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CONTEÚDO LOCAL

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OBSERVAÇÃO

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Conteúdo Local. Pontos nos “is” Sobre um Tema que Carece de Consensos

A exploração do gás arranca já neste ano, mas ainda há muitas pontas soltas sobre o que deve a estratégia nacional contemplar no âmbito do Conteúdo Local. Empresas, Sociedade Civil e Economistas apresentam ideias desencontradas, numa altura em que se reclama a demora na aprovação de um instrumento legal. Quem vai arrumar a casa?

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Texto Anderson Cossa • Fotografia Shutterstock

Adescoberta dos recursos minerais em Moçambique criou uma grande expectativa tanto para o empresariado local, que via mais oportunidades de investimento, como para a população no geral que ansiava por melhorias na qualidade de vida. Estamos a falar, por exemplo, de cerca de 20 biliões de barris de gás natural na bacia do Rovuma com potencial de acrescentar 39 biliões de dólares à economia moçambicana, pelo menos até 2035.

Com estas quantidades de gás natural, e o dinheiro que poderá gerar, as PME começaram a 'piscar o olho' para uma janela de oportunidades de grandes investimentos que se abre, o que acabou por atribuir relevância à discussão sobre a necessidade de definição de regras no âmbito do Conteúdo Local.

Sucede, porém, que as PME não estão organizadas para fechar negócios com as multinacionais que exploram os recursos minerais no País. Mas nem por isso deixam de reivindicar um lugar privilegiado no banquete dos petrodólares. “Primeiro, os recursos são nossos. Não faz muito sentido que os moçambicanos passem mal no seu próprio país, sendo que os seus recursos estão a ser extraídos e a beneficiarem empresas estrangeiras. Isso cria descontentamento em qualquer parte do mundo”, alertou Feito Tudo Male, presidente da Associação das Pequenas e Médias Empresas (APME). Perante o que consideram ser “injusto”, o sector privado (neste caso representado pela APME) sugere que sejam as multinacionais que exploram o gás natural a organizar as PME nacionais “a custo zero”, para depois contratá-las e pagar pelos serviços que poderão prestar.

“O nosso conselho, como associação, é envolver as PME moçambicanas nos megaprojectos. Nós vamos seleccionar empresas minimamente organizadas, com contabilidade organizada e estruturada. E as multinacionais vão capacitá-las no modelo das suas exigências, para criar um padrão e uma cadeia de valor, o que fará com que a componente de Conteúdo Local seja aproveitada ao máximo”, sugeriu o presidente da Associação das Pequenas e Médias Empresas.

Feito Tudo Male não concorda que a capacitação das Pequenas e Médias Empresas pelas multinacionais tenha que ver com a sua falta de organização. Pelo contrário, entende que “o sector privado moçambicano não tinha experiência para lidar com isso e não podemos ficar reféns do facto de não termos experiência. Estas multinacionais sabem como é que se faz para envolver as comunidades e as empresas locais nesse negócio”.

Os pontos concretos

Por outro lado, a classe empresarial sente que o Governo não está a criar facilidades e justifica: “Estando em Moçambique, as multinacionais lançam concursos em inglês, e esta é uma forma de nos excluir. Por que motivo, aqui no País, é na língua inglesa que se preenchem os cadernos de encargos? Se assim tiver de ser é bom que nos tragam um tradutor. O Governo está a falhar ao admitir isso. Tem de im-

por que os concursos sejam em língua portuguesa. Não estamos a dizer que eles não devem falar a sua língua, mas aqui, em Moçambique, algumas coisas devem ser feitas de acordo com a nossa identidade”.

Entretanto, o lançamento dos concursos públicos em inglês não é o único ponto que desagrada a APME. Esta exige, igualmente, que tais concursos sejam lançados com muitos dias de antecedência, ao contrário do que se assiste actualmente. “O tempo que o concurso leva é curto, porque não permite que os operadores legalizem a sua condição relativa à obtenção de garantias bancárias para se financiar junto à banca, sem falar na dos adiantamentos de pagamento para obter a matéria-prima. Tudo isso leva tempo, mas as exigências dos concursos têm de ser respondidas em apenas um mês”, protestou Feito Tudo Male, repisando que a execução do objecto de um concurso público não revela desorganização das PME, já que estas “estão dotadas de capacidade de fornecimento de bens e serviços às multinacionais”.

Reconhece, no entanto, que “as multinacionais, elas, por si só, exigem mão-de-obra qualificada, certificada, e nós não temos ainda essa capacidade”. Mas acredita que não será necessária muita especialização para serviços específicos como, por exemplo, fornecer um bloco de notas, papel higiénico, máscaras, luvas, jardinagem, limpezas e serviços de catering. A esperança de dias melhores para as PME pode estar na aprovação da Lei de Conteúdo Local, mas a mudança não começa com a legislação. “Precisamos, também, como empresas, de ter capacidade de governança, gestão, contabilidade organizada, etc. Esses são alguns dos requisitos. A Lei vai ser um incentivo porque, psicologicamente, ficaremos aliviados por ter um espaço para nos podermos defender e exigir os nossos direitos. Incentivamos as empresas que se organizem de modo a que estas oportunidades, quando vierem, não nos encontrem totalmente desprevenidos, enfatizou o presidente da AMPE.

São as próprias PME que devem assumir o seu posicionamento

O economista Elcídio Bachita ouviu o posicionamento da APME e reagiu: “A exigência das PME não faz sentido, porque se eu quero atingir um determinado objectivo devo fazer um investimento para alcançá-lo e não exigir que a entidade a que pretendo prestar serviços crie condições para que tal aconteça”, defende o economista Elcídio Bachita.

O economista argumenta ainda que as PME devem investir na formação e capacitação profissional dos seus técnicos para poderem competir com as empresas estrangeiras, até porque as próprias multinacionais “não vão aceitar fazer isso. A capacitação implica custos. Elas (as multinacionais) terão de contratar consultores e os mesmos deverão ser pagos. De onde virá esse dinheiro? Não serão as multinacionais a pagarem consultores externos para capacitar as empresas locais e depois pagar-lhes”, defende.

Quanto à questão dos concursos públicos lançados em língua inglesa, outra reclamação das PME, Elcídio Bachita concorda que o Governo deve procurar soluções junto das multinacionais. “O sector privado não tem como obrigar ou convencer as multinacionais a ter de lançar concursos ou cadernos de encargo em língua portuguesa. Isto porque os contratos para a exploração de áreas que têm recursos naturais são assinados em língua inglesa entre o Governo e as multinacionais. Este é um problema que o Governo deve resolver, e não uma exigência feita pelo sector privado”, argumentou. Concorda, entretanto, que, se tratados em português, estes processos podem promover uma maior participação do sector privado nacional. Mesmo assim, chama a atenção para que os nacionais também invistam no idioma global. “O sector privado tem de investir na formação dos seus quadros, tendo em conta que o inglês é a língua mais falada no mundo”, argumentou”.

A desordem

Bachita também entende que, quando o sector privado aparece a pedir mais tempo para executar o objecto de um concurso público, lançado pelas multinacionais, está a revelar alguma desorganização porque “não faz sentido lançar um concurso público hoje para que a sua implementação ou execução aconteça um ano depois. As multinacionais trabalham com metas. Se se lança um concurso ho-

co em Agosto de 2019 e aguarda, ainda, pela análise, revisão e aprovação do Conselho de Ministros para, posteriormente, ser encaminhada para a Assembleia da República. O Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD) reconhece a importância do instrumento legal para um maior envolvimento do empresariado nacional nos megaprojectos e sabe por que a Lei de Conteúdo Local demora a sair do papel. “Um dos principais desafios para o avanço da Lei do Conteúdo Local é o equilíbrio entre o interesse das empresas multinacionais e o interesse do Estado. Há, de certa forma, alguma relutância, por parte das empresas internacionais, em avançar mais rapidamente com este instrumento”, revelou Américo Maluana, pesquisador no Centro para Democracia e Desenvolvimento. O pesquisador argumenta a sua visão com o facto de, por exemplo, depois de cinco anos e num cenário em que já se tinha uma luz verde para a de civil, de modo a ter-se um debate franco e mais subsídios para que a aprovação da Lei de Conteúdo Local seja útil para o nosso contexto.

Os pecados do Executivo

O Centro de Integridade Pública (CIP) sente, também, que as Pequenas e Médias Empresas moçambicanas estão a ser excluídas dos megaprojectos porque não alcançam a dinâmica e o desenvolvimento que se esperava com a descoberta dos recursos minerais. Este facto é, segundo o CIP, agravado pela inexistência de uma legislação específica que obrigue as multinacionais a serem mais inclusivas.

“A culpa, em primeira instância, é do nosso Governo porque faz parte das atribuições do Executivo criar incentivos para o desenvolvimento do sector privado e um deles (incentivos) não é fazer um investimento directo nessas empresas ou dar dinheiro. É, sim, criar um ambiente propício para que elas operem e tenham lucros.

O CIP sugere que haja uma definição de estratégia nacional do que queremos com o desenvolvimento do sector extractivo...

je espera-se que, em média, dentro de três ou quatro meses os trabalhos já estejam a arrancar e não depois de seis meses ou um ano. Isso revela que as nossas empresas não estão capacitadas para fazerem a prestação de serviços às multinacionais. É uma grande fragilidade”.

Sobre a Lei de Conteúdo Local que ainda está “na gaveta”, o economista manifesta pouco optimismo quanto à sua utilidade, mesmo que seja aprovada, a avaliar pelo nível de despreparação das PME nacionais. “O Governo devia trabalhar em parceria com o sector privado, de modo a fazer uma consciencialização deste, para se melhorar a qualidade da prestação de serviços e, também, melhorar, a médio e longo prazos, a qualidade de formação dos nossos técnicos, pois só com isso poderemos tirar maiores benefícios dos projectos de exploração dos recursos naturais em Moçambique”, alertou.

As desconfianças da Sociedade Civil

A Proposta de Lei de Conteúdo Local foi aprovada pelo Conselho EconómiProposta de Lei do Conteúdo Local avançar para Assembleia da República, “não houve uma explicação clara que nos permitisse perceber as razões de este instrumento dificilmente não avançar, mesmo tendo em conta a sua importância estratégica”. Outro aspecto que a sociedade civil destaca é o facto de o sector privado não ter alinhado no produto final da proposta de lei que lhes era apresentada.

“O empresariado nacional, representado pela CTA, posicionou-se de forma crítica em relação ao instrumento no sentido de que eles, como sector privado, não se reviam em relação ao que foi aprovado. Isso mostra que há um debate muito profundo que se deve levantar sobre estas questões, porque a partir do momento em que se está a discutir uma Lei que deve permitir a participação do sector privado nos projectos, e este não se revê, significa que estamos a dar um passo não qualitativo como seria de esperar”, indicou Américo Maluana.

Assim, o CDD sugere que se envolvam mais actores da classe empresarial nacional e da sociedaAgora, se não existe uma legislação que garanta um ambiente favorável para as PME operarem, a culpa é do Governo e mais ninguém”, apontou o dedo Rui Mate, pesquisador do CIP.

Antes de se correr para a aprovação da Leii do Conteúdo Local, o CIP sugere que haja uma definição de estratégia nacional do que queremos com o desenvolvimento do sector extractivo, e como as multinacionais incluíram as empresas nacionais. “Fazendo isso, já é mais fácil ter um instrumento legal que possibilite essas orientações”.

O pesquisador do Centro de Integridade Pública alerta para a possibilidade de as multinacionais tornarem os concursos públicos complexos só para excluir as empresas. E, uma vez mais, o Governo é chamado a travar este fenómeno.

“Nos concursos públicos multinacionais, há muitos aspectos que muitas empresas não têm. Isso também deve ser estudado pelo Governo no sentido de verificar até que ponto os critérios exigidos fazem sentido porque alguns podem ser, pura e simplesmente, para excluir”, alertou.

Como os Preços do Petróleo e a Evolução do Mundo Andam Ligados

Em plena invasão russa da Ucrânia, o preço ajustado da inflação do petróleo atingiu máximos de há sete anos. A Rússia é um dos maiores produtores mundiais de petróleo bruto, e muitos países anunciaram uma proibição das importações de petróleo russo no meio da guerra.

Esta situação levou a incertezas de abastecimento e, por conseguinte, a um aumento dos preços.

Antes de mergulhar nos dados, vale a pena explicar porque é que os preços históricos do petróleo têm visto tanta volatilidade. Tal acontece, principalmente, pelo facto de a oferta e a procura de petróleo tenderem a ter uma baixa capacidade de resposta às alterações de preços a curto prazo.

Mas como é que o aumento dos preços se compara com anteriores acontecimentos políticos e económicos desde 1968?

Custo do petróleo refinado

Capacidade de armazenamento dos EUA esgotada

Os retornos ajustados do petróleo têm variado nas últimas décadas

Medido de Q1 do ano inicial a Q4 do ano final As devoluções são ajustadas pela inflação

West Texas Intermediate

Preço do barril de crude ($ por barril em 2010)

2008

Crise financeira global

2015

OPEC mantém a produção apesar dos preços baixos

1980

Guerra Irão Iraque

1973 1978

Embargo árabe Revolução iraniana

2001

Ataques do 11 de Setembro

1986 1990 1997

Iraque invade o Kuwait Crise financeira asiática

2005

Capacidade de armazenamento reduzida

Sauditas deixam de ser os “swing producers” mundiais

1999

OPEC reduz produção em 1,7 milhões de barris por dia

2009

OPEC corta a produção em 4,2 milhões de barris por dia

2022

Invasão da Ucrânia pela Rússia

2020

Pandemia de Covid-19 reduz drasticamente a procura.

1971

Fonte US Energy Administration, Visual Capitalist

Recuperações económicas têm levado, tipicamente, ao aumento das taxas de juro, mas também ao aumento da procura por energia. Em resposta a isto, o petróleo tem mostrado um bom desempenho.

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