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“Inovação na Abordagem é Fundamental Para Criar Mais Emprego em Cabo Delgado”

A resposta aos imperativos do Conteúdo Local está, também e principalmente, na promoção do emprego. Mas este exige, cada vez mais, uma visão ‘fora da caixa’, em que a ligação entre programas e a inovação são requisitos mandatórios para atingir os objectivos, tão justos quanto necessários, de desenvolvimento em Cabo Delgado

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Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva

No mais recente workshop do Projecto +Emprego, realizado, no dia 30 de Novembro, em Maputo, o debate obedeceu ao mote: “Dinâmicas de Inovação e +Emprego”, um tema que sugere a necessária e urgente evolução do paradigma na abordagem rumo à empregabilidade efectiva da população jovem da Província de Cabo Delgado. No encontro, participaram, como habitualmente, várias entidades parceiras do projecto, da União Europeia que cofinancia o +Emprego, à CTA, passando pelo IFPELAC, Fundação Aga Kham e GAPI, entre vários outros. Cristina Paulo, Coordenadora Geral do Projecto +Emprego, abriu a sessão, abordando “a importância da gestão do conhecimento de um projecto piloto “que tem como missão fazer o scaling up de iniciativas meritórias” já existentes mas também valorizar e testar novos programas, abordagens e metodologias, num projecto “pequeno na escala financeira, mas não na ambição, que é enorme”. Assente na diversidade de parceiros e de formas de fazer as coisas acontecerem para atingir os resultados pretendidos, o objectivo final do Projecto +Emprego “é a melhoria da empregabilidade dos jovens de Cabo Delgado e o incremento do seu rendimento”, assinalou.

O +Emprego é apoiado pela União Europeia, gerido e co-financiado pelo Camões I.P., com um orçamento de 4, 2 milhões de euros. “É pequeno na escala financeira, mas grande na ambição, que é enorme, e assenta numa grande diversidade de parceiros e formas de fazer as coisas, tendo em vista a melhoria da empregabilidade e produção de rendimento dos jovens de Cabo Delgado”, sublinha a coordenadora do Projecto.

Olhar para fora, para fazer cá dentro

A primeira ideia partilhada na ocasião foi a incorporação do aspecto inovador na discussão e na implementação de todas as iniciativas de promoção do emprego, e coube ao partner da Jason Moçambique, João Gomes, na qualidade de keynote speaker da sessão, abordando as “Soluções africanas inovadoras para a empregabilidade dos jovens”, em que sugeriu “um olhar para as experiências de alguns países africanos para tentar perceber o que estão a fazer para combater o desemprego.” E propôs, nessa base, “uma abordagem sob três ângulos: , a mudança de foco da procura para a oferta de emprego, com o argumento de que não basta munir os jovens com uma série de competências técnicas e profissionais para depois “stocá-los” algures fora do mercado, como se tem feito actualmente; segundo, a mudança de mentalidade, significando que o desemprego em África não depende apenas da acção dos Governos, mas de todos os actores da sociedade; e, em terceiro, o papel dos jovens que já deixaram de ser o problema, estão a ganhar voz e são parte da solução.”

Um exemplo de medidas inovadoras ‘fora da caixa’ made in África é o da Nigéria. “Em resposta ao desfasamento entre as necessidades de emprego da indústria (muito centrada no lado da oferta) e a formação nas universidades (centrada na procura), a Comissão das Universidades da Nigéria tem critérios de referência para interacções entre as universidades e a indústria”. Por outras palavras, prosseguiu, “é obrigatório que todas as universidades nigerianas criem centros empresariais. Ou seja, o aspecto a considerar não são os jovens nem a sua ‘hiper-qualificação’, e sim a oferta de emprego.” Para João Gomes, “é por aqui que se deveria começar a pensar sobre esta questão também em Moçambique.”

Muito a fazer mas algo já a acontecer

Há, ainda assim, boas iniciativas de inovação, e algumas até deram o seu testemunho no workshop +Emprego, caso da formação de apicultores nas comunidades rurais de Cabo Delgado, nomeadamente no distrito de Chiúre, em benefício de jovens deslocados e vulneráveis, promovida pela Fundação Aga Khan. De acordo com Alexandre Devissone, “este projecto apoiado pelo +Emprego visa estabelecer a cadeia de valor do mercado assegurando o retalho do mel processado, embalado ou em bruto, e garantir a disponibilidade de alimentos. Para isso foram instaladas 75 colmeias naquela localidade. Os formandos trabalharam em equipa na construção de colmeias com vista à sua integração no mercado de trabalho e geração de rendimentos”, assinalou.

O contributo dos grandes projectos

“Como aumentar a inovação das medidas dirigidas à empregabilidade dos jo-

“O +Emprego assenta numa grande diversidade de parceiros e atribi grande importância à gestão do conhecimento. Somos um projecto pequeno na escala financeira, mas não na ambição”

vens de Cabo Delgado, visando a sua maior eficácia na perspectiva do sector privado?” A esta pergunta feita no painel de debate no mesmo evento, Paulo Mendonça, E&P Country Manager da Galp em Moçambique, revelou as realizações da multinacional, uma das concessionárias do projecto de gás natural das Áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma, e como está a desenvolver programas ao nível da formação, de treino e de estágios na empresa assinalando que, actualmente, a maior parte das pessoas que contrata são jovens. “Nós temos um programa já muito consolidado em várias geografias e também aqui em Moçambique, através do qual contratamos jovens para estágios. Os mais bem-sucedidos acabam por ficar. Esta é a ferramenta mais importante que a Galp tem neste momento para contratar jovens”, revelou. Paulo Mendonça recordou as boas experiências levadas a cabo pela multinacional, o recente acordo assinado com a Associação Internacional de Estudantes em Ciências Económicas e Empresariais (AIESEC), com vista a apoiar a concretização dos seus projectos de impacto social, aproximando igualmente a empresa da juventude moçambicana”, complementou. Além disso, prosseguiu, “a Galp tem um acordo com o projecto +Emprego, assinado durante a FACIM, através do qual vai financiar um programa desenvolvido com a Universidade Unilurio, para formar formadores de jovens em matéria de oil & gas a partir do início do próximo ano.”

Paulo Mendonça lembrou também que, já em 2012, “a empresa desenvolveu uma série de programas, com destaque para a formação de 200 jovens em várias áreas de competências relacionadas com este tipo de projectos. Tratou-se de uma formação internacional, com uma duração de entre dois a três anos, e que contribuiu para que os beneficiários tivessem elevado as suas capacidades, sendo que muitos foram contratados.”

OIT pede agregação de informação

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), representada por Paulo Selemane, recomendou que se olhe para a estrutura do potencial produtivo, e até demográfico, para decidir sobre as políticas de fomento ao emprego. “Actualmente há uma euforia, justificável até, em relação ao gás. Mas o facto é que o País é essencialmente agrícola e com cerca de 60% da população a viver nas zonas costeiras. No caso específico das populações costeiras, a OIT está a apoiar o processo de implementação da convenção do trabalho marítimo que Moçambique ratificou, que já entrou em vigor e que vai permitir a promoção de novas oportunidades de trabalho digno”, explicou, para referir alguns dos projectos em curso nas províncias do Norte, nomeadamente Nampula, Niassa e Cabo Delgado, com uma componente focada na agricultura. “Pretende-se que a juventude passe a olhar para a agricultura como um emprego de elevado valor, com a mesma imagem que se tem de quem trabalha num banco ou num escritório. Ou seja, há esta estratégia de mudança de paradigma e de convencer o jovem a acreditar que o rendimento proveniente da produção agrícola não deve envergonhar as pessoas”, esclareceu, sem deixar de referir a necessidade de caminhar do sentido de agregar toda a informação existente sobre os vários programas de desenvolvimento que actualmente existem na região.

Bruno Dias • Partner da EY Moçambique

“Lembro-me de um vídeo do ministro Simon Kofe, da ilha de Tuvalu, no Pacífico, fazendo um discurso de fato e gravata com água até à cintura. Uma forma original de chamar a atenção e denunciar os impactos da elevação do nível do oceano, e que se tornou viral nas redes sociais”

Moçambique é Chave na Agenda da Sustentabilidade

Gostaria de começar por desmistificar o conceito de transição energética, uma vez que este fenómeno existe desde os primórdios da humanidade. Existiram, de facto, marcos importantes que originaram alterações na matriz energética, fundamentalmente relacionados com oportunidades energéticas de outras forças motrizes ou descobertas de novos combustíveis.

São exemplos disso a passagem do uso de lenha a carvão, a industrialização e o advento da máquina a vapor, a descoberta do petróleo como fonte energética e a aceleração da globalização e consequente aumento da procura energética.

Hoje, a força motriz associada à transição energética é distinta, está associada ao fenómeno das alterações climáticas e concorre para o objectivo mais lato de redução de emissões de carbono e impedir o aumento da temperatura global – que os acordos de Paris fixam como meta preferencial ficar abaixo dos 1,5 graus celsius dos níveis pré-industriais, sendo que, para isso, as emissões precisam de ser cortadas em cerca de 50% até 2030.

É assim necessário que os países façam mudanças nas suas matrizes energéticas para sair de uma produção rica em gases estufa (ex: petróleo, carvão), e investir em fontes de energia renováveis e mais limpas.

É expectável que o gás natural tenha um papel preponderante nesta transição energética, constituindo uma opção energética para aquecimento, cozinha e aplicações industriais. No que se refere às emissões de gases carbónicos, o gás natural apresenta uma vantagem significativa sobre o carvão (aproximadamente 50% das emissões), representando uma opção viável para a redução de emissões carbónicas no curto prazo e num período de transição para a plena adopção de energias renováveis, e de afirmação de outras fontes de energia alternativa como o hidrogénio.

Há aqui um paradigma digno de realce para os países africanos: são dos que menos contribuem para a mudança do clima, mas são dos mais vulneráveis aos seus impactos como o aumento do nível do mar, desertificação, acidificação dos oceanos e eventos extremos. Recorde-se que, em Moçambique, se estima que os danos infligidos pelas recentes catástrofes naturais associadas aos ciclones Idai e Kenneth ascendam a 3,2 biliões de dólares americanos.

Esta assincronia culminou na aprovação, no âmbito da conferência do clima da ONU (COP27), de um Fundo de Perdas e Danos para países particularmente vulneráveis às mudanças climáticas.

Esta ideia começou a ser negociada há três décadas, quando os países mais vulneráveis passaram a exigir compensações pelas mudanças climáticas das quais não eram historicamente responsáveis. Representantes de 24 países vão trabalhar juntos, no próximo ano, para decidir o formato deste Fundo de Perdas e Danos, que países deverão contribuir para a proposta e onde e como os fundos serão distribuídos.

Lembro-me de um vídeo do ministro Simon Kofe, da ilha de Tuvalu, no Pacífico, fazendo um discurso de fato e gravata com água até à cintura. Uma forma original de chamar a atenção e denunciar os impactos da elevação do nível do oceano e que se tornou viral nas redes sociais.

Moçambique tem um posicionamento-chave neste desígnio global, quer numa lógica de eficaz contribuidor para a transição energética na região e no mundo, quer como player de congregação deste grupo de países vulneráveis que terão de fazer ouvir a sua voz até que sejam decididos elementos importantes de estruturação do referido fundo no próximo COP28. Senão, vejamos: no que se refere à matriz energética, Moçambi-

Moçambique está a ganhar espaço de destaque entre os actores que vão garantir a segurança energética global

que tem já uma predominância de fontes renováveis na sua produção, nomeadamente hídrica, que representa 77% da geração actual do mercado interno e é fornecedor de energia a países da África Austral.

É de referir que a capacidade de geração deste tipo de energia é a maior da África Austral, estimada em 15 GW, e que existem projectos em desenvolvimento para captura deste potencial como o de Mphanda Nkuwa, que prevê instalar 1500 MW hídricos. Ao nível da energia solar há que realçar também os projectos de Mocuba e Metoro com 40 MW de capacidade em cada central.

Moçambique possui também vastas áreas florestais que contribuem decisivamente para a captura de carbono, reservas de 180 TFC de gás natural e vários projectos em desenvolvimento que serão chave como catalisadores de fonte de energia de transição de curto prazo. De salientar também que à medida que o mundo, e concretamente a UE, tenta ganhar independência do gás e petróleo russos, outros países como Moçambique vão ganhando espaço no mercado da energia. Alguns países africanos e do Médio Oriente podem ser elementos-chave na reconstrução da segurança energética da Europa no pós-guerra, assim como na sua transição para fontes de energia renováveis.

Paralelamente, cabe a Moçambique ser um pivot no aumento e aceleração da mobilização do apoio financeiro para a região, fruto do Fundo de Perdas e Danos enunciado na COP27.

Este aspecto é crítico para oferecer uma solução equitativa para a crise energética global, mas sempre tendo consciência que não é suficiente sem o compromisso paralelo de mitigar e eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis. António Guterres, secretário-geral da ONU, deixou um alerta: “estamos na auto-estrada para o inferno climático e com o pé ainda no acelerador.”

São tempos únicos de oportunidades e desafios que colocam Moçambique num lugar privilegiado para a diversificação das fontes energéticas a nível global e como uma peça-chave na promoção das energias limpas na região.

O esforço terá de ser conjunto entre o Governo de Moçambique, de multilaterais, do tecido privado e de investidores institucionais para tornar viáveis os projectos de infra-estruturas existentes e aumentar o financiamento de projectos de gás natural, de sistemas de energias renováveis e de armazenamento.

Alguns fazem do tempo um eterno presente, outros um passado sem novidades. Não é aqui que queremos estar porque o tempo voa e, desta vez, Moçambique pode ser chave no futuro. Há que fazer acontecer!

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