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OPINIÃO
Gonçalo Arroja • Manager | Assurance Services | EY Moçambique
Os primeiros sinais de nácar parecem ser o regresso do FMI a Moçambique... Este apoio terá, contudo, novas condições que visam evitar a repetição dos erros do passado, nomeadamente condições assentes na transparência da gestão e aplicação dos fundos e um foco no aumento da robustez das entidades públicas
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O Cenário Económico de Moçambique: Sinais de Nácar?
Na Natureza, a formação de uma pérola no interior de uma ostra é espoletada por um contexto de adversidade. Quando “invadida” por grãos de areia, a reacção de uma ostra consiste na produção de nácar. Acumulado em diversas camadas esféricas concêntricas, o nácar forma uma pérola.
A formação do actual modelo económico moçambicano teve início em 1984. A adesão de Moçambique ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) foi um dos factores que sustentou a adopção de um modelo económico centralizado. Estes foram os alicerces que potenciaram o lançamento, em 1987, do Programa de Reabilitação Económica.
Nas décadas seguintes, o apoio e influência do FMI permitiram a inclusão do País no Programa de Alívio a Países Pobres Altamente Endividados. A inclusão de Moçambique neste Programa revelou-se como essencial na redução da dívida pública de cerca de 6 mil milhões de dólares em 1998 (153% do PIB) para 3,5 mil milhões de dólares em 2006 (49% do PIB).
“Os grãos de areia”
Em 2008 teve início o programa de financiamento e apoio às políticas nacionais, que visava consolidar a recuperação económica de Moçambique. Apesar do arranque promissor do programa (que permitiu ao País atingir uma taxa de crescimento do PIB de 6,7% em 2015), o mesmo acabou por ser suspenso com a saída do FMI em 2016. Os impactos deste primeiro grão de areia geraram uma desaceleração do crescimento económico nos anos seguintes, que em 2019 se situou nos 2,3%.
Neste contexto de adversidade económica, o surgimento da pandemia Covid-19 intensificou os desafios e dificuldades que o País atravessava, sendo que as restrições e medidas preventivas observadas a nível mundial impactaram os níveis de produção globais e limitaram as cadeias de fornecimento por todo o Globo. Como consequência deste novo grão de areia, Moçambique observou em 2020 uma redução de -1,2% do PIB, e o défice na balança comercial agravou-se para -2,29 mil milhões de dólares.
Quando, no final de 2021, a economia moçambicana parecia demonstrar os primeiros sinais de recuperação das sucessivas vagas pandémicas, surge o mais recente grão de areia: a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Num cenário já turbulento de pressões inflacionistas globais, no meio do aumento dos preços dos produtos alimentares e da energia e da perturbação das cadeias de abastecimento na sequência da pandemia coronavírus, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia veio agravar as tensões da oferta e da procura mundial, ameaçando a recuperação e o crescimento económico global.
“Sinais de nácar?”
Os primeiros sinais de nácar parecem ser o regresso do FMI a Moçambique. No âmbito do programa Extended Credit Facility (ECF), celebrado recentemente entre o FMI e o Governo, o FMI prevê disponibilizar um montante até 470 milhões de dólares nos próximos três anos para efeitos de apoio à economia. Este apoio terá, contudo, novas condições que visam evitar a repetição dos erros do passado, nomeadamente condições assentes na transparência da gestão e aplicação dos fundos e um foco no aumento da robustez das entidades públicas.
Alexis Meyer-Cirkel, representante do FMI em Moçambique, confirma que o programa ECF visa apoiar a estabilidade macroeconómica, potenciando um crescimento sustentado e inclusivo que reduza os níveis de pobreza no País. Por um lado, as condições definidas pelo FMI prevêem reformas ao nível da receita pública, por via de alterações na Administração Fiscal e no código do IVA, que estimulem o investimento directo do estrangeiro.
Por outro, existe um foco na contenção da despesa pública, que assenta parcialmente na recém-aprovada reforma da massa salarial do Estado e na aprovação de uma Lei do Fundo Soberano. Os sinais de nácar parecem manifestar-se também com a confirmação da re-
O FMI retoma o apoio ao País com foco numa série de mudanças na cooperação bilateral
toma do projecto de cerca de 20 mil milhões de dólares anunciada pela multinacional francesa TotalEnergies. O projecto localizado na costa Norte do País foi inicialmente suspenso em virtude da instabilidade gerada pelo conflito político-militar na Província de Cabo Delgado, estando agora prevista a sua retoma no final de 2022.
O aparente aumento da estabilidade na região, alavancado no apoio militar internacional demonstrado pelo Ruanda e pelos países membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), parece suportar a decisão da retoma do projecto, que se estima vir a produzir anualmente cerca de 13,1 milhões de toneladas de gás natural liquefeito (GNL). O desenrolar da realidade deste projecto poderá ainda suportar a decisão final da ExxonMobbil em desenvolver um projecto de maior dimensão no futuro próximo.
A acumulação concêntrica de ambas as camadas de nácar parece estar, contudo, condicionada à conjugação das condições definidas pelo FMI com o potencial dos projectos de GNL. Acelerada pelo aumento global dos preços do gás, a aprovação de uma Lei do Fundo Soberano será essencial para gerir e aplicar, de forma transparente, a receita gerada pelo gás natural.
Recentemente, Max Tonela, Ministro das Finanças de Moçambique, confirmou que o Governo se encontra a finalizar a proposta de Legislação para o Fundo Soberano que irá assegurar a gestão da receita de cerca de 96 mil milhões de dólares associada à exportação de GNL. Estima-se que o Fundo inicie as suas operações em Outubro de 2022, e que, do total das receitas do fundo, 50% sejam reaplicadas no mesmo, enquanto os restantes 50% sejam alocados ao Orçamento Geral do Estado (OGE) durante os primeiros 20 anos de produção de gás natural.
“Visões de pérola”
No presente cenário torna-se assim fulcral que os apoios do FMI e as receitas do gás natural alocadas ao OGE sejam direccionados para a estimulação do investimento directo estrangeiro e ao combate de temas estruturais como a pobreza, a criação de emprego e no sector da educação. Embora o potencial para a formação de uma pérola Moçambicana seja claro, a sua materialização irá, em último lugar, residir na capacidade dos líderes nacionais se elevarem aos erros cometidos no passado e na sua habilidade de potenciar o nácar existente na criação de um ecossistema económico robusto, que permita endereçar os principais temas estruturais que o País enfrenta. Fruto de uma longa experiência no mercado Moçambicano, e de uma vasta presença no continente Africano, conhecemos bem a realidade e os desafios das economias emergentes.
Na EY, temos vindo a acompanhar, com crescente expectativa, as perspectivas de futuro para Moçambique, contribuindo activamente no apoio ao tecido empresarial privado e do Estado. Cientes de que a visão de uma pérola moçambicana é um desafio conjunto para o País, encaramos com entusiasmo a oportunidade de reforçar o nosso apoio à capacitação e desenvolvimento dos recursos nacionais, em prol do futuro que todos ansiamos para Moçambique.