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NAÇÃO
Da Bolsa à Bola. Um Golo Que Pode Valer Milhões
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O futebol mundial movimenta mais de 300 mil milhões de dólares por ano, cerca de 21 vezes o PIB de Moçambique, de acordo com uma pesquisa da consultora EY. A World Football Summit, plataforma que reúne as principais entidades da indústria do futebol, concluiu que, se fosse uma nação, o futebol representaria a 17ª maior economia mundial. Será por aqui que se explica que enquanto os países mais organizados, principalmente da Europa, fazem desta modalidade a sua mina de ouro, os que estão à margem tentam seguir o exemplo, numa corrida em que Moçambique começa antes da linha de partida, mas não quer ficar de fora
Na inglaterra, a principal liga de futebol, e a mais valiosa competição doméstica do mundo, a Premier League, contribuiu com mais de 7 mil milhões de libras (8,8 mil milhões de dólares) para a economia de todo o Reino Unido na temporada 2019/2020. De acordo com o Estudo da consultora Ernst & Young (EY), a Liga e os seus clubes geraram, nesse período, uma contribuição fiscal total de 3,6 mil milhões de libras (mais de 4,5 mil milhões de dólares) para o Reino Unido. O mesmo estudo refere que a Premier League e os clubes apresentaram um crescimento considerável de emprego, com 94 mil postos de trabalhos.
Um bom exemplo é também o de Portugal, país cujo campeonato principal está entre os melhores do mundo. Uma pesquisa recente, igualmente realizada pela consultora EY, concluiu que a Liga Portugal Bwin contribuiu com 550 milhões de euros (578,5 milhões de dólares) para o PIB na temporada de 2020/21, mais 11,3% face à época anterior.
Este desempenho foi visto como uma “resistência da indústria do futebol numa época completamente marcada pela pandemia do Covid-19, com os estádios vazios e com muitas receitas perdidas”. Nesse período, a Liga Portugal e as 34 sociedades desportivas representadas neste estudo pagaram mais 2,5% de impostos ao Estado, em termos homólogos, num total de 192 milhões de euros (202 milhões de dólares), com o volume de negócios global a ascender a 792 milhões de euros (833 milhões de dólares).
E em Moçambique, quanto vale o futebol? Qual é o seu peso no PIB, nos impostos e no emprego? Não se sabe. Nunca houve pesquisas a esse respeito. Mas, a avaliar pelas crises cíclicas nos campeonatos e na maior parte dos cerca de 300 clubes inscritos na Federação Moçambicana de Futebol (FMF), a bola oferece muito pouco ou nada ao desenvolvimento.
Não há dinheiro…
“Faltam recursos, falta tudo!”. Dizem, unânimes, os especialistas entrevistados pela E&M. E é por isso que a Bolsa de Valores Moçambique (BVM) decidiu dar o pontapé inicial propondo, recentemente, a transformação de clubes desportivos em Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), com a intenção de incutir a visão empresarial que, por aqui, ainda está adormecida. Para começar, os clubes desportivos em Moçambique são constituídos como associações desportivas sem fins lucrativos, onde as suas principais receitas provêm das quotas dos associados, de patrocínios, da rentabilização do seu património e alguns negócios de pequena e média dimensão. No entanto, muitos clubes possuem património que não está a ser rentabilizado e têm uma situação financeira crítica. Esta constatação, feita pela BVM, é confirmada pelos próprios clubes e pelas entidades ligadas à gestão desportiva.
À E&M, Inácio Bernardo, experiente gestor desportivo que, entre vários cargos, foi Presidente do Clube Desportivo de Maputo entre 2017 e 2020, assume que “os nossos clubes estão praticamente falidos, a nossa economia, no seu todo, não está bem e as prioridades do Governo são muitas”, daí que não seja fácil produzir um futebol que gere ganhos económicos. David Nhassengo, director desportivo da Liga Desportiva de Maputo, também admite que “neste momento, os clubes enfrentam uma grave crise financeira que foi agravada pela pandemia do Covid-19, principalmente os clubes que não dependem de investimento de empresas públicas, e que têm de enfrentar a redução ou suspensão da injecção financeira por parte dos patrocinadores. É que, com cerca de dois anos de interrupção das competições, os clubes não tiveram como manter a exposição e visibilidade das marcas dos seus patrocinadores, o que passou a configurar um custo para estes”.
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…Não há visão empresarial…
Faltam entidades que olhem para o futebol como meio para ganhar dinheiro, dentro e fora dos relvados. Mas, felizmente, e embora pouquíssimos — senão o único exemplo — existem aqui dentro provas de que é possível transformar o futebol na indústria que é, hoje, pelo mundo. A Associação Black Bulls é a referência reconhecida por todos os especialistas que falaram à E&M sobre este tema. Na curta entrevista a Nuno Souza, do Departamento de Marketing e Comunicação e apoio às equipas dos Black Bulls, ficou saliente
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algo que não é comum ouvir: “Quando lido com os jovens que estão a ser formados nas nossas academias, mais do que fixar os seus nomes, vejo-os como potencial para fazer dinheiro, como se em cada um deles estivesse incrustado o seu valor comercial”, revelou.
A E&M ouviu também Pedro Correia, Consultor da UEFA, que emprestou o seu saber sobre várias realidades dos países por onde passou, alguns dos quais africanos. Para este responsável, o futebol, hoje em dia, concorre com uma série de outras oportunidades de lazer, que captam e dão oportunidades de rendimento às famílias, jovens etc., e que necessita de profissionalização. Em muitos casos — prosseguiu — isso consegue-se através de uma lei nacional de desportos como aconteceu em Portugal, onde houve uma transição de associações para sociedades anónimas com maior responsabilização e transparência. Ou seja, “o futebol deixa de ser visto meramente como sendo de cariz de responsabilidade social e passa a ser um negócio que contribui com postos de trabalho, com impostos e para o crescimento do PIB”, explicou, deixando claro que este será um caminho inevitável que Moçambique deve trilhar, não só para se tornar desportivamente competitivo, como também para gerar receitas que ajudem a economia a crescer e a desenvolver.
“Não é possível mudar de um dia para o outro. É preciso capacitação de recursos humanos, que os clubes tenham ligação com as massas associativas e que consigam gerar receitas, ter uma estratégia de desenvolvimento da juventude desde a camada jovem até à camada de elite e depois, obviamente, transferência para campeonatos mais poderosos. Tudo isto é o que vemos, actualmente, a acontecer e que tem de ser feito também aqui”, esclareceu o consultor.
…Falta organização?
Uma vez comprovado que a maior parte dos benefícios económicos estão associados à venda de passes dos atletas, é na falta de jogadores de qualidade
que se começa a perder a oportunidade de encaixe dos milhares de milhões que o futebol tem potencial de gerar. Mas nesta equação entram também as infra-estruturas dos clubes (estádios, salões desportivos, academias, lojas de venda de material desportivo, etc.). Na realidade moçambicana, todos os sinais indicam que nenhum destes componentes está em dia. Quanto às infra-estruturas, o estudo da BVM concluiu que a maioria dos clubes não as tem ou estão obsoletas e em desuso.
No que diz respeito à formação de jogadores, David Nhassengo, da Liga Desportiva de Maputo, confessa que “os clubes desportivos fazem a formação de atletas só para cumprir com os regulamentos da FMF, que obrigam a ter, pelo menos, dois escalões de formação. Mas, na prática, esta é feita de maneira tão deficitária que os jogadores chegam aos seniores sem qualidade suficiente para ser vendável”. Esta é, afinal, a razão por que o País vende muito poucos jogadores, sendo que “os que brilham no estrangeiro não é por mérito da formação, mas por talento próprio — casos de Mexer (defesa do Bordeaux da França) e Zainadine Júnior (Defesa do Marítimo de Portugal) —, ou porque saíram e foram preparados fora — caso de Reinildo Mandava (do Atlético Madrid da Espanha).
Victor Matine, também gestor desportivo e com passagem pelo Ferroviário da Beira e pela Selecção Nacional, complementa este posicionamento ao revelar que só os clubes formadores resistem nos mercados internacionais. Matine também defende investimento em infra-estruturas desportivas para reduzir o fosso de competitividade com os jogadores que nascem e são formados em países desenvolvidos, sobretudo europeus, que, logo no início de carreira, dispõem de condições apropriadas para desenvolverem habilidades técnicas. E Inácio Bernardo remata: “Quanto mais cedo os jogadores forem preparados para adquirir capacidade competitiva, mais facilmente chegarão aos níveis pretendidos. Então, a questão das in-
fra-estruturas é bastante importante senão decisiva”.
FMF pouco activa?
Para Pedro Correia, consultor da UEFA, a mudança pode acontecer quando houver uma sensibilização geral dos stakeholders, incluindo o Governo, por parte da Liga Moçambicana De Futebol (LMF) e da FMF, enquanto organismo que gere e que deve definir estratégias a este nível. E a E&M ouviu a FMF, na voz do respectivo Secretário-Geral.
Ciente da crise que atravessam os clubes e a incapacidade de torná-los num catalisador do desenvolvimento, Hilário Madeira avançou que uma das armas que a FMF pretende utilizar para ajudar os clubes a se profissionalizarem e, em último plano, a se tornarem sustentáveis é apertar cada vez mais na obrigatoriedade de, gradualmente, adicionarem mais escalões de formação. Mas a confissão do Director Desportivo da Liga Desportiva de Maputo, de que os clubes cumprem com esta obrigação sem o devido engajamento, denuncia a fra-
A criação de academias de formação de futebolistas é o ponto de partida para tirar vantagens económicas do futebol
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ca fiscalização dos clubes por parte da FMF e uma possível descoordenação entre as partes, o que põe em causa os objectivos que se pretendem com a formação de atletas.
A par da formação, a FMF também obriga os clubes a apresentarem os seus planos de marketing para ajudá-los a melhorar a sua rentabilidade tendo em vista o público-alvo, que são potenciais investidores, e todos os seus adeptos, embora reconheça e lamente que “muitos clubes não tenham infra-estruturas, havendo equipas a competirem no campeonato principal de futebol sem sequer um estádio próprio e com a maior parte dos contratos de trabalho com duração de menos de um ano”.
Hilário Madeira também deu a conhecer mais um ponto fraco para a rentabilização do futebol: em todos os indicadores de classificação, que incluem a organização, a saúde financeira e a sustentabilidade, os clubes nacionais são de categoria 4 ao nível da Confederação Africana de Futebol (CAF). Isto é, agrupam-se na categoria mais baixa, que é designada por “clubes amadores organizados”, portanto, longe do patamar de profissionalismo que se ambiciona.Hilário Madeira sublinhou, entretanto, que grande parte do que se deve fazer para a rentabilizar o futebol é responsabilidade dos próprios clubes e não da FMF. Mas, “felizmente, estes já se aperceberam que o futebol se joga para além dos 90 minutos e que a bola é um instrumento capaz de gerar fundos que mobilizam toda uma economia”.
Por onde começar?
Todos concordam que o caminho passa por transformar clubes desportivos em empresas. Mas, lembrando que falta o essencial (infra-estruturas desportivas e formação de atletas competitivos), o que é que essa transição implica? Quem deve tomar a dianteira? O que fazer? Como?
A BVM, proponente desta ideia, dá as respostas na entrevista ao respectivo PCA, Salim Valá, nas próximas páginas. Mas o que pensam e vivem, na prática, os clubes e outros especialistas? Para começar importa referir que, em Moçambique, há três grupos de
A competitividade da selecção nacional é um importante sinalizador dos investidores sobre a qualidade do futebol que se pratica no País
O QUE MUDA A CRIAÇÃO DAS SAD?
É unânime, entre os analistas nacionais, que uma abordagem empresarial da gestão dos clubes desportivos faz toda a diferença não só na sustentabilidade dos clubes, como na economia no seu tudo. Como?
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Os clubes ganham uma gestão mais profissional adoptando a contabilidade organizada e, por via disso, a possibilidade de se financiarem no mercado de capitais e obterem boas condições financeiras para o seu funcionamento e expansão das suas actividades competitivas e de negócios.
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Torna-se possível os clubes investirem na construção ou reconstrução de estádios e outras infra-estruturas desportivas, lúdicas e sociais, para o seu funcionamento, o que, actualmente, poucos clubes nacionais têm capacidade de fazer.
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Os clubes que conseguirem transformar-se em SAD também têm a possibilidade de investir melhor na formação e na valorização de atletas, treinadores e outros profissionais do desporto, lembrando que a venda do passe dos jogadores é a mais importante fonte de receitas.
Abre-se a possibilidade de lançar academias de formação para as camadas de jovens atletas, e atrair ou lapidar mais talentos, dando visibilidade ao clube e ao mercado nos campeonatos mais competitivos do mundo.
Atrair novos investidores, nacionais e estrangeiros, através da compra de acções no clube, que injectam capital para garantir a auto-sustentabilidade. Quanto mais competitivo for o campeonato e melhor for a imagem do clube, maior será o retorno do investimento.
FONTE BVM
clubes no que diz respeito a fontes de rendimento: os de natureza associativa, em que os sócios são os que pagam as quotas e ajudam a mantê-los; os que estão integrados em grandes empresas públicas como os Ferroviários, o Costa do Sol, União Desportiva do Songo, ENH de Vilanculos, entre outros que beneficiam do suporte dessas empresas; e os clubes privados como a Associação Black Bulls ou a Liga Desportiva de Maputo, entre outros.
“Para qualquer dos três modelos, o caminho será a transformação dos clubes em Sociedades Anónimas Desportivas porque, na realidade, se não conseguirmos fazer isso, qualquer modelo poderá tender a fracassar, a não ser que o associativismo consiga voltar aos tempos antigos em que os sócios pagavam o suficiente para manter os clubes, ao contrário do que se passa agora, em que a contribuição ronda os 100 meticais por mês”, observou Inácio Bernardo.
Exemplo disso são as necessidades financeiras do Desportivo de Maputo na altura em que era presidente entre 2017 e 2020. “Precisava de, aproximadamente, 1,5 milhão de meticais por mês para manter o clube sem grandes ambições. Se tivesse grandes ambições precisaria de até 3 milhões por mês, o que está distante da capacidade dos clubes moçambicanos hoje”, explicou. Victor Matine e David Nhassengo, por seu turno, entendem que é possível que os chamados “clubes grandes”, com suporte financeiro das empresas públicas, não se interessem pela transformação em SAD, uma vez que, mensalmente, cai-lhes um cheque na mesa. Ao contrário, esta tendência pode ser seguida pelos clubes que dependem de patrocinadores privados, como a Liga Desportiva de Maputo, o Desportivo de Maputo. Mas há um problema: ambos admitem que desconhecem os requisitos para a sua admissão no mercado de capitais, nomeadamente a compreensão do que deve ser feito do negócio desportivo. Acreditam haver o desconhecimento dos activos comerciais que os clubes detêm e que podem ser registados no mercado de capitais, entre outros pontos.
Contrapondo o presidente da BVM, que defende já haver um trabalho avançado de auscultação dos clubes e exposição das condições da sua transformação em empresas, David Nhassengo entende que “é preciso que alguém nos venha dizer todas as condições e requisitos a preencher para nos transformarmos em SAD e isso não está a acontecer. Ninguém vai aos clubes mostrar isso”.
O papel de cada um e de todos
Conhecedor da realidade dos mercados bem-sucedidos, Pedro Correia aconselha a que o caminho pela construção de um futebol rentável seja trilhado em conjunto entre a Liga, a FMF e o Governo, sendo a este últi-
BUSINESS SEM LIMITES
O impacto económico do futebol é também determinado pela distribuição dos direitos televisivos. Na Espanha, por exemplo, a Mediapro (um conglomerado de media sediado em Barcelona) comprou os direitos da Liga dos Campeões e da Liga Europa até 2021 por quase 1,1 mil milhões de euros. A Movistar também adquiriu os direitos de transmissão da La Liga espanhola por três temporadas por 2,94 mil milhões de euros. Há rumores constantes sobre o interesse dos gigantes da Internet (Google, Amazon e Facebook) em adquirir esses direitos, mas a economia do futebol não parece ser uma prioridade para essas empresas. Futebol é uma indústria que alimenta também o mercado das apostas, que movimenta muito dinheiro. Mas em Moçambique, e um pouco por toda a África, por causa de todas as fragilidades já mencionadas, nem os direitos de transmissão do Moçambola (principal campeonato de futebol do País) são alvos de disputa, o que reduz ainda mais o potencial que esta modalidade tem para servir para o desenvolvimento socioeconómico.
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mo atribuída a tarefa de legislar, como fez em 2015 quando aprovou o Regime Jurídico das Sociedades Anónimas Desportivas.
Os gestores desportivos Victor Matine e Inácio Bernardo chamam à classe dos profissionais da sua área e aos fazedores do desporto a responsabilidade de dar o salto pela transformação, por serem detentores do know how. “O grande problema para nós é não termos implementado ainda o que sabemos fazer e que já está escrito. O salto para a implementação não é só um problema nosso, mas de todo o País. Creio que precisamos de tomar decisões para mudar o rumo das coisas”, defende o antigo presidente do Desportivo de Maputo, apontando que outro obstáculo é o facto de que as empresas não se sentirem estimuladas a abraçarem projectos desportivos devido às fragilidades dos clubes que elevam os riscos de investimentos.
Um percurso longo e complicado
Em tudo, incluindo no futebol, o dinheiro flui onde há qualidade. Em Moçambique, infelizmente, a qualidade do futebol é fraca, incapaz de encher estádios. Nem a bilheteira, cujo peso nas receitas dos clubes é ínfimo, consegue ser plena.
Transposta a barreira da formação, e uma vez respondida a questão da qualidade do espectáculo que está associada à formação de jogadores e de técnicos, o passo seguinte, segundo o consultor da UEFA, Pedro Correia, é a criação de ligas autónomas para acelerar a profissionalização do futebol e maximizar as receitas no sentido de buscar sustentabilidade. Mas nem sempre esta estratégia pode ser bem-sucedida. “Por exemplo, Moçambique tem uma liga autónoma há 20 anos. Cabe-vos a vocês fazer uma análise, passadas duas décadas, de quais são os resultados, como é que está o vosso futebol, o que obtiveram e o que não obtiveram, e tirar as vossas ilações”, explicou o responsável.
Neste quadro, é também chamada a componente da Governança. “Estou a falar, na realidade, da organização e gestão de empresas e, olhando para os clubes, independentemente de serem ou não associações sem fins lucrativos, têm a obrigação de garantir a sustentabilidade, senão vão desaparecer, de acordo com as leis do mercado”, esclareceu o consultor da UEFA.
Em África, uma das iniciativas de sucesso na rentabilização do desporto para a economia é a da Tanzânia, que está em processo de separação da liga para gerar receitas e buscar a sustentabilidade. Também há clubes a investirem em academias e no desenvolvimento de jovens.
Noutros países, inclusive na Europa, há clubes mais pequenos e modestos que investiram na formação onde não se conseguem ganhos imediatos, sendo necessário levar entre cinco e dez anos, mas conseguiram fazer vendas significativas de jogadores. E, com as receitas, em lugar de gastar pagando mais salários aos jogadores, etc., investiram em melhores infra-estruturas, capacitação de pessoas, serviços, entre outros, algo que, no médio ou longo prazo, fez a diferença.
O campeonato principal de futebol não é competitivo. Mas uma visão empresarial de gestão dos clubes é capaz de mudar este quadro
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Líria das Dores Álvaro Nhavotso • Directora de Tesouraria e Mercados
Seis anos após a suspensão da ajuda financeira a Moçambique, o Conselho de Administração do Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou, no início do mês de Maio, a aprovação da retoma do apoio ao Orçamento do Estado de Moçambique através de um Programa de Financiamento Ampliado até 2025.
Desde Junho de 2016 que o FMI foi um dos parceiros internacionais que suspenderam os apoios financeiros directos ao Orçamento do Estado na sequência da descoberta de dívidas não declaradas do Estado e Empresas Públicas, no valor de USD 2,7 mil milhões. Desde então, o FMI apenas concedeu ajuda na sequência dos ciclones em 2019 e, mais tarde, durante a pandemia do covid-19 em 2020, com o intuito de apoiar o Governo a mitigar o impacto socioeconómico destes eventos extraordinários.
O valor do Programa de Financiamento Ampliando ascende a cerca de USD 470 milhões, que serão disponibilizados ao Estado durante os próximos três anos (20222025). Este Programa irá centrar-se no crescimento económico, na sustentabilidade fiscal e nas reformas de gestão e governação das Finanças Públicas, pilares importantes para o desenvolvimento económico e combate à desigualdade. A aprovação deste programa esteve condicionada pela implementação de um conjunto de reformas na administração pública, nomeadamente: • Criação de reformas na massa salarial dos funcionários públicos, levando à convergência do seu peso sobre o PIB para níveis observados noutros países da região; • Criação de reformas que permitam endereçar os desafios estruturais a longo prazo de gestão dos recursos públicos e da governação, bem como reformas estruturais na gestão dos recursos fiscais, onde um passo importante deverá ser a implementação de um Fundo Soberano
O Retorno do FMI a Moçambique
e a respectiva regulamentação; • Publicação de um relatório de auditoria relativamente à aplicação dos fundos recebidos para o apoio no combate à pandemia do covid-19; • Alterações às leis de Probidade Pública e de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do
Terrorismo; • Transparência na gestão da dívida e das receitas de exploração dos recursos naturais, que são as áreas-chave identificadas no Relatório de Diagnóstico sobre Transparência, Governação e Corrupção de 2019, elaborado pelo Governo com o apoio do FMI. Em resumo, o Programa pretende apoiar a promoção da boa governação através de reformas públicas que abordem os de-
safios estruturais a longo prazo na gestão dos recursos públicos . Pretende também manter o ritmo das reformas estruturais para melhorar a gestão dos recursos fiscais provenientes da exploração dos recursos naturais, combate à corrupção, estabilidade macroeconómica e controlo da dívida pública. Adicionalmente, este Programa de Financiamento Ampliado poderá ainda ajudar a aliviar as pressões financeiras num contexto de recuperação económica, apoiar a agenda das autoridades na redução da pobreza e na restauração de um crescimento equitativo e sustentável.
Perspectivas com a retoma do FMI
É entendimento geral que, com o anúncio deste acordo, abrem-se portas para outros doadores, que aos poucos vão anunciando a retoma do apoio ao Orçamento, como é
o caso do Banco Mundial, União Europeia e Banco Africano de Desenvolvimento. Este programa que fortalece a confiança do FMI no actual Governo poderá contribuir para a alavancagem da economia num cenário económico ainda caracterizado por elevadas incertezas.
Paralelamente, até ao final do mês de Março, foram ratificados diversos acordos de financiamento através de donativos por parte do Banco Mundial, no montante de USD 1,2 mil milhões. Parte destes apoios já se encontravam contemplados no Orçamento de Estado para 2022, com o Executivo a estimar um aumento na rubrica de donativos para mais de 7% do PIB, que compara com valores inferiores a 2% em 2021. Espera-se que a retoma do FMI impulsione a implementação de projectos de maior valor acrescentado, que terão maior potencial de ajudar a reconstruir a credibilidade de longo prazo junto dos parceiros internacionais. O retorno dos restantes parceiros ajudará a ampliar as fontes de financiamento do Governo, melhorando assim a liquidez das contas nacionais, e contribuir para reduzir a pressão no serviço de dívida actual. Embora seja difícil de quantificar o impacto económico indirecto do retorno do FMI, a realidade é que este deverá ser muito superior aos USD 470 milhões anunciados. Em particular, o acompanhamento técnico e financeiro do FMI, no âmbito deste programa, deverá acelerar na implementação das reformas estruturais que o País necessita e ajudar a restabelecer um ambiente de estabilidade e confiança até ao arranque definitivo dos projectos de gás na Bacia do Rovuma.
Por fim, a melhoria das perspectivas futuras deverão conduzir a melhorias nas perspectivas de rating por parte das agências internacionais, tendo sido notória a alteração recente do Outlook de ‘estável’ para ‘positivo’ por parte da Moody’s, o que irá contribuir para a redução da percepção de risco por parte dos investidores, a redução dos custos de financiamento e, eventualmente, a retoma do Tesouro ao financiamento nos mercados externos.
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“A Bolsa, os Clubes e Toda a Economia Vão Ganhar”
Enquanto muitos desacreditam, Salim Valá, Presidente da Bolsa de Valores de Moçambique, não tem dúvidas do impacto no crescimento económico da transformação dos clubes em empresas. Assume ser difícil, mas garante que é possível e explica como…
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva e Jay Garrido
“S alim Valá entende que por mais que um clube tenha boas infra-estruturas e bons jogadores não alcançará sucesso económico se a sua gestão não for criteriosa, racional e não permita a sua perenidade no tempo, ou seja, se não for possível depois melhorar a formação das camadas jovens, criar boas infra-estruturas para treinos, academias, bons campos, centros de estágios, etc., como acontece, por exemplo, na Associação Black Bulls.
Mas tudo isto deve ter lugar dentro da perspectiva de que os clubes sejam geridos como empresas, pondo fim àquela visão “arcaica e ultrapassada” e que periga os próprios
A BVM propõe a transformação de clubes desportivos em SAD, cuja experiência internacional já provou ser um modelo com bons resultados para a sustentabilidade dos clubes e para a economia. Olhando para o panorama nacional de clubes, grosso modo, desestruturados ao nível financeiro e da organização das contas, o que inspira a Bolsa a acreditar no sucesso desta solução?
O nosso ponto de partida foi a constatação de que o País está a desperdiçar uma oportunidade económica. Isto é, os clubes, o sistema financeiro e o País no seu todo estão a desperdiçar a janela de oportunidade que já existe, porque o Governo criou, há sete anos,
resultados desportivos, em que os clubes, enquanto associações sem fins lucrativos, perseguem objectivos ligados à massificação da prática do desporto, ou culturais, ou de outro cariz. A Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), que está a desenvolver esta iniciativa em conjunto com a Secretaria de Estado do Desporto, foca-se em dois objectivos fundamentais. O primeiro consiste em que, ao apostarem em Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), os clubes conseguirão obter financiamento. Segundo, mas não menos importante, na assimilação das melhores práticas de gestão dos clubes, condição para que os seus recursos sejam bem aplicados e possam ter impacto na economia. através do Decreto Lei 1/2015, o Regime Jurídico das SAD, um instrumento já aprovado. A BVM já estava atenta a esta oportunidade e procurámos a liderança da nova Secretaria de Estado do Desporto, na pessoa do respectivo presidente, Gilberto Mendes, com o qual discutimos como poderíamos operacionalizar o Regime Jurídico das SAD que, apesar de existir desde 2015, não está a ser utilizado nem pelas federações, nem pelos clubes.
Assim, iniciámos o diálogo sobre o assunto, analisámos o instrumento, auscultámos os agentes desportivos e consultámos o que está a acontecer noutras geografias, principalmente na Europa, onde a experiência está enraizada e com sucesso. A seguir decidimos cristalizar este interesse
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mútuo com um memorando de entendimento, que foi rubricado para assegurar que este instrumento jurídico possa ser implementado na prática pelos clubes moçambicanos.
Se o Regime Jurídico das SAD existe desde 2015, o que pesou para que só agora esteja a ser alvo de atenção?
Isso tem que ver com o processo de elaboração legislativa. Temos, no País, referências de que o facto de existir uma lei, norma ou regulamento não é suficiente para a sua implementação. É preciso que existam instituições e mecanismos práticos concretos para a sua operacionalização. Em concreto, a transformação dos clubes em SAD é uma inovação em Moçambique, já que a visão tradicional dos clubes é a de servirem como associações sem fins lucrativos. Esta inovação, mesmo na Europa, começou a emergir na década de 1990. O facto de ser uma abordagem nova, desconhecida na realidade moçambicana e pela própria BVM, é que justifica que não tenha havido avanços desde a aprovação do Regime Jurídico das SAD.
Mas, do nosso lado (BVM), começámos a reflectir sobre este assunto em 2017 e só encontrámos terreno fértil na visão do próprio Governo através da Secretaria de Estado do Desporto. Ou seja, durante este tempo, tivemos de estudar a realidade internacional, as especificidades de Moçambique e a situação concreta em que se encontram os cerca de 300 clubes espalhados pelo País.
Foi preciso muito trabalho de campo para se ter o panorama actual dos clubes e depois desenhar a proposta de transformação, supomos. Em que consistiu?
Nós, BVM, e a Secretaria de Estado do Desporto, realizámos, em conjunto, diversas acções que não se circunscreveram apenas à elaboração e assinatura do memorando de entendimento, mas incluíram a consciencialização, a formação e capacitação de quadros da Secretaria de Estado do Desporto em Maputo e noutros pontos do País.
As sessões de formação estenderam-se para as federações e clubes em Maputo, Beira e Nampula. Toda esta movimentação é determinada pela procura. Por exemplo, os clubes da província de Sofala convidaram-nos e tivemos de deslocar uma equipa para dialogar, consciencializar e capacitar pessoas sobre assuntos relativos aos
requisitos e práticas de gestão financeira, contabilidade, etc., e que abrem espaço para beneficiar das vantagens da Bolsa.
Na prossecução destas acções também dialogámos com clubes da Cidade de Maputo, como o 1º de Maio, Estrela Vermelha, Black Bulls, entre outros, assim como com clubes de províncias como Inhambane. Neste momento estamos a ser procurados por clubes de Tete. E como é que se desenvolve este processo? As federações provinciais convidam a Bolsa para as sessões de esclarecimento envolvendo os interesses de vários clubes, mas sempre com janelas abertas para a interacção com um clube específico. Isto mostra que há interesse dos clubes em adquirir uma visão empresarial e trilhar por este caminho.
Do trabalho feito chegaram à conclusão de que, de facto, existe potencial para esta “aventura” que parece tão distante da realidade do País. O que existe, em concreto, que faz acreditar no sucesso desta ambição?
Podemos fazer o aproveitamento do grande potencial que muitos clubes têm de infra-estruturas que se estão a danificar, e a mobilização do empresariado para apoiar clubes nos vários pontos do País, aproveitando a vasta massa associativa de moçambicanos, que gostam do desporto, e que se podem transformar nos futuros accionistas de clubes.
Infelizmente, temos a tendência de descredibilizar ideias inovadoras ainda na fase de concepção. No início, tive conversas com pessoas ligadas ao desporto que defendiam que a transformação de clubes em SAD é um projecto de elite, um sonho longe da realidade de um país pobre como o nosso. Esquecem-se que, por exemplo, hoje, o sistema financeiro nacional tem produtos e soluções de base tecnológica que se usam nos países desenvolvidos. Com isto quero dizer que não devemos limitar a nossa ambição. Também não devemos olhar para as SAD como a panaceia que vai resolver todos os problemas de gestão dos clubes, mas, se bem usada, vai resolver alguns problemas dos clubes que apostarem nesta estratégia. É preciso ter a consciência de que há clubes que, pela sua situação financeira, não podem transitar de imediato para SAD, mas também há aqueles que estão preparados, bastando apenas uma tomada de decisão para avançarem. e já visitámos vários clubes com capacidades diferentes em termos de infra-estruturas, capital, gestão, etc. Ouvimos as suas preocupações e informámo-nos sobre o que estão a fazer em todas as vertentes e depois mostrámos os requisitos necessários para poderem trabalhar connosco. Os requisitos são os tradicionais, pelo que não há os que são específicos para a transformação em SAD. Isto é, além dos jurídico-legais, existem os económico-financeiros (contas organizadas e auditadas, capitais próprios de 4 milhões de meticais para pequenas e médias empresas e 16 milhões para grandes empresas) e os requisitos de mercado (dispersão accionista suficiente e livre transmissibilidade das acções).
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Nos próximos dois ou três anos, Moçambique tem condições para ter duas, três ou mais SAD, pelos sinais que estamos a ver tendo em conta os requisitos e interesses dos clubes. É possível termos SAD que usam o mercado de capitais como mecanismo de financiamento, para dar visibilidade aos clubes e para absorver investidores estrangeiros.
Nesta estratégia, que possibilidades há para os clubes mais pequenos, que estão mais distantes de preencher os requisitos financeiros e organizacionais ajustados a uma visão empresarial? Vão merecer algum tipo de apoio da Bolsa e da Secretaria de Estado do Desporto para não perderem este barco, ou nem por isso?
Como disse, a nossa abordagem é ditada pela procura. Os clubes manifestam interesse e nós respondemos,
A par da fraca qualidade de infra-estruturas, os agentes desportivos manifestam reservas
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quanto à capacidade de formação de talentos, tomados como o principal activo dos clubes. Isto parece constituir uma barreira importante para a transformação que se pretende…
Quando fizemos o diagnóstico constatámos que estes problemas não são apenas de Moçambique. Angola, Botsuana, Maláui, Cabo Verde, por exemplo, enfrentam os mesmos obstáculos. Em Moçambique, alguns clubes como os Ferroviários têm boas infra-estruturas desportivas implantadas pelo País já desde o tempo colonial. Hoje estão a degradar-se. E este é o nosso ponto fraco. Uma experiência boa sobre como revitalizar as infra-estruturas vem da cidade de Chimoio, onde o Conselho Municipal fez uma parceria com empresários privados com este propósito. Mas o importante é que depois sejam geridas dentro de uma perspectiva económica. A formação é também um elemento vital para garantir a sustentabilidade dos clubes. Temos gente com potencial, jovens que gostam de desporto e têm talento nas diversas modalidades. O que se deve fazer, agora, é dar novo ímpeto a esta vontade de fazer as coisas através de um trabalho conjunto envolvendo o Governo, as escolas, as federações e as comunidades nos bairros. É importante não perder de vista esta ligação institucional que vai permitir identificar e lapidar talentos.
Existem, em África, histórias bem-sucedidas de uma experiência como esta que queremos perseguir? Quais?
Existem alguns casos, mas não podem ser considerados como experiências consolidadas. E é por isso que este trabalho é liderado pessoalmente pelo PCA da Bolsa. É uma oportunidade para Moçambique fazer a diferença no continente. Ponderamos tornar-nos num dos melhores países a utilizarem a Bolsa de Valores como instrumento catalisador e dinamizador do desenvolvimento desportivo.
Temos estado a explorar experiências bem-sucedidas de outras partes do mundo fora de África, como de Portugal, Inglaterra, Países Baixos, França, etc.
O QUE A BVM TEM A OFERECER?
Os benefícios de uma transformação dos clubes desportivos em SAD são transversais, segundo a Bolsa de Valores de Moçambique, que considera, igualmente, infalível o seu impacto na economia no seu todo
Como Sociedade Anónima, a SAD tem acesso às alternativas de financiamento exclusivas do Mercado de Capitais e da Bolsa de Valores (Equity e Dívida).
A SAD pode financiar-se através de empréstimos obrigacionistas no mercado de capitais, e, uma vez cotadas na BVM, as acções podem valorizar-se.
A cotação na BVM atrai investidores nacionais e estrangeiros e o investimento estrangeiro tem facilidade no expatriamento do capital investido e dos rendimentos (dividendos, juros).
A SAD pode obter receita financeira pela venda de acções próprias ou pela emissão de novas acções para investidores nacionais e estrangeiros.
Os dividendos da SAD cotadas na BVM têm uma poupança fiscal de 50%.
Até onde a economia, no seu todo, pode chegar se conseguir materializar a ideia de transformar clubes desportivos em empresas?
Estamos a fazer isto como oportunidade de negócio. A Bolsa vai ganhar, os clubes vão ganhar e toda a economia vai ganhar. Isto vai mexer na roda da economia, não só por haver clubes bem geridos, mas porque o consumo vai aumentar significativamente e a venda de jogadores é uma fonte de divisas que faz toda a diferença, sem falar no aumento do número de empresas, de emprego e do alargamento da base tributária. E porque a poupança interna do País é baixa, clubes que apresentem bons resultados têm o potencial de atrair investidores individuais ou institucionais de todo o mundo e isso é uma oportunidade para o crescimento económico. Transformando-se em empresa, o clube é, obrigatoriamente, submetido ao escrutínio público.
Periodicamente, terá de prestar contas não só aos sócios, como ao público através dos canais existentes na Bolsa, nomeadamente o boletim de cotações e o site. Assim, o clube passa a ser uma marca registada porque passa a realizar negócios dentro dos princípios de transparência e ética.
Além disso, possibilita qualquer cidadão a investir em mais do que um clube e ampliar a sua base de geração de retornos. Ou seja, é possível, neste modelo, ser sócio de um clube e, ao mesmo tempo, ser accionista de outros clubes.
Nas Melhores Ligas… as Multinacionais da Bola
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A Goldman Sachs acaba de lançar títulos de dívida de 900 milhões de dólares para o futebol espanhol, o primeiro negócio na Europa a permitir que um investidor compre uma participação num negócio ligado a uma Liga em vez de um ou mais clubes. Esta é a prova de que, lá fora, o patamar de produção de riqueza através do futebol evolui continuamente
Texto Celso Chambisso • Fotografia Adobe Stock
Enquanto a Consultora Ernst & Young avalia em cerca de 300 mil milhões de dólares o valor total que circula no futebol mundial, a Deloitte estima que o futebol profissional no mundo movimentava, antes da pandemia, 40 mil milhões de dólares e agora cerca de 35 mil milhões.
Esta diferença estará, provavelmente, no facto de a Delloite não considerar, nas suas pesquisas, o valor das transferências dos jogadores — que é a parte mais significativa do negócio do futebol — por entender que não faz parte dos custos operacionais dos clubes desportivos.
Mas, mesmo seguindo a lógica “reducionista” da Delloite, o futebol consegue fazer dos clubes verdadeiras multinacionais. Por exemplo, a elite das cinco melhores ligas de futebol — Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França — facturava, antes da pandemia, 19 mil milhões de dólares ao ano. Em 2020, o valor caiu para 17 mil milhões. Se, nessa análise, se acrescentar o valor da transferência dos jogadores chega-se a valores estratosféricos. Numa década, de 2011 a 2020, só no mercado das transferências, a Espanha transaccionou o passe de 4400 jogadores e arrecadou receitas no valor de 6,2 mil milhões de dólares.
No mesmo período, a Inglaterra transaccionou passes de 6500 atletas e obteve uma receita de 5,2 mil milhões de dólares. As receitas da França, Itália e Alemanha foram de 4,9 mil milhões de dólares, 4,2 mil milhões e 3,4 mil milhões de dólares, respectivamente.
Contudo, o estudo não é específico quanto ao valor arrecadado pelos clubes considerando todas as componentes do seu negócio, nomeadamente os direitos de transmissão televisiva, marketing e patrocínios das grandes marcas. Ainda assim, não escasseiam estudos que façam menção a esses dados. Por exemplo, a Deloitte Football Money League, um ranking dos clubes de futebol pela receita gerada a partir das suas operações, e que é lançado em Fevereiro de cada ano, indica que o Manchester City da Inglaterra é o clube mais rico com 644,9 milhões de euros. Cerca de 48% do seu valor total vem de patrocínios e marketing e os outros 52% de direitos de transmissão.
O segundo mais poderoso é o Real Madrid da Espanha com 640,7 milhões de euros (50% provêm de patrocínios, 49% da transmissão e os outros 1% são bilheteira), e o top 10 é completo pelo o Bayern de Munique da Alemanha (611,4 milhões de euros), Barcelona da Espanha (582,1 milhões de euros), Manchester United da Inglaterra (558 milhões de euros), Paris Saint Germain da França (556,2 milhões de euros), Liverpool da Inglaterra (550,4 milhões de euros), Chelsea da Inglaterra (493,1 milhões de euros), Juventus da Itália (433,5 milhões de euros) e Tottenham
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da Inglaterra (406,2 milhões de euros). Mas, por trás da riqueza dos clubes, há uma história de organização que foi sendo escrita ao longo do tempo. Um caminho semelhante ao que os clubes moçambicanos agora se preparam para trilhar – a criação das SAD.
Experiências internacionais das SAD
Um levantamento feito pela BVM, e que serve de estudo para a implementação de ideias transformadoras no futebol moçambicano, indica que a visão empresarial do futebol começou com a sua profissionalização, isto é, quando passou de mera actividade recreativa e de entretenimento e foi considerado como emprego dos seus praticantes.
Os pioneiros na profissionalização foram os ingleses (o Arsenal em 1891, o Liverpool em 1892, o Tottenham em 1898, o Chelsea em 1905 e o Manchester United em 1907). No entanto, só no início da década de 1990 entraram na Bolsa de Londres, com o Manchester United a ser o primeiro a ser cotado, em Junho de 1991.
E, hoje, o fenómeno da cotação em bolsa dos clubes desportivos abrange, além da Inglaterra, a Turquia, Dinamarca, Itália, Holanda, Alemanha, Escócia, Portugal, cotadas numa diversidade de bolsas como as de Londres, Istambul, Copenhaga, Milão, Amesterdão, Frankfurt, Lisboa, tendo sido criado um índice que inclui 28 clubes de todas as divisões das oito nações mencionadas, denominado “Dow Jones Stoxx Football Index”, que funciona como um barómetro bolsista do sector desportivo.
Do índice “Dow Jones Stoxx Football Index” fazem parte clubes tão diversos como o Galatasaray e o Besiktas da Turquia, o Borussia Dortmund da Alemanha, o Olympique Lyonnais da França, a Juventus, o AS Roma e a Lazio da Itália, o Celtic da Escócia, o AFC Ajax da Holanda, o Tottenham, Birmingham City e Sheffield United de Inglaterra, o Sporting CP, SL Benfica e FC Porto de Portugal, entre outros. Hoje, a filiação dos clubes em bolsa popularizou-se e é prática em todos os continentes, sendo África o mais atrasado.
Uma tendência que cresce nas ligas emergentes
Um estudo feito a partir da compilação de dados dos relatórios anuais da UEFA, Deloitte, FIFA, Forbes, clubes e ligas mostra o crescente interesse em fazer do futebol um dos motores da economia. A pesquisa avança que a Rússia sempre apresentou um bom nível de facturação. O modelo de clubes com donos bilionários impulsionou o mercado. O Zenit St. Petersburg é o seu maior expoente e já factura 260 milhões de dólares. A Turquia foi uma das ligas emergentes que mais cresceu nos últimos anos. A força dos gigantes Fenerbahçe, Galatasaray, Be-
CASOS DE SUCESSO DAS COTAÇÕES EM BOLSA
Clubes-empresas ganham dinheiro de várias maneiras, todas directa e indirectamente relacionadas com o facto de estarem filiadas em bolsas de valores. Eis alguns exemlos:
JUVENTUS (ITÁLIA)
Cotada na Bolsa Italiana há quase 20 anos, com a entrada de Cristiano Ronaldo em meados de 2018 (proveniente do Real Madrid), as acções do clube subiram 130%.
ATLÉTICO DE MADRID (ESPANHA)
Recentemente, a corretora Plus500 e o Real Madrid firmaram um acordo de patrocínio. Especula-se que o valor esteja em torno de um milhão de libras esterlinas.
BORUSSIA DORTMUND (ALEMANHA)
Cotado na Bolsa de Frankfurt, foi recentemente considerado um exemplo de bem investir ao lucrar 312 milhões de euros com a venda de quatro jogadores.
MANCHESTER UNITED (INGLATERRA) COLO-COLO (CHILE)
Cotado na Bolsa de Santiago em 2005, foi o primeiro depois de o Governo incentivar as SAD. Reconstruiu o seu estádio e regularizou as dívidas.
Cotado na NYSE, para reconstruir o seu estádio e investir em jogadores, entre 1991/95, viu as suas acções valorizaram 500%.
Não são só os clubes muito conhecidos que se beneficiam da sua cotação na Bolsa de Valores... aliás, estes também são exemplo de riscos a que a cotação em Bolsa pode expor, como o recente caso do Chelsea da Inglaterra
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siktas, que já têm facturação próxima dos 135 milhões de dólares, são um diferencial.
Na Holanda, o Ajax é um grande modelo de gestão entre os clubes das ligas emergentes. Atingiu receitas recorde de 219 milhões de dólares em 2019. Além do Ajax, o PSV e Feyenoord são destaque. Segundo dados da FIFA, na última década, a Holanda facturou 2 mil milhões de dólares com a transferência de 2 mil jogadores. O Brasil é uma indústria de mais de 8 mil milhões de dólares com grandes clubes a facturarem 970 milhões de dólares só com transferências.
Quando estar na Bolsa vale a pena…
São vários os casos em que a cotação dos clubes desportivos em Bolsa se traduzem em sucesso. Por exemplo, o Manchester United, cotado na Bolsa de Valores de New York (NYSE), com o objectivo de reconstruir o seu estádio e investir em jogadores, viu as suas acções valorizarem 500% entre 1991 e 1995. A Juventus está cotada na Bolsa Italiana desde 2001, sendo que 25% das suas acções estão disponíveis para que qualquer investidor possa ser accionista do clube. O objectivo é garantir a boa gestão do futebol, em função das rígidas obrigatoriedades impostas pelo sistema da Bolsa de Valores, em termos de governança e transparência, do que efectivamente pela vontade de conseguir recursos por meio de ofertas públicas ou operações similares.
Mas não são só os clubes muito conhecidos que se beneficiaram da sua cotação na Bolsa de Valores. O clube chileno Colo-colo, cotado em 2005 na Bolsa de Santiago, reconstruiu o seu estádio e regularizou o seu défice financeiro; a Universidade del Chile, cotada em 2008, vendeu 55% das suas acções por 15 milhões de dólares; a Universidade Católica do mesmo país, cotada em 2008, vendeu 100% das suas acções por 25 milhões de dólares.
… E quando é preciso ter cuidado
Como em tudo, o modelo das SAD também apresenta aspectos que inspiram cuidados e que devem ser acautelados. Os problemas começam quando os resultados desportivos da equipa principal de futebol começam a não ser os esperados ou prometidos pela SAD. Os sócios do clube que, muitas vezes, têm um reduzido poder de voto nas SAD, começam, frequentemente, a ver o futebol enquanto principal impulsionador do clube a tomar um rumo que não é o que pretendiam, surgindo daí uma potencial fonte de conflito entre o Clube e a SAD. Esta questão é vista como a “nova guerra do futebol”.
Outro exemplo, muito recente, é o do Chelsea. O actual campeão da Europa, que ganhou, recentemente, o título do Mundial de Clubes, está a atravessar uma crise sem precedentes. Desde Março passado que tem as contas bancárias temporariamente suspensas pelo Banco Barclays e não pode fazer nenhuma despesa, seja para pagar viagens ou pagar funcionários e jogadores. Além disso, pode tornar-se insolvente, tudo porque o oligarca russo Roman Abramovich, ex-presidente do Chelsea, e outros seis magnatas ligados ao clube são acusados de terem ligações com o Presidente Vladimir Putin, muito criticado pela invasão à Ucrânia.
A situação do Chelsea leva alguns analistas do Brasil (país com uma experiência muito recente de transformação de clubes em SAD) a considerarem-no como sinal de alerta para os clubes, no sentido de tomarem o máximo cuidado com os sócios que estão a adquirir as suas acções.
Os mais valiosos de África
África tem pouco a dizer sobre posse de riqueza, de um modo geral, e é, sem surpresa, a parte do mundo onde o futebol gera pouco dinheiro. Ainda assim, há clubes bem posicionados, segundo o Relatório da Consultoria Transfermarkt, um site que analisa o valor de mercado do futebol de clubes e atletas, divulgado em Setembro de 2021.
O top cinco em termos de preço do plantel inclui o Al Ahly do Egipto (27 milhões de euros), o Sundowns da África do Sul (24 milhões de euros), o Esperance de Tunis da Tunísia (22 milhões de euros), Pyramids do Egipto (20 milhões de euros) e Orlando Pirates da África do Sul (19 milhões de euros).
Dado comum destas equipas é que são assíduas participantes da Liga dos Campeões Africanos e outras taças continentais, e são quase sempre estas a representarem o continente nos mundiais de clubes.
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