Entrevista Luís Magaço fala do caminho para o alcance da competitividade cambial Dívida África tem uma dívida externa que não pára de crescer Educação O plano Estratégico para a educação 2020-2029 que agora se inicia no país
Para onde vai o metical?
Da desvalorização dos últimos meses à valorização esperada com a entrada dos mega investimentos do gás. Os perigos do sobe e desce cambial
SETEMBRO 2020 • ano 03 no 29 • 15/09 - 15/10 Versão ePaper
moçambique
especial covid-19 agências humanitárias alertam para a iminência da fome no país
Sumário 6
Observação
Crise humanitária A imagem do agudizar do caos económico, social e político no Mali após o Golpe de Estado em Agosto
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Radar
Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País
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59 ócio
60 Escape Uma viagem até ao Arquipélago de Bazaruto 62 Gourmet É a vez de saborear as delícias do Ficka, na baixa de Maputo 63 Adega A tequila de George Clooney 65 Arte Afrocinemakers, a vontade de jovens moçambicanos em conquistar o mundo do cinema 66 Ao volante do Lister Stealh, o SUV mais rápido do mundo
ESPECIAL COVID-19
Insegurança alimentar Consequência da pandemia, a África Austral e Moçambique estão à beira da subnutrição
24 nação que resultados trará a queda do metical? 24 Desvalorização Estudiosos e Banco Central divergem quanto à gravidade do fenómeno na estabilidade futura 30 Risco cambial Economistas minimizam efeitos da desvalorização, mas temem a ‘Doença Holandesa’ 34 Entrevista Luís Magaço critica postura do Banco de Moçambique na gestão da Política Monetária
40 mercado e FinanÇas Contas Públicas Execução do Orçamento do Estado no primeiro semestre faz prever incumprimento da meta anual
46 eMPRESAS
50 SOCIEDADE Educação Paul Gomis, representante da UNESCO, revela as linhas gerais do Plano Estratégico para a Educação
Output Tech Solutions Da curiosidade e amor pela tecnologia nasceu um negócio que permite poupar custos de energia
48 Megafone Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora
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lÁ fora
A Dívida de África Uma reflexão sobre os riscos de uma (quase perpétua) dependência em relação à ajuda externa
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Editorial
Da queda do metical ao regresso à normalidade
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Celso Chambisso •Editor da Economia & Mercado á três anos que o metical se tinha estabilizado na casa dos 60 meticais por unidade de dólar, depois de uma das piores taxas de desvalorização da História, registada entre 2015 e 2016, em resposta a uma combinação de eventos internos e internacionais desfavoráveis à estabilidade macroeconómica. Desta vez, mesmo que ainda não se tenha atingido a dimensão daquela crise – cujo salto no valor cambial do dólar foi de 30 para perto de 80 meticais – a História parece estar prestes a repetir-se: desde o início do ano, a moeda nacional vem perdendo terreno de forma contínua. De uma cotação média em torno de 62 meticais por cada dólar em Janeiro, segundo as taxas de câmbio de referência do Banco Central, actualmente o dólar está acima dos 72 meticais. Nesta edição, a E&M procura abordar o fenómeno da desvalorização do metical indo além do primeiro olhar que remete, óbvia e invariavelmente, para o encarecimento das importações e estímulo às exportações a si associado. Esta discussão, em toda a sua dimensão, obedece a uma sequência de artigos suportados por pesquisas e entrevistas a estudiosos e agentes económicos que lidam com o mercado cambial na sua actividade produtiva, os quais, para já, divergem quanto ao grau de risco que este cenário representa para a estabilidade nos próximos tempos. É oportuno lembrar que não é apenas a estabilidade cambial do metical que está em análise nesta edição. É também levantada a possibilidade de falhanço das metas de execução do Orçamento do Estado do presente ano, assunto abordado na secção “Mercado e Finanças”. E porque um dos temas da actualidade é o ansiado regresso à normalidade, caminho que Moçambique já começou a traçar, a UNESCO apresenta, nesta edição, um projecto que poderá conferir eficácia ao já iniciado processo de retorno às aulas. É também no contexto do gradual regresso à vida normal que a presente edição fica marcada pela devolução da E&M às mãos do leitor no formato físico, depois de cinco edições de interregno em respeito às imposições da Covid-19. Esta decisão não é fruto do acaso. Vem na sequência do alívio às medidas de prevenção da pandemia, com a recente declaração do Estado de Calamidade Pública pelo Presidente da República, a vigorar a partir de 7 de Setembro corrente e por tempo indeterminado, ao fim de exactos cinco meses restrições. Comprometida com a causa da prevenção da covid-19, a E&M continuará atenta à evolução da situação no País e no mundo, pelo que mantém o acesso à revista nas diferentes plataformas digitais, nomeadamente a App que disponibilizamos gratuitamente e através da newsletter enviada mensalmente para toda a nossa base de leitores, assinantes e parceiros comerciais e institucionais.
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SETEMBRO 2020 MÊS ano • Nº 01 • Nº 29 DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos propriedade Executive Mocambique pedro.cativelos@media4development.com Liquatis nienis doluptae velitChambisso et magnis EDITOR EXECUTIVO Celso enis necatin nam fuga. Massacola, Henet exceatem JORNALISTAS Emídio Cristina seque Elmano cus, sumMadaíl, nis nam iu QuiMacambize, te nullant Freire, Rogério adisTrindade destiosse iusci re in prae voles Rui sant laborendae nihilib uscius sinusam PAGINAÇÃO José Mundundo rehentius eos resti dolumqui FOTOGRAFIA Mariano Silva dolorep reprem vendipid que ea et eumque non REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos nonsent qui Comercial officiasi Direcção Ana Esteves lorem ipsum Executive Mocambique ana.esteves@media4development.com Liquatis nienis doluptae velit et magnis conselho CONSULTIVO enis necatin nam fuga.Narigão, Henet exceatem Alda Salomão, Andreia António seque cus, sum nis nam iuDenise Qui teBranco, nullant Souto; Bernardo Aparício, adis destiosse iusci Henriques, re in prae voles Fabrícia de Almeida Frederico sant laborendae nihilib Iacumba uscius sinusam Silva, Hermano Juvane, Ali Aiuba, rehentius eosNarciso resti dolumqui dolorepSamo João Gomes, Matos, Rogério reprem vendipid que ea et eumque non Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini nonsent qui officiasi REDACÇÃO ADMINISTRAÇÃO, lorem ipsum Liquatis nienis doluptae E PUBLICIDADE Media4Development velitÂngelo et magnis enisChichava necatin nam Rua Azarias nº 311fuga. A— Henet exceatemMaputo seque cus, sum nis nam Sommerschield, – Moçambique; iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in marketing@media4development.com prae voles sant laborendae nihilib uscius IMPRESSÃO E ACABAMENTO sinusamPrint rehentius eos -resti dolumqui Minerva - Maputo Moçambique dolorep reprem que ea et Tiragem 4 500vendipid exemplares eumque non nonsent qui officiasi Propriedade dO Registo lorem ipsum Liquatis nienis doluptae Executive Moçambique velit et magnis enis necatin nam Exploração Editorial e fuga. Henet exceatem cus, sum nis nam Comercial emseque Moçambique iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in Media4Development prae volesde sant laborendae nihilib uscius Número Registo sinusam rehentius eos resti dolumqui 01/GABINFO-DEPC/2018 dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi lorem ipsum Liquatis nienis doluptae velit et magnis enis necatin nam fuga. Henet exceatem seque cus, sum nis nam iu Qui te nullant adis destiosse iusci re in prae voles sant laborendae nihilib uscius sinusam rehentius eos resti dolumqui dolorep reprem vendipid que ea et eumque non nonsent qui officiasi
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observação Mali, Agosto de 2020
O espectro de uma crise que tarda a cessar A junta militar que tomou o poder no Mali a 18 de Agosto passado, por via de um golpe de Estado, veio agudizar uma instabilidade que se arrasta desde 2012, e com repercussões alarmantes sobre a economia, dada a prolongada estagnação económica e os elevados índices de corrupção naquele país da África Ocidental. Mais grave ainda é a persistente ausência de sinais para a reconquista da paz e tranquilidade, mesmo com a intervenção de instituições multilaterais como a ONU. Na mais recente crise, por exemplo, a junta militar que tomou o poder e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) tentaram uma série de negociações que se arrastaram por vários dias, mas que não resultaram em qualquer acordo para a transferência de poder para os civis. As duas partes chegaram a afastar, nessas negociações, a reintegração do ex-presidente, Ibrahim Boubacar Keita, depois de este ter dito aos representantes da CEDEAO que já não queria governar, contrariando uma das exigências iniciais da organização regional e tornando ainda mais difícil o alcance de consensos. fotografia D.R
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RADAR Terrorismo ameaça deteriorar as finanças públicas O economista-chefe do Standard Bank, Fáusio Mussá, considera haver uma ameaça terrorista no Norte de Moçambique que pode prejudicar as finanças públicas, num momento em que a economia do País já sofre com os efeitos da pandemia de covid-19. “As ameaças associadas ao terrorismo na província de Cabo Delgado podem ter implicações negativas nas finanças públicas e intensificar as pressões sobre a balança de pagamentos”, escreve numa nota do banco. Segundo Fáusio Mussá, a situação “também poderá ter implicações ao nível da inflação, à medida que o metical se deprecia”. Não espanta, por isso, ainda de acordo com a análise, que o Banco Central tenha decidido “manter a sua taxa de juro de política monetária (MIMO) inalterada nos 10,25% para o resto do ano, com o mercado a praticar uma taxa de empréstimos (prime rate) de 15,9%, ainda elevada em termos reais, quando comparada com a inflação homóloga de Julho nos 2,8%”.
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ECONOMIA
primeiro passo na rentabilização da infra-estrutura”.
Pescas. O Porto da Beira, o maior porto de pescas de Moçambique, recebeu, recentemente, o primeiro navio de pesca que transportava 500 toneladas de carapau após a sua reabilitação. O projecto de reconstrução daquela infraestrutura custou 120 milhões de dólares. De acordo com o director do porto de pesca da Beira, António Remédio, “a embarcação com 119 metros de comprimento e 4,7 metros de calado, atracou e zarpou sem quaisquer contratempos. A operação foi, nas suas palavas, “um sucesso para a competitividade internacional e regional do porto e o
Negócios. De um universo de pouco mais de 89 385 empresas abrangidas por uma pesquisa sobre o impacto do Covid-19 nas empresas, o Instituto Nacional de Estatística (INE) constatou que 80 756 empresas, o correspondente a 90,4%, sofreram algum tipo de impacto devido à pandemia. Como consequência, pouco mais de 3,3 milhões de trabalhadores foram afectados, além de se ter registado uma quebra da facturação global das empresas na ordem dos 8 mil milhões de meticais. De acordo com o estudo, apresentado recentemente, no primeiro semestre, as empresas registaram 10,9 mil milhões de meticais em receitas, muito abaixo dos 18,6 mil milhões reportadas em igual período de 2019. Inhambane é a província onde mais empresas foram prejudicadas pela crise. De um total de 5 385 empresas avaliadas, 98,8% sofreram os efeitos da pandemia,
seguida da província de Gaza, com 94,8% das 5 414 empresas abrangidas pelo estudo a reportarem prejuízos. A pesquisa revela ainda que 100% das actividades de educação, artísticas, de espectáculos e de recriação foram afectadas.
Cooperação. A Confederação das Associações Económicas (CTA) – principal entidade patronal do País – considera haver potencialidades para a diversificação do leque de produtos que constituem a base das trocas comerciais entre Moçambique e a Índia. Segundo Castigo Nhamane, vice-presidente da CTA, que falava durante um fórum de negócios que juntou empresários dos dois países,
em Maputo, a castanha de caju e o feijão estão entre os principais produtos agrícolas que Moçambique exporta para a Índia, país que eliminou as taxas de exportação sobre produtos moçambicanos, com excepção de bebidas alcoólicas e tabaco. “Acreditamos que a Índia, sendo um país em desenvolvimento, pode ter um papel muito importante para ajudar a alavancar e dinamizar o sector privado moçambicano”, sublinhou. Na ocasião, o Alto-Comissário da Índia em Moçambique, Rajeev Kumar, manifestou preocupação com os raptos de empresários que tem vindo a acontecer no País como um obstáculo a remover para melhorar a atractividade do mercado. Insustentabilidade. O economista Egas Daniel defende que facto de a dívida moçambicana se situar na casa dos 122% do PIB tem como impacto directo o desvio de recursos que deveriam ser usados para o desenvolvimento do País. “A alta percentagem da www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
dívida sobre o PIB significa o desvio de recursos e o alto serviço da dívida acaba ditando a necessidade de financiamento do Orçamento do Estado, muitas vezes com recurso ao endividamento interno,” diz Daniel. Lembre-se que a dívida pública de Moçambique passou de 40% do PIB em 2013 para cerca de 120% agora, situação que, segundo alguns economistas, está a ter um impacto nefasto na vida dos moçambicanos. Num relatório recente sobre Riscos Fiscais, o Banco de Moçambique refere que a dívida pública continua acima dos indicadores de sustentabilidade recomendados para os países de baixo rendimento.
FMI. O Fundo Monetário Internacional (FMI) nomeou o brasileiro Alexis Meyer-Cirkel como novo representante-residente da organização em Moçambique, em substituição do seu compatriota Ari Aisen. Alexis Meyer-Cirkel desempenhou várias funções no FMI e integrou missões da organização em vários países, trabalhando em tópicos de política macroeconómica, sustentabilidade da dívida pública e análise do sector externo, refere a nota. Antes de se juntar àquela organização financeira internacional, trabalhou no Banco Central Europeu (BCE), Banco Central do Brasil, Morgan Stanley e Allianz Research. O novo representante-residente do FMI em Moçambiwww.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
que é doutorado em Economia pela Universidade de Goethe, Frankfurt, e é mestre em Estudos de Desenvolvimento pela London School of Economics. Alexis Meyer-Cirkel assume funções em Moçambique numa altura em que o FMI desapertou as restrições de apoio ao País.
EXTRACTIVAS Fundo Soberano. O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), uma das organizações moçambicanas da sociedade civil, vai apresentar, este ano, uma proposta técnica sobre a criação do fundo soberano. O CDD avança que, com o referido projecto de Lei, a sociedade civil moçambicana pretende persuadir o Governo e a Assembleia da República a alargar o leque de contribuições para a estrutura e o funcionamento do futuro fundo soberano. O projecto de Lei será criado pelo Estado para a gestão das receitas da indústria extractiva. Combustíveis. A Total Trading & Shipping (Totsa), uma subsidiária da francesa Total, vai, de facto, ser a nova importadora de combustíveis para o País, durante os próximos seis meses, a partir de Novembro próximo, na sequência do último concurso internacional lançado pela Importadora Moçambicana de Petróleos (IMOPETRO), para a contratação de firma para o efeito. “A Totsa foi definitivamente escolhida como novo fornecedor e já foi adjudicada”, anunciou o director-geral da IMOPETRO, João Macanja. A adjudicação da Totsa era previsível, por ter apresentado o preço médio mais baixo para importar diferentes combustíveis.
OPINIÃO
Ruralidade Versus Urbanidade: Dois Pólos Antagónicos ou Complementares? (II)
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Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique az sentido conectar o urbano à riqueza e ao bem-estar? A urbanização é reconhecida como um fenómeno transformador que acompanhou a expansão da Revolução Industrial, da modernização e do sistema capitalista, gerando um progresso incessante e uma prosperidade sem igual no contexto da globalização económica, do incremento tecnológico e da preponderância da alta finança internacional. A competição urbano-rural irá intensificar-se com a urbanização acelerada, dado que o anseio por uma vida aprazível, saudável e próspera ocorre tanto nas áreas urbanas como nas rurais, à medida que a concentração de pessoas aumenta nos centros urbanos. População urbana é aquela que tem a sua residência permanente dentro dos limites administrativos dos aglomerados humanos que são classificados como cidades e vilas. É frequente diferenciar o urbano do rural com base nos seguintes indicadores: (i) diferenças ocupacionais ou principais actividades em que se concentra a população economicamente activa; (ii) diferenças ambientais, em termos de importância da terra para a produção, contacto com a natureza e o ambiente; (iii) tamanho da população e densidade populacional; (iv) homogeneidade ou heterogeneidade da população, sob o ponto de vista sociocultural; (v) maior ou menor grau de diferenciação, estratificação e complexidade social, incluindo mobilidade social; (vi) direcção da migração; (vii) densificação institucional, presença de infra-estruturas socioeconómicas e qualidade e diversidade de serviços, e; (viii) delimitação político-administrativa. A urbanização deriva e origina efeitos principalmente positivos, porque é determinada pela melhoria e diversificação das infra-estruturas, melhoria das condições de vida e das oportunidades de trabalho, bem como da recreação, lazer e bem-estar social. Todavia, os problemas surgem quando a urbanização se concentra, de forma desequilibrada e desordenada, num pequeno número de áreas metropolitanas, sem condições de absorção dos novos imigrantes, nem oportunidades de emprego, habitação,
saneamento, segurança, entre outros. As cidades continuam a ser os espaços privilegiados e, por vezes, quase exclusivos, onde está presente: i) a capacidade tecnológica; ii) o aumento da produtividade e competitividade económica; iii) aperfeiçoamento dos canais de distribuição e logísticos; iv) serviços financeiros inclusivos, inovadores e de proximidade; v) novos segmentos e nichos de mercado inexplorados; vi) infra-estruturas sociais e de transporte e comunicações modernas e eficientes; vii) atractivo ambiente de negócios, e; viii) dispositivos de educação, ciência e inovação calibrados para responder às demandas do sector produtivo. Quando essas condições só estão presentes no pólo urbano, faz emergir a conotação pejorativa de olhar para o espaço rural como atrasado económica, social e culturalmente, e a necessidade de travar uma batalha para inverter a situação desvantajosa (Veiga, 2003; Lefebvre, 2002). Em 1950, apenas 29,6% da população mundial era considerada urbana, e em 2014 essa cifra subiu para 53,6%. Para 2030, projecta-se que 60% da população mundial viva em espaços urbanos, podendo em 2050 atingir 66,4%. No passado, a maior parte do crescimento urbano foi liderado pelos países desenvolvidos. Porém, estima-se que 90% do crescimento urbano global actual e nas próximas décadas tenha lugar no hemisfério sul, particularmente na Ásia e África. Por mais paradoxal que pareça, as áreas urbanas correspondem a menos de 1% da superfície da terra, albergam mais de metade da população mundial e geram 70-80% do PIB global. É hoje consensual que a transição urbana, ou seja, o processo de substituição de formas de vida rural ou camponês, caracterizado por assentamentos dispersos, por outro modo de vida, baseado em assentamentos concentrados, é um factor determinante para o progresso económico dos países e para o bem-estar das famílias e pessoas (Hansine & Arnaldo, 2019). José Forjaz (2004) refere que enquanto se mantiver a dependência que as zonas rurais têm em relação ao meio urbano, onde as decisões são tomadas e o “bolo nacional” é repartido, não poderá haver outra visão senão a de que o
Por mais paradoxal que pareça, as áreas urbanas correspondem a menos de 1% da superfície da terra, albergam mais de metade da população mundial e geram 70-80% do PIB global
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Em Moçambique, a população urbana cresce com muita rapidez e hoje situa-se em torno dos 34%
futuro do campo, onde a parte mais importante da riqueza nacional é produzida, passe exactamente por um equilíbrio de interesses desses dois âmbitos territoriais e sociais, acreditando que as cidades podem ser os motores do desenvolvimento rural, se forem devidamente enquadradas numa estratégia global de desenvolvimento equilibrado do país. É inegável que os centros urbanos absorvem parte significativa das capacidades, talento e recursos dos países. Todavia, eles continuam a depender do meio rural para uma parte importante da sua sobrevivência, quer em termos de comercialização da sua produção e dos serviços que prestam, quer porque necessitam do que o campo lhes fornece, tanto em géneros como em trabalho a baixo custo. Forjaz aponta que as nossas cidades são uma mistura de ruralidade e urbanidade, com largos segmentos da população sem qualquer das infra-estruturas, serviços básicos e organização administrativa que distinguem tradicionalmente a cidade do campo. Em muitos países africanos, o rural e o urbano são encarados como dois espaços distintos que representam dois universos. E, embora mantenham fortes relações entre si, caminham a velocidades bem diferentes e representam culturas e realidades diferenciadas, situação agudizada pela globalização que, de forma periférica e perversa, só se faz sentir nas principais cidades que, grosso modo, se afastam cada vez mais do mundo rural circundante. Em muitos espaços definidos como urbanos, não é fácil separar estes dois conceitos, em particular naquilo que se designa por bairros urbanos das periferias das cidades ou simplesmente bairros periféricos. Em 1975, a população urbana em Moçambique cifrava-se em cerca de 8%, tendo evoluído para 15% em 1980, e daí www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
para 25% em 1990 e para 29,2% em 1997, ou seja, quase duplicou em 17 anos. Actualmente, situa-se em torno de 34%. Importa realçar que nesse período, as cidades e vilas não cresceram em termos de construção definitiva nem de implantação de infra-estruturas socioeconómicas, tendo ocorrido à custa de processos de reclassificação urbana, sem que experimentassem significativas mudanças estruturais e infra-estruturais (Hansine & Arnaldo, 2019; Araújo, 2002). As características dos bairros periféricos das cidades moçambicanas são fundamentalmente rurais, os membros das famílias têm comportamentos rurais e dedicam-se maioritariamente à produção agrícola de pequena escala e a actividades correlacionadas com a agricultura – venda de insumos, aluguer de meios de preparação da terra, comercialização de produtos agrícolas, armazenagem, conservação e transporte, embalagem e agro-processamento. Está também ligada aos pequenos negócios e ao trabalho assalariado na “cidade de cimento, com moradias e prédios verticais”. A diferenciação dos espaços urbanos, que se distinguem em bairros urbanos, suburbanos e peri-urbanos, possuem traços muito fortes e distintivos, e incorporam nítidas diferenciações sociais, económicas e culturais. Aqueles que são considerados como indicadores físicos e económicos de urbanização degradaram-se substancialmente com o tempo. O crescimento da população urbana pode ser atribuído a cinco factores fundamentais: a) a guerra civil que assolou o País durante vários anos e que afectou, em particular, as áreas rurais, provocou um movimento demográfico da população rural em direcção às principais cidades, consideradas lugares mais seguros; b) em 1986, o Governo procedeu a uma alteração da divisão administrativa do País, que alterou as áreas territoriais
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OPINIÃO das cidades, ficando incluídas nestes amplos espaços rurais circundantes, sem que isso significasse a alteração das suas características em termos de ocupação do espaço, de produção e hábitos; c) as reformas da descentralização adoptadas na segunda metade da década de 1990 desencadeou a autarcização, que se iniciou com 33 municípios e evoluiu para os actuais 53, dentro de uma opção de gradualismo; d) o crescimento natural da população que reside nas cidades, e; e) o êxodo rural, principalmente dos jovens, procurando melhores oportunidades económicas e de emprego na cidade de Maputo e noutras cidades importantes do País, ou seja, pessoas que saem do campo não porque procuram vida boa e fácil nas grandes cidades, mas porque em algumas áreas rurais a vida é ainda difícil (Araújo, 2002; Valá, 2009). Todavia, há desafios relacionados com o planeamento e ordenamento territorial, e ao facto de a teoria da transformação da economia dual de Arthur Lewis (1955), baseada na transferência de excedente de mão-de-obra do campo para a cidade, para servir como força de trabalho nas indústrias e serviços e potenciando a urbanização, não ocorrer de forma linear e automaticamente em países como Moçambique, devendo ser antecedida pela transformação da agricultura tradicional através do reforço do capital humano e uso de novas tecnologias pelas famílias rurais (Schultz, 1964). Em alguns casos, a ruralidade ultrapassa os limites das áreas rurais, quando alguns seus traços estão presentes na cidade através da presença de hábitos, valores e práticas do campo. É interessante entender a estratégia de proximidade rural – urbana, em que os produtores agrários ficam nas proximidades das cidades, não só para atingir o mercado com mais facilidade, diminuindo os custos de transporte e facilitando o manejo de produtos perecíveis, mas também pela possibilidade de a família continuar no espaço que lhe garanta renda e, ao mesmo tempo, acesso aos serviços que a cidade proporciona. Ficando no inter-cruzamento entre as áreas rurais e urbanas, os moradores podem produzir culturas agrícolas, criar animais e seus derivados, e promover a agro-indústria, quer para o consumo familiar, quer como alternativa à falta de empregos nas cidades e geração de renda. Na verdade, já Ester Boserup (1965) havia sublinhado que a pressão demográfica tende a impulsionar a inovação tecnológica, particularmente no contexto agrário, estabelecendo uma ligação estreita entre crescimento populacional, desenvolvimento tecnológico e a necessidade de construção de estradas. Por outro lado, os assentamentos urbanos, pelo facto de serem concentrados, tendem a facilitar a provisão de bens e serviços e a oferecer mais oportunidades de emprego, educação, bem como de circulação e partilha de informação, a promoção de um mercado de consumo dinâmico e a geração de receitas fiscais. 1. Optar por uma estratégia para cada pólo ou alterar a doutrina de desenvolvimento económico adoptada? O fim do isolamento entre a cidade e o campo é frequentemente expresso pelo conceito de “continuum” rural-urbano que, como o da urbanização do campo, possui duas interpretações. A primeira corresponde a uma visão urbano-centrada (dicotómica), que privilegia o pólo urbano do “continuum” como fonte de progresso e dos valores dominantes que se impõem ao conjunto da sociedade. O extremo
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Os assentamentos urbanos, pelo facto de serem concentrados, tendem a facilitar a provisão de bens e serviços e a oferecer mais oportunidades de trabalho assalariado rural do “continuum”, visto como o pólo atrasado, tenderia a reduzir-se sob a influência avassaladora do pólo urbano desenvolvido num movimento comparado ao dos vasos comunicantes em que, por definição, um só, o urbano, se enche, enquanto o outro, o rural, só podia, consequentemente, esvaziar-se. Levada às últimas consequências, esta vertente das teorias da urbanização do campo aponta para um processo de homogeneização espacial e social, que se traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da própria realidade rural espacial e socialmente distinta da realidade urbana. A segunda interpretação, ao contrário da primeira, considera o “continuum” rural-urbano como uma relação que aproxima e integra dois pólos extremos. Nesta perspectiva, a hipótese central é que, mesmo ressaltando-se as semelhanças entre os dois extremos e a continuidade entre o rural e o urbano, as relações entre o campo e a cidade não excluem as particularidades dos dois pólos e, por conseguinte, não representam o fim previsível do espaço rural, mas tão somente que o “continuum” se situa entre o pólo urbano e o pólo rural, distinto entre si e em www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
intenso e dinâmico processo de mudança nas suas relações. Defendo que meio urbano não deve sobrepor-se ao rural, no sentido dicotómico dominante-dominado, rico-pobre, desenvolvido-subdesenvolvido, moderno-tradicional, iluminado-nas trevas, alfabetizado-ignorante, etc. A partir da altura em que for possibilitado ao campo ter as condições necessárias para que se viva e trabalhe dignamente nesse espaço, os cidadãos não terão mais de se deslocar para as grandes cidades em busca de serviços essenciais, como a saúde, educação, água, emprego, comércio, energia, cultura e lazer, bem como o tão sonhado exercício de cidadania que, na maior parte dos casos, nessas aventuras do deslocamento, vivem apenas o “pesadelo da grande cidade”, expresso por factores como a criminalidade, violência, contrabando, alcoolismo, prostituição, tráfico e consumo de drogas, negócios e actividades ilícitas e desemprego (Valá, 2009). A ruralidade deve ter referência em si mesma e não a partir da cidade, como se dela fosse um apêndice com dependência política e económica. O espaço rural não pode ser definido, unicamente, pela actividade agrícola, uma vez que se observa uma significativa redução de pessoas ocupadas na actividade agrícola em relação ao total de pessoas residentes no campo, e ao surgimento de uma camada de pequenos agricultores com outras fontes de rendimento. A ruralidade caracteriza-se por ser um conceito cuja natureza é territorial e não sectorial, como a noção do urbano. Assim, as cidades não são apenas definidas pelas indústrias e serviços, nem o campo exclusivamente pela agricultura. O valor do espaço rural está cada vez mais ligado a tudo www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
que o distingue do espaço urbano, num contexto em que se assiste a uma revalorização da ruralidade, em vez da sua supressão por uma suposta completa urbanização. A ruralidade não é uma etapa do desenvolvimento social a ser superada com o avanço do progresso e da urbanização. É preciso entender que não temos um rural que se urbaniza, mas sim um rural que se transforma permanentemente. É muito difícil dissociar o rural e o urbano, pois são espaços que se influenciam mutuamente pelas suas relações, formando assim o espaço geográfico uno. A identificação do rural e do urbano está muito dependente da intensidade das alterações realizadas pelo Homem no meio, através das técnicas, ou seja, maior ou menor grau de artificialização. Pode-se assumir que a cidade e o campo se entrelaçaram, pois enquanto a cidade se caracteriza pela artificialidade, trabalho e lazer, o campo distingue-se pela natureza, liberdade e beleza. É fundamental, no entanto, dar uma dimensão económica mais vincada para as áreas rurais, através de iniciativas como o PROMER, PROCAVA, SUSTENTA, entre outras, que permitam explorar plenamente o enorme potencial ainda dormente no campo e as pessoas que lá vivem usufruam de um crescente bem-estar. A ruralidade-urbanidade não são dois pólos antagónicos, mas para serem complementares precisam de ser encarados dentro de uma visão estratégica que parte da realidade existente e pretende criar uma nova relação dentro de cada pólo e entre os dois pólos, que seja menos desbalançada, discriminatória e antagónica. Isso tem implicações conceptuais na alocação eficiente de recursos, na disponibilidade de capital humano, na implantação de infra-estruturas, nas opções tecnológicas apropriadas, na inclusão financeira e digital e na expansão do espírito empreendedor e da inovação. É nesta esteira que, sob o ponto de vista de planeamento e ordenamento territorial e fomento de actividades económicas e sociais integradas, se propõe como medida estratégica a indução - voluntária e através de incentivos apropriados - a constituição de micro e meso núcleos de povoamento no meio rural, mais densamente distribuídos pelo País e mais sustentáveis, através da instalação de agro-indústrias, implementação de infra-estruturas baseadas no trabalho intensivo e atracção do sector privado através de iniciativas de parcerias público-privadas. Essa intervenção ajudaria a melhorar a economia e a competitividade nas áreas rurais e evitaria a elevada concentração de pessoas nas grandes cidades do País, sem condições adequadas para as acolher, ou seja, favoreceria simultaneamente as áreas rurais e as urbanas. O nível de entendimento da situação concreta em cada pólo espacial pode ter implicações muito grandes no endossamento de políticas públicas. Ou seja, se se vai priorizar mais as políticas urbano-industriais ou as políticas rurais-agrárias, ou em outras opções, como as baseadas nos corredores de desenvolvimento, na promoção do turismo de alta renda, ou na opção pelas zonas económicas especiais, na obtenção de mais renda das indústrias extractivas, no potenciamento da economia do conhecimento e nas TIC, ou na combinação de alguns destes eixos. Este debate não é pacífico, tem de ser perspectivado no longo prazo, está repleto dos mais variados conflitos, requer compromissos e pactos sociais abrangentes, e exige que se façam opções claras e consistentes, muitas das quais mutuamente exclusivas, e se tomem decisões selectivas.
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Especial Covid Pandemia mascara insegurança alimentar e desnutrição Um, dois, três alertas. Os avisos das agências humanitárias sucedem-se: a falta de alimentos e a subnutrição podem atingir proporções que já há muitos anos não se viam na África Austral. Moçambique está entre os casos que inspiram mais cuidado. Mas é no terreno que os trabalhadores comunitários mostram como se pode fazer para inverter o cenário
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Texto Luís Fonseca, serviço especial da agência Lusa para a E&M • Fotografia D.R.
“
s contribuições de doadores são urgentes”. O alerta está a ser lançado pelo Programa Mundial para Alimentação (PMA) em Moçambique porque a Covid-19 está a agravar um contexto humanitário já fragilizado. Ciclones, inundações, seca (no Sul) e conflitos armados (no Centro e Norte) eram já as razões de fundo para a crise humanitária. O novo coronavírus e as restrições que implica só vieram piorar o cenário. No calendário agrícola, as colheitas já passaram e aproxima-se a fase agrícola ‘magra’ da campanha 2020/21, altura do ano em que “as famílias mais vulneráveis estarão em risco de insegurança alimentar” até chegar a próxima colheita, alerta a agência das Nações Unidas. “As necessidades de financiamento geral do PMA são de 125 milhões de dólares para os próximos seis meses”, contando desde Agosto, em Moçambique. A organização antecipa quebras de abastecimento nas suas operações humanitárias em Cabo Delgado, Nampula e Niassa a partir de Outubro “se não forem mobilizados recursos suficientes a tempo”. Uma equação difícil numa altura em que muitos doadores enfrentam as suas próprias encruzilhadas face à Covid-19. Em Moçambique (onde o crescimento económico foi revisto em baixa), “mais de 1,6 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar aguda grave”, de acordo com
os dados dos últimos meses. Em Julho, o PMA deu assistência a 365 mil pessoas em Moçambique, com 2700 toneladas de alimentos e 1,3 milhões de dólares de transferências em dinheiro para troca por mantimentos. A maioria das pessoas assistidas encontra-se no norte do País. A seriedade do alerta foi reforçada no dia 07 de Setembro. Numa conferência de imprensa a partir de Joanesburgo, a directora regional da África Austral do Programa Alimentar Mundial (PAM), Lola Castro, classificou a insegurança alimentar em Cabo Delgado como uma das situações mais “preocupantes” no mapa da sub-região africana. “A ajuda nem sempre consegue chegar a alguns distritos do Nordeste” e o PMA tenta encontrar alternativas para “alcançar os inacessíveis” e fornecer-lhes “ajuda alimentar, abrigo e protecção”, referiu. A África Austral assiste, “ano após ano, a secas, cheias ou ciclones, como vimos em 2019 (...). A covid-19 foi um choque adicional para o qual, obviamente, não estávamos preparados”, acrescentou. O cenário é dos mais graves de que há memória. O espectro da subnutrição crónica cresce Associado ao drama da insegurança alimentar está o espectro da subnutrição crónica, do atrofiamento e raquitismo, cujos efeitos podem perdurar por uma vida inteira e ceifar logo à partida o potencial da maior força de desenvolvimento de um país: a sua população. A subnutrição torna-se cróni-
A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) estima que “a subnutrição aguda em toda a região possa aumentar em 25% ou mais durante o resto de 2020 e até 2021
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ca, ou seja, não basta atirar com sacos de ajuda alimentar para cima do problema se ele alastrar. E a sub-região africana enfrenta, neste momento, o maior risco de aumento de casos. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) estima que “a subnutrição aguda em toda a região possa aumentar em 25% ou mais durante o resto de 2020 e até 2021”, incluindo 8,4 milhões de crianças, como consequência das medidas decretadas para conter a pandemia. De acordo com a SADC, 72% das crianças afectadas encontrar-se-ão em seis países da região: Angola, Moçambique, República Democrática do Congo (RDCongo), Madagáscar, Tanzânia e Zâmbia. Os dois países lusófonos estão também sinalizados pela SADC devido à fraca produção de alimentos, o que “indica um início precoce da estação magra (período de escassez), que irá agravar ainda mais os efeitos da covid-19”. No documento, a SADC analisa também a taxa de prevalência de atrofiamento entre as crianças da região, contabilizando mais de 18,7 milhões de crianças raquíticas. “A prevalência do atrofiamento é superior a 30% - classificado como muito elevado – em nove dos 16 Estados-membros da SADC”, longe dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2030”. Os dados apresentados no relatório colocam Moçambique como o segundo país da África Austral com maior taxa de prevalência de atrofiamento, com 42,3%, apenas atrás da RDCongo (42,7%). Um exército luta pela nutrição Para evitar que as pessoas se afastem dos serviços de nutrição por causa dos receios ligados à covid-19, um exército diferente actua em Cabo Delwww.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
seguranรงa alimentar
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gado e Sofala. Nada tem que ver com acções militares nem ataques armados. É um grupo de trabalhadores comunitários na área da saúde que estão a ser formados, graças ao PMA e ao Governo de Moçambique. São os responsáveis no terreno pelo rastreio da população, os agentes avançados no combate contra velhos e severos inimigos como o HIV, a tuberculose e a subnutrição, inimigos que continuam a estar entre os maiores empecilhos ao desenvolvimento do País. Entre Novembro de 2019 e Julho deste ano, em Cabo Delgado, foram treinados 385 novos CHWs - a sigla em inglês com que o PMA identifica os “community health workers”. Em Sofala, entre Fevereiro e Junho, foram treinados 720. Os números são públicos, estão na Internet (em bit.ly/3ewauRV e bit.ly/2B6cSkJ) através de páginas recheadas de gráficos e informação sobre a acção do PMA em Moçambique. São apresentações criadas pela agência na plataforma Tableau. “Esta monitorização regular permite rapidamente fazer mudanças, adaptações e garantir eficiência na programação de actividades”, detalha o PAM. É nestas páginas na Internet que se colocam sob escrutínio os resultados destes trabalhadores comunitários na área da saúde. Por exemplo, em Sofala, no período em análise, rastrearam-se 22 474 crianças com menos de cinco anos e, graças à vigilância 1010, foram encaminhadas para serviços de saúde - crianças que de outra forma poderiam nunca receber cuidados para combater a desnutrição. Os dados continuam e incluem muito mais informação, nomeadamente o rastreio de mães desnutridas, despiste da tuberculose e indicadores relativos à comunicação para a saúde. O PMA conclui que os trabalhadores comunitários na área da saúde “são um importante apoio para a população” das respectivas comunidades, “motivando-a a usar os serviços de saúde e a continuar a fazê-lo até que cada qual esteja completamente recuperado. A rádio comunitária também é importante por transmitir histórias de sucesso com outros residentes”. Isto porque, depois de rastreados e sinalizados os casos de subnutrição, uma das tarefas mais difíceis é garantir que as mães e crianças permanecem no tratamento. A agência apoia o Programa de Rea-
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A insegurança alimentar pode atingir níveis que já não se verificavam há vários anos, atingindo 44,8 milhões de pessoas em comparação com 41,2 milhões no ano passado bilitação Nutricional (PRN) em seis das 11 províncias do País. Em Julho, em unidades sanitárias, 6880 crianças menores de cinco anos receberam suplementos alimentares prontos a consumir e 6680 mulheres grávidas e lactantes receberam cereais reforçados para tratamento de desnutrição moderada a grave. As agências das Nações Unidas estão ainda a trabalhar em conjunto com o Governo em busca de outros objectivos: integrar a implementação de planos de alimentação escolar sensí-
veis à nutrição e enraizar a temática nos planos públicos de protecção social. Há também um manual de educação nutricional em desenvolvimento para orientar as mensagens partilhadas em campanhas de sensibilização, nas quais estão a ser integrados os proprietários de bancas de venda de alimentos, onde os beneficiários de ‘vouchers’ e outros programas do PMA podem trocar dinheiro por alimentos. Tudo vale para fazer travar o avanço da subnutrição numa altura em que a amaça cresce. www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
segurança alimentar ENERGIA
“Repercussões são piores que a própria doença”
Cerca de 6,7 milhões de crianças com menos de cinco anos correm o risco de sofrer níveis perigosos de desnutrição este ano devido à pandemia do novo coronavírus, segundo o Unicef. A partir de uma análise publicada na revista The Lancet, em Julho, calcula-se que 80% das crianças em risco vivem na África subsaariana e no sul da Ásia. “É cada vez mais claro que as repercussões da pandemia estão a prejudicar as crianças mais do que a própria doença”, conclui a directora executiva da Unicef, Henrietta Fore. O agravamento da dieta e a interrupção dos serviços de nutrição vão piorar outras formas de desnutrição em crianças e mulheres, como o nanismo, deficiência de micronutrientes, sobrepeso e obesidade. Segundo a Unicef, nos primeiros meses da pandemia houve uma redução geral de 30% na cobertura de serviços vitais de nutrição, como a suplementação de vitaminas, com alguns países a registarem uma interrupção muito maior.
Os esforços do Governo no combate à desnutrição crónica já tinham ganho alguma expressão em 2016, quando o Conselho de Ministros aprovou o regulamento da fortificação dos alimentos que gera a obrigatoriedade da fortificação de farinhas de milho e de trigo, óleo alimentar, açúcar e sal. Nessa mesma altura, o regulamento apresentou metas bem definidas: beneficiar 1,8 milhões de pessoas com o programa de fortificação da farinha de milho; 11 milhões de pessoas com a fortificação da farinha de trigo; 11,5 milhões de pessoas com o óleo alimentar e; 13 milhões com o açúcar. O programa, que tinha sido lançado três anos antes, em 2013, compreende, por exemplo, a fortificação do sal com iodo, o óleo com a vitamina A e fortiwww.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
ficação da farinha de trigo e de milho com ferro, ácido fólico, vitaminas de complexo B e zinco, cuja deficiência contribui para a alta prevalência de anemias e das infecções recorrentes nas crianças. Na altura, esta estratégia foi considerada a mais eficiente no controlo das deficiências em micro nutrientes por adicionar apenas 1% nos custos aos consumidores. Ficou estabelecido que as empresas que não aderissem à fortificação de alimentos nos termos da legislação eram sujeitas à penalização. Todos os processos no quadro deste programa são liderados pelos ministérios da Indústria e Comércio e da Saúde, na qualidade de presidente e vice-presidente do Comité Nacional para a Fortificação de Alimentos (CONFAM).
2021 traz um cenário difícil Além de Moçambique, no mapa da África Austral, a directora regional do PMA destacou a grave situação do Zimbabué, país com 16 milhões de habitantes e com as piores estatísticas de falta de alimentos, com cerca de 4,3 milhões de pessoas a precisar de ajuda urgente. O contexto comum é agravado por uma prolongada crise socioeconómica. Lola Castro referiu que na África Austral, entre os próximos meses e 2021, a insegurança alimentar pode atingir níveis “que já não se verificavam há vários anos”, atingindo 44,8 milhões de pessoas (em comparação com 41,2 no ano passado) sobretudo devido à seca e às dificuldades económicas ligadas à pandemia.
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OPINIÃO
O que revela o 1º trimestre de 2020 sobre a queda da procura de petróleo e gás?
n
Andy Brogan • EY Global Oil & Gas Leader
o primeiro trimestre de 2020, todos os segmentos da indústria foram impactados, incluindo o sector de refinação que deu refúgio às grandes petrolíferas em anteriores recessões. Com base nos ganhos do 1º trimestre de 2020, as empresas petrolíferas e de gás esperam que, à medida que os cortes na produção continuem, que as atenções se voltem para a rapidez com que a procura se recuperará e ao grau de prejuízo a longo prazo da confiança económica. O primeiro trimestre de 2020 vivenciou diversos eventos extraordinários, com a indústria petrolífera e do gás a enfrentar uma desaceleração dramática da procura devido ao surto da COVID-19, à paralisação virtual em muitos sectores da economia e ao colapso da mobilidade local e global. O preço médio do petróleo no 1º trimestre de 2020 foi 20% inferior ao do 4º trimestre de 2019. Os preços do petróleo foram extremamente voláteis – o preço no final do trimestre era um terço do preço inicial. Impacto a nível da indústria Todos os segmentos da indústria foram impactados, incluindo o sector da refinação, que forneceu refúgio às grandes petrolíferas durante as anteriores recessões. À medida que os spreads de refinação diminuíram 27%, as refinarias ficaram inactivas pelos operadores. Os preços do GNL, que estavam em níveis insustentáveis antes da actual crise, diminuíram ainda mais, e o spread entre os preços das matérias-primas de Henry Hub e o preço desembarcado do GNL europeu e asiático reduziu-se essencialmente a zero. Além disso, os cortes profundos nas despesas de capital a montante constituem uma ameaça existencial para os provedores de serviços petrolíferos. Sem surpresas, os resultados reflectiram estas dinâmicas de mercado desfavoráveis. O resultado líquido diminuiu 38% face ao 4º trimestre de 2019 e menos 148% face ao 1º trimestre de 2019. Os fluxos de caixa operacionais também foram fracos: 24% abaixo dos níveis do 4º trimestre de 2019 e 13% abaixo do ano anterior.
Retorno de capital ou gastos de capital? As questões financeiras assumiram uma maior urgência para a comunidade analista. A lente passou da capacidade das empresas de devolverem capital, à sua resiliência e capacidade de sobrevivência em condições de mercado que nunca ninguém havia contemplado. A maioria das perguntas dos analistas estavam, naturalmente, ligadas à actual crise. Com os cortes profundos nas despesas anunciados, os analistas estavam preocupados com o calendário da recuperação dos níveis de despesa de capital para níveis pré-crise. Queriam também compreender se as empresas prevêem uma mudança estrutural nos padrões de procura de petróleo e gás a longo prazo e como isso poderá influenciar a atribuição de capital. Avaliação dos danos e estratégias a longo prazo As questões operacionais colocadas foram sobre os encerramentos involuntários e voluntários que as empresas estão a empreender, e se iriam causar danos estruturais aos activos e impedir o regresso aos volumes pré-crise quando os preços recuperarem. Além disso, os analistas quiseram perceber como é que as empresas chegaram às suas estimativas de redução de produção e como identificaram os activos onde iriam parar a produção. Além dos hidrocarbonetos, havia interesse, entre a comunidade analista, em perceber onde estavam as empresas no que diz respeito às suas ambições de transição energética, e se têm planos para acelerar as iniciativas relativas àquela transição depois de experimentarem a actual desaceleração dos preços e o aumento da volatilidade do petróleo. Olhando para a frente A comunidade de investidores permanecerá em alerta, com especulações desenfreadas sobre a rapidez com que a procura se recuperará e o inventário será reduzido. Estão a ocorrer cortes de produção e o nervosismo em relação ao estado de armazenamento parece ter diminuído. Este artigo faz parte da série Oil and Gas Quarterly Trends. – visite a ey.com para aceder ao relatório completo.
Sem surpresas, os resultados reflectiram estas dinâmicas de mercado desfavoráveis. O resultado líquido diminuiu 38% face ao 4º trimestre de 2019 e menos 148% face ao 1º trimestre de 2019
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Números em conta Economia segue o vírus... E ele persegue-a os resultados do inquérito sobre o impacto da Covid-19 nas empresas, elaborado pelo INE, mostram, sem surpresa, que, de um total de 89 385 empresas abrangidas, 90,4% foram afectadas pela pandemia. Destas, 3% não resistiram e fecharam portas. Um pouco à imagem da taxa de letalidade do próprio vírus no mundo, que anda sensivelmente nestes valores. Se olharmos à distribuição geográfica, as quatro províncias da zona Sul do País são as mais afectadas, com uma percentagem média a situar-se nos 95%. Neste ponto, o destaque vai para a provín-
Travão a fundo Na Hotelaria, Educação e nas Artes No que diz respeito aos ramos de actividade das áreas da educação, artísticas, espectáculos, desportivas e recreativas, todas foram afectadas na sua totalidade % de empresas actividades artísticas
11,7 alojamento, restauração e similares
7,4
28 786
Apesar da baixa percentagem de encerramentos, a categoria de actividades administrativas, onde o grande empregador são as escolas é, seguida da hotelaria, onde se deram mais rescisões de contratos
Muita Rotatividade, Rescisões e encerramentos residuais Resultados do inquérito ressaltam que mais de metade (56%) das empresas afectadas adoptou o regime de rotatividade, seguido de redução de horas de trabalho com 20,7% e teletrabalho com 14,3% do total das empresas (Q2.1) % de empresas regime de rotatividade
38,5 redução de horas de trabalho
12,1 teletrabalho
6,4 rescisão de contratos
2,3
cia de Inhambane a mais afectada em todo o País, com 98,8% das suas empresas ‘infectadas’ pelos efeitos do Covid-19, o que não espanta visto ser uma região onde predomina a indústria do turismo, uma das áreas de actividade que paralisaram. Situação idêntica a outros ramos de actividades como o da educação, artísticas e de espectáculos, desportivas e recreativas afectadas a 100%. Muitas nunca voltarão ao que já foram. Outras... logo se verá. Até porque os resultados mostram ainda que, comparativamente ao 1º semestre de 2019, a receita das empresas baixou 41%.
87%
Nos meses de Abril, Maio e Junho apenas 87,3%, 80,9% e 80,2% das empresas conseguiram pagar as remunerações dos seus trabalhadores na totalidade.
56,0%
das empresas afectadas optaram pelo rotatividade. Dentre elas, 41,7% aplicaram rotatividade semanal.
41%
Foi quanto baixaram no 1º semestre do ano as receitas das empresas face ao período homólogo de 2019.
encerramento da empresa
1,3
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43 578 O número de ‘desempregados covid-19’ no primeiro semestre do ano.
24 200
Número de desempregados do comércio por grosso e a retalho, reparação e manutenção de viaturas, as áreas mais atingidas. Segue-se o turismo, com 15 690 novos desempregados.
Facturação: Segundo trimestre desastroso O mês de Abril foi o que registou maior redução de todos os indicadores em análise, sendo que no segundo trimestre a facturação diminuiu mais de 50% face a 2019 Em milhares de milhões de meticais / % de variação
8,4
6,2
10,1
4,7
-25,9%
-53%
I TRIMESTRE
II TRIMESTRE
2019
2020
Grandes sofreram, mas pME e médias... também As grandes empresas, que representam cerca de 0,5% do universo, foram as mais afectadas com 91,1%. Destaca-se o facto de mais de 70 000 PME terem sido afectadas Número de empresas afectadas / % de empresas
PME
70 135
3%
Do total das 89 385 empresas inquiridas, 90,4% foram afectadas e cerca de 3% não resistiram e fecharam.
90,5%
Média
10 242
89,5%
Grande
388
91,1%
89 385 Das empresas sentiram impacto da pandemia FONTE INE - Resultados do inquérito sobre Impacto da COVID-19 nas empresas
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OPINIÃO
Um olhar crítico à volatilidade do “nosso metical”
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Patrícia Darsam • Head of Markets and Transaction Banking do Absa Bank Moçambique
“nosso metical” completou, este ano, 40 anos de existência como a moeda oficial de Moçambique. A taxa de câmbio é uma das variáveis fundamentais da nossa economia, que resulta da relação entre a procura e oferta de moeda estrangeira disponível no mercado, proveniente do comércio internacional que, por sua vez, impacta no nível de actividade económica e, consequentemente, no padrão de crescimento do País. Numa economia como a nossa – estruturalmente deficitária, com fraca produção interna de bens acabados e onde o sector da indústria de transformação está muito aquém de satisfazer a demanda –, praticamente tudo o que se consome é importado, enquanto as exportações são, na sua maioria, de matéria-prima bruta e recursos naturais, sendo vulneráveis às flutuações dos preços no mercado internacional. Este desequilíbrio entre o volume de importações versus exportações é notório e cria uma grande volatilidade na taxa de câmbio do metical contra as principais moedas estrangeiras em circulação no território nacional, com particular ênfase para o dólar, que constitui a moeda base do comércio externo nacional. Neste tipo de economia, o equilíbrio passa pelo incentivo à produção e consumo local de forma a possibilitar a redução do volume das importações, balanceado com fluxos alternativos de entrada de capitais. Isto pode ser feito através do aumento do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) e incentivos aos sectores geradores de divisas como são os casos do Turismo e da Agricultura. Outro sector que favorece o fluxo de entrada de divisas, é o da Indústria Extractiva (metais preciosos, minerais, carvão e gás) que, embora contribua com uma percentagem relativamente pequena para o PIB, tem um peso bastante significativo em termos de geração de receitas para o Governo e para o volume de exportações. A agricultura é sazonal e vulnerável a choques climáticos constantes, enquanto que a indústria extractiva é totalmente dependente da flutuação do preço das commodities no mercado internacional. Estes factores contribuem para
a volatilidade no fluxo de exportações do País, impactando na disponibilidade de divisas no mercado interno. Porém, é importante entender estas analogias “temporalmente”, de onde viemos e para onde vamos. Olhando para o passado, entre 2014 e 2015, muitos de nós ainda estarão recordados que a unidade do dólar era transaccionada a 30 meticais. De lá esta parte temos visto um metical muito volátil e com tendência a desvalorizar-se, tendo atingido o seu pico em 2016, quando registou uma depreciação de cerca de 71,96% em relação ao dólar. Mas há que recuar um pouco mais para melhor entender o que se passou, e com reflexos nos dias que correm. Desde 2011 até meados de 2015, vínhamos assistindo a um crescimento económico a níveis de 7% em média. O Banco Central detinha reservas líquidas na ordem de seis meses de cobertura de importações, e embora tivéssemos um histórico de uma balança de pagamentos deficitária, ou seja, mais importações que exportações, tínhamos uma moeda relativamente forte e estável, porque os fluxos da ajuda externa ao Orçamento do Estado por parte dos doadores e do FMI, bem como o IDE, ajudavam a canalizar liquidez para o mercado através de uma política intervencionista do Banco de Moçambique, garantindo, assim, a estabilidade da moeda. Porém, este cenário de aparente crescimento económico e estabilidade da moeda é interrompido a partir de meados de 2015 quando os apoios externos, assim como o IDE, deixam de entrar devido à quebra de confiança por parte da comunidade internacional e dos investidores com a descoberta das “dívidas ocultas”. Este cenário levou o País a uma crise económica profunda e sem precedentes, que durou cerca de três anos. Com a introdução de medidas restritivas de política monetária pelo Banco de Moçambique, com o intuito de conter a inflação, o metical começou a mostrar sinais de melhoria em finais de 2016, muito associada à redução do poder de compra dos moçambicanos que ficou afectado pela desvalorização da moeda. O fenómeno conduziu, igualmente, a um abrandamento das importações na ordem de 36,4% em 2016. Durante o ano de 2017, o metical manteve-se estável
Esperamos que a Decisão Final de Investimento da Area 4 , liderada pela Exxon Mobile, realmente se concretize em 2021 de forma a reactivar as prespectivas de crescimento para o próximo ano
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Ao longo do presente ano, são vários os factores que, associados, vão reduzindo a competitividade do metical
sofrendo uma apreciação face aos níveis de 2016, tendo fechado em 58,88 meticais por dólar, em Dezembro. Em finais de 2018, tínhamos a cotação do dólar na casa dos 61,43 meticais, representando uma ligeira desvalorização face ao ano anterior, devido ao aumento do consumo privado que, por sua vez, terá aumentado a demanda pela importação de bens e serviços. Se, por um lado, o investimento total na economia cresceu, por outro, registou-se um aumento da demanda, o que provocou uma nova desvalorização do metical. Em 2019 assistiu-se a uma contínua depreciação do metical, desta vez associada à falta de liquidez decorrente do impacto dos ciclones Kenneth e Idai, que afectou o sector agrícola chegando a atingir níveis de 64,75 meticais por dólar em Abril. Mas, no último trimestre do ano, uma ligeira recuperação permitiu que, no último dia de Dezembro, a cotação se fixasse nos 61,47 meticais por unidade do dólar. Ao mesmo tempo, o sector da mineração sofreu uma desaceleração, o que impactou nas exportações e reduziu o fluxo de entrada de divisas no País, e nessa altura as Reservas Internacionais Líquidas só não sofreram desgaste graças à entrada de receitas das mais-valias provenientes do negócio da venda dos assets da Anadarko à Total. Chegados a 2020, recomeça a pressão sobre a moeda. Temos o impacto da pandemia do Covid-19 a partir do segundo trimestre, a queda do preço das commodities a nível internacional (principalmente do petróleo) e a desaceleração da economia Global, e o adiamento da Decisão Final de Investimento na Área 4 que, de certa forma, atrasou o fluxo de investimentos que era esperado. Estes factores, de uma maneira geral, contribuem para a contínua desvalorização do metical, que até finais de Julho já tinha atingido níveis em torno dos 15%. Mesmo com a www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
retoma gradual da actividade económica, espera-se que o metical continue a desvalorizar ao longo dos restantes meses do ano mas, eventualmente, a um ritmo menos acelerado, comparativamente ao do primeiro semestre do ano, pois o impacto negativo do Covid-19 vai levar algum tempo até que as empresas consigam se recuperar. Um factor de grande risco de curto/médio prazo é a instabilidade que se vive na zona norte, mais concretamente na Província de Cabo Delgado, que poderá impactar sobremaneira nos investimentos no sector do gás e, consequentemente, prolongar a tendência de desvalorização do metical para o próximo ano. Entretanto, esperamos que a Decisão Final de Investimento da Area 4 , liderada pela Exxon Mobil, realmente se concretize em 2021 de forma a reactivar as perspectivas de crescimento para o próximo ano. Esperamos, igualmente, que as discussões iniciadas com o FMI, para uma possível retoma do suporte ao País, ao acontecerem, possam servir de indicador favorável para a estabilidade da nossa moeda e para o crescimento da nossa economia no ano de 2021. Diante de tudo aqui exposto, a conclusão a que podemos chegar é que a nossa economia e o “nosso metical” são movidos pela demanda e oferta de divisas no mercado interno e pelas expectativas em torno dessa mesma demanda e oferta. Enquanto continuarmos a ter uma balança de pagamentos deficitária, o metical estará sujeito a estas constantes flutuações. Há a necessidade de se incentivar a produção e consumo local, de forma a reduzir a dependência externa na importação de bens de consumo. Igualmente, quando começarmos a sentir um incremento do IDE e as exportações do gás da Bacia do Rovuma começarem a materializar-se, aí, sim, teremos uma moeda economicamente mais sustentável.
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Nação
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O metical
Que futuro reserva o metical à economia? Nenhuma moeda consegue, ao longo do tempo, conservar o mesmo valor, o mesmo peso, e a mesma força de transformar a produção em riqueza. A celebrar 40 anos de existência, o metical já é capaz de provar esta tese, através da sua História e da leitura do seu comportamento ontem, hoje e amanhã. Aqui, duas abordagens mais ou menos contraditórias mostram-nos os possíveis destinos para onde o metical poderá conduzir a economia
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“
Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R.
agar na mesma moeda”, “a outra face da moeda”, e tantas outras. São expressões que usamos, diariamente, baseadas numa das coisas que acompanha o ser humano há milhares de anos. A moeda, que terá sido a primordial forma de dinheiro, e que veio ordenar as trocas directas ou os pagamentos em géneros que se faziam no tempo dos romanos – por exemplo, em sal, daí que ainda hoje usemos o termo salário para determinar o vencimento de alguém em troca de um serviço. Mas voltemos à moeda e à sua importância na economia e, especificamente, ao metical. Muitos economistas e entidades ligadas ao sector da economia já se pronunciaram sobre os efeitos da desvalorização do metical em relação ao dólar, que ocorre desde o início do ano, e que é estimada entre 13% e 15% em termos acumulados (as estatísticas divergem). Notam-se, desde cedo, dois pólos de análise que chegam a conclusões divergentes, não só sobre as causas da queda do valor cambial da moeda nacional, como também em relação aos efeitos no presente e no futuro, e ainda no “remédio” que se recomenda para corrigir os desequilíbrios daí resultantes. Misturam-se, nas análises, o pessimismo de uns e o optimismo de outros. Ambas as posições possuem argumentos à altura de criar sérias dúvidas sobre o futuro. Pela primeira vez, o Banco Central reage publicamente, neste artigo, sobre o fenómeno da desvalorização do metical e, através de uma explicação detalhada, desdramatiza a maior parte dos “medos” que pairam.
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Comecemos pelos perigos Em suma, “um choque da taxa de câmbio pode ter efeitos adversos no consumo privado, no investimento e no sector real através de maiores custos de produção para os sectores que dependem da importação de matéria-prima. Por outro lado, as flutuações da taxa de câmbio podem influenciar negativamente os balanços das empresas através de mudanças no valor de passivos em outras moedas”, explica o Relatório do Cenário Fiscal de Médio Prazo 2019-2021 do Ministério da Economia e Finanças. Mas a E&M ouviu outros alertas. O economista e docente universitário, Elcídio Bachita, afirma que a queda do metical “já está a piorar o custo de vida das populações pelo seu efeito no aumento do custo dos produtos de importação, a que se sobrepõem os resultados nefastos da própria pandemia na vida das famílias”. Procurando fazer uma análise mais abrangente do ambiente interno, o académico revela que se os investidores externos estão a ser afectados pela pandemia, por outro lado, os ataques de insurgentes em Cabo Delgado e a instabilidade política no centro do País, concorrem para que Moçambique não seja destino preferencial para o seu capital. Ou seja, Moçambique sofre uma dupla penalização, uma por factores externos e outra por razões internas, ambas a concorrerem para a queda do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) que se está a testemunhar. “Tudo isto afectará as receitas fiscais agravando o défice orçamental do Estado”, defende. Na mesma linha, o economista e director-executivo da CTA – entidade que representa, oficialmente,
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Nação
Muitos analistas prevêem que a moeda nacional continue a cair até ao fim do ano para o nível de 75 meticais por dólar
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da taxa de câmbio foi mais evidente com a depreciação do metical quando perdeu cerca de 63% do seu valor face ao dólar norte-americano, enquanto em 2017, a apreciação do metical face ao dólar foi equivalente a uma redução em 14 pontos percentuais do PIB na dívida externa.
o empresariado nacional -, Eduardo Sengo, refere que “a moeda nacional já sofre ‘pressão aguda’ devido à pandemia e vai agravar-se ainda mais com a maior procura da moeda estrangeira para viagens e importações após a reabertura das fronteiras”. Já o Banco Moza, no seu mais recente Boletim Económico, produzido pelo Gabinete de Estudos Económicos, prevê que a moeda nacional possa continuar a desvalorizar para valores em torno de 75 meticais por dólar até ao fim deste ano, também devido à abertura gradual da economia e novas tentativas de retoma das exportações num contexto de fraca capacidade de produção do sector exportador. O economista Luís Magaço concorda. Para este, a economia não apresenta quaisquer condições que travem a desvalorização contínua do metical nos próximos meses.
Pessimismo à parte
O risco de multiplicar a dívida pública Outra vertente de análise remete à possibilidade de agravamento da já insustentável dívida pública. De acordo com os pressupostos do Cenário Fiscal a Médio Prazo 2019-2021, divulgados pelo Ministério da Economia e Finanças, “1% da depreciação na taxa de câmbio representa um incremento em dois pontos percentuais no rácio da dívida externa no PIB”. A publicação concluiu, igualmente, que “a variação mais sensível às flutuações na taxa de câmbio foi a dívida pública, dado que em 2017, por exemplo, 84% do total da carteira foi contraída em moeda estrangeira”. Trata-se de uma constatação que tem um suporte já antes observado. É que a evolução do choque cambial fez com que o nível da dívida, em 2016, atingisse 126,7% do PIB. Este impacto
Na sua primeira reacção sobre a contínua desvalorização do metical face ao dólar, o Banco de Moçambique tranquiliza o mercado sobre todos os riscos apresentados, sem deixar de admitir que existem, potencialmente. Mas minimiza-os. Quanto aos factores na origem, o regulador acaba por convergir com os demais intervenientes, esclarecendo que Moçambique adopta um regime de taxa de câmbio flexível. Assim, a variação cambial e o nível de taxa de câmbio seguem o curso natural consoante (ou reagindo) às forças de mercado (procura e oferta de divisas) dadas as condições macroeconómicas conjunturais, incluindo motivos especulativos. Reconhecendo que até ao momento, o metical tem estado a depreciar de forma gradual, o Banco Central refere que “não antevê grandes riscos para a estabilidade
Afinal, esta desvalorização do metical já tinha sido prevista no início do ano! Lembram os economistas Luís Magaço e Eduardo Sengo. “Por causa do ajustamento dos processos laborais da mineradora Vale (empresa responsável pela maior parte do carvão que o País exporta, commodity que é também responsável pela larga maioria das exportações totais e que terá paralisado a actividade por três meses), o Banco de Moçambique chamou a atenção para o facto de que a economia iria sofrer uma redução da capacidade de captação de divisas e que isso teria algumas consequências ao nível da desvalorização cambial da moeda nacional”, explicou Magaço. Então, se o Banco Central já sabia, porquê o alarme? “Não antevemos grandes riscos à estabilidade”
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O metical A história de várias famílias… da mesma moeda O nome “metical” tem origem numa antiga moeda usada no período pré-colonial, que era a parte oca de penas de aves cheia de ouro em pó. Periodicamente, a moeda vai conhecendo mudanças para conferir maior segurança à sua utilização e evitar a falsificação. Conheça, a seguir, algumas faces que as notas de metical foram assumindo ao longo dos seus 40 anos de existência.
A 16 de Junho, o primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, anuncia a substituição do escudo português pelo metical. Na altura, havia notas de 50, 100, 500 e 1000 meticais com o rosto de Samora Machel e de Eduardo Mondlane.
Houve a primeira actualização das séries da moeda nacional, cuja principal novidade foi a introdução da nota de 5000 meticais. As manifestações culturais através da arte, bem como a história da independência, eram comuns em quase todas as notas.
Entra em circulação a nota de 10 000 meticais que continha, pela primeira e única vez, o rosto de Joaquim Chissano, segundo Presidente de Moçambique. Nesta actualização, as notas de outros valores também foram alteradas e ficaram mais coloridas.
O mercado passa a conhecer notas de mais elevado valor com a introdução de 50 000 e 100 000 meticais. Ambas valorizaram, nas suas ilustrações, o edifício (antigo) do Banco de Moçambique na face e a Hidroeléctrica de Cahora Bassa no verso.
1980
1988
1991
1993
Entre as notas de 10 000 e de 50 000 meticais havia um “buraco” aparentemente grande por fechar. Assim, o Banco Central introduziu a nota de 20 000. A imagem da mulher a escrever talvez simbolizasse a importância de alfabetizá-la. Será?
1999
2020
Houve a revisão da classificação das notas consideradas impróprias para circulação. Assim, a partir de 23 de Abril passou a incluir as que têm “marcas, imagens, desenhos, escritas ou carimbos, manchas, marcas, áreas fragmentadas, fita adesiva, agrafos, etc.
2003
2006
2011
2017
O metical não parava de crescer e era a vez da entrada em circulação das notas de 200 000 e de 500 000 meticais. Foram, na verdade, as notas mais elevadas em termos de valor que a moeda nacional conheceu até hoje.
É criado o metical da nova família que está actualmente em uso, que consistiu na retirada de “três zeros” no seu valor. Este é considerado o marco mais importante depois da criação do metical. Todas as notas têm a imagem de Samora Machel.
O Banco Central introduz notas de polímero – material sintético de maior durabilidade ajustado a climas húmidos – para as notas de 20, 50 e 100 meticais. As restantes notas, nomeadamente as de 200, 500 e 1000 meticais continuam em papel.
Entrou em circulação a mais recente série de notas, com a assinatura do actual Governador, Rogério Zandamela. A introdução desta última série prendiase, exclusivamente, com a necessidade de ajustar as medidas periódicas de segurança. FONTE Pesquisa da E&M
Nota: Todas estas alterações foram também acompanhadas de inúmeras mudanças na configuração das moedas do metical cuja história poderia comportar, igualmente, um resumo extenso.
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Nação O que faz uma moeda valorizar e desvalorizar? Inicialmente, desvalorização de uma moeda significava uma descida do teor do ouro em valor monetário. Na época do padrãoouro, a moeda nacional estava vinculada às reservas de ouro do País. E se um país emitia adicionalmente um lote de moeda em notas bancárias com uma reserva inalterada, então o valor de cada nota em relação ao ouro diminuia-se. Ou seja, ocorria uma desvalorização da moeda. Com o tempo, isso mudou e hoje a moeda está bastante mais associada ao nível de reservas líquidas em dólar (na maioria dos casos) que tem no seu banco central. O valor da moeda raramente permanece constante, é normal que varie diariamente e são diversos os factores que levam a isso. É a intensidade com que esses factores ocorrem que irá influenciar uma variação alta ou baixa nesse valor.
Oferta e procura
É um desses factores pois, se há mais dinheiro em circulação, aumenta a “oferta” e diminui a “procura” de dinheiro, logo ele desvaloriza. De forma inversa, quando existe menos dinheiro em circulação, diminui a “oferta” e aumenta a “procura” de dinheiro, logo a moeda valoriza.
Inflação e deflação
A inflação ocorre quando os preços gerais de bens e serviços de um determinado país aumentam, o que causa a desvalorização da moeda e reduz o poder de compra. A deflação ocorre quando os preços gerais de bens e serviços diminuem, o que aumenta o poder de compra da moeda e causa a sua valorização.
Desvalorização “forçada”
A desvalorização nem sempre é má. Exemplo disso foi o que aconteceu, em meados de 2019, quando a China desvalorizou a sua moeda por causa da guerra comercial contra os Estados Unidos, quando Donald Trump anunciou a criação de novas tarifas de 10% sobre importações chinesas no valor de 300 mil milhões de dólares. Além da desvalorização do yuan, a China suspendeu, a compra de produtos agrícolas americanos. Efeito prático: a moeda fraca faz os produtos chineses ficarem baratos, estimulando a exportação e produzindo um efeito cascata, desvalorizando as moedas de outros países emergentes, como o Brasil ou Moçambique. No entanto, esta lógica é perigosa e pode ter efeitos perversos a longo prazo. Mas é, de facto, usada por muitos países.
Perspectiva económica
Se a economia de um país está em recessão ou desenvolvimento lento, a moeda desvaloriza-se. Pelo contrário, o valor de uma moeda também se desvaloriza se os seus principais indicadores económicos, como as vendas do retalho ou o PIB, estiverem a cair. Uma taxa de desemprego elevada ou crescente também desvaloriza uma moeda por indicar desaceleração económica. Se a economia de um país está num período de forte crescimento, com a entrada de investimento externo, o valor da sua moeda aumenta.
Défices comerciais
Um défice comercial ocorre quando o valor dos bens que um país importa é maior do que o valor dos bens que exporta (caso de Moçambique). Quando o défice comercial aumenta, o valor da sua moeda diminui em relação às moedas dos seus parceiros de negócios e vice-versa.
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dos preços. Esta depreciação pode estar a reflectir o ajustamento dos stocks em moeda estrangeira pelos agentes económicos, bem como a perda de confiança dos agentes económicos face aos choques que têm estado a afectar a economia doméstica, com destaque para a propagação da COVID-19, o agravamento do défice da conta corrente em virtude da fraca procura externa e a instabilidade militar na zona norte do País”. Não há riscos de inflação
Ao contrário das análises que antevêem inflação importada, e apesar de o Banco Central apontar para ligeiros riscos de aumento dos custos já mencionados, este afasta a possibilidade de o País vir a atingir níveis assinaláveis de inflação. “O efeito da depreciação sobre os preços tem sido contido, porque o carácter restritivo da política monetária nos últimos anos, perante a limitada capacidade financeira do Estado e, portanto, contenção das despesas públicas, ajudou a conter a procura agregada e a minimizar o efeito da repassagem da depreciação para os preços domésticos. Adicionalmente, as restrições impostas à actividade económica para a prevenção do Covid-19, num contexto de procura agregada já debilitada, combinada com a queda dos preços internacionais, com destaque para os combustíveis, levaram a uma queda substancial da pressão sobre os preços domésticos. Assim sendo, espera-se que esta depreciação possa vir a criar uma ligeira aceleração da inflação, mas sem comprometer o objectivo de estabilidade de preços no médio prazo”, esclareceu a instituição numa entrevista concedida virtualmente à E&M. Pressão cambial será moderada
Voltando a contrariar as expectativas mais pessimistas em torno do comportamento das taxas de câmbio do metical nos próximos tempos, o Banco de Moçambique explica por que é que não vê perigo em relação a este aspecto. “Ainda que o desconfinamento gradual da economia impulsione algum aumento na procura por importações num cenário de recuperação lenta e desfasada das exportações, perspectiva-se uma menor pressão cambial”, tranquiliza o regulador. E argumenta: “o mercado cambial doméstico continua com divisas suficientes para apoiar a economia, além das medidas de política cambial que o Banco tomou e a entrada do apoio financeiro dos parceiros de cooperação”. Medidas correctivas? Só quando se justificar
Enquanto os economistas sugerem a intervenção do Banco Central no sentido de travar a queda do metical através de medidas que vão desde a redução das taxas de juro das reservas em dólares até à introdução de linhas de crédito que estimulem investimento privado, o regulador reitera que a depreciação observada até à data não constitui risco para a inflação, mas caso comece a representar perigo, tomará as “medidas adequadas” para reverter a situação. É verdade que o posicionamento do Banco de Moçambique em torno da queda que o metical experimenta em relação ao dólar desde o início do ano é contrário a muitas esferas de opinião. Mas não é menos verdade que este mesmo posicionamento encontra eco na voz de outros economistas, como os do artigo a seguir. Mas volta a ser rebatido mais adiante, na entrevista com o economista Luís Magaço, que critica o modelo de gestão da política monetária. www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
Nação
Uma queda menos má O metical desvalorizou quase 13% face ao dólar desde o início do ano até Agosto, mas nem economistas nem empresários estão, para já, muito preocupados. Uma moeda alta demais, alertam, cria vícios e não ajuda ao crescimento da produção interna. O risco no horizonte é agora a “enchente” de dólares que os projectos de gás natural vão trazer. Se não se apostar no sector produtivo, os problemas do País não vão ser resolvidos.
a
Texto Ricardo David Lopes • Fotografia D.R.
desvalorização do metical face ao dólar que se vem sentindo desde o início do ano não é preocupante, pelo que não há motivos para que o Banco Central intervenha para segurar a moeda. É isto, pelo menos, que defendem os economistas. Na base da desvalorização, em média mensal, na ordem dos 12,7% até ao final de Agosto, mais acentuada entretanto (14% no final da semana passada), está sobretudo a redução das exportações de carvão da Vale e o abrandamento generalizado da economia global que fazem com que menos dólares entrem
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no País. Mas a redução das importações, assim como a valorização face ao rand, moeda do nosso principal fornecedor de alimentos, estão a evitar males maiores, permitindo que a inflação se mantenha baixa, não obrigando o Banco de Moçambique a actuar. À E&M, Bernardo Aparício, economista-chefe do Absa, lembra as diferenças face à desvalorização “abrupta” sofrida entre 2015 e 2016, motivada pelo escândalo das dívidas ocultas. Nesses dois anos, recorde-se, depois de os doadores terem ‘secado’ o apoio ao País, o metical acumulou perdas próximas dos 50% (ver gráficos nestas páginas), um cenário “muito diferente” do actual.
“A desvalorização foi causada pela crise da dívida e pela saída dos fundos dos doadores, e por uma redução drástica do investimento directo estrangeiro (IDE)”, diz o economista. “Na altura, a economia moçambicana era muito dependente do IDE e dos doadores, enquanto hoje é muito mais dependente das exportações. Há uma diferença entre a disponibilidade de dólares”, acrescenta, lembrando que, entretanto, com o crescimento das reservas internacionais líquidas (RIL), o Banco Central poderia intervir, se quisesse. De acordo com dados do Banco de Moçambique (ver gráficos nestas páginas), as RIL ascendiam, em 2015, a cerca www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
o metical ajudado Moçambique. Desde Janeiro (ver gráficos nestas páginas), perdeu valor face ao metical. “Se não fosse assim, teríamos níveis de inflação muito diferentes. Em 2015/2016, houve grande impacto na inflação, o rand estava a 11 ou 12, face a cerca de 4 hoje”, diz o economista-chefe do Absa. “Tendo em conta que, para já, ainda não há impacto na inflação, não intervir é uma postura adequada do ponto de vista macroeconómico, porque senão o que estaríamos a ver era uma deflação, o que seria péssimo nesta fase”, reforça o economista-chefe do Absa, que ‘aposta’ num dólar a valer 73 até ao final do ano. É, de facto, esta a postura que tem sido assumida pelo Banco de Moçambique e que foi revelada no artigo anterior da E&M. O Banco de Moçambique não só adimite que não há grandes motivos para intervir como garante que está atento a reagir caso haja sinais de risco de uma inflação mais expressiva. Banco central deve manter-se ‘fora de jogo’ Também Tiago Dionísio, economista-chefe da Eaglestone Securities, presente no mercado moçambicano há vários anos, concorda que o Banco Central se mantenha, para já, ‘fora de jogo’. “É sempre mais desejável as autoridades deixarem o mercado funcionar livremente, sem terem de intervir”, afirma, acrescentando que “a depreciação do metical que se tem verificado ao longo do ano não
exportações do País, colocando maior pressão sobre o desequilíbrio nas contas externas e, por conseguinte, no metical”, antecipa. Muitos dólares a caminho Entretanto, quando entrar em operação o projecto de gás da Total na bacia de Rovuma, Cabo Delgado – recorde-se que a petrolífera francesa já assegurou o financiamento de mais de 16 mil milhões de dólares para garantir o maior IDE de sempre em África –, a situação poderá mudar. “Podemos esperar uma apreciação do metical, tendo em conta que a existência de mais dólares na economia vai reduzir a pressão de liquidez em moeda estrangeira e nas reservas internacionais do País”, explica o economista-chefe da Eaglestone Securities. Bernardo Aparício concorda. “Para se alterar o quadro, terá de haver um aumento das exportações, que as grandes exportadoras, como a Vale, voltem a níveis de 2018/2019, e que o IDE retome. O avançar do projecto da Total vai de certeza contribuir para haver mais IDE e mais dólares na economia”, considera, concluindo que “teremos um metical a voltar para níveis de 60, ou um novo normal na ordem dos 70”. Francisco Ferreira dos Santos, administrador da JFS Holding, presente na agricultura, agro-indústria, metalomecânica, automóvel, energia e imobiliário, lembra os erros cometidos
“É sempre mais desejável as autoridades deixarem o mercado funcionar livremente, sem terem de intervir... a depreciação do metical que se tem verificado ao longo do ano não tem tido grande impacto na inflação” de 100 milhões de dólares, garantindo apenas 2,8 meses de importações. No ano seguinte, houve um aumento para 125 milhões de dólares, mas ainda assim apenas estavam garantidos três meses de importações. Hoje, estão em quase 270 milhões de dólares e asseguram 4,5 meses de importações. “Se o Banco Central quisesse manter administrativamente as taxas na ordem dos 60 [1 dólar=60 meticais] poderia fazê-lo, porque tem reservas para isso, mas está a deixar o mercado funcionar”, apoiando apenas as importações de combustíveis, explica Bernardo Aparício. A desvalorização da moeda sul-africana, reforça, tem www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
tem tido grande impacto na inflação”. Em Julho, de acordo com dados do Banco Central, a inflação, em termos homólogos, foi de 2,8%, ligeiramente acima dos 2,69% de Junho, mas abaixo dos 3% de Junho. Tiago Dionísio lembra que “a economia mundial enfrenta actualmente uma grave recessão, espera-se que a maioria dos países registe uma forte contração em 2020. A economia moçambicana não deverá ser das mais atingidas em termos de impacto nas perspectivas de crescimento económico nos próximos tempos”. “Mesmo assim, não fica alheia aos efeitos que a actual recessão mundial venha a ter nos níveis de IDE ou nas
no passado, no sentido de se manter o metical artificialmente elevado. Esta política, diz, por um lado, permitiu melhorar o poder de compra e a qualidade de vida nas cidades; mas, por outro, condenou o sector agrícola à impossibilidade de competir em termos de preço com as importações, incluindo de produtos básicos. A doença de que devemos ter medo “Durante estes anos, não houve uma preocupação agrária, ou estrutural, e a produção interna é praticamente incapaz de competir com as grandes importações em relação aos principais bens. Se a isto juntarmos uma políti-
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Nação A marcha do metical… 1) … face ao USD dólar nos últimos dez anos… A moeda nacional está a desvalorizar para níveis historicamente baixos nos últimos dez anos face à moeda internacional de referência. Desde 2013, apenas em 2018 valorizou e a queda até Agosto deste ano é a maior desde 2017 USD/MZN e Variação MZN (em %)
32,98
2010
29,06
28,23
29,91
30,69
38,28
62,57
63,61
60,3
62,55
67,57
13,4
2,9
-5,6
-2,5
-19,8
-38,8
-1,6
5,4
-3,5
-7,4
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017 2018
2019 2020(1)
2) … e face ao rand Nos últimos anos, o metical tem perdido valor face à moeda sul-africana, fonte de boa parte das importações. Mas, dada a queda do próprio rand, os danos são ‘contidos’ ZAR/MZN e Variação MZN (em %)
4,53
2010
4,04
3,44
3,11
2,83
2,99
4,31
4,78
4,59
4,33
4,06
-10,8
-14,8
-9,5
-9
5,6
44,1
10,9
-3,9
-5,6
6,6
2011
2012
2013
2014
2015
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2017 2018
2019 2020(1)
3) Neste ano, o metical cai desde Fevereiro face ao dólar… O metical começou o ano em alta a ganhar 0,7% em Janeiro, por comparação com Dezembro do ano passado. Desde então, todos os meses o metical perde valor USD/MZN e Variação MZN (em %)
63,15
Dez 2019
62,65
64,58
66,06
67,31
68,53
69,73
70,46
71,24
0,7
-2,9
-2,2
-1,8
-1,7
-1,7
-1
-1
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
4)… e também em relação à moeda sul-africana Desde Janeiro, o metical acumula um ganho de 6,5% face ao rand, que tem sido ‘castigado’ igualmente face ao dólar. A maior subida ocorreu em Abril ZAR/MZN e Variação MZN (em %)
4,37
Dez 2019
4,35
4,3
3,98
3,63
3,79
4,08
4,2
4,14
0,4
1,1
8
9,6
-4,2
-7,1
-2,8
1,4
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
fonte Banco de Moçambique
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ca aduaneira permissiva, temos que a produção interna é um desastre”, alerta o gestor, que também recorda que a desvalorização que se seguiu à crise das dívidas ocultas foi “muito abrupta”. Para a exportação, defende, a desvalorização foi “absolutamente essencial, dado que estávamos a níveis em que a pouca produção interna que havia estava já a ter dificuldades em competir”. “Para o negócio da importação, há sectores de actividade mais sensíveis – os da base da pirâmide – do que outros a essa questão (da desvalorização). No caso dos veículos automóveis, por exemplo, não notamos grandes alterações quando há desvalorização da moeda nacional: quem tem dinheiro continua a tê-lo”, explica Francisco Ferreira dos Santos. Nesta fase, adianta o responsável, “se fosse primeiro-ministro ou governador do Banco Central, a preocupação seria sempre procurar um câmbio que não estivesse muito valorizado nem que fosse a única ferramenta de controlo da inflação”. O metical, reforça o gestor, “não pode estar muito valorizado e devemos ter uma política de estabilidade, a www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
O metical
reservas internacionais Em Julho, as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) serviam para 4,5 meses de importações. Apesar de ter conforto e margem de intervenção monetária cambial, o Banco Central tem optado por manter o mercado a funcionar, dado que a inflação está contida Meses de importação e milhões USD
5,5 4,7 4,2 3,9
268
3,5 2,8
3,1
3,2
225,7
3
2,8
4,5
180,7
174,9
Dez. 2017
Dez. 2018
125,4 62,4
61,1
Dez. 2010
Dez. 2011
77,5
Dez. 2012
90,1
96,8
100,7
Dez. 2013
Dez. 2014
Dez. 2015
Dez. 2016
Dez. 2019
Jul. 2020
fonte Banco de Moçambique
“Se os dirigentes mantiverem uma política muito virada para o consumo e para as cidades, corremos o risco de acharem que o que importa é termos bom poder de compra e que o que está no campo não interessa incerteza é negativa, assusta o negócio e surgem movimentos especulativos”. “Deixar que haja uma valorização muito grande da moeda interna é muito perigoso, porque traz um aparente desenvolvimento, bem-estar e poder de compra nas cidades, mas à custa dos 70% que estão no campo e que têm de ver na agricultura uma actividade sexy e que seja alternativa de vida”, reitera, concluindo que “com uma moeda muito forte vai ser sempre mais barato importar do que fazer dentro”. Por isso, avisa, devemos ter os pés bem assentes na terra quando começarem a entrar os dólares da venda de gás natural cujos projectos já estão a ter lugar na Bacia do Rovuma, e não permitir que se instale de vez a chamada doença holandesa (ocorre quando a exportação de matérias-primas prejudica a industrialização de um país por falta de investimento neste sector, www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
por oposição ao aumento das importações). “Continuo a achar que a médio/longo prazo a grande questão é a doença holandesa e não tanto estas desvalorizações cambiais que o metical vai experimentado. Vamos ter uma enchente de dólares (com o gás natural) e, se não se alterar a mentalidade de muitos governantes, não vamos resolver o problema”, alerta. A questão, explica, é que “se os dirigentes mantiverem uma política muito virada para o consumo e para as cidades, corremos o risco de acharem que o que importa é termos um bom poder de compra e que o que está no campo não interessa muito”. Longe da ‘tragédia’ do kwanza Noutros países, a queda da moeda tem sido maior. O caso de Angola será o mais emblemático a este respeito, onde a moeda nacional, o kwanza,
acumula perdas face ao dólar desde 2014/2015 e, só este ano, já perdeu 30% até Junho. As causas, contudo, são diferentes. O problema começou em 2014/2015, com a perda de bancos correspondentes norte-americanos, primeiro, e europeus, depois, por incumprimento sistemático das normas de controlo de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, e devido à elevada presença de pessoas politicamente expostas nas instituições bancárias. A queda do preço do petróleo, somada à redução da produção por falta de investimento no sector, e as intervenções do Banco Nacional de Angola fizeram o resto: em 2013/2014, um dólar correspondia a cerca de 100 kwanzas. Hoje, numa altura em que o banco central já pouco intervém na fixação do câmbio, vale cerca de 630 kwanzas. Num país onde a inflação teima em se manter na casa dos dois dígitos, dada a quase total dependência das importações para quase todos os bens e serviços que se consome, o resultado da depreciação tem sido a degradação permanente e sem fim à vista do poder de compra.
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Nação
“obsessão pela inflação a um dígito está a prejudicar a economia” Luís Magaço Economista e CEO da Mozambique Capital & Consulting
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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva:
ara um esclarecimento mais preciso sobre os factores-chave, características e impactos das oscilações cambiais em Moçambique, bem como as fórmulas para contornar os desequilíbrios daí resultantes, a E&M ouviu o economista Luís Magaço, uma das vozes com conhecimento profundo sobre o assunto, dada a estreita ligação profissional com o sector financeiro no seu palmarés. É director da Cowi Moçambique, uma firma internacional dinamarquesa de consultoria com mais de 50 consultores nacionais e internacionais, que oferece uma combinação de conhecimentos especializados no país e conhecimentos internacionais nos campos da economia, gestão, planeamento e ambiente; é CEO da
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Mozambique Capital & Consulting (MzC&C), uma linha de negócios da holding Moçambique Capitais S.A., criada em 2016 para a prestação de serviços de consultoria nas áreas financeira, de sistemas de informação e em gestão de programas; é presidente do Conselho Fiscal da MCNET; é presidente da Mesa da Assembleia Geral do Instituto de Directores; é também presidente do Pelouro da Política Financeira da CTA; e conselheiro da Agenda 2025. Sobre a preservação do valor do metical, tema desta entrevista, Luís Magaço faz uma intervenção, em jeito de crítica, direccionada a duas instituições: o Banco Central e o Ministério da Economia e Finanças. De um modo geral, aponta como um dos pecados do Banco de Moçambique o facto de “gabar-se” de aumentar as Reservas
Internacionais Líquidas, mas que estão todas lá fora a servirem de elemento para o desenvolvimento de outros países. Considera que, ao invés disso, seria importante que se enviasse ao País uma parte deste valor para suprir as necessidades internas de estímulo à produtividade. Conclui que, a longo prazo, a política restritiva do Banco de Moçambique desfavorece a produtividade e, em último plano, o crescimento. Quanto ao Ministério da Economia, Magaço aponta que este deveria cobrir a ineficácia da política do Banco Central através de políticas de estímulo à economia, o que não está a acontecer. A oscilação cambial de uma moeda sempre impacta no comércio externo como penalizadora das importações, que ficam mais caras, e www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
Entrevista impacto através da concentração de poucos sectores captadores de divisas como a energia eléctrica, gás, carvão. Mas sucede que, quando um país tem as suas fontes de exportação concentradas num só sector, neste caso o energético, torna o resto da economia ineficiente. Isto é, quando o País ganha robustez cambial que não é acompanhada pela capacidade produtiva, os outros sectores sofrem as consequências, porque os poucos sectores exportadores é que vão determinar as perdas ou os ganhos de toda a economia quando se verifica a oscilação cambial. Mesmo na sequência dessa colocação, é suposto que a desvalorização do metical estimule as exportações. Sente que isto está a acontecer? Faço esta pergunta porque além de o país ter uma fraca matriz de produção e de exportação, estamos num momento em que o comércio não flui por causa da pandemia… Os sectores tradicionais de exportação, como o açúcar, citrinos, tabaco, algodão e todos os produtos agrícolas de rendimento ganham muito com a situação actual de desvalorização da moeda nacional. Também ganham sectores como o dos serviços,
a inflação, a taxa de câmbio e as taxas de juro. Normalmente, dependendo do estágio da economia, o Banco Central vai priorizando uma das três variáveis. Mas, no nosso caso, nos últimos anos, das três variáveis o Banco Central elegeu a inflação como principal pivot. A ideia é estabilizar a inflação para garantir a capacidade de consumo mínimo das populações. Agora, quando se selecciona uma das variáveis, há sempre o problema de ter a obrigação de mexer noutras para estabilizá-las. Então, acontece que a priorização da estabilidade inflacionária a um dígito por parte do Banco Central tem sacrificado muito os sectores económicos do País. De que maneira? Quais são os desajustamentos, se assim podemos chamar, que resultam desta política do regulador? Por exemplo, para conseguir manter a inflação a um dígito, o Banco de Moçambique está a operar sobre as taxas de juro de referência – as taxas directoras – que funcionam no sentido da secagem (redução) ou da alimentação (aumento) da disponibilidade de moeda no mercado. Ou seja, o Banco Central tem uma percepção (da qual até
“O que temos assistido, infelizmente, é que o Banco Central tem políticas muito restritivas, muito inflexíveis, muito penalizadoras à produção. Mas também precisamos de uma política fiscal que venha do Ministério da Economia com incentivos à produção”. incentivadora de exportações, que se tornam mais acessíveis. Do lado das importações, quais são os sectores que mais sofreram e que poderão ainda sofrer estes impactos? Um país que produz tem maior capacidade de abastecer o mercado local em bens e serviços, o que implica que precisa menos de importar e que consegue exportar. É um país com uma economia sólida, com saldo positivo de transacções comerciais. Moçambique, infelizmente, é um país com a balança comercial tradicionalmente negativa, cuja diferença entre as importações e exportações é geralmente coberta por fundos de doadores, agências de desenvolvimento, etc. Sempre foi assim, desde a era colonial. Portanto, o que há de bom nisto é que temos uma produção interna com algum www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
os que vendem, por exemplo, as passagens aéreas em divisas, as consultorias feitas fora, etc. É verdade que, no fim do dia, os preços podem vir a estabilizar quando ocorrer, em determinado momento, o aumento dos preços internos até ao nível dos benefícios que se obtêm da desvalorização cambial. Mas, de um modo geral, todos estes sectores estão a ganhar. Temos estado a olhar para as metas de inflação prevista para este ano como sendo baixa e estável. Acredita que tal meta seja alcançável perante a acentuada desvalorização que o metical está a experimentar? O Banco Central que é a autoridade monetária, feliz ou infelizmente, tem uma abordagem em torno de três grandes variáveis, nomeadamente
hoje não temos informação detalhada) de que o mercado tem excesso de liquidez, o que gera inflação. E para secar esta inflação é preciso que a autoridade retire moeda do sistema financeiro. Como? Fá-lo através da contracção do crédito. Também o faz através da secagem da própria liquidez por meio da política de reservas obrigatórias e das taxas de juro. Quanto às reservas obrigatórias, o Banco de Moçambique simplesmente vai aos bancos retirar o excesso de liquidez e, uma vez com menos recursos, estes passam a realizar empréstimos a taxas de juro mais altas. Assim, a política monetária do Banco Central, infelizmente, não estimula a produção. Estimula o corte da circulação da moeda, que tem um impacto inverso na produção. Ou seja, passa a haver menos produção
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Nação
“É melhor ter uma inflação regulada, mas que represente o ‘espelho’ da economia, do que uma inflação que resulte de cortes que se fazem administrativamente pelo Banco Central ao sistema financeiro” porque há menos dinheiro e porque este está mais caro. Portanto, a fórmula do Banco Central pode funcionar bem a curto prazo, mas não a longo prazo numa economia em contracção. A obsessão pela taxa de inflação a um dígito está a prejudicar esta economia. Quais seriam os diferentes modelos de política que poderiam ser aplicados para lidar com este dilema sem causar, digamos, feitos colaterais? O que temos assistido, infelizmente, é que o Banco Central tem políticas muito restritivas, muito inflexíveis, muito penalizadoras para a produção. Mas também precisamos de uma política fiscal que venha do Ministério da Economia e não das Finanças (enfatizou, lembrando que, actualmente, “Economia” e “Finanças” estão aglutinadas no mesmo ministério – o da Economia e Finanças), com incentivos à produção. Isto é, se o Banco Central comprime a disponibilização do financiamento ao sector produtivo, o Ministério da Economia, através de uma política económica e fiscal de estímulo, pode alimentar o mercado com recursos que permitam que o sector produtivo tenha procura e possa ter
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produção, mais emprego, mais rendimentos para as famílias e para as empresas e, em último plano, haja crescimento real da economia que, no ciclo, possa contrapor os efeitos do controlo da inflação. Por exemplo, o Millennium Challenge Corporation (MCC) – agência norte-americana de apoio ao desenvolvimento externo, que disponibiliza fundos através do Millennium Challenge Account (MCA) a vários países, incluindo Moçambique – é o caminho menos nocivo enquanto mecanismo de deflação importada, por tratar-se de uma injecção de divisas no sistema financeiro para apoiar sectores muito concretos, que vão depois demandar produtos e serviços, e aumentar o emprego, a produção, as infra-estruturas, e a capacidade de ampliar as exportações. Esta seria uma abordagem complementar às medidas do Banco Central. E quanto ao próprio regulador, que caminhos deveria tomar para minorar as fragilidades ao nível da inflação e das taxas de câmbio? Por exemplo, não entendo como um país com as características deste tecido produtivo continua a insistir numa
política do controlo de inflação. Obviamente que ninguém quer uma inflação descontrolada, mas uma inflação controlada aumenta dinheiro para os exportadores, estimula a produção e funciona como um mecanismo que dinamiza a economia. A longo prazo, aumenta o rendimento e, se assim é vai aumentar o poder de compra das famílias. A minha sugestão, como economista, é que uma economia como a nossa, que não é estável nem altamente produtiva, não deve ter uma inflação estática, inflexível porque não ajuda a termos mais estímulo à exportação e aos investimentos. É melhor ter uma inflação regulada, mas que represente o “espelho” da economia, do que uma inflação que resulte de cortes que se fazem administrativamente pelo Banco Central ao sistema financeiro. Mas a culpa é do Ministério da Economia que não faz nada. O Banco Central até faz. Mas o Ministério da Economia não tem um programa de estímulo ou um programa de desenvolvimento em que diz: “o Banco Central está a limitar-nos, mas vamos nós reinventar-nos encontrando parceiros que apoiem a produção”. Esta produção aliviaria a carga do Banco Central criando hipóteses para ampliar postos de trabalho. Quais são os cenários que se esperam ao longo do presente ano em relação ao comportamento do metical, olhando para a prevalência do Covid-19 e o gradual alívio às medidas de prevenção? Acredito que a taxa de câmbio é capaz de atingir 75 meticais por dólar, porque, visualmente, não há uma resposta produtiva para fazer face à Covid-19. A partir de 2021, há muitos fenómenos que podem ocorrer e reverter esta situação de cariz monetário, mas para já, até ao fim deste ano, continuaremos a ter os mesmos pressupostos que a mineradora Vale tinha para lidar com esta situação (quando decidiu paralisar a produção por três meses para ajustar questões laborais internas, lembrando que esta empresa é responsável pela maior parte da produção de carvão, cujo peso nas exportações totais é largamente maior). Por outro lado, o Banco de Moçambique vai continuar a lutar com todas as armas possíveis para que a desvalorização não seja tão grave e, se necessário, vai colocar a moeda externa no sistema financeiro www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
OPINIÃO
“Suca” daqui, Maldição dos Recursos!
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João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
este artigo a expressão shangana “Suca” significa “fora daqui”, e é utilizada para expulsar alguém ou para exprimir reprovação ou rejeição - vai ser instrumental para analisarmos o tema da “Maldição dos Recursos”, também conhecida por “Doença Holandesa”. Esta expressão foi utilizada pela primeira vez em 1977, num artigo do The Economist, para identificar os efeitos negativos na economia, resultantes da descoberta, pela Holanda, em 1959, de vastas reservas de petróleo no mar do norte. Apesar das designações “Maldição dos Recursos”, ou “Armadilha dos Recursos”, ou “Doença Holandesa” serem relativamente actuais, este fenómeno é tudo menos recente: a Espanha, com o ciclo do ouro das américas, no séc. XVI; Portugal com o ciclo do açúcar do Brasil no séc. XVII; A Austrália com o ciclo do ouro no séc. XIX são exemplos primevos do fenómeno que aqui nos traz a esta crónica. Vejamos, seguidamente: 1) Em que consiste a “Maldição dos Recursos”? Essencialmente, a “Maldição dos Recursos” traduz-se no aumento repentino (Efeito “Boom”) das exportações de um recurso natural não renovável (adiante, Commodity). E a evidência deste fenómeno encontra-se no crescimento, repentino, na pauta de exportações do país em causa, de uma dada Commodity – v.g. seja ela o ouro; o açúcar; o petróleo; ou o gás natural. 2) Quais são os efeitos da “Maldição dos Recursos”? São vários (isolámos 11!) e de diversa natureza e que abordaremos sequencialmente e por “ordem de entrada em cena”: a) Efeito de entrada de divisas: A consequência imediata da venda ao exterior da Commodity consiste no aumento repentino da entrada massiva de divisas no país exportador (quer por via de Investimento Directo Estrangeiro, quer por via de receita fiscal). b) Efeito de apreciação real da taxa de câmbio: A entrada massiva e repentina de divisas gera excesso de oferta de moeda estrangeira, e que tem como consequência a apreciação da moeda (normalmente face ao dólar) do país exportador da Commodity. c) Efeito de diminuição das exportações do sector secundário: A consequência directa da apreciação da
moeda do país exportador da Commodity consiste no aumento dos preços dos produtos exportados pelo sector secundário desse país, que assim perde competitividade. A evidência encontra-se na diminuição, na pauta de exportação, de produtos industriais do país exportador da Commodity. d) Efeito de gasto: Igualmente, a consequência directa da apreciação da moeda do país exportador da Commodity consiste no aumento das importações. A evidência encontra-se na diminuição dos preços dos produtos importados. e) Efeito de desindustrialização (“Lagging sectors”): A braços com a perda progressiva de competitividade, por via do preço, quer do lado das exportações (cujos produtos ficaram mais caros), quer das importações (cujos produtos ficaram mais baratos) assiste-se ao desaparecimento progressivo das indústrias de bens transaccionáveis. E a evidência encontra-se na redução do peso da indústria produtora de bens transaccionáveis, e bem assim da agricultura no PIB, em detrimento do aumento do peso do sector da extracção, produção e exportação da Commodity. f) Efeito de perda de diversificação da economia “Spill overs Loss”: Em consequência da desindustrialização, assiste-se a uma concentração da actividade económica em torno da extracção, transformação e exportação da Commodity. A evidência desta fase encontra-se no aumento de encerramento de unidades fabris, e do pedido de falências e insolvências; na diminuição do registo de marcas e patentes; na diminuição do investimento em ciência e inovação. g) Efeito de dupla deslocação de recursos (“Crowding-Out”): Em consequência da falta de atractividade das restantes indústrias e da agricultura, assiste-se a um duplo deslocamento de recursos: da mão-de-obra, agora atraída por condições e salários mais competitivos do sector da Commodity, por um lado. E por outro, a alta rentabilidade do sector da Commodity faz deslocar o capital para fora da indústria de bens transaccionáveis e da agricultura, e em direcção à Commodity. A evidência deste efeito encontra-se na diminuição do investimento interno e internacional na produção de bens
Com a perda progressiva de competitividade, por via do preço, do lado das impirtações e das exportações, assiste-se ao desaparecimento progressivo das indústrias de bens transaccionáveis
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transaccionáveis e na agricultura e, bem assim, na diminuição do volume de emprego nessas indústrias. h) Inflação: O aumento generalizado dos salários gera uma pressão na procura de bens e serviços que o mercado interno (a Oferta) deixou de ser capaz de produzir. i) Efeito de enclave: Da combinação cruzada dos efeito referidos anteriormente resulta uma economia que passa a girar apenas em torno da extracção, transformação e exportação da Commodity, por conta da apreciação cambial. A evidência deste efeito encontra-se em diversos países como Angola, Nigéria, Colômbia, entre outros, onde mais de 95% do PIB assenta na exportação de Commodities. Mas a “Maldição dos Recursos” não traz apenas impactos económicos negativos. Outras classes de efeitos têm sido registadas em países que não souberam evitar a “Armadilha dos Recursos”, designadamente: j) Efeito de “Petro-agressão” (“Resources-war”): São sobejamente conhecidas não apenas as agressões a países (e.g. Invasão do Kawait), como o surgimento de movimentos terroristas/insurgentes nas áreas de extracção e transformação das Commodities. k) Efeito anti-democracia e violação dos direitos do Homem: Têm sido registadas violações dos direitos humanos, aumento das desigualdades sociais, aumento da corrupção e da criminalidade, e o reforço do autoritarismo de Estado num grande número de países nos quais ocorreram descobertas massivas de recursos naturais não renováveis. 3) E que medidas podemos elencar e que têm sido tomadas pelo mundo fora para mitigar os impactos negativos da “Maldição dos Recursos”? a) Ao nível da economia global é possível observar uma correlação positiva entre o preço das Commodities e a intensidade da “Maldição dos Recursos”: Assim, quanto mais alto for o preço da Commodity nos mercados internacionais, mais intensos são os efeitos da “Armadilha dos Recursos”. No actual contexto pandémico e consequente diminuição generalizada do preço é expectável que, nos próximos anos, possamos contar com uma redução generalizada da intensidade dos efeitos www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
da “Maldição dos Recursos” por esta via, a qual beneficia, de igual modo, todas as economias. b) Desvalorização da moeda: Esta medida, por atacar o coração da “Maldição dos Recursos” (i.e. a apreciação real da taxa de câmbio) tem gerado efeitos bastante positivos no seu combate, mas a sua utilização tem sido cada vez mais limitada no âmbito dos acordos de integração em zonas económicas, e pela OMC (Organização Mundial do Comércio), no sentido de combater as medidas de natureza proteccionista. c) Estímulos económicos e tarifas aduaneiras de protecção às industrias de bens transaccionáveis: Este tem sido o caminho mais trilhado de combate à “Maldição dos Recursos”, designadamente pelos países asiáticos (Malásia, Indonésia, Tailândia). d) Políticas activas de substituição de importações (“Conteúdo Local”): neste contexto, a generalização do uso de legislação promotora do uso do conteúdo local nos projectos associados à extracção, transformação e exportação de Commodities tem sido uma das armas mais frequentemente utilizadas no combate à “Doença Holandesa” (Gana; Nigéria). e) Criação de um Fundo Soberano: a experiência Norueguesa é, a este propósito, um exemplo absoluto de aplicação eficiente e democrática da renda resultante da venda do petróleo do mar do norte no combate à “Maldição dos Recursos”. Em conclusão A descoberta massiva de recursos naturais não renováveis traz consigo, para além de efeitos positivos que neste artigo não abordámos, uma série de impactos negativos a que genericamente se atribui a designação de “Maldição dos Recursos” ou “Doença Holandesa”. As experiências ocorridas pelo mundo fora trazem-nos ensinamentos que devemos, no mínimo, ter conhecimento no sentido de evitar os efeitos da também apelidada “Armadilha dos Recursos”. Em face do que fica dito, e em matéria de tamanha complexidade, por certo não bastará um simples “Suca daqui” para fazer desaparecer, em Moçambique, os efeitos negativos (alguns deles já visíveis!) associados à exploração da Commodity Gás Natural.
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Mercado e finanças Que País teremos até ao final do ano? A maior parte das metas orçamentais podem falhar e a condição social dos mais pobres pode transitar para... péssima. A E&M recorreu ao CIP para fazer as contas ao futuro, a partir do Relatório de Execução Orçamental do 1º semestre
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Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R. ue perspectivas o relatório de execução orçamental (reo) de janeiro a Junho dá em re-
lação à execução do Orçamento do Estado até ao fim do ano, e o que esperar da proposta do Orçamento para 2021? É respondendo a esta questão, que se segue, neste artigo, uma espécie de antevisão do futuro imediato do ambiente socioeconómico do País pelo Centro de Integridade Pública (CIP), enquanto um dos integrantes de peso do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO). Nesta análise, a economista e pesquisadora do CIP, Celeste Banze, traz o pensamento de todo o FMO (composto por mais de 20 membros) em que, olhando para o deteriorar das condições macroeconómicas, políticas e sociais do País – através de uma avaliação minuciosa do ritmo de arrecadação da receita, de execução da despesa e da dívida pública no primeiro semestre – traça um horizonte sombrio sobre o que se pode esperar até ao fim do presente ano. Mas também deixa recomendações oportunas que podem ajudar a contornar os males que constituem os principais desafios do País na actualidade. Meta de receitas será difícil A execução do OE de Janeiro a Junho de 2020 reporta uma mobilização de recursos equivalente a 50,5%, mas este desempenho não foi resultado da receita tributária que teve apenas uma execução de 46%, refere o CIP, prevendo que, para o segundo semestre de 2020, a retoma gradual das actividades possa melhorar os níveis de arrecadação da receita tributária. Ainda assim, alerta, o alcance das metas de arrecadação vai exigir muito
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esforço por parte da Autoridade Tributária, já que pode não contar com a “sorte” dos últimos anos, em que teve o reforço de uma receita não prevista – as mais-valias. O CIP lembra também que os grupos de impostos que merecem maior esforço, e estão em risco falharem as metas, incluem os impostos sobre rendimentos de pessoas colectivas, que até Junho tinham sido executados em 39,2%, os impostos sobre o comércio externo executados em 37,4% e os impostos sobre consumo específico de produção nacional e de produtos importados, cuja realização foi de apenas 31,8% e 26,5%, respectivamente. Defesa pode demandar o dobro do que tem A realização da despesa do Estado foi equivalente a 41,1% do orçamento anual. O nível de execução da despesa de funcionamento alcançou o equivalente a 45% do orçamento anual, tendo o investimento atingido o correspondente a 23% do programado. Para o Fórum de Monitoria ao Orçamento, esta diferença revela a “manutenção do carácter despesista do orçamento com foco no consumo”. Até meio do ano, a despesa no sector da defesa, com um nível de execução de 95,5% das despesas alocadas, reflecte o fardo que os conflitos na zona Centro e instabilidade em Cabo Delgado têm para o orçamento público. Este nível de execução permite prever que se os conflitos perdurarem até ao final do ano, muito provavelmente os gastos na Defesa poderão atingir cerca de 200% do previsto, projecta a economista Celeste Banze. Ainda de acordo com a pesquisadora, a natureza do impacto dos conflitos leva a crer que os efeitos da instabilidade nas zonas Centro e Norte do País já trazem e tra-
rão custos imensuráveis com impacto directo não só para homens, mulheres, crianças e idosos em situação de vulnerabilidade, mas também para os intervenientes directos incumbidos de defender a soberania do País – as Forças de Defesa e Segurança. Assistência social ainda mais precária O maior peso dos 12,2 mil milhões de meticais aplicados nas transferências para as famílias foi para as pensões (8,9 mil milhões), montante que está associado ao aumento de 7000 efectivos dos pensionistas militares. “O REO não detalha os factores que ditaram esse aumento, mas muito provavelmente o fenómeno sinaliza o início de agravamento dos custos sociais associados aos conflitos”, pressupõe a economista. O facto é que, no contexto actual, esperava-se que os recursos gastos em assistência social à população tivessem níveis altos de realização da despesa, o que não aconteceu. No primeiro semestre foram gastos cerca de 2,2 mil milhões de meticais em assistência sowww.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
contas públicas
“A Proposta do Orçamento do Estado para 2021 deve trazer um balanço detalhado da execução dos recursos recebidos e gastos no âmbito da pandemia do COVID-19 no ano 2020 cial, uma realização de 49,3%, cerca de 4,4 pontos percentuais a menos, se comparado com igual período do ano passado. “O estranho é que os gastos em assistência social no âmbito da COVID-19 foram colocados numa rubrica denominada ‘Demais Transferências a Famílias’, pouco clara, que sempre existiu e que não permite captar o nível de esforço do Governo para apoiar as famílias carenciadas afectadas pela pandemia. Esta rubrica, até ao meio do ano, realizou apenas 37,2% e se mantiver este ritmo pode terminar o ano sem executar o seu orçamento na totalidade”, avisou a representante do CIP. Pecados da emissão de Bilhetes de Tesouro Em relação à dívida interna, as amortizações das obrigações do tesouro destacam-se com um aumento de 287,1% www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
em comparação com igual período do ano anterior. Esta subida exponencial confirma que o excessivo recurso a este mecanismo de financiamento do défice fiscal se revela muito oneroso para os cofres do Estado, porque as taxas de juro são relativamente altas e o período de maturidade é curto, comprometendo a capacidade do Estado de financiar despesas com impacto directo na vida da população. Alem disso, “o excessivo recurso à emissão de obrigações do tesouro tem sido uma alternativa não viável para suprir o défice de liquidez com correlação muito forte ao mecanismo de gestão com base em caixa. O problema é que o OE é planificado de forma politizada, sem oportunidade de a sociedade civil poder dar a sua opinião, o que faz com que a projecção das cifras or-
çamentais sejam números não realistas e a gestão com base em caixa não permite uma planificação orçamental consistente. Não permite, por exemplo, ver os atrasos nos desembolsos de fundos por parte do Tesouro, transtornando todo o processo de procurement e, consequentemente, a implementação de projectos”, lamenta o CIP. Em termos de encargos da dívida, o destaque vai para a amortização da dívida externa bilateral, que consumiu dos cofres do Estado cerca de 7,5 mil milhões de meticais e pagamento de juros de 6,3 mil milhões de meticais. Neste montante, está incluído o pagamento dos juros da Dívida Soberana MOZAM 2023, no dia 15 de Março, avaliada em cerca de 22,5 milhões de dólares. De acordo com o plano de reestruturação, está previsto outro pagamento de juros no mesmo montante a 15 de Setembro corrente. Será necessário rectificar o OE Uma observação importante é que o tipo de informação que consta do REO
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O que o País conseguiu em receitas...
... E onde foram alocadas?
No 1º semestre houve equilíbrio ao nível dos recursos mobilizados, que chegaram aos 50,5%, uma capacidade que pode ainda melhorar com a retoma gradual da actividade económica.
Muitos sectores não deverão cumprir as metas previstas, com destaque para a defesa que já gastou 95% do alocado. serviços públicos gerais
104 41,3 39,7
Em mil milhões de meticais
Recursos por mobilizar
defesa
10,6 10,1 95,5
170,9
segurança e ordem pública
28,4 14,5 51
345,4
mil milhões Mt assuntos económicos
74 26,2 35,4 Celeste Banze, economista e pesquisadora do CIP
174,5
protecção ambiental
8,9 0,47 5,3
Recursos mobilizados
Quanto foi gasto?
habitação e desenv. colectivo
O Estado realizou despesas equivalentes a 41,1% do orçamento anual. A principal chamada de atenção, neste aspecto, é para que haja maior transparência para voltar a merecer a confiança dos parceiros externos.
10,4 2,9 28,4 saúde
31,3 12 38,2
Em mil milhões de meticais recreação, cultura e religião
Despesa por realizar
1,5 0,04 38,7
203,6
educação
65,3 30 46
345,4
mil milhões
segurança e acção social
10,7 3,6 33,7 Orçamento anual
141,8 Despesa realizada
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Realização Jan./Jun.
Taxa de realização FONTE Ministério da Economia e Finanças
está intrinsecamente ligado ao Orçamento do Estado (OE) aprovado, ou seja, se este for omisso, o REO será igualmente omisso. Portanto, havendo alterações conjunturais (por exemplo, revisão do crescimento do PIB real, das exportações e/ou dos recursos do Estado, etc.) na proporção dos impactos causados pelo Covid-19, o ideal é submeter um orçamento rectificativo para que a execução reflicta, efectivamente, a informação enquadrada ao contexto actual. Há indicadores claros, em Moçambique, de que será mesmo necessário submeter o orçamento rectificativo, nomeadamente o facto de, no OE aprovado: se ter considerado um nível de crescimento do PIB de cerca de 2,2% e, actualmente, ter sido revisto para 0,8%; se ter considerado um nível de exportações de cerca de 4,4 mil milhões de dólares, que, muito provavelmente, não se irá alcançar pelo facto destas não terem atingido, sequer, metade da meta prevista, ao se fixarem em apenas 1,2 mil milhões de dólares; se ter considerado também um envelope de recursos e limite da despesa que agora mudou no contexto das acções para fazer face os desafios do Covid-19. “Se até ao final do ano não forem incorporadas as revisões conjuntuwww.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
contas públicas
SERVIÇO da dívida também aumentOU O CIP chama atenção para a necessidade de o Estado rever as formas mais vantajosas de endividamento para não comprometer o investimento na provisão do bemestar das populações. Em mil milhões de meticais dívida externa
6,4 9,5 dívida interna
4,7 5,7 total
11,1 15,2 1º Sem. 2019
“A assistência social no âmbito do Covid-19 foi colocada numa rubrica denominada ‘Demais Transferências a Famílias’, que não capta o esforço do Governo no apoio aos carenciados rais que afectam os rácios inicialmente previstos, através de um orçamento rectificativo, os documentos orçamentais não irão trazer informação suficientemente realista e aberta para que a sociedade capte o nível de esforço do Governo em acções para fazer face à Covid-19, o que é problemático num contexto que se exige maior transparência”, alerta o CIP. A instituição lamenta, igualmente, o facto de o Relatório de Execução Orçamental começar com uma explicação do desempenho que, no seu entender, enfatiza tudo menos o Covid-19. E exemplifica: “A execução do primeiro semestre foi influenciada negativamente pela seca que vem assolando a zona Sul desde o ano transacto, pela ocorrência de chuvas anormais em algumas províncias das regiões Centro e Norte do País, registadas no primeiro trimestre, tudo aliado à instabilidade militar nas Zonas Centro e Norte do País, afectando negativamente os sectores de actividades agro-pecuárias, infra-estruturas sociais e o comércio”, concluiu. www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
Preservar a confiança dos parceiros externos A boa notícia extraída pelo CIP é que, “em relação ao financiamento do orçamento, destaca-se o desembolso do Apoio ao Orçamento no montante de 20,7 mil milhões de meticais, referente aos 309 milhões de dólares do FMI. Nota-se que o nível de execução dos desembolsos do financiamento via Conta Única do Tesouro (CUT) se sobrepõe aos efectuados fora da CUT, com 56,8% e 43,2% respectivamente. Isto pode ser um indicador de que se pode estar a reverter o cenário de falta de confiança por parte dos parceiros movida pela necessidade de apoiar o País a fazer face à pandemia”. No entanto, esta vantagem pode ficar diluída se “este cenário não for acompanhado por um esforço do Governo em melhorar os níveis de transparência”. O que nos deve trazer a Proposta do OE 2021? O CIP sugere que o ideal é que este documento venha enriquecido pelo facto de o Cenário Fiscal de Médio Prazo 2021 a 2023 já ter sido produzido. Ou seja, já há bases sólidas para as
1º Sem.2020
projecções e de modo a garantir consistência entre os documentos. Por exemplo, nas tabelas que apresentam as classificações da despesa funcional, económica e administrativa sugere-se que se apresentem as projecções para, pelo menos os dois anos subsequentes cobertos pelo Cenário Fiscal de Médio Prazo, O mesmo serve para Receitas. As projecções para os anos subsequentes são úteis para dar credibilidade às projecções do Governo. Além disso, a Proposta do OE 2021 deve trazer um balanço detalhado da execução dos recursos recebidos e gastos no âmbito do Covid-19 no ano 2020, bem como a justificação por detrás da definição dos limites de endividamento e emissão de garantias do Estado. Deve ainda mostrar as projecções da inflação, taxa de juro e crescimento do PIB real de forma mais informativa e acompanhada de uma fundamentação. Neste contexto, em vez de só reproduzir as projecções que estavam na Lei para o Orçamento do Estado para 2020, dever-se-ia usar as estimativas mais recentes. Por exemplo, o Governo, no dia 26 de Agosto de 2020, reviu a taxa de crescimento real do PIB para 0,8%, em vez de 2,2%. Esta nova taxa deve ser a base para as projecções de 2021 com informação detalhada sobre os pressupostos por detrás desta projecção.
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OPINIÃO
Sistema financeiro e exclusão social
a
Francisco António Souto • Economista
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comercialização agrícola, apesar de ser vital para o crescimento económico inclusivo do país, está impedida de realizar o seu papel devido à natureza e características do sistema financeiro que hoje existe em Moçambique”. Cito e retomo aqui a afirmação que fiz na conferência sobre comercialização e industrialização realizada dia 29 de Agosto em Nampula, para despertar um debate sobre políticas e medidas que tornem o sistema financeiro moçambicano um factor gerador de inclusão social e económica. As dinâmicas dos processos de comercialização agrícola oferecem-nos uma radiografia da deformação do sistema financeiro prevalecente em Moçambique. Esta radiografia alerta para a percepção de que o sistema financeiro está induzindo desigualdade, favorecendo a concentração de renda em operadores identificados como “corporate”. Um indicador da gravidade deste problema consiste no facto de 1cerca de 67% da população moçambicana viver nas zonas rurais, mas cerca de 54% desta população, produzir apenas para consumo, estando portanto numa economia de subsistência. Dos que vivem do cultivo, apenas 2% são agricultores comerciais. Portanto, mais de metade da população rural não tem capacidade e/ou não tem motivação para produzir excedentes para vender de forma regular em quantidade e qualidade com o objectivo de realizar dinheiro e poder comprar outros bens essenciais à melhoria das suas condições de vida. Cerca de 1/3 das famílias moçambicanas vive do cultivo ou do que a natureza ao seu redor oferece. Esta população vive permanentemente vulnerável às muitas adversidiades da natureza. Porque é que esta situação prevalece 33 anos após abraçarmos os programas de ajustamento estrutural e terem sido adoptados os princípios e práticas de uma economia de mercado? Onde está e o que é economia de mercado nas zonas rurais de Moçambique? Uma das razões desta anomalia é a existência de um crescente desalinhamento entre: • por um lado, um sistema fincanceiro concentrado em instituições bancárias que, por sua vez, estão cada vez mais focadas no segmento designado por “corporate”;
• por outro lado, temos um sistema de produção e comercialização onde a esmagadora maioria dos operadores – agricultores familiares, pequenos e médios comerciantes – não são corporate embora operem subordinados a regras de mercado impostas por corporações. Devido a este desalinhamento, o pouco financiamento bancário à comercialização concentra-se nas grandes empresas, cuja actividade está orientada para bens de exportação. Mas não se espere que a banca comercial satisfaça a procura de crédito por parte de novos pequenos negócios com garantias frágeis. A banca comercial está cada vez mais obrigada a seguir regras que decorrem dos acordos de Basileia 2 e 3 que têm os seus pressupostos em economias desenvolvidas com sistemas financeiros formais profusamente instalados. Estas regras amarram as instituições financeiras formais ao cumprimento de uma matriz de gestão prudencial focada em objectivos estritos de políticas monetárias que não incorporam objectivos de inclusão social e económica específicos de sociedades ainda eminentemente informais. Em Moçambique, menos de 9% dos adultos têm uma ocupação profissional ligada ao sector formal. Assim, há algum crédito bancário às grandes empresas ligadas à produção e/ou comercialização de açúcar, tabaco, algodão, cajú, madeiras, feijão boer; mas é absolutamente insuficiente o financiamento para os milhares de pequenos comerciantes e pequenas industrias que compram aos cerca de 3 milhões de agricultores familiares a sua produção de milho, mapira, mandioca, amendoim, tomate, batata, feijão nhemba... Quem exporta, tem divisas, e isso é negócio que interessa à banca comercial e ao gestor das reservas para importações. Quem não exporta só tem acesso a crédito bancário se tiver “boas famílias” e um bom histórico no banco, além de garantias reais e/ou financeiras acima de 100% do montante do crédito. Além disso, nos últimos anos, até mesmo algumas empresas que investiram na agro-industria, incentivando a produção para exportação, não escapam à agressividade de operadores piratas ao serviço de interesses financeiros estrangeiros. As campanhas de compra de caju aos camponeses são um bom exemplo de como a comercialização desregulada pode ser um meio de lavagem de
Onde está a economia de mercado? Uma das razões da assincronia a que se assiste é a existência de um sistema financeiro focado no corporate e um sistema produtivo familiar, que não o é
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Canais digitais estão a chegar onde a banca não conseguiu nos últimos anos
dinheiro e, muito provavelmente, também um meio de exportação ilegal de capitais. E, contudo, as medidas de política monetária restritivas e, algum excesso de zelo burocrático-administrativo relativamente aos operadores formais de microfinanças, têm alargado o campo de manobra de um sector informal que opera impunemente e em concorrência com os que se submetem aos procedimentos de um regulador zeloso em fazer cumprir os normativos de uma matriz tipo “one size fits all”. O estudo-avaliação do FinScope recentemente publicado, focado nos cerca de 14,2 milhões de habitantes adultos que hoje somos em Moçambique, mostra-nos que, entre 2014 e 2019, a população completamente excluida de serviços financeiros reduziu de 60% para 46%. Isso é um avanço que importa referir. Porém, nesses mesmos cinco anos, e apesar dos esforços de programas como a bancarização – 1 distrito 1 banco – a percentagem de adultos com conta bancária, apenas subiu 1%, passando de 20% para 21%. Neste período, quem de facto fez crescer a inclusão financeira foi o sector informal, que subiu de 27% para 32%, bem como os serviços de mobile money que cresceram bastante, passando de 10% para 41%. É duvidoso que o crescimento da inclusão financeira por estas vias altere o dificil acesso dos comerciantes rurais e das pequenas indústrias ao capital necessário para melhorar as suas capacidades de armazenagem, compra e transporte de insumos interagindo com os cerca de 3 milhões de agricultores familiares. Os operadores de mobile money não dão crédito, apenas agilizam transações. Os informais, que também cresceram, não fazem crédito com ética, fazem agiotagem ou lavagem de dinheiro. Esta é uma radiografia que recomenda uma cuidadosa reflexão porque está em preparação nova legislação sobre o sistema financeiro. As legislações de 1989 emendada em 2004 foram uma primeira geração de reformas do quadro www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
legal do sistema financeiro. Em ambas o foco foi desestatizar o sistema financeiro e demarcar o território legal da banca comercial privada. Tem sido assim por qause toda a África. Mas, também por quase toda a África subsahariana aprofunda-se o debate sobre o nexus entre desenvolvimento dos sistemas financeiros e o agravmento das desigualdades sociais. Estudos produzidos por vários académicos chamam a atenção para a necessidade de uma diversificação dos canais de oferta de serviços e de produtos financeiros capazes de responder à procura dos diferentes segmentos. Hoje, em Moçambique, estão em operação 19 bancos comerciais que realizam mais de 99% da actividade financeira. Em países desenvolvidos com sistemas financeiros consolidados é muito mais relevante o papel das sociedades financeiras de desenvolvimento; das cooperativas de crédito; dos sistemas de mutualismo e outros. Hoje, em Moçambique, estes canais alternativos são praticamente inexistentes. Temos de nos interrogar sobre o porquê deste cenário. Esses estudos observam que sistemas excessivamente dependentes de bancos comerciais favorecem as camadas sociais e operadores comerciais de rendimento mais alto. Sendo estes os mais capazes de poupar e aceder a instituições altamente formais, são também apenas os mesmos que acedem ao beneficio do uso da liquidez disponivel no sistema como um todo…Ainda que essa liquidez resulte da produção de milhões de agricultores familiares e de pequenos comerciantes e artesãos. Concluo sublinhando que o sistema financeiro de um país não é agnóstico relativamente aos desafios da inclusão social e económica. Se uma nova geração de reformas do sistema financeiro não tomar em conta este objectivo, a crescente exclusão social a que assistimos em Moçambique e, em geral, por toda a África, continuará a alimentar focos de instabilidade política e social com implicações na estabilidade e continuidade de estados e nações ainda não consolidados.
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empresas “Xiphefu”, uma pequena luz que se transforma em grande holofote Utilizar electrodomésticos com controlo remoto já não é assim tão novo, mas permitir melhor qualidade de vida a custos reduzidos nunca deixará de ser notícia! E aqui vai mais uma boa história de se partilhar
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Empresa Output Tech Solutions Ano de criação 2018 FUNDADORes Jessen e Nilza Sengulane Produto Xiphefu Colaboradores 6
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Texto Emídio Massacola • Fotografia Mariano Silva
output tech solutions é uma empresa jovem moçambicana do ramo das tecnologias, que promete fazer a diferença no mercado trazendo novas soluções e criando facilidades para o controlo de energia eléctrica. Trata-se de uma startup que surgiu depois de ela própria provar que é possível reduzir em até 30% os custos de energia eléctrica. Hoje, esta ideia assumiu uma identidade típica de Moçambique – Xiphefu, um termo em tsonga, língua falada no sul do País, e que significa lamparina. É, essencialmente, um serviço de controlo remoto sobre o consumo de electricidade em residências e empresas a partir de qualquer canto do mundo, sendo também o maior produto de negócio da Output Tech Solutions. A ideia de criar o Xiphefu foi concebida “quando eu estava a fazer o trabalho final de curso, em 2012, e quis baixar o consumo de energia na minha casa”, conta o engenheiro informático e co-fundador da startup, Jessen Sengulane. Por várias razões, o projecto chegou a ser abandonado ainda no ano da sua concepção. Entretanto, “em 2016, vi um vídeo onde alguns brasileiros já utilizavam a tecnologia com um aplicativo no telemóvel, e então decidi voltar a pegar no projecto e em menos de seis meses já conseguia ligar e desligar a lâmpada com um telemóvel através do bluetooth”. O tempo passou e o sistema evoluiu. O jovem Jessen Sengulane inovou até que conseguiu que o dispositivo Xiphefu (que cabe na palma da mão e é de fácil instalação) passasse a receber e aceitar comandos através de serviços
de mensagem SMS, uma solução muito mais barata em comparação com o uso de dados. Mais ainda, o Xiphefu recebeu autonomia para, através de agendamentos, reagir a comandos, incluindo os de voz. E isto já pode ser feito com recurso ao aplicativo Xiphefu, que está a ser programado para funcionar em vários sistemas operativos. Em 2017, Sengulane foi convidado para apresentar o projecto num concurso aqui em Moçambique, mas dele não arrecadou qualquer prémio. No ano seguinte, já a pensar em desistir e mudar de negócio, “porque trabalhava arduamente e não via resultados”, eis que lhe surge um convite para apresentar o projecto na African Week realizada pela UNESCO em 2019, em Paris, sob indicação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Na França, o projecto foi um dos mais visitados havendo até quem quisesse comprar o Xiphefu, e… o resto é história. Já em Setembro de 2019, a startup foi indicada para participar da ITU Telecom World 2019 na Hungria e, no meio de 150 empresas de 40 países, foi finalista de uma das categorias, sendo que no dia da decisão recebeu um prémio de reconhecimento de “Projecto de Grande Impacto Social” concorrendo, para isso, o facto de ser de baixo custo. A startup comercializa dois dispositivos Xiphefu, o de menor capacidade por 2 800 meticais e o de maior capacidade por 3500 meticais. Nestes tempos de Covid-19, o Xiphefu foi adaptado para funcionar como spray em túneis de desinfecção criados pela startup, que incluem sensores automáticos utilizados também para lavagem das mãos. www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
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megafone MILLENNIUM BIM LANÇA NOVAS ACTUALIZAÇÕES PARA O APP SMARTIZI O Milleniumm bim actualizou o seu aplicativo SmartIZI com uma nova funcionalidade, sendo possível agora realizar transacções internacionais de forma mais rápida e segura. A ideia, inserida no âmbito da sua transformação digital, é “facilitar a vida dos clientes” evitando perdas de tempo e dinheiro. O aplicativo SmartIzi, utilizado por cerca de 40% da base de dados de clientes do banco e que já realizaram mais de 11 milhões de transacções mensais no app, está disponível na Google Play Store e Apple Store para smartphones e tablets com os sistemas operativos Android e iOs, respectivamente.
BCI DOA MATERIAIS DE BIOSSEGURANÇA À PROVÍNCIA DE CABO DELGADO O Banco Comercial e de Investimentos (BCI), no âmbito dos esforços para o combate ao novo Coronavírus, doou materiais de protecção e de higienização, designadamente máscaras faciais, recipientes e detergentes, à província de Cabo Delgado. Os meios foram encaminhados por uma equipa de colaboradores do banco, chefiada pelo director comercial Regional, João Carrilho, que reafirmou o compromisso da instituição financeira com o País: “O BCI está sempre disponível para dar o seu contributo através de iniciativas desta natureza”.
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ABSA BANK LANÇA APP QUE PERMITE TRANFERIR DINHEIRO PARA O EXTERIOR
Banco lançou, quase em simultâneo, o NovoFx e a Pangea, para apoio à importação e exportação
ABILITY LANÇA APP PARA INCENTIVAR A DOAÇÃO DE SANGUE
o novofx é um aplicativo lançado pelo absa bank moçambique que permite realizar transferências bancárias internacionais com as principais moedas de circulação no mundo. Na app lançada em finais de Agosto, que promete “comodidade e flexibilidade”, os clientes poderão fazer o upload da documentação, acompanhar o estado de cada transacção e receber o código swift directamente na caixa de email. O aplicativo pode ser descarregado na Google Play Store ou Apple Store, devendo a sessão ser iniciada com os dados do internet banking. Ainda no âmbito da digitalização de serviços, a Banca Corporativa e de Investimento do Absa, o banco lançou a Pangea, uma plataforma de gestão online que pretende apresentar soluções de apoio à importação e exportação bem como a internacionalização dos negócios dos seus clientes. Na plataforma vai ser possível submeter Cartas de Crédito e Garantias Bancárias e ainda acompanhar e monitorar o estado de cada transacção.“Esta nova solução permite aos nossos clientes gerirem de forma remota, mais directa e imediata, a sua actividade de comércio exterior. Ao mesmo tempo, reforçamos a informação de suporte em tempo real para que possam acompanhar cada fase da transacção”, diz Bernardo Aparício, Director da Banca Corporativa e de Investimento do Absa Bank Moçambique, garantindo para breve “mais novidades que melhoram a experiência dos clientes”. O Absa Bank Moçambique é parte do grupo Absa Group Limited. Está cotado na Bolsa de Valores de Johanesburgo, África do Sul, sendo um dos maiores e mais diversificados grupos financeiros no continente com presença em 12 países africanos incluindo Moçambique, e tem cerca de 42 mil colaboradores.
A startup Ability, com o apoio da seguradora Fidelidade, lançou, a 28 de Agosto, o aplicativo MoreLife com a intenção de permitir que os seus usuários possuam informações dos diferentes postos de doação de sangue, assim como aceder a dados que revelam a gestão do líquido vital. Com este aplicativo pretende-se aumentar o número de doadores, uma vez que o mesmo permite uma interacção em tempo real, entre o Serviço Nacional de Sangue e os utilizadores. Também possibita o acesso a alguns serviços da seguradora.
MOZA ELEITO O MELHOR BANCO DA ÁFRICA AUSTRAL O Moza Banco foi eleito Melhor Banco Regional da África Austral pela prestigiada African Banker Magazine apoiada pelo Banco Africano de Desenvolvimento. O principal factor para esta distinção foi a evolução dos indicadores da actividade comercial que o Banco tem vindo a registar, a expansão da rede de balcões, bem como a disponibilização de produtos e serviços de valor acrescentado para os clientes e o mercado alargado. “É para nós um motivo de grande orgulho”, disse o Presidente do Conselho de Administração do Moza Banco, João Figueiredo, para quem os parceiros e colaboradores da instituição são “os verdadeiros ‘obreiros’ deste prémio”. www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
sociedade
“Educação deve ser interactiva e não apenas repetição do que o professor diz” Numa altura de mais dúvidas do que certezas na área da educação devido ao Covid-19, Paul Gomis, representante da UNESCO em Moçambique, fala sobre o Plano Estratégico da Educação, um programa de dez anos recentemente aprovado e que promete avanços assinaláveis na qualidade do ensino em Moçambique
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Texto Emídio Massacola & Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva & D.R.
educação é um dos motores de uma Nação. E é justamente neste ponto que Moçambique tem um dos principais travões ao desenvolvimento: à medida que se foi promovendo a massificação do ensino, a sua qualidade foi sendo posta em causa. A UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, trabalha há décadas com os vários gover-
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nos do País na perpectiva de melhorar o sistema educativo e, nesse sentido, desempenhou um papel chave na elaboração das linhas estratégicas do Plano de Educação de dez anos que será implementado já a partir deste mês, quando as aulas retornarem. À E&M, Paul Gomis, representante da UNESCO em Moçambique, explica em que assenta a estratégia delineada conjuntamente com o Governo e analisa as três fases do Plano.
Considerando as dificuldades do País, qual é o seu ponto de vista sobre a mudança de contexto no presente e no futuro, e que lições relevantes deve tirar deste tal novo normal em todas as vertentes da vida da sociedade, e especificamente na educação? A pandemia do Covid-19 colocou-nos uma série de situações que não previmos e estamos a descobri-las dia após dia, tentando aprender a ajustarmowww.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
educação que estivessem doentes, o que viria a elevar os custos para o País. Mas também houve um grande esforço para “curar” a economia abrindo o seu funcionamento. A educação e o ensino não estão nunca isolados da conjuntura macro das coisas. Indo concretamente ao sector da educação, o que pensa sobre o retorno às aulas no meio desta pandemia e qual vai ser a principal mudança a que vamos assistir no ano lectivo? Em sectores específicos como a educação, desde 2017, o País desenvolveu seriamente 68 documentos estratégicos, desde a revisão da política de educação até às políticas de educação de grandes cidades, entre vários outros. O último foi o Plano de Educação de dez anos, que demonstrava que o País haveria de atravessar um processo de transformação do futuro. Mesmo depois de o primeiro ciclo se iniciar – porque era uma década dividida em três
se está a verificar. O plano que temos agora é que, no próximo ano, nos adequemos à situação e implementemos estratégias para reduzir os efeitos do Covid-19 no sistema da educação. O passo seguinte será que, ao fim dos primeiros três anos, recuperemos o tempo perdido. Qual é o conteúdo deste Plano Estratégico da Educação no País? Normalmente quando se tem um bom plano, uma boa estratégia não se deveria dissociar das emergências do desenvolvimento. Um plano preciso traz previsões para emergências, então, nós precisamos de olhar para este plano e conciliá-lo com os efeitos do Covid-19. A pandemia permitiu fazer uma leitura e perceber como poderá afectar o sistema. Não se pode liderar sob bases emocionais criadas pela emergência, portanto, é preciso ter ‘sangue frio’ para lidar com a emergência e não desistir do desenvolvi-
“Não se pode liderar sob bases emocionais criadas pela emergência, portanto, é preciso ter ‘sangue frio’ para lidar com a emergência e não desistir do desenvolvimento” -nos às novas realidades. Isso afecta todos os sectores da vida — cultura, comportamento social, política, etc. O seu impacto foi dramático para todos os países, particularmente aqueles em vias de desenvolvimento. O que devemos fazer é aceitar a situação e compreender que devemos mudar a nossa maneira de viver e aí deve haver uma grande mudança. Mas há também oportunidades que antes não tínhamos como, por exemplo, o contacto com meios tecnológicos que, na educação, poderão ser importantes num país como Moçambique. Concorda? Sim, a mudança está a trazer oportunidades para descobrir novas formas de fazer as coisas, estamos a aprender uns com os outros no mesmo espaço e de forma bastante rápida. Este é um contexto global, e países como Moçambique têm muitas outras mudanças por implementar bem antes do covid-19. A este respeito, e olhando de forma geral para o problema, neste momento o primeiro desafio passou por garantir que as pessoas pudessem viver, ainda www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
ciclos – Moçambique estava pronto para seguir em frente, mas logo eclodiu a pandemia. Nós temos dez anos de estratégia e é possível fazer o controlo de cada período porque só de uma vez seria muito pesado gerir a situação. A ideia é tornar a avaliação da implementação do Plano mais flexível. Nos primeiros três anos, é um ciclo com várias condições incluindo a preparação do sistema de educação para mover-se com agilidade para os seus objectivos. Entre o primeiro e o segundo ano, precisamos de rever se as crianças estão a estudar correctamente, porque o ambiente mudou bastante, e é necessário adoptar estratégias para não manter o sistema estático. O mais importante é que podemos mudar as estratégias e as abordagens de acordo com o grande objectivo que, desta vez, se vai centrar mais na qualidade do ensino do que apenas nos números. De que maneira esta situação da pandemia está a afectar estes planos? A pandemia não vai suscitar muitas mudanças e, por agora, é simplesmente este atraso no arranque das aulas que
mento, porque de outro modo isso seria mais devastador ainda. Que enquadramento se atribui, por exemplo, ao ensino à distância? Foi deliberada uma política educacional para as grandes cidades porque uma das emergências que importa, neste momento, é o ensino à distância. Existe a geração de jovens que está a implorar para retornar à escola, e ainda que existam os melhores equipamentos nas escolas, o que não é o nosso caso, o perigo está no caminho de casa para a escola porque as crianças não respeitam as medidas de prevenção, como sabemos. Por isso, o distanciamento social está na base do que debatemos com o Ministério da Educação e outros parceiros e será mitigado em três modalidades: a aprendizagem móvel – que tem as suas limitações –, requer que as pessoas tenham tablets e também computadores, o que será difícil de concretizar em Moçambique. No entanto, precisamos de promover essa mudança porque é o futuro. E quando as políticas de educação das grandes cidades de países em desen-
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sociedade volvimento estão direccionadas para o ensino através do uso de telemóveis é óptimo porque muitos países não têm essas políticas, e Moçambique já tem. Um outro ponto é a televisão. Sabemos, de acordo com o último censo, que o raio de acesso à televisão é limitado. Como se sabe, a TVM está a fazer um bom trabalho contribuindo e promovendo a educação em massa. Por outro lado, existe a rádio, que é extremamente poderosa, até pelo facto de o País estar a introduzir 19 dialectos locais para serem os primeiros elos de ligação com a educação de muitas crianças de todas as regiões do País, o que é muito bom. Isto é fundamental porque temos visto que na primeira vez que a criança vai à escola existe uma disrupção entre o seio da sua família, da sua comunidade, e também da sua língua nativa, o que é uma mudança significativa para uma criança. Então aprender na ‘sua’ primeira língua ajuda bastante nas classes iniciais, e a rádio está a fazer esse papel. O que me está a dizer é que o modelo ensaiado durante a pandemia, em que não havia aulas presenciais serviu como ‘tubo de ensaio’ para as mudanças que se avizinham no sistema de ensino? Como disse, há um número limitado de professores capacitados, de materiais de ensino, há a padronização da língua, etc. A experiência do ensino que se adoptou nos últimos meses já existia em pequena escala antes da pandemia. Agora, com o Covid-19 teve de ser mais abrangente porque não podemos correr o risco de ter as crianças sem qualquer tipo de educação. Então, queremos fazer uso dessa abordagem de ensino à distância para generalizar o ensino ao longo do País. A educação pela televisão ou pela rádio já estavam lá na nossa estratégia para o ensino e, com a pandemia, a ideia foi expandir e pôr em prática. O Covid-19 veio mostrar-nos que temos de acelerar este processo, mas não existem recursos suficientes e temos várias necessidades. Todas estas estratégias estão incluídas no plano de dez anos? Absolutamente! Como UNESCO acreditamos que o ensino à distância, que é uma das modalidades de ensino das grandes cidades, é uma ferramenta para o desenvolvimento, mas também
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“O covid-19 veio foi mostrar-nos que temos de acelerar este processo — do ensino à distância via meios digitais, televisão e rádio —, mesmo que ainda não existam todas as condições” é estratégia para educação porque se educamos de modo tradicional nunca vamos alcançar o desenvolvimento. O mundo está a caminhar muito rápido. Hoje em dia, quando se vai para uma sala de aula, o que se vê? Crianças sendo ordenadas pelos professores para repetir algo vezes sem conta. Essa não é a metodologia mais indicada de ensino. Precisamos de tornar a educação numm processo mais interactivo e esse modelo é chamado de Metodologia de Aprendizagem Activa, onde as crianças são incentivadas a usar as suas capacidades cognitivas para aprender mais, ao invés de apenas repetir o que o professor diz. E a qualidade de
professores também é limitada e está a ser melhorada. Nesse sentido, da capacitação de professores, o que tem sido feito? Há já vários anos, desde a Independência creio, apoiamos uma das agências de formação de professores. Isto sempre esteve dentro da estratégia a par, também, da educação de adultos e de famílias. Nós temos aquilo que chamamos de sistema de desenvolvimento com habilidades, temos educação cívica, científica. Por que não temos bons cientistas a trabalhar na indústria extractiva? O Governo sempre quis fazer isso, mas, infelizmente, nunca teve o número suwww.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
educação Como é que se podem obter resultados diferentes nos próximos dez anos, comparativamente à década que passou, e na qual também já tinha existido um plano estratégico? É uma boa questão. A estratégia mudou a partir do momento em que foi aceite um plano a dez anos que, se bem me recordo, nunca tinha existido (o anterior tinha sido de três anos). Então, aí há uma visão transformadora e todos aderiram a ela, todos estão a participar assumindo a dianteira do desenvolvimento do Plano. E se pergunta sobre o Ministério, eu posso assegurar que a sua visão e comprometimento são os mesmos, desde a ex-ministra com quem começámos a trabalhar, até à actual, com quem o processo foi finalizado. E, mais uma vez, esses assuntos não são abordados apenas ao nível do MINEDH, mas também no Conselho de Ministros, no Parlamento.
ficiente de parceiros para o ajudarem a implementar este tipo de plano. Essas estratégias abrangem todas as classes? Nós iniciámos para fazer uma abordagem sectorial desde a primeira classe para uma aprendizagem a todos os níveis até aos níveis universitários mais altos como o PhD. Mas o foco inicial será na educação primária e secundária. Quem vai implementar essa estratégia de desenvolvimento de ensino, o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH)? Bom, seria de esperar que o Estado fizesse isso por si só, mas em qualquer parte do mundo não podemos ver e esperar que as coisas sejam assim. O sector privado deve estar envolvido, a comunidade internacional deve estar envolvida porque são parceiros e www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
todos temos interesse em melhorar os sistemas de educação dos países em desenvolvimento. Estamos todos aqui para apoiar o Governo de Moçambique e a Sociedade Civil nesse desígnio. Pode parecer estranho mas a pandemia e todas as mudanças que ela implica trazem uma constatação: Moçambique já tinha, antes da eclosão do Covid-19, um plano que articula e preconiza o que deve ser o ensino e a educação, que estabelece metas qualitativas, que advoga o ensino à distância, que inclui nos programas educativos muitos dos princípios que, agora, são vistos como ainda mais fundamentais, como a preocupação com o meio ambiente, o empreendedorismo ou os meios digitais. Então, o que estamos a fazer agora, não é apenas implementar tudo isto neste Plano Estratégico, mas conferir, num último estágio, uma velocidade maior a toda esta implementação.
A UNESCO está no país há várias décadas. Olhando criticamente, se o ensino hoje, e há muita gente que o diz, está pior, não há aqui uma responsabilidade dos parceiros internacionais também? Tem razão na sua constatação, só que ela enferma de uma questão que tem que ver com os objectivos de cada momento. Nas décadas de 90, e já na primeira deste século, o objectivo foi de aumento da abrangência do sistema de ensino, ou seja, a urgência era a de fazer chegar a escola a milhões de crianças que estavam ‘fora’ dela. E isso foi conseguido, os números estão aí. A taxa de crianças escolarizadas, o esforço financeiro dispendido na construção de infra-estruturas de educação... Houve um crescimento massivo que está documentado. Claro que, quando o foco está na quantidade, a qualidade sofre porque não dá, infelizmente, para conseguir as duas coisas ao mesmo tempo. É por isso que, neste Plano, o foco está na qualidade do ensino e nas formas mais adequadas de a promover correctamente junto de milhões de crianças moçambicanas. E acreditamos que um Plano que envolve desta forma parceiros e doadores internacionais, Governo e entidades privadas tem tudo para dar certo. Nunca se fez algo assim em Moçambique e acredito plenamente que veremos os frutos deste trabalho que agora começa nas futuras gerações.
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lá Fora Quanto é que a África deve, e a quem? A dívida africana é um assunto delicado para o continente e, em muitos aspectos, até sombrio. É que ninguém ousa apresentar números exactos, mas uma coisa é certa: a dívida é muito mais do que aquilo que pode pagar e vai desde os empréstimos aos investimentos, na sua maioria com “condições”
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Texto United World International • Fotografia D.R. uanto mais endividado, mais difícil é para o Continente o alcance da sua própria soberania económica, e, portanto, política. Neste artigo, publicado a 29 de Agosto passado pela United World International – uma organização internacional que reúne intelectuais de todo o mundo para reflectir, descrever e discutir preocupações relacionadas com os desenvolvimentos geopolíticos mais críticos da actualidade – tenta calcular os valores aproximados da dívida para compreender a magnitude do que chama por “desastre”. Nesta publicação, a United World International cruza informações de várias fontes para lançar o debate em torno da dívida pública africana da sua sustentabilidade e viabilidade. De acordo com o artigo, a dívida de África como percentagem do PIB e das receitas de exportação era de, pelo menos, 417 mil milhões de dólares até 2018, sendo a mais elevada entre as regiões em desenvolvimento. Várias instituições financeiras, incluindo organizações internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, e o sector privado, detinham cerca de 32% a 36% da dívida de África. A China, um dos maiores credores do continente, tinha uma quota de, pelo menos, 20% em 2018. Citando o Comité para o Jubileu da Dívida, o artigo revela que a dívida externa de África duplicou em apenas dois anos, de 5,9% das receitas governamentais em 2015 para 11,8% em 2017. A agência norte-americana de rating Fitch lembra que Moçambique e a República do Congo têm estado em situação de incumprimento desde 2016, e as classificações indicam que
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os países enfrentam um stress ainda maior à vista - especialmente dado o efeito no novo Coronavírus. A Zâmbia é classificada como “CC” que significa “provável incumprimento”, enquanto que o Gabão, Moçambique e a República do Congo são classificados como “CCC”, que é “incumprimento como uma possibilidade concreta”. Outros 13 países africanos, ainda de acordo com a Fitch, estão na categoria “B” – a passar por uma situação financeira muito difícil, que se baseia, em grande parte, nas medidas especulativas. Sete países também têm uma perspectiva “negativa” na classificação, nomeadamente o Quénia, Uganda, Camarões, Etiópia, Namíbia, Nigéria e África do Sul. “O fraco desempenho creditício de muitos países da África Subsaariana (além da elevada dívida pública) reduz a sua sustentabilidade e resistência à dívida e torna-os ainda mais vulneráveis ao choque global do Coronavírus”, revela um relatório da Fitch Ratings. A posição do FMI O Fundo Monetário Internacional (FMI) projectou que o crescimento económico africano diminuiria 1,6% em 2020, num contexto de condições fiscais mais restritivas, de uma queda acentuada dos preços de exportação e de graves perturbações da actividade económica associadas à pandemia. Contudo, o FMI continua a ser um dos principais credores da região, e de tempos em tempos tem-se mostrado a favor do “perdão da dívida” dos países mais fracos e vulneráveis. Por exemplo, a 14 de Abril do presente ano aprovou 500 milhões de dólares para cancelar pagamentos de seis meses de dívida de 25 países, 19 dos quais africanos. Mas será isto suficiente para
apoiar um continente sem infra-estruturas próprias e sem uma produção bem estabelecida? Não! É mais um gesto de relações públicas por parte do FMI. Por exemplo, a África do Sul, um dos países economicamente mais desenvolvidos de África, é detentor de cerca de 4,3 mil milhões de dólares em dívida para com o FMI, a uma taxa de juro de 1,1% reembolsável por cinco anos. No entanto, é irrealista que a África do Sul pague. O clube de Paris “Esta organização é de particular interesse em termos de política francesa e neocolonialismo”, avança o artigo, explicando que o Clube de Paris é uma organização intergovernamental informal de países credores e mais desenvolvidos, sob os auspícios da França, criada em 1956 e com 22 membros, incluindo a França, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Coreia do Sul, Israel e Japão. O objectivo declarado dos últimos anos tem sido o de reestruturar a dívida dos países em desenvolvimento, mas o volume da mesma pode ser comparado ao rendimento dos países. Por exemplo, enquanto o Egipto tem www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
África
O Fundo Monetário Internacional continua a ser um dos principais credores da região e, de tempos em tempos, tem-se mostrado a favor do perdão da dívida dos países vulneráveis uma dívida recorde para com o Clube de Paris de 8,46 mil milhões de dólares, a sua dívida total para 2019 é estimada pelo FMI em “apenas” 85% do PIB, em comparação com 95% para Angola, 109% para Moçambique e mesmo 207% para o Sudão. O Presidente Francês, Emmanuel Macron, simulou, recentemente, que tinha ido para África e aconselhou o Clube de Paris a perdoar a dívida. Contudo, os peritos explicam que a declaração de Macron não é tanto uma proposta de caridade, mas sim uma tentativa de pressionar a China a aderir ao Clube de Paris, onde as dívidas africanas estão a ser negociadas e onde Pequim só aceitou até agora a posição de observador nos últimos dois anos. O (indiscutível) peso da China Tal como já referido, este país detém pelo menos 20% do total da dívida pública dos países africanos desde 2018. www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
Em comparação com instituições como o FMI, o Banco Mundial e o Clube de Paris, os peritos notam que os empréstimos da China são muito mais rápidos, baratos e fáceis de obter, sendo por isso que os Estados Unidos, em particular, são muito críticos em relação à abordagem chinesa, por alegadamente ser incapaz de oferecer uma alternativa de crédito que seja viável à luta pelo desenvolvimento de África. O Continente deve à China pelo menos 145 mil milhões de dólares, o que a torna no maior credor bilateral. Devido à magnitude destas dívidas, alguns especialistas argumentam que a China desempenha um papel especial na campanha de alívio da dívida, especialmente em empréstimos concessionais e comerciais, que representam a maior parte dos encargos de África em relação à gigante asiática. E há motivos para tal constatação. Por exemplo, em 2018, o Presidente chinês Xi Jinping anunciou o perdão para todos
os empréstimos intergovernamentais isentos de juros aos países menos desenvolvidos com relações diplomáticas com a China. A dívida externa é, de alguma forma, importante? No caso de África, que só é emprestada, explorada e impedida de realmente se recompor, este factor apenas prolonga a pobreza, bem como as disparidades e tensões sociais. A questão da estabilização do sistema social é particularmente aguda nos países africanos. Sem construir um Estado e as suas próprias infra-estruturas, é extremamente difícil para os líderes africanos, mesmo aqueles que tentam não ser um ‘fantoche’ do Ocidente, tomarem decisões estratégicas. Por mais generoso que seja o perdão da dívida, as corporações e organizações internacionais exigem soluções políticas ou contratos lucrativos. Assim, enquanto África for incapaz de abandonar o modelo de dependência colonial e passar à auto-suficiência com as suas próprias infra-estruturas, será atormentada pela dívida, pela compulsão ao sistema liberal ocidental e mesmo pela pressão militar.
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NOVOS ÂNGULOS
A big data e a democracia zen
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Pedro Cativelos • Director-Executivo da Media4Development
izem-nos as notícias que as sanções contra o Tik Tok, o WeChat e a Huawei Technologies representam apenas o começo, e que o que se segue tem potencial para remodelar a sociedade e a economia global nas próximas décadas. “Sim, sim, está bem”, dirá alguém que não é utilizador de nenhuma destas ‘coisas’ e que até nem liga muito a tecnologias. Como eu, há não muito tempo. Mas há uma guerra a decorrer – e cada vez menos silenciosa – a este respeito. Agora, batalha-se pela legitimidade do acesso a dados sobre frigoríficos inteligentes (quem os tenha), apps de exercícios, preferências sociais e ‘likes’. “Tudo isto é fundamentalmente um ataque à própria Internet”, dizia Andrew Sullivan, presidente da Internet Society, que defende redes abertas em todo o mundo e que diz que as recentes medidas de restrição de acesso de dados impostas pelos EUA às empresas chinesas não passa de “uma tentativa de destruir a economia que cresceu em torno de aplicativos em rede”. Há quem defenda exactamente o contrário, que tudo isto é bem mais do que apenas uma guerra comercial em que a nossa actividade na rede, seja ela qual for, é o motivo que leva as maiores empresas do mundo a quererem saber cada vez mais sobre nós. E que estaremos, por isso, globalmente, perante o mais feroz ataque à democracia como a conhecemos. Os pólos extremam-se, de um lado e do outro. Inclino-me mais para o segundo. Porquê? Se formos ponderados na análise e pouco desconfiados, percebemos facilmente que a big data e a sua análise, recorrendo a mecanismos de Inteligência Artificial, pode ser decisiva para diminuir assimetrias sociais, ajudar a dirigir políticas específicas para quem precisa delas, descobrir doenças, inventar curas e tornar o mundo melhor. Tudo cor-de-rosa portanto, e com violinos a tocar. Mas pode, de facto. Porém, há situações que têm de ser acauteladas e não é difícil perceber que tudo isto também pode ser utilizado para influenciar, viciar e controlar. Aliás, isso já está a ser feito. E casos como o da Cambridge Analytica – que ficou provado –, em que os dados de 87 milhões de utilizadores do Facebook foram utilizadas para influenciar a opinião de eleitores para ajudar políticos a influenciarem eleições em vários países (Estados Unidos, França, Reino Unido), devem alertar-nos para o que já está a acontecer. E aqui entra a tal ameaça
à democracia. E de forma bastante directa. Para não ir às questões de privacidade sobre as quais assenta, também, qualquer sociedade livre e democrática, em que esse é um direito construído ao longo de séculos. A verdade é que há uma nova guerra mundial já em curso, acelerada pela pandemia que despertou o apetite, e ele não é pequeno, das grandes tecnológicas mundiais, interessadas em fazer passar o pacote do “novo normal digital” que nunca antes haviam conseguido vender tão bem como agora. Sobre a apropriação dos dados de milhares de milhões de pessoas por parte das plataformas chinesas, Donald Trump ameaçou e cumpriu com um bloqueio ao acesso de dados privados de cidadãos norte-americanos. Claro que não faria o mesmo, como não fez, se fosse a Google, a Amazon ou o Facebook a fazê-lo com o resto de nós, que não somos americanos. Mas, para o melhor ou para o pior, os EUA são uma democracia e a questão suscitou indignação social, e por isso tem vindo a ser debatida publicamente, com os líderes destas tecnológicas a serem escrutinados em comissões de inquérito abertas à sociedade, precisamente sobre o tema. Algo que não se passa na China, ao que se sabe. Tem vindo a crescer a necessidade de um esforço mais amplo para criar “redes limpas” nas várias frentes, que vão das redes 5G aos serviços em nuvem, ou da detenção dos cabos submarinos de fibra óptica que têm impactado acordos corporativos à própria nova geopolítica em que países e empresas estão pressionados a escolher um lado. Quando o bilionário chinês da tecnologia, Jack Ma, fundador do Alibaba (a versão chinesa da Amazon), considerou a ‘big data’ “mais importante do que o petróleo na condução da economia ao longo deste século”, não estava a brincar. E a batalha pelo controlo sobre os dados ameaça dividir o mundo em campos concorrentes, especialmente porque a inteligência artificial e a “Internet das Coisas” implicam que produtos como torradeiras, relógios e calças de ioga transmitam dados. É verdade. Está tudo ligado. A questão é a quê e para quê... Porque seria, afinal, interessante perceber porque é que um qualquer alguém atrás de um computador, do outro lado do mundo, estará assim tão interessado em saber, em tempo real e com animados gráficos e bastante complexos indicadores de desempenho, o que se passa dentro das nossas calças?
As sanções impostas pelo Ocidente à Huawei e ao TikTok podem bem ter sido a estreia de um novo tipo de conflito. O controlo dos dados que já são “o petróleo” do século XXI
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ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
60 Nesta edição visitamos o Santuário Bravio de Vilanculos, em Inhambane
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e 62 O Ficka é um restaurante e um conceito. Fomos ‘prová-lo’
63 A escolha da Adega recai numa arrojada selecção de tequilas
Maravilhas de um arquipélago
SANTUÁRIO BRAVIO DE VILANCULOS SANTUÁRIO BRAVIO DE VILANCULOS
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UM PARAÍSO DESCONHECIDO o distrito de vilanculos, a 714 quilómetros da capital, é sempre uma referência turística para quem quer conhecer a beleza mítica escondida no sul de Moçambique. No entanto, o que pouco se sabe é que além do majestoso arquipélago de Bazaruto, há muito mais para descobrir nessa terra da “boa gente” de Inhambane. À entrada da península de São Sebastião, há uma área de conservação sob gestão privada de cerca de 40 mil hectares na costa moçambicana: o Santuário Bravio de Vilanculos. O projecto alberga algumas das mais importantes espécies da biodiversidade marinha e terrestre de Moçambique. “A ideia foi sempre incentivar a protecção da biodiversidade”, explica Hugh Brown, empresário e membro do grupo que detém a licença especial para o desenvolvimento da conservação da natureza e turismo de baixa densidade naquele local. Num investimento total de 76 milhões de dólares, o projecto foi lançado no ano 2000
com a realização de estudos científicos pela União Internacional de Conservação. Três anos mais tarde, o Conselho de Ministros aprovou a licença. As praias são cristalinas e de areia fina, numa combinação perfeita entre a paisagem da zona costeira e os mistérios de uma floresta quase intacta, decorada por gazelas, zebras, antílopes, cobras, impalas e pássaros (mais de 1500 espécies), alguns destes animais colocados no espaço como resultado dos programas de protecção da biodiversidade. A localização da área dá-lhe também uma vista privilegiada das águas do Índico, que invadem este “pedaço de céu” em Moçambique, numa harmonia entre a natureza e as pequenas embarcações artesanais de humildes pescadores que procuram sustento para as suas famílias nos finais das tardes. O programa de conservação em curso aponta para uma protecção bem-sucedida, com mais de 400 espécies marinhas diferentes, além de uma vegetação
rica e autenticamente moçambicana. O projecto não só mudou o potencial turístico da região, mas também a vida de muitos moçambicanos que lá vivem. Antes do Santuário Bravio, a vida das comunidades era baseada na pesca de subsistência, mas hoje há alternativas para fugir da pobreza típica das zonas rurais do sul de Moçambique. O Santuário Bravio de Vilanculos deu às comunidades locais mais de 180 empregos directos e indirectos, com um impacto económico visível na vida de mais de 6000 pessoas que vivem nos arredores. “A vida mudou para todos aqui”, observa Jeremias Vilanculos, gestor da “Msasa House”, localizada no interior do Santuário. “As pessoas hoje trabalham nas casas privadas e nos hotéis que cá existem. Este movimento todo valorizou muito esta região.” Na área, é possível encontrar 20 residências privadas, duas lojas comerciais e um programa comunitário que inclui quatro escolas e um hospital, bem como um centro de logística, oficinas e uma vila de funcionários. Ao grupo
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de Hugh Brown, não coube apenas pensar e implementar o projecto. Quando lá chegaram, faltava um “pouco de tudo” na região. Além de parcerias para edificar as infra-estruturas, foi necessário abrir vias de acesso no interior da área de conservação – um processo marcado pelas dificuldades no transporte, de barco, de cerca de 40 mil toneladas de materiais de construção. “As comunidades locais aqui sempre foram uma prioridade para o projecto”, salienta Brown. “Procuramos sempre apoiar as pessoas. Mesmo quando estávamos a construir, foram os pescadores que transportaram tudo e, consequentemente, ganharam muito dinheiro.” Para Gabriel Zivane, chefe da comunidade de Chingunguene, a cerca de 20 quilómetros do centro do Santuário, o crescimento daquela região após o projecto é incalculável, a contar pelo facto de as populações estarem mais conscientes da importância da conservação. “Hoje, graças a este projecto, temos escolas aqui. Eu não pude ir à escola, mas hoje os meus netos podem. Além disso, eles ensinaram-nos que temos de cuidar dos animais”, observa Zivane. A área tem estado no radar de pesquisadores internacionais. Recentemente, Brown dirigiu uma equipa que esteve a analisar a biodiversidade marinha e costeira daquela área, numa pesquisa multidisciplinar que se estendeu às ilhas Primeiras e Segundas e que envolveu a Universidade Pedagógica de Moçambique. “As constatações preliminares são claras. Esta parte de Vilanculos tem uma biodiversidade riquíssima e única, que merece ser preservada”, conclui o empresário. texto ESTÊVÃO AZARIAS CHAVISSO fotografia D.R.
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O Santuário alberga algumas das mais importantes espécies de Moçambique. Vale a pena ir... e ficar ROTEIRO Como ir
Voe com a LAM até Vilanculos e organize o transfer para o Santuário directamente com os hotéis. A ligação faz-se de barco e dura cerca de 40 minutos. ONDE DORMIR
Existem duas unidades hoteleiras no Santuário: Dugong Beach Lodge e Pambele Beach House. Onde comer
Os hotéis referenciados têm restaurantes, com um cardápio em que predominam os mariscos. Destaque para o caril de caranguejo, servido com matapa. O QUE FAZER
Além de visitar pontos com uma beleza turística única e ver animais, é possível praticar desportos náuticos, incluindo passeios de barco e pesca desportiva.
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FICKA Restaurante Café
De Segunda a Sábado, das 07h às 21h Rua Consiglieri Pedroso, nº 181, Maputo 84 135 0005
g independentemente dos méritos do Ficka (e são vários,
mas já lá iremos), o novo espaço que recentemente abriu na Baixa de Maputo não pode senão deixar-nos a pensar, pela escolha que fez para a sua localização, como esta zona da cidade poderia hoje ser se a recuperação deste espaço histórico tivesse sido levada à prática. Não precisamos de ir tão longe como à Bourbon Street, em New Orleans, nos Estados Unidos, cuja recuperação a tornou num dos num dos espaços mais emblemáticos da cidade e um ponto de atracção turística mundial. Mas não, não é preciso ir tão longe. Basta atermo-nos a outras cidades no continente africano para percebermos como tudo poderia ser diferente. Não é este certamente o espaço adequado para explanar como, ao longo das décadas pós-independência, por várias vezes se equacionou a questão da recuperação da Baixa de Maputo. Mas, para os mais
RESTAURANTE FICKA curiosos, não resistimos a sugerir, por exemplo, a leitura da tese de doutoramento de Lisandra Ângela Franco de Mendonça (“Conservação da Arquitectura e do Ambiente Urbano Modernos: A Baixa de Maputo”) através da qual não só nos é dada uma fascinante contextualização histórica, como podemos compreender melhor as razões da presente (e triste) situação a que a zona está votada (o estudo está online). Mas deixemos o passado. O que o Ficka deixa claro é que, mais do que um espaço gastronómico, se trata de um projecto com um “conceito”, um “concept restaurant”. O que define um “concept restaurant”? De forma muito resumida, é a “ideia” (ou o “tema”) que, antes de qualquer outro aspecto, preside à organização do espaço, à sua decoração, ao design (nos seus mais pequenos de-
o novo espaço que recentemente abriu na Baixa de Maputo segue uma tendência global
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UM ESPAÇO QUE É UM CONCEITO talhes), ao estilo do serviço e, claro, last but not the least, à proposta gastronómica. Num “concept restaurant”, a qualidade do produto culinário e o desfrute gastronómico são, como sempre, factores essenciais, mas o que é genuinamente decisivo é a totalidade da “experiência” de quem o visita, ou seja, a percepção que fica de que, mais do que cumprir o ritual alimentar, se está a aderir à “ideia” e à “comunidade” daqueles que se identificam com o conceito que está na origem do projecto. Neste contexto, compreende-se, de igual forma, que o essencial da proposta gastronómica incide, sobretudo, naquilo que “faz a diferença” e se liga à “ideia”. Um olhar superficial pelo menu pode até dar a impressão, precipitada, de que não difere do que é comum encontrar noutros sítios. Como sempre, são os detalhes que importam. Deixemos então aqui algumas sugestões: nas
entradas experimente, por exemplo, as “Ficka Wings” (asinhas de frango frito com molho de queijo azul) ou as “Cascas Fritas” (cascas de batata frita com maionese de bacon). Nas saladas, a nossa escolha vai para a salada de beterraba e feijão e, em especial, para a “Veggie Cous” (à base de couscous). Há várias opções interessantes de hamburgueres mas o “Ficka Burger” (alface, tomate, cebola, bacon, queijo cheddar e queijo azul) destaca-se entre todos. E se é daqueles que não resiste ao frango, então o “Frango de Laranja” é a escolha preferencial, apesar do “Frango Mazive” (marinado em cerveja) também ser uma boa opção. Se é apreciador de doces, a nossa sugestão é que experimente a “Concha de Canela” (à base de uma receita tradicional sueca). texto rui Trindade fotografia Jay Garrido
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Tequila só é... tequila se tiver sido produzida com os agaves da região de Jalisco Casamigos Tequila Reposado País México Cor Ouro pálido Sabor Rico e cremoso com notas de caramelo e cacau Teor Alcoólico 40%
Casamigos Tequila Añejo País México Cor Clara, brilhante, âmbar Dourado Sabor Macio e sedoso com notas de caramelo e baunilha Teor Alcoólico 40%
José Cuervo Especial País México Cor Dourada Sabor Notas herbáceas de carvalho com final longo e picante Teor Alcoólico 38% www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
Casamigos A Tequila de George Clooney surpreendeu o mercado
não é certamente por acaso que os mexicanos se têm batido, ao longo dos anos, pelo direito à exclusividade do uso da designação da palavra tequila. Reclamam que a tequila genuína, com os seus típicos 40% de teor alcoólico, só é verdadeira se tiver sido feita com os agaves da região de Jalisco, cidade mexicana a 65 quilómetros de Guadalajara. Apesar da variedade de tequilas produzidas, e da existência de famosas marcas de referência, o mercado foi surpreendido, no início de 2013, com uma tequila com características únicas. Designada Casamigos, tinha também uma outra particularidade: um dos seus criadores era o actor norte-americano George Clooney que, com um seu amigo e empresário, Rande Gerber, tinham por hábito passar férias juntos no México. Conta Rande Gerber que “os barmen recomendavam tipos diferentes de tequila. Depois de alguns meses, o George virou-se para mim e disse: por que é que nós não fazemos a nossa própria tequila?.” E foi isso que fizeram. Depois de consultarem amigos que viviam na região, a dupla trabalhou com um mestre destilador em Jalisco, no México, para achar o exacto perfil de sabor de que estavam à procura — sem queimar e sem ser pungente. Gerber e Clooney tinham inclinação por uma Reposado — tequila suave, equilibrada, que é envelhecida em barris de carvalho por meses — e foi por aí que iniciaram a sua actividade. A sua primeira opção foi pôr uma mistura de agave 100% Blue Weber cozida lentamente num forno de tijolos e deixada em fermentação por bastante tempo. Na realidade, o processo da fermentação é extra lento, mais do dobro do padrão das convencionais 80 horas de maturação das leveduras. O resultado é uma tequila bastante suave cujo sabor não precisa ser mascarado por sal e limão. A marca começou por lançar dois sabores, o Blanco e o Reposado. A Casamigos Reposado é uma tequila suave, limpa, com notas de caramelo, enquanto a Casamigos Blanco é nítida e clara com toques subtis de baunilha. O sucesso da Casamigos superou todas as expectativas e venceu alguns prémios internacionais. Entre 2016 e 2017, as vendas cresceram 54% e, com o valor da marca em alta, Clooney e Gerber venderam a Casamigos à Diageo por mil milhões de dólares, num grande negócio sem ressaca no dia seguinte, por certo.
Casamigos Tequila Blanco País
México COR
Nítida e clara SaBOR
Citrinos, baunilha e agave doce Teor alcoólico
40%
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AFROCINEMAKERS
AFROCINEMAKERS os olhos de uma objectiva não captam o que está
além dos seus limites. É como se o universo escondesse os desafios que, inevitavelmente, se haveriam de impor à equipa de Afrocinemakers, um grupo de jovens unido pela paixão pelo cinema, que agora vêem esse embalo tornar-se numa responsabilidade. A empresa foi constituída há cerca de cinco anos por Jared. J. Nota (realizador e editor), Omar Faquirá (produtor e gestor de projectos), Ivo Mabjaia (realizador e roteirista) e Agostinho Guila (produtor), mas, na verdade, todos fazem um pouco de tudo. Entre várias curtas-metragens produzidas apenas para “aprender fazendo”, o desafio por eles próprios imposto foi o de melhorar a cada nova produção. E o esforço brilhou sob o holofote. Recentemente, os jovens levaram para casa o prémio de “Melhor Curta-Metragem” com o trabalho “Ontogénesis”, de Jared J. Nota e Ivo Mabjaia, num concurso pro-
CINEMA COM PAIXÃO movido pelo Centro Cultural moçambicano-alemão. “Este prémio deu-nos mais visibilidade e, justamente por termos vencido, a nossa ideia é de passarmos por uma espécie de workshop para elevar os nossos níveis. Agora somos obrigados a produzir com uma qualidade que seja elegível para qualquer concurso a nível internacional” contou Jared Nota. Nesta senda, Omar Faquirá confessa: “já descobrimos algumas fórmulas para produzir e poder concorrer” e, no mínimo, “é preciso manter o padrão”. Em particular, “Ontogénesis” projectou a pequena empresa de cinema para os olhos do mundo, tendo já recebido pedidos para rodar o filme em festivais no Brasil (Baía) e Alemanha. E, sem insuflar o ego, “viajar para esses países só para ver o filme a rodar não agrega muito valor em si (sorri Jared), porque pretendemos pegar no valor que
Recentemente, os jovens levaram para casa o prémio de “Melhor CurtaMetragem” com o filme “Ontogénesis” www.economiaemercado.co.mz | Setembro 2020
serviria para a nossa logística lá e adquirir material, o nosso grande ‘calcanhar de Aquiles’”. A Afrocinemakers também passa por um dilema ‘conhecido por todos’ – a falta de fundos. A solução disso na área da produção de filmes passa por arrecadar quotas mensais entre os mais de 50 outros colaboradores que abraçaram a causa dos “(des)apaixonados”. E assim o filme avança. Novas imagens têm o seu lançamento para breve, segundo revela Faquirá. Existem ainda mais três projectos que estão a caminho entre os quais uma série “cujo episódio-piloto também já está a caminho.Temos uma Ontologia que, por agora, está na fase de produção dos roteiros, estamos na angariação de fundos internos para um filme ainda sem título, que fala sobre uma jovem moça que sofre de distúrbios de carácter espiritual e a saída é aprender o curandeirismo”, concluiu. texto Emídio Massacola fotografia Mariano silva
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Lister Smealth Modelo
Lister Stealth SUV Velocidade
314 km/h Preço 144 770 dólares
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LISTER STEALTH, O SUV a competitiva linha dos SUV não pára de surpreen-
der o mundo com novidades. Desta vez correm notícias de que um dos players deste competitivo mercado lançou uma proposta que parece bater toda a concorrência no que à velocidade diz respeito. A britânica Lister Motor Company divulgou o SUV Lister Stealth, um projecto desenvolvido sob a base do Jaguar F-Pace SVR capaz de acelerar a 314 km/h, mais veloz do que o Bentley Bentayga Speed (306 km/h) e que o Lamborghini Urus (305 km/h). Com a ambição de se tornar no SUV mais veloz do mundo, a marca desenvolveu uma variante do motor V8 a debitar uns extraordinários 675 cv. O funcionamento mecânico mantém os 5.0 Supercharged que equipa o topo de gama do SUV britânico, mas com novo compressor e fil-
MAIS RÁPIDO DO MUNDO tro de ar, intercooler modificado, quatro ponteiras de escape em aço inoxidável e reprogramação da ECU para fornecer 675 cv e 881 Nm – aumento de 22% face aos números do SVR, que anuncia 550 cv e 681 Nm. Apesar da sua pujança, visto mais de perto, o Lister pode não ser o mais potente. Esse estatuto pertence ao Dodge Durango Hellcat, com uns incríveis 720 cv, o mais rápido a cumprir 0 a 100 km/h em 3,6 segundos, mais lento 0,1 segundos do que o Lamborghini Urus. Mas não há SUV produzido em série com superior velocidade de ponta. O Lister Stealth é capaz de ‘voar baixinho’ a 314 km/h, mais veloz do que Bentley Bentayga Speed (306 km/h) e Lamborghini Urus (305 km/
O Lister Stealth é um projecto desenvolvido sobre a base do Jaguar F-Pace SVR pode chegar aos 314 km/h
h). O Stealth também beneficia de uma série de upgrades de chassis e aerodinâmica, mais rodas forjadas de 23 polegadas de Vossen, e ponte de Weir nappa guarnição de couro. O interior pode ser totalmente personalizado, com a Lister a oferecer até 36 opções de cor e 90 opções de costura. A Lister procura transformar-se num segmento de produção semi-oficial da Jaguar, semelhante ao que a Alpina é para a BMW, e a AMG era para a Mercedes-Benz, pelo que provavelmente será tratado como um dos Jaguares mais afinados por Lister nos próximos anos, incluindo, possivelmente, o I-Pace. Por outro lado, a Lister não vai desistir dos seus modelos autónomos. A empresa ainda está a produzir versões continuadas do seu famoso carro de corrida Knobbly, e tem um super-carro nas obras para suceder ao seu super-carro Storm dos anos 90.
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