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Os Segredos da Bebida Tradicional do Sul de Moçambique

Com o início do ano, no sul de Moçambique, em particular no distrito de Marracuene, começa a época do canhú, conhecido também como Marula, uma fruta encontrada na África Austral, cujas origem e ocorrência estão associadas ao povo Bantu. Uma pequena fruta verde que, ao amadurecer, toma uma tonalidade amarelada. É abundante na região e conhecida como especialidade do distrito.

De pequena, a fruta tem apenas o tamanho, mas a sua importância para o histórico distrito de Marracuene, o seu sabor e as curiosidades que giram à sua volta fazem dela uma verdadeira atracção que atinge o auge a cada dia 2 de Fevereiro, data em que se homenageiam os guerrilheiros que resistiram à ocupação colonial do distrito de Marracuene, e em que dezenas de milhares de pessoas, idas de todas as partes do sul do País, se sentam no mesmo recinto para desfrutarem do que é conhecido como “O Festival do Canhú”, bebida destilada a partir da fruta com o mesmo nome. Ou seja, o momento de exaltação dos heróis locais contra a invasão colonial (conhecidos pelos nomes de Nwamatibyana, Mahazule, Zilhalha, Mabjaia e outros tombados na batalha de Marracuene em 1895) ocasiona a invasão de Marracuene para a festa do canhú, também conhecida por Guaza Muthini.

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Na edição de 2023, a época do canhú foi oficialmente aberta a 6 de Janeiro. E a E&M esteve lá para explorar os mistérios e curiosidades em torno desta adega. Ficámos a saber que os habitantes de Nhongonhane (bairro de maior ocorrência do canhú em Marracuene) são os responsáveis por abastecer as festividades do Gwaza Muthini com a bebida, em celebrações que têm a particularidade de serem acompanhadas com carne de hipopótamo.

A bebida, como nos explicou a anciã Laura Nhagumbe, é feita de forma artesanal, com procedimentos bastante simples: recolhe-se a fruta e deixa-se até maturar, o que pode levar até quatro dias. A seguir, lava-se e retira-se a casca, espreme-se para extrair o líquido; separam-se as sementes e conserva-se o líquido em recipientes apropriados (geralmente galões), adicionado a um pouco de água para fermentar. Ao fim de três ou quatro dias, dependendo da temperatura do ambiente, a bebida está pronta para consumo.

Na edição de 2023, a época do canhú foi oficialmente aberta a 6 de Janeiro. E a E&M esteve lá. Ficámos a saber que os habitantes de Nhongonhane (bairro de maior ocorrência do canhú em Marracuene) são os responsáveis por abastecer as festividades

Para quem preferir uma versão doce, pode consumi-la passado apenas um dia depois do último procedimento de confecção. É que a bebida pode levar três diferentes variantes: a primeira é o sumo doce não fermentado, a segunda é a bebida fermentada e alcoólica e a terceira, que resulta da segunda, é a que fica no fundo do recipiente, geralmente um pouco mais espessa. Todas estas versões têm um sabor único, inconfundível, suave e, por isso, muito apreciado tanto pelas comunidades locais como por turistas nacionais e estrangeiros. Quem bebe canhú sabe que os últimos litros do galão não se dão aos mais velhos. E o velho Raimundo Boane, secretário da Vila de Marracuene, explica a razão: “é um afrodisíaco muito potente! Quando um grupo se reúne para beber, ao notar-se que já se vai aos últimos litros do odre, onde a bebida vai ficando mais espessa, os mais velhos são convidados a retirar-se e começa uma disputa entre os mais jovens pela mesma, porque ‘dá energias que os jovens gostam’ e para os mais velhos só traz confusão”, explicou o velho, tentando disfarçar o embaraço com um sorriso.

Mas a propriedade afrodisíaca da bebida não se encontra apenas na variedade espessa. Será por aqui que se explicam algumas das mais fundamentais regras de consumo: os homens ficam de um lado e as mulheres do outro. As casas-de-banho para homens ficam do lado oposto das casas-de-banho das mulheres. Se vai beber com o seu parceiro/parceira, esteja atento porque há uma outra regra de senso comum: “ninguém deve ajudar a resolver problemas (traições) que acontecerem em ambiente do consumo do canhú, e nenhum infractor será responsabilizado em nenhum outro fórum”.

Com todas as curiosidades, o canhú é, sem dúvida, uma das bebidas típicas mais apreciadas da zona sul de Moçambique. Entretanto, a fruta de que é feito é a mesma usada na destilação industrial para produção de um licor mundialmente famoso – a Amarula.

Texto Filomena Bande & Fotografia Augusto Santa Maria

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