8 minute read
Das Perspectivas Económicas às Grandes Preocupações do Momento
Moçambique prepara-se para eliminar, até final do ano, a obrigatoriedade da intervenção da figura de despachante aduaneiro no desembaraço de mercadorias, de modo a tornar possível a relação directa entre o Estado e o importador ou agente económico. Que implicações a medida terá no processo em si e na vida daquela classe de profissionais?
Texto Filomena Bande • Fotografia Jay Garrido & Mariano Silva
Advertisement
Tratou-se de um Seminário Económico sobre Perspectivas Macroeconómicas para 2023 e Sustentabilidade das Empresas Moçambicanas, promovido pela Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS) em parceria com a Bolsa de Valores de Moçambique e o banco Moza, a 16 de Fevereiro.
Talvez por se assumir que muita informação já se tinha antes avançado sobre as perspectivas económicas (sabe-se, por exemplo, que o Produto Interno Bruto deve crescer em torno de 5%, a inflação estará na casa dos dois dígitos e que prevalecem riscos associados à guerra na Ucrânia, terrorismo em Cabo Delgado e desastres naturais), as discussões tomaram outro rumo.
Enquanto o FMI identificou a educação como uma prioridade sobre a qual o País se deve focar, a Bolsa de Valores de Moçambique olhou para a ainda fraca utilização dos instrumentos do mercado de capitais como uma preocupação a ter em conta para acelerar o crescimento no presente ano.
Quanto vale a educação na Economia?
De acordo com a apresentação feita pelo representante do FMI em Moçambique, Alexis Meyer-Cirkel, uma das componentes que vai influenciar o potencial de crescimento macroeconómico é a Educação.
Na sua intervenção, explicou que na teoria económica existem três mecanismos que identificam onde a Educação pode impactar no crescimento. Em primeiro lugar, aumenta o capital humano existente em qualquer país e essa força de trabalho aumenta a produtividade de cada um e da indústria como um todo, incrementando, assim, a produção nacional.
Em segundo lugar, influencia a capacidade de inovação da sociedade que, por sua vez, desenvolve a tecnologia de processos que por si ocasionam o crescimento económico. Por último, a educação facilita a ligação, ou seja, a composição do capital humano, e a forma como é difundida e distribuída numa nação é importante por influenciar a capacidade de absorver conhecimento e tecnologia de fora e incorporar nos processos produtivos dentro do país.
Fazendo uma radiografia da importância do capital humano nacional na produtividade, Cirkel esclareceu que os economistas, muitas vezes, decompõem o crescimento económico em que definem que o Produto Interno Bruto (PIB) é considerado como o somatório da produtividade, capital (infra-estruturas públicas) e trabalho.
A partir daqui, conclui-se que cada economia tem uma composição particularmente diferente das outras, uma vez que umas têm uma força de trabalho muito grande e acabam contribuindo mais, e outros países trabalham com mais capital, de onde provém a produtividade. Outra forma de se conhecer, ao detalhe, a contribuição do trabalho no crescimento é fazer uma decomposição a mais, que consiste em manter, na equação, a produtividade e o capital, mas subdividir o trabalho em quantidade de trabalhadores e o capital humano (educação).
Olhando para a situação de Moçambique, e utilizando qualquer das metodologias, entre 1999 e 2004, a contribuição do capital humano no crescimento do PIB foi de 14%, um valor elevado comparado com outros países em desenvolvimento, o que terá sido impulsionado pela rápida escolarização da população no pós-independência. Mas nos anos subsequentes, este indicador regrediu de forma preocupante.
A escolarização continua com índices modestos em comparação com alguns países pares (ver gráfico). “O crescimento tem vindo a arrefecer, e a pobreza e as desigualdades continuam altas, daí que o investimento, em particular na educação, seja fundamental para a sustentação de um crescimento sustentável, diversificado e inclusivo que reduz a pobreza.
Moçambique tem de fechar o gap de educação em relação aos países pares, e o investimento em educação deve basear-se na conciliação entre a quantidade e qualidade”, recomendou o economista.
Melhorias na gestão da coisa pública
Para não fugir por completo do tema sobre as perspectivas da economia, Alexis Meyer-Cirkel destacou alguns avanços continuados ao longo dos últimos anos, apesar das críticas que, por vezes, são emitidas contra o Executivo. “Vejo críticas em várias áreas, mas acho que há também uma falta de apreciação para as reformas que já foram feitas.
Isso inclui a lei do sector empresarial, a implementação do sistema de investimento público, as leis de branqueamento de capitais e a criação do fundo soberano que são um arcabouço institucional resiliente, transparente e essencial para aumentar a qualidade da gestão e a previsibilidade da gestão pública”, descreveu.
Alexis Meyer referiu, igualmente, como “interessante”, o facto de que “em Abril do ano passado, as nossas projeções (FMI) tanto para este ano quanto para o próximo não foram ajustadas, enquanto para o resto do mundo, com algumas excepções, foram sempre revistas em baixa. Então, tivemos, até à publicação do relatório do último do trimestre do País uma surpresa positiva. Tínhamos uma previsão de crescimento de 2022 um pouco abaixo de 4% e a realidade foi um pouco acima. Por isso a nossa previsão de crescimento deste ano é um pouco abaixo de 5%, o que representa um continuado crescimento económico e da estabilidade”, concluiu.
Mas as empresas precisam de tornar-se competitivas?
Foi a vez de Salim Valá, presidente da Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), lançar o apelo para uma melhor organização das empresas, principalmente as PME para que se tornem competitivas nacional e internacionalmente.
O presidente da BVM entende que neste cenário em que a renda per capita e o PIB são ainda muito baixos (492 dólares e 15,8 mil milhões de dólares respectivamente em 2021), uma das fórmulas para o crescimento macroeconómico do País é capacitar as empresas para torná-las aptas para integrar a BVM, e se tornarem mais competitivas, sustentáveis, lucrativas e com facilidades de acesso a financiamentos.
“As empresas procuram lucratividade e isso é bom, mas se não existir uma instituição forte e bem capacitada a cooperar com estas, os ganhos que conseguirem podem ser momentâneos.
Ou seja, o fortalecimento da própria instituição e o capital humano adequado, calibrados aos desafios do País, regionais e globais, tornam-se num activo económico para o sector empresarial e constituem uma vantagem competitiva para as empresas.
Há várias instituições a trabalharem. No entanto, a capacitação de empresas tem sido feita ainda de forma pouco coordenada e não numa perspectiva de longo prazo”, revelou.
Explicou, entretanto, que a BVM, na sua missão tradicional já faz capacitação de muitas empresas. “Quando submetem o pedido de admissão à Bolsa, as empresas pressionam e reclamam do rigor nos requisitos porque têm objectivos e negócios por fechar. Mas as exigências que fazemos têm o objectivo de alavancar as capacidades da empresa sob o ponto de vista de organização e gestão, financeiro, e de governação no geral. Esses elementos são importantes”, acrescentou.
As mais-valias da Bolsa
A BVM como um mecanismo de reforço de capacidades vem para alavancar as empresas, trazendo as PME e as startups promissoras para o mercado de capitais. É um mercado de incubação, que permite a capacitação e o reforço em termos de empoderamento das empresas para aceder ao financiamento via bolsa.
Mas muitas vezes, essas empresas, quando reúnem os requisitos, estão também preparadas para aceder a outras instituições financeiras para fazer negócios. “Portanto, temos os requisitos para cada um deles, requisitos de ordem jurídico-legal, financeiros e de mercado. Para responder a este tipo de requisitos, as empresas devem estar organizadas e preparadas, devidamente auditadas. Assim elas crescem”, explicou o presidente da BVM.
A Bolsa reporta a existência de várias empresas que querem beneficiar do financiamento por via do mercado de capitais, mas adverte que, para tal, devem preparar-se e organizar-se para assegurar uma boa governação, umas vez que as que estão no mercado de capitais submetem-se a um escrutínio público e têm a obrigatoriedade de fornecer informação permanentemente ao mercado.
Os estudos em Moçambique, não apenas os da BVM, apresentam três razões de dificuldade para a adesão das empresas à Bolsa de Valores, nomeadamente a falta de uma contabilidade organizada, a ausência de uma boa saúde económica e financeira e a necessidade de dispersão accionista.
“Mas estamos a trabalhar com parceiros no sentido de solucionar isso, temos uma parceria com a Ordem dos Contabilistas e Auditores de Moçambique e com o ISCAM- Instituto Superior de Contabilidade e Auditoria de Moçambique, com o propósito de identificar meios de chegar ao nível das pequenas empresas que não tenham uma estrutura organizada” destacou Salim Valá.
E, para finalizar, sublinhou que as Pequenas e Médias Empresas são a chave do processo do empoderamento empresarial, reconhecendo que “temos ainda grandes desafios nas infra-estruturas, no acesso ao financiamento, na segurança e assistência técnica, na ligação entre as universidades e as empresas, o pouco uso da ciência e tecnologia na produção e produtividade, a excessiva burocracia, entre outros”.