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A Força das Renováveis

Estão incluídas nos planos para Moçambique ter acesso universal à electricidade até 2030 e até já fazem a sua parte nesta caminhada. Mas que potencial e alternativas existem? O que está a ser explorado e o que falta? Quem paga e até onde chegam estas fontes de energia?

Nos últimos anos, os projectos de energias renováveis entraram em força na matriz energética nacional. Muitas razões poderão justificar esta mudança, quase que abrupta, mas há duas que melhor explicam a nova tendência: o crescente interesse dos investidores internacionais em potenciar as energias limpas perante o imperativo mundial de descarbonização até 2050 e, principalmente, o facto de o País possuir um potencial imensurável para a produção das renováveis de todas as fontes, com destaque para a solar, eólica, hídrica e biomassa. De acordo com o presidente da Associação Moçambicana de Energias Renováveis (AMER), Ricardo Pereira, do levantamento feito há dez anos (2013) e divulgado no Atlas das Energias Renováveis de Moçambique pelo Fundo Nacional de Energia (FUNAE), constatou-se um potencial à volta de 23 mil gigawatts (GW) dos vários recursos energéticos espalhados pelo País. “Neste caso, os recursos mais abundantes são de origem hídrica, eólica, biomassa, solar e até geotérmica. O único que não foi incluído na altura foi o potencial das marés, porque havia valores muito baixos. Apesar de a origem ser a mais abundante, neste momento, o maior aproveitamento de energias renováveis é feito através dos recursos hídricos, onde temos a hidroeléctrica de Cahora Bassa e, mais recentemente aprovada, a hidroeléctrica de Mphanda Nkua”, explicou o presidente da AMER. O Atlas das Energias Renováveis de Moçambique, publicado pelo FUNAE em 2014, indica um potencial total de 23 026 GW. Deste número, 7537 MW correspondem a projectos prioritários, entre os quais se destacam 599 MW de solar, 5645 MW de hídrica e 1146 MW de eólica.

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Muito potencial (ainda) ocioso...

Ricardo Pereira explica que “a parte solar já está a ter algum aproveitamento, porque já temos grandes cen- trais instaladas, com destaque para Mocuba com capacidade de 40 MW. Mas ainda não é comparável com o potencial das energias renováveis que poderá ser injectado na rede até 2030”. A matriz energética nacional revela um grande aproveitamento hídrico, mas “à medida que formos olhando para o futuro”, esse aproveitamento deverá desacelerar “em comparação com as energias solar e eólica, que vão ganhando alguma expressão”, referiu Ricardo Pereira. Segundo o Resumo das Renováveis em Moçambique, produzido pela AMER, os 2799 MW de potência instalada no País correspondem sensivelmente a metade do potencial em projectos prioritários. Por outro lado, do total de potência hoje instalada, apenas 39% estão de facto disponíveis para consumo nacional, uma vez que a maioria se destina a exportação ou a consumo próprio (como no caso da HCB, que dos 2075 MW instalados, apenas dispõe de 500 MW para a Electricidade de Moçambique).

Como se estão a expandir as renováveis?

Comecemos pelas mini-redes. Segundo a AMER, neste segmento, o envolvimento do sector privado tem sido diminuto e baseia-se apenas numa lógica de empreitadas públicas de construção. Assim sendo, o sector público está na dianteira através do FUNAE, que detém actualmente 97 mini-redes, correspondentes a 9,2 MW, com 79 em funcionamento, sete em construção e 11 por iniciar. A estas poderão rapidamente juntar-se novos projectos de iniciativa privada, beneficiando do apoio de parceiros de cooperação e dos programas por eles financiados que já promoveram estudos de viabilidade para mais de 70 locais. Em relação aos sistemas solares caseiros (SSC), os operadores privados começaram a comercializar estas alternativas num modelo ‘pay as you go’ (também abreviado para ‘paygo’) desde 2017. Neste modelo, os utilizadores finais vão pagando o equipamento ao longo da utiliza- ção. Foram identificados oito operadores privados ‘paygo’ no mercado, face aos quatro existentes em 2021, apesar de existirem muitos outros a venderem SSC num modelo de compra directa. Até 2022 foram vendidos mais de 255 mil sistemas, o que corresponde a um aumento de mais do triplo face ao início do ano anterior. Um estudo elaborado em 2017, citado pela AMER, quantificava o potencial deste mercado em 824 mil habitações, tendo em conta que apenas 22% da população sem acesso à rede podia suportar o custo mensal de SSC básicos, na altura de 7,5 dólares. No entanto, em 2022, alguns operadores conseguiram baixar o valor mensal dos sistemas para 4,5 dólares o que faz com que mais de 40% da população alvo já tenha capacidade para pagar, duplicando o potencial do mercado para 1,6 milhões de habitações.

Quem são os financiadores das renováveis?

Segundo Ricardo Pereira, existem quase 21 programas de apoio financiados por parceiros de cooperação e são orientados para diferentes segmentos do mercado das energias renováveis. “Existem também financiamentos directos às empresas e aqui posso destacar um financiamento de electrificação da União Europeia, chamado Electrify, que já prevê uma janela para Moçambique a rondar 500 milhões de euros para financiar empresas privadas com valores entre 500 mil euros a 10 milhões de euros, dependendo da fase em que a empresa estiver”. A estes financiadores junta-se a banca comercial. O BCI tem uma linha chamada Super, que significa ‘sustentabilidade, uso produtivo de energias’ e é financiada pelo Global Environmental Facility. O Millennium bim tem algumas soluções de financiamento para apoiar tanto na parte de investimento, quanto na de CAPEX (investimentos em bens de capital) e na parte operacional para algumas empresas que estejam no ramo das energias renováveis. Para energia ‘dentro da rede’, existe um grande apoio do Banco Mundial, do Banco Africano de Desenvolvimento e da União Europeia para a campanha de electrificação, gestão da rede e construção de novas subestações. No que diz respeito à energia ‘fora da rede’, marcam presença a União Europeia, a Agência de Desenvolvimento Alemã (GIZ), a Embaixada da Suécia, através da sua entidade de cooperação (SIDA), a Noruega, a Bélgica, através da ENABEL, e há também um parceiro bastante importante que é o Reino Unido através do FCDO, que financia um dos maiores programas de energia fora da rede em Moçambique que é o programa Brilho.

Os principais projectos solares

Dados da AMER indicam que a maior parte destes estão a ser implementados pelo Fundo Nacional de Energia

Programa Valor em milhões de dólares Financiadores

Proenergia + 53 Banco Mundial

Endev 47,5 Alemanha, Holanda, Noruega, Suíça e UE

Brilho 37,6 Reino Unido e Suécia

Proenergia 9,5 Banco Mundial

Bgfa 8,6 Sida-Suécia

Green People’s Energy 7,4 Cooperação Alemã

Ilumina 6,5 Aics - Itália

React Ssa Moz. 3,3 Sida-Suécia

Mas é preciso mais apoio Afinal, como em tudo, há o outro lado: o das dificuldades de acesso ao financiamento que limitam o avanço de determinados projectos. A E&M ouviu o especialista Pedro Moleirinho, consultor na área de energias renováveis na SNV (ONG holandesa focada em melhorar a qualidade de vida das comunidades), que revela que as empresas que fornecem soluções de energia fora da rede até apresentam bom desempenho do ponto de vista de inovação e qualidade dos serviços. No entanto, “todo este sector ainda é muito recente e frágil. Não podemos esquecer que os clientes destas empresas são famílias de baixa renda que fazem estes investimentos com muito esforço, negligenciadas por muitos sectores como a banca comercial. Daí ser fundamental dar-lhes um bom serviço e produtos de qualidade. Para isso tem de existir este apoio do programa na partilha de riscos. Conseguir chegar às zonas remotas de Moçambique requer grandes investimentos”, sublinhou Pedro Moleirinho.

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