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Covid-19 e o Confinamento que Inspirou os “Ofícios da Alma”
Num passado não muito distante, quando o confinamento e a limitação de circulação, de repente, se tornaram numa regra de vida, o arquitecto e ilustrador Miguel César entregou-se ao trabalho de reflexão e apontamento.
Viajando pelo seu próprio interior, criou uma série de desenhos feitos à mão com esferográfica e caneta de gel sobre o papel, acabando por criar “Os Ofícios da Alma”, obra exposta na Galeria da Fundação Fernando Leite Couto.
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São no total 34 desenhos mais um (35) que mostram o processo de libertação de uma alma criativa que enfrenta a privação de liberdade, enclausurada num espaço fechado e obrigada a ausentar-se do mundo.
Uma tentativa de sobreviver à solidão e à saudade dos amigos, familiares e dos lugares favoritos. São 35 telinhas (com uma dimensão de apenas 12 cm2) que mostram paisagens da natureza, lugares externos, pessoas (que são a maior fonte de inspiração do artista) e objectos.
São papéis que ilustram lugares não visitados, eventos naturais não presenciados (como, por exemplo, as estações do ano), rostos não vistos, objectos usados mesmo sob obrigação (como o álcool em gel e as máscaras), tudo visto à lupa e através dos óculos de um preso domiciliário em busca de conforto para o espírito.
Finalmente livre, com o retorno à vida normal em 2022, Miguel buscou métodos para conservar os seus desenhos, os seus companheiros e todos os itens que eram vitais na altura do confinamento.
Talvez tenha sido uma forma inconsciente de expressar a sua vingança pela reclusão. O artista vitrificou os desenhos em resina, congelou-os e confinou-os de tal forma que não mais poderão ser libertos, porque qualquer tentativa de alforriá-los os destruiria.
Como artista, Miguel César confidenciou-nos que “não trabalha para fazer exposições, elas nascem de forma espontânea, no acaso originado pela presença de obras”. A sua maior linguagem artística é a pintura, mas acompanham também a escultura, a pintura mural, a pintura a óleo e acrílica e o teatro. Neste último, tem algumas participações na concepção e execução de cenários para peças de companhias nacionais.
O arquitecto e ilustrador moçambicano, natural de Sofala, revela que “fazer arte não é tarefa fácil, pois esta precisa de ser executada com muita atenção e dedicação, um trabalho que deve partir, em princípio, do interior do próprio artista, dos seus sentimentos e experiências”. Ode à arte!
TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Mariano Silva