15 minute read

Desenvolvimento Especialistas consideram que empoderar o sector informal tem efeito multiplicador

ECONOMIA INFORMAL — VÍRUS POR ERRADICAR OU RECURSO POR TRANSFORMAR?

O negócio praticado por vendedores ambulantes, gente que fixa bancas a venderem todo o tipo de produtos nas ruas ou nos mercados, e até importadores informais de produtos básicos, tem sido visto, por alguns economistas, como uma calamidade difícil de extinguir, mas que vale a pena lutar para evitar que se alastre. Mas há também estudos que não só defendem a impossibilidade de exterminá-lo, como são favoráveis ao seu empoderamento. De que forma é que isso se faz numa economia pobre como a moçambicana?

Advertisement

Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva & D.R.

Quem está no informal não paga impostos, por isso, não contribui para o desenvolvimento. É tão simples sentenciar, quando a questão é vista pela lupa meramente matemática em que “um mais um é sempre dois”. Mas a dinâmica da economia informal não se compadece com esta mecânica simplista. E será por isso, certamente, que a banca, as empresas de telefonia móvel, as startup, entre outras entidades, estão engajadas em criar soluções para melhorar o desempenho e a rentabilidade dos negócios informais. Afinal não é para menos: estamos a falar de um sector que representa 73% de toda a actividade produtiva do País, segundo estimativas (há muito não actualizadas, diga-se) do INE. Apesar disso, não há consensos, em todo o mundo, quanto à importância que se deve atribuir à economia informal, embora tenham tendência a crescer as vozes de especialistas que, não só revelam a impossibilidade de extinguir a informalidade (mesmo nos países mais desenvolvidos) como as que defendem que a informalidade pode trazer ganhos importantes ao desenvolvimento, incluindo no campo da inovação.

Um dos exemplos é o livro intitulado “Stealth of Nations: The Global Rise of the Informal Economy (“A clandestinidade das nações: a ascensão global da economia informal”), no qual o autor, o jornalista americano Robert Neuwirth, após dois anos de imersão na economia informal em países dos cinco continentes, fez cálculos que o levaram à conclusão de que “se a economia informal fosse um país, o seu PIB seria inferior apenas ao dos Estados Unidos” e que “metade dos trabalhadores do mundo participa, de alguma forma, na cadeia produtiva informal”. Em Moçambique, a informalidade é geralmente associada a cidadãos de nacionalidade moçambicana, de baixo rendimento, fraca formação académica e profissional, e pertencentes a agregados familiares relativamente numerosos, muito embora se reconheça a presença mais recente de indivíduos de outras nacionalidades – nigerianos, congoleses, ruandeses, chineses, paquistaneses, zimbabueanos, entre outros – que operam em actividades à margem da formalidade. Mas, antes de avançar, é preciso entender do que estamos a falar.

O que é a economia informal? De centenas de conceitos que existem, a E&M traz dois. Um da Organização Internacional do Trabalho, que é mais amplo ao considerar que “o sector informal é o conjunto de unidades de pequena escala que produzem e distribuem bens e serviços e é composto essencialmente por produtores independentes e que operam por conta própria, empregando mão de obra familiar e/ou poucos trabalhadores, funcionando com reduzido capital e baixa produtividade, e tendo receitas bastante irregulares”.

NAÇÃO

A outra definição, que seria complementar à primeira, é do economista moçambicano Felisberto Navalha, quadro sénior do Banco de Moçambique, que diz que “o sector informal é o segmento da economia onde ocorre a prática de actividades legalmente permitidas ou, pelo menos, não expressamente proibidas por lei, mas que para além de não estarem registadas, quer para fins tributários oficiais, como para efeitos de cadastro comercial, estão fora das estatísticas oficiais do país”. Para completar ainda mais as duas anteriores, João Gomes, Partner da Jason Moçambique, revela que o facto de a economia informal não estar registada, mas as práticas serem consideradas legais, acaba por encorajar as pessoas a entrarem na actividade informal, ainda que por razões diferentes. “Até socialmente, as pessoas não se querem conotar com actividades ilegais. Por exemplo, as mukheristas (operadoras da associação de importadores informais de produtos básicos a partir da África do Sul) não se assumem como ilegais, ainda que tenham de fazer algumas acções ilegais como atravessar fronteiras sem se registarem devidamente” argumenta o especialista. Ao debate junta-se também o empresário António Sousa, que já fez pesquisas sobre o sector informal da economia e que foi presidente do pelouro da Política Laboral e Acção Social na CTA – a principal entidade patronal do País. Para desconstruir a imagem pouco digna da actividade informal argumenta que “o artigo 84 da Constituição da República diz que o trabalho constitui direito e dever de cada cidadão. O ponto 2 do mesmo artigo diz que cada cidadão tem direito à livre escolha da sua profissão, lembrando que profissão não discrimina se é no sector formal ou informal, podendo incluir, por exemplo, os vendedores de rua”.

Como estamos? Dados estatísticos fiáveis não existem. Mas os entrevistados da E&M avançam informações que dão a indicação de que quase toda a actividade económica no País pode ser informal. João Gomes, recorrendo aos dados do INE, estima em 73%. E avança que 91% das empresas que se criam são informais, sendo que nenhuma das empresas mais antigas se converteu para o formal. Mais a fundo, António Sousa apresenta uma espécie de cálculo aritmético para mostrar que a informalidade da economia nacional pode ser ainda maior. Começa por explicar que a população moçambicana em idade de trabalhar, segundo a Lei, é dos 16 aos 65 anos, o que corresponde a cerca de metade da população total, isto é, 15 milhões de pessoas. Se subtrairmos os doentes e outras pessoas que, por várias razões, não podem trabalhar, a estimativa desce para 12 milhões de pessoas que produzem. Mas, deste universo, apenas cerca de 1,2 milhão de pessoas, correspondentes a 10% da população que trabalha, estão recenseadas no sector formal da economia através das empresas ou do trabalho por conta própria, segundo dados do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). De acordo com este cálculo, 90% da força de trabalho nacional (que já é por si muito pouca) é informal. Um número muito acima dos 73% que são normalmente divulgados em estatísticas oficiais. Estes números são obtidos a partir de dados que igualmente indicam que o número dos registados no sector formal da economia está repartido em 700 mil pessoas a trabalharem por conta de outrem, 50 mil a trabalharem por conta própria e cerca de 400 mil trabalhadores do Estado. É esta dimensão do trabalho formal que paga impostos. Então, estando estudado e sendo já amplamente sabido que a informalidade resiste e persiste, e é tão representativa em Moçambique, o que pode ela trazer para o desenvolvimento e para o progresso? E como?

É preciso acarinhar o sector informal Estudo do economista António Pinto de Abreu, já falecido, e que foi vice-governador do Banco de Moçambique, intitulado “Sector Informal, Microfinanças e Empresariado Nacional em Moçambique”, chegou à conclusão que este sector posiciona-se como a principal fonte de criação de novos empresários, daí que mereça uma abordagem que não a coloque na margem do processo de desenvolvimento. “Moçambique contempla, nas suas estratégias de desenvolvimento, a existência de um sector informal relativamente grande, de onde emergem empresários maioritariamente

“Se a economia informal fosse um país, o seu PIB seria inferior apenas ao dos EUA… 50% dos trabalhadores no mundo participa na cadeia produtiva informal”

de nacionalidade moçambicana e por onde passam diversos esquemas de financiamento a partir de iniciativas microfinanceiras”, revela o economista. Entretanto, todos os outros seguem ao encontro de António Pinto de Abreu quando, invocando diferentes argumentos, consideram que o sector informal da economia nacional precisa de iniciativas que o fortaleçam. É pouquíssima a informação que revela os seus pontos negativos, que se resumem (além do fraco contributo no fisco) na inobservância das regras de higiene e segurança, que terá piorado com a pandemia do novo coronavírus. São problemas que, na óptica destes especialistas, têm uma solução relativamente fácil. A formalização do informal A formalização do informal é a medida mais recomendada pelos especialistas, excepto João Gomes que cita a experiência feita há anos em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, em que todas as práticas de formalização do sector informal que consistiram na introdução da segurança social, criação de impostos específicos para o sector e outros tipos de custos e barreiras, complicaram tudo, levando ao surgimento de segundos e até terceiros mercados informais livres desses requisitos. Ou seja, a fuga à burocracia acabou por não ajudar. Mas António Sousa, empresário e antigo presidente do pelouro da Política Laboral e Acção Social na CTA, volta a recorrer a cálculos para evidenciar que a introdução de uma tributação adequada, ajustada e facilitada da economia informal teria efeitos importantes no seu empoderamento e na economia, de um modo geral. “Se dissermos que vamos criar uma forma de todos os quase 10 milhões que estão

no circuito formal pagarem 1 dólar (quase 30 meticais) por mês, o Estado encaixaria 10 milhões de dólares mensais. Mas estas pessoas que não contribuem são cidadãos com acesso gratuito ou subsidiado à saúde, educação, água, energia e até ao transporte. Então, a questão do trabalho formal tem de ser vista no contexto macroeconómico e de desenvolvimento do País”, sugeriu. Importa lembrar que, actualmente, através do Simplificado para os Pequenos Contribuintes (ISPC), os pequenos contribuintes são cobrados, em impostos com 75 mil meticais anuais. O economista Michael Sambo, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), acredita que já houve iniciativas que poderiam ter trazido bons resultados a este nível, mas tem fracassado. Lembra, por exemplo, que num passado recente houve a ideia de formalizar o informal, “que é muito mais acertada do que o combate à economia informal”, mesmo porque os municípios cobram impostos sobre a actividade informal. Além disso, da parte da Autoridade Tributária, também houve esta tendência de formalizar o informal, por exemplo, através da criação do ISPC na ideia de que estes pagariam taxas de impostos relativamente menores sendo reconhecidos e formalizados. “Isto vinha ligado à ideia do alargamento da base tributária e era uma ideia muito acertada porque procurava acarinhar o sector informal por reconhecer o seu potencial contributivo e dar relativa margem para que não sucumbisse com taxas elevadas de impostos”. Também o estudo que já citámos, do economista António Pinto de Abreu, deixa a ideia de que a transformação de instituições informais em formais mostra alguns resultados interessantes em ramos como o das confecções, hotelaria e restauração, institutos de beleza e transportes, “Apenas cerca de 1,2 milhão de pessoas, correspondentes a 10% da população que trabalha, estão recenseadas no sector formal, segundo o INSS

mas a duração do mesmo constitui um constante desafio face ao timing que o País enfrenta em termos de desenvolvimento interno virado para a internacionalização e integração regional da sua economia. Assim, o principal desafio que se coloca, segundo a pesquisa, é o de tornar mais eficaz o uso de recursos disponíveis para a promoção destes três vectores institucionalmente importantes para o desenvolvimento de Moçambique e para o combate à pobreza, nomeadamente a transformação do sector informal em formal, a consolidação da indústria microfinanceira e o reforço do papel do empresariado nacional. Na realidade, isto já tinha sido pensado há muito tempo. O Governo decidiu que a CTA é que deve liderar todas as iniciativas de formalização da economia informal, mas, no entender de António Sousa, a ideia não funciona porque toda a reflexão resvala na forma de actuação da máquina do Estado, sendo que esta devia ser uma discussão ao nível dos ministérios da Economia e Finanças, do Trabalho, da Indústria e Comércio, Autarquias, etc., sob a liderança do gabinete do Primeiro-ministro, e não o sector privado.

Simplificação dos impostos, o grande obstáculo António Sousa fala na “falta de vontade política” para avançar rumo à formalização da economia. “Não podemos, com o regime fiscal que temos actualmente, formalizar a economia”, defende o empresário. E porquê? “O ponto é que a

O QUE IMPULSIONA A ECONOMIA INFORMAL?

A origem e essência da economia informal em países pobres, como Moçambique, é muito diferente da dos países desenvolvidos. Cá existem aspectos estruturais que determinam a predominância da informalidade e é sobre eles que se deve intervir, quer para definir o seu fortalecimento, quer para rumar para a solução mais recomendada pelos especialistas: a formalização do informal.

FALTAM FACTORES DE PRODUÇÃO DESEMPREGO ELEVADO

O trabalho e o capital são escassos. Não existe um mercado estruturado de terra que, por lei, foi posta fora do mercado. Este aspecto, apesar de parecer correcto do ponto de vista da soberania, retira dos moçambicanos um instrumento fundamental para a promoção do seu desenvolvimento, ao impossibilitar que a terra seja um factor dinâmico no processo social em curso.

Quase toda a gente que não encontra oportunidade de trabalho no sector formal refugia-se na actividade informal, sobretudo comercial. Há pesquisas que apontam que, em vários países africanos, o crescimento da informalidade tem levado alguns grupos a assumi-la não como válvula de escape à falta de oportunidades no sector formal, mas como actividade para a vida.

FALTA CAPITAL HUMANO

O capital humano é muito reduzido e as instituições são, em geral, incipientes, predominando o sector informal também no que se refere ao mercado de trabalho. O dinheiro é também uma instituição por expandir em Moçambique, havendo um vasto sector da sociedade em que as relações de troca entre os indivíduos são ainda precárias, isto é, não se processam por via monetária mercantil.

FALTA COMPETITIVIDADE

A quantidade de recursos humanos com qualidade para enfrentar os desafios crescentes da globalização e do desenvolvimento nacional é insuficiente, e os poucos homens nacionais com educação e instrução adequada trabalham e residem, em grande número, fora do País. Por outro lado, a maioria dos estrangeiros habilitados que trabalham e residem Moçambique estão envolvidos em processos produtivos orientados para fora.

ATRASO ECONÓMICO

O mundo acredita que a Humanidade ganhou consciência da premência do desenvolvimento económico à escala global e com ênfase no continente africano. Testemunha disso são, entre outros programas, os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio. Mas, para África, reserva-se um relativamente curto espaço de tempo para enfrentar e vencer uma série de barreiras.

FONTE Pesquisa “Sector Informal, Microfinanças e Empresariado Nacional em Moçambique”, de António Pinto de Abreu

NAÇÃO

A GÉNESE DA INFORMALIDADE EM MOÇAMBIQUE

A pesquisa “Sector Informal, Microfinanças e Empresariado Nacional em Moçambique”, de António Pinto de Abreu, cita outros estudos que esclarecem que o surgimento e florescimento da economia informal estão relacionados com a repressão económica e financeira registada na época da economia centralmente planificada (de 1975 até quase 1987), em que os preços, as taxas de juros e de câmbios e demais tarifas e comissões de serviço eram administrados pelo Estado e mantidos fixos por longos períodos de tempo, e também com a liberalização da economia ocorrida a partir de 1984/87, com o advento da adesão do País ao FMI e ao Banco Mundial, e o início dos programas de ajustamento macroeconómico e estrutural. Enquanto a repressão económica terá redundado em manifestações de comércio informal e mercado paralelo de bens e produtos essenciais, desviados dos circuitos de distribuição então criados através do sistema de planificação central, a liberalização económica abre espaço para o incremento e diversificação do sector informal.

única coisa que temos para a formalização da economia informal é através do ISPC, que é tão limitado e complexo. Mesmo dentro da economia formal, é muito difícil pagar o ISPC, basta olhar para as grandes enchentes no final de cada mês na Autoridade Tributária. Além disso, a meio do mês, é preciso pagar o Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPS). E porque é que o empresário tem de ir pagar dois impostos num mês?”, questiona o empresário, com tom de crítica. Bom exemplo, para António Sousa, é o da África do Sul, onde estes impostos são pagos trimestralmente e as pessoas têm o direito de escolher em que mês pagar. Então, “o sector informal tem de ter um imposto simples e único, mas isto não acontece porque não há vontade política”, sugeriu. Esta situação, segundo o especialista, ocasiona a ocorrência de práticas informais dentro do sector formal, “porque a actividade formal da economia não é cómoda. Há inspecções, fiscalizações e multas permanentes que não incentivam a formalização da actividade”. Sousa diz que a experiência tem provado que é mais prático e seguro operar no informal do que no formal. “Portanto, a forma como as coisas estão organizadas só empurra o sector formal para a informalidade, porque a máquina do Estado é tão pesada que só se interessa em recolher receitas”, criticou outra vez. “Trabalhar no informal pode não trazer nenhum progresso, mas traz um ganho social que é o facto de que podia estar numa rede ligada à ilegalidade”

Ganho social, o outro lado da história João Gomes fala do lado que menos se aborda, mas que acredita ser um importante ganho trazido pela actividade informal. “Um exemplo é o de alguém que trabalha no sector informal, paga as suas contas e está num nível de sobrevivência pura. Isto não traz nenhum progresso nem desenvolvimento, mas pode trazer um ganho social, que é o facto de que esta pessoa podia estar numa rede ligada à ilegalidade”, refere o especialista. Para argumentar, João Gomes recorre à tese defendida numa das obras do economista João Mosca sobre o assunto, em que refere que “a elite moçambicana pretende ter um nível de informalidade que mantenha a sociedade num conflito de baixa intensidade e nunca explosivo. Ou seja, sem o pão, as pessoas ˊrebentavamˊ, mas é preciso manter aquele nível de informalidade para deixá-las sobreviver sem acabarem com a ordem social.

This article is from: