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Maya Bay - Estamos Sempre a um Passo do Paraíso
O meu amigo foi a Maya Bay antes de esta se tornar na mítica praia de A Praia, filme de Danny Boyle com Leonardo DiCaprio.
- È veramente bellissima. Dovrebbe andare! (o que, em português, seria “é linda, deverias ir!”)
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Na longa-metragem do realizador britânico, Maya Bay é o lugar após a última estação do último comboio, o pedaço de céu na terra com o qual somente os mais dedicados, destemidos e inevitavelmente exaustos viajantes são presenteados, após uma demasiado longa e distante travessia.
- O barco já não nos leva até à ilha! Ficámos ao largo, somente.
eDisse-lhe, em 2019, quando visitámos o sul da Tailândia pela primeira vez. O Governo tailandês foi forçado a encerrar Maya Bay ao turismo entre 2018 e 2022 – a priori deste encerramento, mais de 6000 visitantes chegavam diariamente à pequena ilha. Caso erguêssemos um drone, facilmente vislumbraríamos mais de 100 barcos atracados na pequena lagoa. O mar? Coberto de barcos. O areal? Coberto de pessoas. E de plásticos. E de beatas. E de garrafas de Chang. E de garrafas de Singha (cerveja tailandesa). Caminhar sobre as areias da praia era uma tarefa difícil, dada a multidão - ainda mais difícil era nadar em paz no oceano sem ouvirmos:
- Could you please step aside?
You’re ruining my picture… Desde a estreia do filme, no ano 2000, que Maya Bay foi invadida sem pudor ou timidez. Essa desmedida invasão mexeu com o ecossistema da ilha: o coral foi quase inteiramente destruído e muita da fauna que povoava as águas turquesa foi expulsa. Hoje, pós-reabertura, é permitida a chegada de 380 visitantes por hora. O coral foi reposto e mostra sinais de saúde; muita da fauna retornou e multiplicou-se.
É agora proibido fumar na ilha e, apesar de podermos avançar alguns passos oceano adentro, é também proibido nadar – quem o fizer, arrisca-se a uma multa de 5000 baht. É impossível pernoitar em Maya Bay – não existem alojamentos na ilha. Para visitá-la, temos de partir ou das ilhas Phi Phi ou de Krabi, ou de Phuket – lugares que em tempos foram tão ou mais belos que a praia de A Praia –, mas que hoje têm menos de idílico.
O paraíso pede cuidado e equilíbrio, exige ser tocado com luvas brancas e bisturi – caso contrário, perdê-lo-emos. Temos demasiados exemplos de “sei que é difícil imaginar, mas isto era lindo há x anos…”, enquanto temos à frente um megalómano hotel de dez andares com um Mcdonald’s no seu piso térreo. Vi-o muito, pela Tailândia, pelo Vietname, pelo Brasil: paisagens de cortar a respiração polvilhadas com demasiados restaurantes de cadeias norte-americanas, bancas de smoothies de fruta, de poke bowls, de batidos proteicos; demasiadas promessas sobre o mais orgânico dos batidos, o mais homemade dos panini, a mais saudável, natural e fit combinação de ingredientes. Abacate e mel.
Abacate e ovo. Abacate, abacate, abacate. Invadimos o paraíso e não resistimos a dar-lhe um pequeno toque de SoCal (SoCal, ou Califórnia do Sul, o epicentro global do “mais saudável, mais fit, mais orgânico”), seja este no Golfo de Bengala ou no Mar do Caribe.
Chegar ao “ainda intocado” paraíso torna-se cada vez mais trabalhoso, portanto: na Tailândia, não nos basta o voo até Banguecoque, o comboio nocturno até Surat Thani, o autocarro até Don Sak e, finalmente, o barco até às principais ilhas do golfo –também estas, como Maya Bay, já há muito tempo foram “descobertas”. Koh Samui? Demasiado turística. Koh Tao? Demasiado cara. Koh Pha Ngan? Demasiado festiva.
O paraíso? Koh Wua Talap, ilha ainda pouco visitada, de areia branca e águas transparentes, parte do parque natural de Ang Thong, com somente uma pousada e um restaurante – ambos geridos pelo próprio parque natural – e sem bares ou pubs que transmitam a Premier League. Da ilha onde estamos, Koh Samui, resta-nos, então, a travessia marítima para Koh Wua Talap.
Podemos pagar a um pescador pelos 28 km que nos distanciam desta, dizem. É a opção mais barata, dizem. “Será seguro?”, pergunta a Sara. “Sei lá...”, respondo eu. Como alternativa, podemos partilhar a travessia com o grupo de 32 turistas que já aguardam pelo ferry no pontão.
- How much is the ticket?
- 1700 baht.
- For the two?
- No, per person.
- Per person?!
- Yes, yes. Come, come.
Chegados à ilha, temos ainda de pagar a taxa do parque natural – 300 baht. Seis horas para desfrutarmos deste pedaço de céu na terra. E sim, é verdade, no paraíso as cores são mais belas: o verde das palmeiras, o azul do mar, o branco da areia, o amarelo das flores; os sabores mais intensos: a papaia mais doce, a malagueta mais picante, a lima mais ácida. No entanto, ao fim de um pouco mais de quatro horas chamam-nos de volta ao ferry: as pesadas nuvens no horizonte podem complicar o retorno a Koh Samui caso aguardemos mais. Não há reembolso para o tempo em falta no paraíso.
No Camboja, para onde iremos em seguida, o paraíso, dizem, não se encontra em Phnom Penh ou em Siem Reap, mas sim em Koh Rong. Da capital, onde aterraremos, são cinco horas num autocarro até Sihanoukville e, de seguida, uma hora de ferry até ao arquipélago. Os alojamentos são caros, dada a diminuta oferta e competitividade. Também os restaurantes, leio.
- Achas mesmo que vale a pena? E se ficar mau tempo, como na Tailândia?
Decidimos não arriscar a demasiado longa e dispendiosa travessia.
A definição de paraíso, claro, difere de pessoa para pessoa: a minha cada vez mais se afasta da utópica praia de areia fina e águas turquesa. Esse lugar, realizo, tende a ser ou demasiado caro para o meu orçamento ou demasiado longínquo para a minha paciência. Prefiro deixá-lo em paz, num recôndito canto deste vasto mapa-mundo. Em oposição, cada vez mais o meu paraíso se assemelha a Banguecoque ou a Hong Kong. Sou feliz num lugar onde possa serpentear o trânsito da nocturna metrópole sobre uma scooter, por entre infinitos arranha-céus e luzes de néon; sou feliz num lugar que me inspire a escrever e a fotografar, a falar com os outros que aqui habitam e a descobrir as suas histórias; sou feliz num lugar onde possa parar numa qualquer banca à beira da estrada e, por um preço acessível, possa deliciar-me com iguarias que nunca vi antes e cujo nome não consigo correctamente pronunciar; onde possa encontrar um 7-Eleven (cadeia norte-americana de lojas de conveniência, extremamente popular na Ásia, e em especial na Tailândia, onde existem mais de 13 mil espaços da marca.
Apesar da sua pequena dimensão - estilo minimercado - os artigos para venda nos 7Eleven são variadíssimos, desde snacks a refeições completas; desde medicamentos não sujeitos a receita médica a artigos electrónicos; desde cuecas a modems e routers) e, a qualquer hora da noite ou do dia, pedir a sua mítica toastie de fiambre e queijo, famosa tosta de queijo e fiambre do 7-Eleven, mantimento diário de muitos trabalhadores, estudantes e mochileiros. Será esta a melhor tosta mista do mundo? Provavelmente não. Mas, custo-benefício, dificilmente encontrarão uma melhor nesta parte do mundo. Sou feliz num lugar com museus de arte contemporânea, salas de cinema e laboratórios que revelem e digitalizem película. Sim, tendo a ser mais feliz na metrópole do que fora desta, para desagrado da Sara.
E, por isso, de quando em vez, dou o braço a torcer e lá vamos nós, de comboio em comboio e de ferry em ferry, em busca do mais despovoado dos areais e do mais quente dos oceanos.
A tarefa revela-se cada vez mais árdua para os que, como a Sara, ainda procuram esse paraíso intocado – este encontra-se cada vez mais longe; afasta-se de nós, de ano para ano, de década para década. No futuro, estará noutro planeta? Provavelmente. Depois, noutra galáxia? Talvez. É irremediavelmente invadido por nós, viajantes, que não resistimos a tocar-lhe sem luvas brancas e bisturi. E, portanto, o paraíso não se afasta, afastamo-lo. Tornámo-lo tão irreconhecível que só nos resta olhar para fotografias de outrora e desabafar “sei que é difícil imaginar, mas isto era lindo há x anos…”. Considero-me sortudo: os meus paraísos ainda proliferam, continente afora. Banguecoque, Hong-Kong, Saigão, Tóquio. Daqui a dias partirei para Phnom Penh, capital do Camboja. Museu de arte contemporânea? Check. Laboratório que revele e digitalize película? Sim, existe um, nos arredores da cidade. Salas de cinema? Bastantes. Possível paraíso? Assim o espero… Espera, e 7-Eleven? Claro que sim, o primeiro da cidade abriu no final de 2021! E suspiro de alívio… Conseguem imaginar um paraíso sem 7-Eleven? Eu não.
Texto & Fotografia João Tamura