glamoroso dos tempos passados, onde os passageiros se vestem de gala para jantar e usufruem, numa carruagem aberta, de toda a paisagem e vida selvagem que os rodeia. Cada viagem é uma experiência única, havendo paragens em localidades antigas e remotas, lá muito longe onde perdemos de vista o continente. Ao mesmo tempo que se fazem safaris nas reservas naturais, visita-se as cataratas Victoria Falls, com direito a passagem aérea e pernoita-se em resorts de luxo, caso se opte por programas mais extensos. Tudo isto enquanto o comboio fica, um dia ou dois, orgulhosamente parado, esperando que os passageiros de várias nacionalidades ali regressem. Assim foi montada um indústria de turismo de luxo que pode ser uma alavanca para a maioria dos países africanos, como explica à E&M a consultora especialista no sector Rebeca Barreiros: “isto é turismo de luxo de nível internacional, sendo um ponto de partida para que se comece a olhar para alguns destes países de outra maneira. Por exemplo, atravessar países

5,8 mil quilómetros A distância total percorrida numa viagem que cruza dois oceanos e África de leste a oeste

com alguns problemas de segurança ou de saúde de comboio desmistifica tudo, porque é possível fazer o percurso com toda a segurança e conforto”. Depois, continua, “muitos deste países precisam das divisas internacionais e a paragem do comboio nas aldeias e vilas faz com que haja compra de produtos locais e interacção com as comunidades o que resulta num saudável ambiente de partilha cultural”, explica. Moçambique na rota Voltando ao princípio, três décadas depois da primeira carruagem licitada, o sonho de Rohan Vos cresceu e conquistou uma proeza jamais pensada: uniu por caminho-de-ferro o Atlântico ao Índico e a África do Leste ao Oeste. O protagonista da viagem é o comboio Pride of Africa que realizou, pela primeira vez, esta viagem única no mundo. Partindo de Cape Town, na África do Sul, seguiu para Botsuana, Zimbabué, Zâmbia e Tanzânia. Em Dar-Es-Salaam voltou pela Zâmbia, República Democrática do Congo e por fim Angola. Foram sete sema-

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sociedade

Pride of Africa chegou a Luanda em Julho passado depois de atravessar todo o continente

nas onde turistas de várias nacionalidades viajaram entre o luxo e experiências de vida que jamais vão esquecer. Elefantes, girafas e hipopótamos, em paisagens que viviam no imaginário de cada um, passavam ali mesmo na janela, para serem fotografados e capturados em filmes de memória que o tempo não apaga. Esta viagem começou a ser programada em 2015 e depois de muitas vistorias pelos vários carris, onde largos quilómetros e também algumas pontes tiveram de sofrer reparações, estava tudo pronto para que, em Julho de 2019, a viagem tivesse início. Nada foi deixado ao acaso em termos de segurança e a facilidade do pedido de vistos online também ajudou a concretizar a jornada. Durante sete semanas, a equipa da Rovos Rail ‘mimou’

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os passageiros com refeições gourmet e os melhores vinhos sul-africanos. Esta viagem que podia ser dividida em dois percursos, com preços que variam de acordo com a categoria da cabine escolhida, foi um sonho de vida realizado para os amantes de África. Pelo caminho, houve tempo para safaris e passeios de barco pelos rios em várias reservas naturais, uma visita aérea (de avioneta) às Victoria Falls e passagem por aldeias e vilas africanas. A viagem idealizada e criada por Rohan Vos colocou África no mundo pelos melhores motivos, de tal forma que os percursos para 2020 e 2021 já estão vendidos a operadores de outros continentes. Mas Moçambique pode fazer parte dos planos do Pride of Africa e receber dezenas de turistas, com uma possível paragem na Beira, como

Elefantes, girafas e hipopótamos em paisagens que viviam no imaginário de cada um passavam ali mesmo na janela, para serem fotografados e guardados em filmes de memória que o tempo nunca irá apagar

nos revelou Rebeca Barreiros. “A empresa detentora do comboio falou, de facto, na possibilidade do Pride of Africa poder passar por Moçambique. Acredito que é algo que está a ser estudado. Caso venha a acontecer poderá ter uma paragem no terminal da Beira mas, antes de tudo, há que levar em consideração a viabilidade da linha férrea”. Para cruzar Angola, do Moxico a Benguela, houve cerca de quatros anos de negociações e melhorias nas infraestruturas. No que diz respeito a Moçambique esta pode ser uma oportunidade para não desperdiçar, já que muito perto da Beira está o Parque Nacional da Gorongosa, o mais visitado e bem estruturado do país. Vasco Galante, do departamento de comunicação do Parque, confessa que “gostaria www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


muito” de ver os turistas do comboio de luxo a visitarem o local: “nós temos possibilidade de fazer o transfer terrestre ou de avião, e tanto para o país como para nós seria muito prestigiante acolhê-los. Temos condições para hospedar até 100 pessoas que podem, ao mesmo tempo, fazer um safari e visitar alguns trabalhos de intervenção social que temos realizado com a comunidade”. Moçambique não é, de resto, desconhecido para os turistas que viajam em comboios de luxo. O percurso Southern Cross, realizado pela Shongololo Express, já oferece, actualmente, três possíveis viagens pela África Austral. São até 15 dias de passeio por África do Sul, Namíbia, Suazilândia, Zimbabué e Moçambique, com várias excursões e safaris incluídos, onde também se pode jogar uma partida de golfe. O comboio tem capacidade para 72 pessoas acomodadas em cabines singles ou de casal. As carruagens lembram os anos vinte do século passado, com painéis de madeira que nos devolvem a África que vive um pouco em todos nós. Uma viagem de vida Tal como Rohan Vos programou a sua vida à volta dos comboios, a viagem no Pride of Africa é única. Este é considerado o comboio mais luxuoso do mundo. E o preço faz jus à sua fama: cerca de 25 mil dólares. A partir daqui a aventura começa e, mesmo para quem não nasceu em África, passa a pertencer-lhe, levando dentro de si um continente de gente verdadeira, onde passeiam animais selvagens entre árvores seculares, ou em savanas que cheiram a terra doce, onde o sol se apaga no horizonte vestindo o céu de vermelho intenso. Antes desta viagem de sonho, o mentor do projecto Rohan Vos conta aos passageiros um www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

pouco da sua história, indissociável dos comboios cheios de glamour que circulam em África, e faz uma breve explicação sobre os países que vão ser visitados, enquanto experientes bagageiros colocam as malas dos turistas nas cabines de cada um. E a aventura começa. Enquanto circula, o Pride of Africa deixa no ar um som nostálgico que, a par com a deslumbrante paisagem que começa a revelar-se, vai arquitectando sorrisos de espanto. A bordo, todas as refeições são confeccionadas por experientes chefs, e para que não falte nada, a escolha de vinhos é sempre acertada harmonizando o paladar. As suites são equipadas com todo o conforto e até a banheira reporta a épocas passadas. Com subtileza e acompanhado por aves curiosas, o comboio aventura-se pelo carril e África revela todo o seu esplendor. As paragens ao longo dos países são muitas e incluem deslocações a reservas e parques naturais e, quando a distancia permite, estadias em resorts de luxo. Mas também passa por aldeias onde os turistas fazem compras e retribuem os sorrisos das gentes curiosas que os vão receber. Pelo caminho há manadas de elefantes que parecem posar com as suas crias que rebolam na areia da savana. Ao longe avistam-se girafas e muitos outros animais em estado selvagem. Todos os dias um guia transmite aos passageiros, através de um sistema multilingue, o destino da próxima aventura, numa espécie de jogo onde todos querem participar. E Moçambique, que já colocou o seu nome no turismo mundial de luxo, através de locais como as ilhas Medjumbe ou Quilalea, pode, em poucos anos, fazer parte deste Pride of Africa. texto Cristina Freire fotografia D.R.


lá Fora A água da vida e da morte A qualidade da água distribuída em alguns pontos de Luanda leva a uma conclusão preocupante: A fonte da vida está a transformar-se, de forma tenebrosa, numa fonte de doenças e problemas irreparáveis

As pessoas que consomem água não tratada estão expostas a inúmeras enfermidades como febre tifóide, xistossomose e infecções urinárias, alertou, em declarações à Economia & Mercado, a especialista em Clínica Geral, Saránia Sapwanale, referindo-se aos vários casos de consumo de água imprópria que se têm registado um pouco por todo o país. De acordo com a médica, o consumo de água não tratada por parte das mulheres pode provocar infertilidade em consequência de uma infecção urinária, que, quando não medicada ou mal curada, também pode dar origem ao nascimento de crianças com malformação congénita, bem como ao surgimento de abortos espontâneos. Para alertar sobre a gravidade da situação em Angola, a especialista fez referência a um caso recente verificado no Kwanza Sul, onde cerca de 80% das crianças observadas durante um programa de intervenção social realizado

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80% das crianças observadas durante um programa de intervenção social, realizado no município da Quilenda, província do kwanza Sul, por médicos voluntários da Fundação ‘Dar de Coração’, apresentavam um quadro de diarreia fruto do consumo de água imprópria

no município da Quilenda por médicos voluntários ao serviço da Fundação Dar de Coração, apresentavam “um quadro de diarreia fruto do consumo de água imprópria”. O aumento no país de pacientes com tais sintomas, segundo Saránia Sapwanale, está relacionado com a maior exposição da população a este tipo de água. Gritos de socorro Na comuna da Barra do Kwanza, a população “faz das tripas coração” para “matar a sede” e garantir a hidratação do organismo. Segundo Filipe Dala, de 60 anos, morador há 23 anos na comunidade do Tapo – zona ribeirinha que dista cerca de 42 quilómetros do centro da cidade de Luanda –, são vários os casos de doenças diarreicas e infecções na pele que já chegaram a terminar em óbitos. “Quando vim morar para este bairro, existiam apenas duas casas”, recordou, afirmando que a população consome água das cacimbas desde que os primeiros habitantes começaram a povoar a localidade. Para o ancião, o principal motivo das doenças e de alguns óbitos registados naquela comunidade está ligado ao consumo de “água não tratada”. Filipe Dala, que exerce o cargo de coordenador da comissão de moradores do bairro, justificou que antes de falecerem, as vítimas “queixavam-se de dores de barriga”. “Foi há um ano que perdemos duas pessoas que viviam aqui”, afirmou visivelmente constrangido com a situação, acrescentando que as vítimas estavam com “muita diarreia de sangue”, sendo que uma delas acabou por falecer a caminho do Centro Médico dos Ramiros. A situação, segundo afirma, é do conhecimento das autoridades locais, nomeadamente da administração comunal. Às vezes, salientou, a comunidade beneficia do apoio das autoridades, que se resume na disponibilização de uma cisterna, “mas que infelizmente requer uma comparticipação financeira dos moradores para abastecê-la”. Para minimizar a carência de água potável na comunidade do Tapo, conta Filipe Dala, a Associação Juvenil de Apoio às Comunidades (AJACOM) – organização filantrópica que, em conjunto com empresas parceiras, apoia a referida comunidade desde 2016 – doou, através da empresa angolana Noráfrica, um reservatório com capacidade para armazenar 10.000 litros de água potável. Mais tarde, segundo ainda Filipe Dala, a www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


empresa brasileira Núcleo de Comunicação (NC) passou a assegurar o abastecimento do recipiente através de apoio financeiro de 18 000 kwanzas por mês. “Quando o dinheiro para comprar água para a cisterna demora ou a água do tanque acaba, a população recorre às cacimbas novamente”, lamentou, justificando que 10 000 litros “não chegam” para acudir à carência, sendo que dura apenas duas semanas na época de frio e menos de uma semana no Verão. Ainda no município de Belas mas no distrito do Morro dos Veados, que, entre outros, abrange os bairros Bela Vista, Matadouro, Mundial, Padaria das Eleições, Macuia, Baixa do Maruvo – todos localizados entre a estrada nº 100 (EN-100) e a Avenida Fidel de Castro Ruz – também é gritante a falta de água potável. Segundo Manuel Couto, morador do bairro Bela Vista há mais de cinco anos, além da “onda de assaltos” à mão armada e da falta de corrente eléctrica, o bairro é caracterizado pela negativa devido ao problema do acesso à água potável. Curiosamente, Manuel Couto trabalha como camionista há mais de 30 anos e, nos últimos anos, dedica-se à venda do precioso líquido a partir de um camião cisterna. Ainda segundo o camionista, a população depende dos camiões-cisterna para ter acesso à água que nem sempre é potável, tendo em conta “a má-fé de muitos motoristas deste tipo de veículos”. “A carência de água acentua-se mais no tempo chuvoso, dadas as dificuldades que as vias de acesso apresentam, o que onera o preço do líquido”, disse. Carência afecta também as zonas urbanas Rita Valentim Frederico António é moradora no bairro Gamek à Direita, no Morro Bento I, distrito Urbano da Samba, há 20 anos. E à semelhança do que acontece nas comunidades do Tapo, Bela Vista, Mundial, entre outras localidades, também sente na pele a carência de água potável, apesar de viver numa zona considerada urbanizada. “Tia Rita”, como é tratada pelos mais próximos, levanta-se entre as 5 e as 6 horas da manhã para preparar o pequeno-almoço para a família (esposo, filhas e netos) e para abrir as portas às dezenas de clientes que a procuram. O bairro Gamek à Direita, desde que recebeu esta designação por parte dos próprios populares que o habitam – já lá vão mais de 20 anos –, nunca beneficiou de um programa de abastecimento de água corrente seja a nível dos domicílios, seja a nível dos chafarizes, embora o Gabinete www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

acesso a fonte de água POTÁVEL por área de residência Valores em %

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URBANO

RURAL

ANGOLA fonte IIMS 2015-2016

de Aproveitamento do Médio Kwanza (GAMEK), hoje afecto ao Ministério da Energia e Água, tenha instalado ali um ponto para o abastecimento dos seus camiões-cisterna. “Obrigaram-nos a meter as torneiras, mas até aqui nunca vimos sinal de água a jorrar”, lamentou, desolada, tia Rita, denunciando a existência de motoristas de camiões-cisterna que procedem de má-fé ao venderem “água imprópria como se de água potável se tratasse”. A carência do produto no seio do bairro levou-a a “mergulhar” também no “negócio da água”, que tem servido para ajudar a garantir o “pão de cada dia”, sendo que vende um recipiente de 20 litros de água a 75 kwanzas que, a depender da escassez ou especulação de preços dos seus fornecedores, pode subir para 80 ou mesmo 100 kwanzas. Augusto Capacata e Manuel Couto trabalham ambos como comerciantes de água em camiões-cisterna e, apesar de cada um ter o seu tempo de experiência na actividade, partilham a mesma rotina: levantar de madrugada para vender água sem saber a que horas regressam a casa. Ambos revelaram que a rotina se torna mais difícil na época chuvosa e quando há dificuldades para conseguir abastecer as cisternas nas girafas da EPAL, que durante um determinado período estiveram paralisadas. “A procura pelo precioso líquido é considerável”, afirmam os camionistas que têm de embraiar com força para meter as mudanças na caixa e seguir viagem

em direcção aos bairros mais precários de Luanda, sobretudo os do município de Belas. Para abastecer uma viatura, com a capacidade de 20 000 litros de água, pagam aos fornecedores autorizados (vulgos girafas) 6.000 kwanzas por cada carregamento, sendo que o consumidor final paga 1.000 kwanzas por cada 1.000 litros, enquanto os vendedores de água em motorizadas de três rodas, vulgos “caleluias”, cobram entre 3 500 e 4 500 kwanzas por cada 1 000 litros de água potável. Feitas as contas, no final de uma semana de trabalho, os “homens das picadas” apresentam aos proprietários dos camiões cerca de 100 000 kwanzas (o equivalente a 20 000 kwanzas/dia). Já o “ajudante prático” (jovem com noções básicas de condução e mecânica) arrecada pelo seu trabalho cerca de 10 000 kwanzas por semana (40 000 kwanzas/mês). Os motoristas dos camiões-cisterna, por sua vez, podem levar como lucros da actividade entre 30 000 e 40 000 kwanzas por semana, dependendo da procura e de eventuais despesas com a viatura, que normalmente fica sob sua responsabilidade (combustível, pneus, peças sobressalentes...), o que, para os motoristas, constitui uma certa “dor de cabeça”. Durante um mês de trabalho, cada motorista de cisternas de até 20 000 litros de capacidade pode facturar cerca de 160 000 kwanzas. Com mais de 20 anos de experiência no “negócio da água”, Manuel Couto garantiu que tem sustentado a família com a venda deste produto, e que não faltam “solicitações” para abastecer tanques, sobretudo nas zonas da periferia de Luanda. “As coisas agora estão regularizadas”, diz Manuel Couto, referindo-se ao bom funcionamento das girafas ao nível da província de Luanda, sendo que houve “um período de muita carência de água” pelo facto de a maioria dos pontos de abastecimento do precioso líquido ter sido “temporariamente encerrado”. Augusto Capacata, por outro lado, reconhece que, por esta razão, tem havido muita “especulação de preços” e venda de “água imprópria para o consumo humano” por parte de muitos camionistas. “Para estes colegas é necessária uma punição severa”, defendeu, salientando que é “desumano” e que é necessária uma maior fiscalização dos órgãos competentes. texto Cláudio Gomes, em Angola Fotografia istockphoto e Carlos Aguiar

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NOVOS ÂNGULOS

Da Occidental à Total. Porque nada é acidental na Península oriental Pedro Cativelos • Director Executivo da Economia & Mercado dizem-nos as notícias que a petrolífera francesa Total pagou cerca de 3,9 mil milhões de dólares pelos activos da Anadarko em Moçambique (participação de 26,5% que era detida pela Anadarko no projecto Mozambique LNG), um negócio feito com a norte-americana Occidental que antes tinha, ela própria, adquirido a maioria do capital da Anadarko. A Total chegou a acordo com a Occidental, a 3 de Maio deste ano, tendo garantido os activos da Anadarko em África (Moçambique, Argélia, Gana e África do Sul), onde se está a posicionar fortemente. Foi, aliás, no país vizinho que, de resto, anunciou em Fevereiro passado, uma descoberta de “classe mundial” em águas profundas, a 175 quilómetros da costa sul, de mais de mil milhões de barris de petróleo. As notícias da descoberta chegaram numa altura em que a Total superou as expectativas de lucro, no último trimestre de 2018, que aumentou 10% no quarto trimestre para 3,2 mil milhões de dólares, tendo o lucro total aumentado 28%, para 13,6 mil milhões de dólares. Um ano de riqueza anual em Moçambique, como lucro de um exercício é, diga-se, qualquer coisa. E os números continuam a impressionar. Ao nível da produção, que aumentou 8%, com 2,8 milhões de barris por dia, enquanto o fluxo de caixa cresceu 18%, com 26,1 mil milhões de dólares. E também nos investimentos, 16 mil milhões estão programados até ao final deste ano. Sendo que estes 3,9 mil milhões já entram nesta factura. “O projecto Mozambique LNG é um activo único que corresponde à estratégia e reforça a nossa posição em matéria de GNL”, disse Patrick Pouyanné, presidente e director-executivo da Total que acrescenta, numa nota enviada à imprensa, o “total empenhamento” num projecto do qual promete retirar “o máximo partido das capacidades humanas, técnicas, financeiras e de marketing da Total para reforçar ainda mais a sua execução.” E garante também que tudo o que está para trás é para aproveitar. “É certo que se irá trabalhar nas bases estabelecidas pelo anterior operador e pelos respectivos parceiros com vista a implementar o projecto no melhor interesse de todas as partes envolvidas, incluindo o Governo e o povo moçambicano”, sublinhou. Este é, na verdade, um bom negócio para todas partes envolvidas. Para a compradora, nesta altura o segundo maior

player mundial de GNL, com uma produção de cerca de 40 milhões de toneladas por ano e uma quota de mercado mundial de 10%, o “risco é mínimo” num projecto que tem quase 90% da produção já vendida, através de contratos de longo prazo com grandes compradores asiáticos e europeus. Para a vendedora, a Occidental, que amortiza no imediato uma parte do investimento efectuado com a compra da Anadarko por 55 mil milhões de dólares, numa altura em que, para iniciar o plano de desenvolvimento da Área 1, teria de avançar com 23 mil milhões de dólares para instalar as unidades offshore, 40 quilómetros de tubagens e construir uma nova fábrica de liquefacção em Afungi, no distrito de Palma. Naturalmente, prefere canalizar os seus recursos para a Bacia Permiana, a maior zona de exploração de petróleo de xisto no mundo, essa sim, a grande aposta da Occidental. Depois, é também um bom negócio para o Eximbank, o Banco de Exportações e Importações dos EUA que aprovou o empréstimo de 5 mil milhões de dólares para a construção da fábrica de GNL de Afungi, um investimento que irá “impulsionar o crescimento económico, criar empregos e aumentar as receitas fiscais de Moçambique, ao mesmo tempo que apoia milhares de empregos nos EUA”, refere uma nota da Embaixada norte-americana em Maputo. Para o Conselho de Administração Exim, este é um investimento “estratégico e transformador para o crescimento económico de Moçambique.” Acredita-se que, apesar de só mencionarem os ganhos para o país, também seja um bom negócio para o próprio banco. Outro ganhador... Por fim, também para Moçambique, esta operação é positiva, uma vez que, ao que tudo indica, irá receber mais valias de 880 milhões de dólares, provenientes da transacção. Em paralelo, e com os ataques na região num crescendo que dura há quase dois anos, o consórcio da Área 4, liderado pela norte-americana ExxonMobil, anunciou que pretende contratar empresas para construção de quartéis do exército e da polícia em dois locais na península, tendo já aberto um concurso público para esse efeito. Caso para dizer que, quando se trata de recursos naturais, tudo é negócio, mesmo a instabilidade. Ou especialmente a instabilidade. É assim que nada, mesmo nada, parece acidental na oriental Península do Norte.

Também para Moçambique esta operação é positiva, uma vez que, ao que tudo indica, irá receber mais valias de 880 milhões de dólares

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ócio

(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio

60 Desta vez, a sugestão de Escape leva-nos até ao Parque Nacional de Chitwan, no Nepal

g

e 62 À descoberta do novo Nom e da geografia dos sabores

63 Uma degustação de limoncellos e outros licores que convém mesmo conhecer


Nepal Parque Nacional de Chitwan Subarnapur, Nepal +977 981-4380807

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Parque Nacional de Chitwan Uma ode aos elefantes começamos a nossa viagem

por Katmandu, a capital do Nepal, porque a isso a logística de viagem nos obriga. Mas embora seja uma obrigação, é um excelente aperitivo para nos ambientarmos à cultura nepalesa, podermos ver ao longe o Evereste e sentir o pulsar dos montanhistas que aí preparam a difícil subida ao monte. Mas vamos rapidamente para o que realmente nos trouxe ao Nepal: o Parque Nacional de Chitwan. Considerada a reserva natural mais bem conservada da Ásia, o parque tem uma área total de 932 km2, fica situado no sopé dos Himalaias e é o mais antigo Parque Nacional do Nepal, fundado em 1973 e considerado Património Mundial da UNESCO desde 1984. Em Chitwan — onde os elefantes são usados de forma

exemplar, tendo mesmo a aprovação e o elogio de várias organizações mundiais de direitos dos animais como um exemplo a seguir —, além dos animais selvagens, existem dois tipos de propriedade sobre os elefantes domados: os do Estado, que são usados para controlo da caça ilegal no parque; e os privados, que estão afectos ao turismo. E é aqui que a nossa verdadeira viagem começa. O momento mais emocionante em Chitwan tem início quando subimos a um estrado que está em cima do elefante e partimos para dentro da selva à procura de podermos ver a invulgar vida selvagem que Chitwan nos oferece. A primeira reacção é um misto de emoções: estamos em cima de um animal com quase três metros de altura, que parece lento pela

sua “pachorrice”, mas que depressa percebemos que é muito mais veloz do que parece — é num instante que saímos do centro da aldeia e chegamos a um pântano, que mais parece uma estrada tal a facilidade com que o nosso “anfitrião” caminha pela lama e pela água e passa pelo meio de arbustos da sua altura, que pisa, tal como nós pisamos, a relva. Silêncio absoluto é o que nos pedem os guias logo no início da jornada que estamos prestes a fazer. E o resultado dessa acalmia logo surge: à nossa frente o majestoso rinoceronte asiático! Uma visão estrondosa que guardamos na memória. A sensação é única… A facilidade em observar todos estes animais deve-se ao facto de estarmos montados num elefante, que por ser um animal que não tem, por norma, uma atitude de confronto com outros animais, estes permanecem calmos e

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não fogem – o que aconteceria num qualquer outro safari feito em veículos motorizados – apesar de estarem perante uma presença tão imponente, sendo que esta viagem de elefante fica ainda mais enriquecida devido ao facto de, na maior parte das vezes, estarmos a escassos metros dos animais selvagens. a importância de escolher bem

Estas actividades lúdicas e turísticas com elefantes permitem não só o financiamento para a manutenção do Parque Nacional, como também o controlo dos caçadores furtivos. É por esta razão que, hoje, Chitwan é o único parque no mundo onde muitas das espécies que estão ameaçadas crescem em número e vivem tranquilamente num ambiente natural. O problema da exploração dos elefantes para actividades turísticas, que muitas vezes resulta em maus tratos, é um debate actual. Contudo, as actividades que existem em Chitwan são consideradas por muitos como as menos más quando comparadas com as que existem noutros locais, principalmente no continente asiático, onde os elefantes são tratados de forma desumana. Por esta razão, aconselhamos que faça uma boa pesquisa na hora de escolher um operador para o safari, de forma a garantir que esse operador proporciona o maior bem-estar possível aos animais. Tendo esta questão em mente, e de acordo com a nossa experiência de viagens pelo mundo, podemos assegurar-lhe que, se está a pensar em andar de elefante, o Parque Nacional de Chitwan é, provavelmente, o melhor lugar, onde existe uma forte consciência e preocupação com o bem-estar dos animais e consciência ambiental. Por isso, aproveite, pois esta é uma experiência para a vida! texto Gordon Light, no Nepal fotografia Vasco Célio

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O Parque Nacional de Chitwan é o mais antigo do Nepal e é considerado Património Mundial da UNESCO desde 1984 Roteiro Como ir

Não existem voos directos de Maputo para Katmandu. Assim, poderá voar com a South African Airways de Maputo para Joanesburgo, daí para Doha e de Doha para Katmandu, numa viagem de cerca de 20h. Preços a partir dos 70.000 Mzn. Chegando a Katmandu, terá de fazer uma viagem de autocarro de cerca de 6h30 até Sauraha, região onde se localiza o Parque Nacional. Onde dormir

Pode ficar no Chitwan Jungle Safari (www.chitwanjunglesafari. com), com preços entre os 120 USD, para um dia de Safari, até aos 250 USD, para três dias e com dormida na selva. Outra opção é ficar nos lodges do Tiger Tops (www.tigertops. com), preços sob consulta, onde também é possível marcar vários tipos de passeios, inclusive de elefante. Onde comer

A melhor opção é comer no restaurante do lodge onde ficar hospedado.

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Nom

Rua Chuindi, 45 Maputo

+258 84 922 4673 Aberto das 16h às 23h

g para os verdadeiros amantes

das artes gastronómicas, o ritual da degustação é algo que está muito para além de uma mera experiência sensorial (por muito extraordinária que ela possa ser). Mesmo quem não leu Marcel Proust, Manuel Vázquez Montalban, Eça de Queiroz ou Andrea Camilleri (entre tantos outros escritores que aqui poderíamos citar), sabe como a comida tem também o poder de evocar memórias, afectos, encontros e lugares. Mas se existe um traço comum entre os genuínos apreciadores dos prazeres da mesa é a sua incondicional disponibilidade para partir à descoberta dos sabores sabendo, consciente ou inconscientemente, que esse apetite vital reflecte uma abertura ao mundo, aos outros, à diferença e constitui também um exercício de auto-conhecimento. Estas observações vêm à mente a propósito do novo espaço que recentemente abriu na cidade de Maputo: o restaurante Nom. E isto porque

Nom, viajar pela geografia a sua proposta gastronómica apela a uma viagem por sabores que reflectem culturas diversas e estilos culinários variados. Começando pelas entradas, destacamos a Tábua de Mezze. Para quem já esteve na Turquia (ou, de modo mais abrangente, na região do Mediterrâneo oriental), sabe do que se trata. É um conjunto de entradas para se ir “picando” antes do prato principal. Em Istambul é frequente esta “tábua” incluir, por exemplo, o hellim, um queijo elástico excelente, o tulum, um queijo de ovelha, iogurte, azeitonas, börek (empadas de massa filo com carne ou queijo), a dolma (folhas de videira recheadas com carne e frutos secos) e o incontornável húmus, à base de grão-de-bico. A versão do Nom é uma opção interessante que vale a experiência. Outra entrada que sugerimos é o Ceviche de Garoupa. O ceviche, cebiche ou seviche é um pra-

um traço comum entre os apreciadores da mesa é a sua disponibilidade para a descoberta

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to de origem peruana baseado em peixe cru marinado em sumo de limão ou outro cítrico. Outras opções nas entradas incluem: Amêijoas com coco e gengibre, Caldinho de Feijão com enchidos e o Beef Koftas (muito presentes na gastronomia dos países que resultaram da implosão do antigo Império Otomano, numa extensão que cruza o norte de África, passa pelos Balcãs e atravessa o Médio Oriente até ao Irão, os Koftas — também conhecidos por Kufta, kafta, kofteI, ktsitsot ou Cafta — são uma espécie de almôndegas ou salsicha, feitos à base de carne de bovino e borrego, misturados com várias especiarias, alho, cebola e salsa). Continuando nesta viagem multicultural, agora pelos pratos principais, encontramos o Caril de Korma (o korma tem origem no subcontinente indiano mas encontra-se também muito difundido noutras regiões que podem ir do Azerbaijão à Turquia), a Apa mexicana, o Bacalhau com natas e batata doce, as Ribs (costelas) com arroz birmanês e as Noodles com camarão e legumes. Embora todas estas

dos sabores propostas sejam interessantes e mereçam prova, a nossa sugestão vai para o Bife Wellington. Conhecido por ser um prato típico inglês (reza a história que ele foi “concebido” para celebrar a vitória do Duque de Wellington sobre as tropas de Napoleão na famosa batalha de Waterloo) há, porém, quem ponha a hipótese dos ingleses se terem, de facto, “apropriado” de uma receita francesa (o filet de bœuf en croute). Independemente das variações “criativas” propostas por diferentes chefs, a receita tradicional consiste num bife coberto com foie gras e/ ou duxelles (um preparado de cogumelos paris, chalotas e ervas) que é assado envolto numa crocante cobertura de massa folhada. Para terminar, o Nom propõe várias sobremesas com destaque para as tartes (maçã ou chocolote), o cheesecake e a mousse de chocolate. texto rui Trindade fotografia Jay Garrido

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os licores conservaram a supremacia nas preferências de milhões de consumidores

Limoncellos

Villa Massa paÍs Itália Região Sorrento Cor Amarelo intenso com tons esverdeados Aroma Casca de limão fresco e intenso com notas de mel e caramelo Sabor Textura cremosa, doce, macio, aveludado Teor alcoólico 30%

Limontejo Limoncello do Alentejo País

Portugal Região

Alentejo Casta

Densa, amarelo esverdeado, brilhante. Aroma

Limão fresco, natural e suave. Aroma

Limoncello di Capri paÍs Itália Região Capri Casta Pinotage Cor Amarelo intenso e brilhante Aroma Limão intenso e encorpado sabor Doce e equilibrado Teor alcoólico 32%

Licor Flor de Sabugueiro paÍs Portugal Região Covilhã Cor Amarelo suave Aroma Florais e herbáceos intensos sabor Início doce com final cítrico e ácido Teor alcoólico 19% www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

Doce no início, segue-se uma explosão de limão fresco e ligeiramente amargo que o doce depois acalma. Teor alcoólico

30%

e outros licores

que importa conhecer se nos ativermos apenas àqueles licores que

têm as frutas frescas como ingrediente básico, podemos, sem dificuldade, identificar alguns casos que se tornaram marcas de referência internacional. Quem conhece ou experimentou, por exemplo, um Cointreau ou um Grand Marnier não o pode dissociar do sabor da laranja. Se pensarmos em maçãs, teremos de considerar, inevitavelmente, toda a variedade de Calvados. Mas se a nossa preferência é o sabor do limão não existe melhor alternativa ao famoso, único e inimitável limoncello. É um licor doce de limão siciliano produzido no Sul da Itália. Surgido entre os finais do século XIX e o início do século XX, a sua verdadeira origem é objecto de disputa entre as regiões de Sorrento, Amalfi e Capri. Durante muito tempo, o limoncello era sobretudo apreciado como um aperitivo ou digestivo após as refeições (servido sempre bem gelado). Mas, mais recentemente, começou também a ser muito apreciado em cocktails e usado na confeitaria. Se quiser experimentar um limoncello de superior qualidade, uma boa sugestão será, sem dúvida, o “Villa Massa”, o primeiro e mais famoso limoncello do mundo, produzido na região de Sorrento. No entanto, existem múltiplas outras opções de qualidade. Incluindo os produzidos fora de Itália. É o caso do “Limontejo”, o primeiro verdadeiro limoncello a ser comercializado em Portugal. Utilizando os limões naturais da região do Alentejo e feito de uma forma artesanal, segue a receita tradicional e pode constituir uma excelente forma de ficar a conhecer o prazer de beber um limoncello. Portugal tem, aliás, vindo também a distinguir-se internacionalmente na produção de licores (e aguardentes). No passado mês de Julho, três licores e aguardentes produzidos pela ZIMBRO obtiveram a Medalha de Bronze na International Wine & Spirit Competition 2019. Foram eles: a Aguardente de Cereja do Fundão – Kirsch, o Licor Flor de Sabugueiro e o Refugees Rum – Blending. Todos eles merecem uma atenção especial mas, no âmbito das sugestões que propomos nesta edição, importa fazer uma menção ao Licor Flor de Sabugueiro: de aromas florais e herbáceos intensos, o Licor Flor de Sabugueiro, perfeito para integrar cocktails ou mesmo para se tomar puro com gelo.

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música filmes livros

• em destaque The Sound of Masks (A Dança das Máscaras), de Sara Gouveia

Exposições

Black Mother (EUA) - Khalik Allah

Colab NowNow Apresentação dos trabalhos da residência criativa organizada pelo British Council em parceria com o MFF (Moçambique) e o Fak’ugesi African Digital Innovation Festival (África do Sul)

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 14 de Outubro Hora: 19h

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 10 de Outubro Hora: 20h30

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 16 de Outubro Hora: 17h

Memórias de uma Língua de Cão Instalação imersiva de Marilú Mapengo Námoda Curadoria: Élia Gemuce

Concertos

Centro Cultural Brasil-Moçambique Dia: 11 de Outubro Hora: 18h KSuper-Heróis: Banda Desenhada e Videojogos de África Curadoria: MFF (Moçambique)/ Comexposed (Zimbabué)

Camões – Centro Cultural Português Dia: 22 de Outubro Hora: 18h

Cinema

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FILMinhos (Moçambique Movimento e Migração (curtas-metragens)

Muave - Performance multimedia com António Jorge Gonçalves, Chris Born, João Roxo e Nandele Maguni

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 10 de Outubro Hora: 18h30 Válvula - Palestra - concerto em torno da história do graffiti com António Jorge Gonçalves (desenho digital) e LBC Soldjah (voz e música)

Fundação Fernando Leite Couto Dia: 12 de Outubro Hora: 19h

O documentário “The Sound of Masks” (“A Dança das Máscaras), de Sara Gouveia, vai ter a primeira apresentação pública em Moçambique durante o MFF 2019. Tendo como personagem central Atanásio Nyusi, um contador de histórias e dançarino de Mapiko, o documentário leva-nos através de uma viagem que cruza o limiar entre o real e o imaginário e que entrelaça a política do passado colonial de Moçambique com o seu presente. O documentário, que combina material de arquivo e sequências de dança contemporânea, estreou no final do ano passado no Festival Internacional de Cinema Documental de Amesterdão (Holanda). Nascida em Portugal mas a viver há vários anos em Cape Town – onde co-fundou a Lion Fish Productions – Sara Gouveia é responsável pela produção e realização de inúmeras curtas-metragens (documentários), campanhas internacionais e videos musicais.

Música Menina do Bairro Assa Matusse Convidados: Mingas e Duduzile Makhoba

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 3 de Outubro Hora: 20h30 Projecto Conexão Performance multidisciplinar Rosa Mário, Mário Cumbana e Gonga

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 23 de Outubro Hora: 19h Alambique em Concerto

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 25 de Outubro Hora:20h30

Música Poesia Mentoria: Celso Muianga

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 22 de Outubro Hora: 18h Desenho de Figura Humana Mentoria: Luis Santos

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 24 de Outubro Hora: 17h

Entre Eu e Deus (Moçambique) Yara Costa

O Meu Não-Lugar Performance de Cláudia Mahota, Elias Ossman and Ludmila dos Reis

Desenho com aparo de tinta Mentoria: Sara Carneiro

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 14 de Outubro Hora: 17h

Fundação Fernando Leite Couto Dia: 12 de Outubro Hora: 19h

Centro Cultural Franco-Moçambicano Dia: 29 de Outubro Hora: 17h www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019


MFF 2019

Fundação Fernando Leite Couto Outubro

MFF 2019, um mês dedicado este ano, a 4ª edição do

MAPUTO FAST FORWARD (MFF) vai ter lugar entre 10 de Outubro e 10 de Novembro de 2019. O programa desta edição inclui uma Conferência Internacional, várias exposições, filmes, a residência artística internacional Colab NowNow, concertos, performances, workshops e uma série de encontros e debates. Tal como em anos anteriores, o MFF 2019 irá desenrolar-se em vários espaços da cidade de Maputo e conta com a colaboração de um número alargado de parceiros. O tema do festival deste ano — Life Design: Identidade & Mobilidade no século XXI — vai estar particularmente em foco na Conferência Internacional que se realiza na Fundação Fernando Leite Couto a 10 e 11 de Outubro. Oradores provenientes de Moçambique, do Quénia, da África do Sul, de Portugal, do Reino Unido e dos EUA vão participar nesta conferência cujo objectivo é debater

à criatividade e à inovação algumas das questões mais prementes relacionadas com a identidade e a mobilidade no mundo actual. A abertura do MFF 2019 será ainda marcada por um evento especial, a 10 de Outubro, no Centro Cultural Franco-Moçambicano onde o destaque vai para o concerto MUAVE - uma performance multidiciplinar com Nandele Maguni (música), Chris Born (sound design), João Roxo (video e cenografia) e António Jorge Gonçalves (desenho digital em tempo real) – e a abertura da exposição com os trabalhos produzidos durante a residência artística internacional Colab NowNow. Esta residência, uma iniciativa do British Council em parceria com o MFF e o Fak’ugesi African Digital Innovation Festival (África do Sul), contou com a participação de artistas e storytellers da Tunísia, Egipto, Tanzânia, Uganda, Moçam-

O tema do MFF deste ano é ‘Life Design: Identidade & Mobilidade no século XXI’ www.economiaemercado.co.mz | Outubro 2019

bique, África do Sul, Malaui, Reino Unido, Nigéria e Gana. Outro destaque desta edição é a estreia em Moçambique do documentário de Sara Gouveia “The Sound of Masks” (“A Dança das Máscaras”). Do programa das exposições incluídas no MFF 2019, cumpre referir “Super-heróis: Banda Desenhada e Videojogos de África”. Produzida pelo MFF em parceria com o festival Comexposed (Zimbabué), esta exposição mostra os trabalhos de sete estúdios criativos da Nigéria, Gana, Zâmbia e Zimbabué. A exposição irá inaugurar a 22 de Outubro no Camões – Centro Cultural em Maputo. Outras exposições a merecerem uma atenção especial são “Memórias de uma Língua de Cão” de Marilú Mapengo Námoda, uma instalação imersiva em torno das questões da língua e identidade, e “Futurar – Projectos de Identidade Visual para a Cidade de Maputo”, exposição que mostra o trabalho de dez jovens designers realizado no âmbito de um projecto do MFF com a Design Talk.

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Porsche Taycan turbo s Potência máxima de 560 kW - 761 CV Acelera dos 0 aos 100 km/h em 2,8 segundos Autonomia 412 Km Preço 200 mil dólares

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Porsche Taycan, O primeiro carro o primeiro modelo eléctrico da Porsche foi exibido, simultaneamente, em três continentes e, para sublinhar, de forma clara, a sua opção pelas “energias limpas”, as apresentações decorreram em locais ligados ao novo mundo das energias alternativas. A apresentação principal decorreu em Berlim, na Alemanha, junto a um gigantesco parque de geração solar. Para o público dos EUA, o evento teve lugar nas cataratas do Niagara – que produzem cerca de 4,9 milhões de kW –, enquanto os chineses conheceram o primeiro eléctrico da Porsche no centro de uma enorme central eólica nos arredores de Fuzhou. O simbolismo não poderia ser mais óbvio: a marca alemã quis deixar bem expressa a ideia de que, num futuro próximo, as baterias do Taycan serão recarregadas exclusivamente a partir de fontes renováveis. A apresentação foi feita com base em dois modelos: o Porsche Taycan Turbo e o Porsche Taycan Turbo S, “os líderes da Porsche E-Performance e os mais potentes modelos de

eléctrico da marca alemã produção” da actual gama da marca. Versões menos potentes destes modelos de tracção integral surgirão ainda este ano e a primeira derivação a ser adicionada será o Taycan Cross Turismo, com a Porsche a apontar para um investimento de 6 mil milhões de euros em mobilidade eléctrica até 2022. O Turbo S é a versão de topo do Porsche Taycan, agora em estreia, com uma potência máxima de 560 kW (761 cv), enquanto a versão Turbo chega até 500 kW (680 cv). O Taycan Turbo S acelera dos 0 aos 100 km/h em 2,8 segundos (e 9,8 dos 0 aos 200 km/h), enquanto o Taycan Turbo chega aos 100 km/h em 3,2 segundos. O Turbo S tem uma autonomia de até 412 quilómetros. A velocidade máxima de ambos os modelos de tracção integral – com um motor eléc-

trico em cada eixo e uma inovadora transmissão de duas velocidades desenvolvida pela marca – é de 260 km/h. O Taycan é o primeiro veículo de produção com uma voltagem de 800 V (ao invés dos habituais 400 V para automóveis eléctricos), sendo que a bateria pode ser recarregada em apenas cinco minutos. Em termos de design, os modelos mantêm o essencial do que já tinha sido revelado aquando da apresentação, em 2015, do protótipo (então designado Mission E). Tirando o facto de as portas traseiras terem desaparecido, quase tudo o resto permanece idêntico. Com 4,963 m de comprimento e 1,966 m de largura, o Taycan dispõe de dois compartimentos para bagagens: um com 81 litros à frente e outro com 366 litros, na parte traseira.

A apresentação decorreu em Berlim, na Alemanha, junto a um gigantesco parque de geração solar

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