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Da Namíbia a Maputo: Resiliência Demonstrada com Ciclismo

“O ser humano não tem limites”. Esta é uma frase geralmente aplicada quando alguém faz algo extraordinário, remetendo-nos para algo incomum ou fora do normal. A E&M aborda este tema, trazendo uma história sobre resiliência de pessoas com deficiência. Há cerca de um mês e meio, um grupo de ciclistas com idade avançada e limitações físicas embarcou numa viagem de bicicleta com o objectivo de ligar dois pontos extremos do continente africano: o oceano Atlântico ao Índico.

Para se ser mais preciso, saíram da Swakopmond, na Namíbia, para Maputo, Moçambique, perfazendo um trajecto de 2354,08 quilómetros em 39 dias, atravessando cinco países e fazendo paragens em pontos estratégicos para confortar outras pessoas desabilitadas e motivá-las a dar continuidade às suas vidas, sem medo.

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A viagem foi possível através de uma iniciativa designada “Bidii Yetu”, palavra em ‘kiswahili’ (língua bantu com o maior número de falantes), que em português significa “juntos somos resilientes”, cujo objectivo era demonstrar o que as pessoas portadoras de deficiência podem alcançar quando as barreiras à sua deficiência são eliminadas. Ao mesmo tempo, pretendia-se sensibilizar para o ciclo de pobreza em que estão presos milhões destas pessoas e angariar fundos e equipamento para organizações de apoio a portadores de deficiência nos países que faziam parte da rota da viagem.

“Desde jovem que sonho atravessar o continente africano através do ciclismo, mas depois vinha sempre o trabalho, a família, as insurreições e as guerras ao longo do caminho. Por causa de uma doença, perdi a capacidade de andar e, naquele momento, pensei que o meu sonho estava acabado”, conta Olaf Kulla, ciclista de 64 anos e fundador da iniciativa, que depois viu uma luz ao fundo do túnel: “um dia vi alguém numa bicicleta de mãos e pensei ‘isto é interessante’, o que será? Interpelei aquela pessoa e comecei a ver quantas coisas podia fazer por dia, quantos dias podia aguentar pedalando [com as mãos] e se era possível fazer 100 quilómetros”. Após esta descoberta, Kulla começou a exercitar-se e comprou uma bicicleta em que podia pedalar com as mãos. Deu assim início à realização do seu sonho. “A iniciativa ‘Bidii Yetu’ foi uma grande reviravolta para de- monstrar a força das pessoas deficientes ou com limitações. Queríamos começar a fazer isto em 2022, mas o covid-19 apareceu e fez-nos adiar os projectos. Neste percurso, perdemos alguns ciclistas”, revelou.

Exemplos de superação

Durante a viagem, Kulla conta que o grupo viveu histórias que jamais poderia imaginar. Conheceu associações de pessoas com limitações que mostraram haver muito mais deficientes capazes de realizar actividades comuns. “Há um grupo de desabilitados que pegaram nas bicicletas de mão e pedalaram connosco até passarmos o Botsuana, fizeram connosco cerca de cem quilómetros. Pedalámos também com alguns ciclistas paraolímpicos, cruzámo-nos com pessoas deficientes que queriam ouvir as nossas histórias”, disse Olaf Kulla. “Uma das coisas que pretendemos mostrar é que se retirarmos algumas barreiras, as pessoas deficientes podem fazer tudo. Num local de trabalho, quanto mais se aumentar o número de pessoas deficientes, melhor o local se torna, pois cria-se um lugar melhor para toda a gente”.

Uma das outras aventureiras nesta iniciativa é Jataya Taylor, cidadã americana que fazia parte da Marinha de Guerra dos Estados Unidos de América (EUA). Por motivos de saúde, teve de amputar uma das suas pernas, deixando-a limitada.

Porém, não desistiu, preferindo olhar para outras janelas de oportunidade que a vida abriu, como é o caso desta iniciativa. “Ficámos a pensar bastante sobre a viagem e o mais engraçado é que há pequenos aspectos diferentes em atravessar África. Mas, mesmo assim, decidimos avançar”, disse Taylor, para quem a rota permitiu “parar em vários pontos significantes para conversar e trocar impressões”. A ciclista conta que a sua amputação foi feita no joelho esquerdo. “Foi duro, pois pensei que nunca mais voltaria a ser a mesma pessoa que era antes. Naquele momento, fiquei muito nervosa, porque é difícil aceitar a realidade. Mas temos de deixar isso para trás. Se ficamos muito tempo a observar uma porta que foi fechada, não vemos as que estão abertas ao nosso redor”.

Que lições tirar destes ciclistas?

“Temos melhores benefícios nos EUA, onde estamos em condições de ser auto-suficientes, porque temos acesso a tudo. Posso andar com a minha cadeira de rodas e viajar de autocarro, posso entrar num centro comercial sem problemas, porque estão criadas condições”, exemplificou Jataya Taylor. “É neste aspecto que Moçambique deve aprender e crescer, pois há muito trabalho por aí. Vejo que o País tem muito potencial no turismo, mas se não se criarem condições para pessoas com deficiência, podem perder muito dinheiro. Existe muita gente com deficiência que quer aproveitar o potencial turístico de cá”, apontou. Para o presidente da Associação de Ciclismo da província de Maputo, Daniel Lewis, a atitude dos ciclistas com limitações inspira a sociedade moçambicana. “Temos algumas pessoas com limitações dentro da associação.

Mas termos estes profissionais que se notam, não só pela deficiência, mas também pela idade que é muito avançada, é a prova de que com um bocadinho de vontade e determinação podemos chegar lá. Estes ciclistas internacionais motivarão mais ciclistas de Moçambique, assim como as nossas instituições. Vamos tentar, a partir de agora, trabalhar com a associação dos deficientes para incluí-los nestas actividades”. Depois de tanto ciclismo e aventuras, o grupo vai desfrutar do turismo nacional, desde as praias até à gastronomia.

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